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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.28  Uberlândia  2021  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v28a2021-13 

Entrevista

Entrevista: Edicléa Mascarenhas1. Diálogos sobre a pedagogia hospitalar

2Doutora em Educação. Instituto Aphonsiano de Ensino Superior - IAESup. Trindade, Goiás, Brasil. E-mail: ednamariajesus20@gmail.com.


A proposta desta entrevista foi dialogar com a Prof.ª Dr.ª Edicléa Mascarenhas, da UERJ, acerca dos desafios e perspectivas da Pedagogia Hospitalar. A entrevista foi realizada via on-line pela Prof.ª Dr.ª Edna Maria de Jesus, em janeiro de 2021.

Edna Maria: A Constituição da República (BBRASIL, 1988), no artigo 205, estabelece que “a Educação é direito de todos” e no artigo 208 inciso III, prevê a garantia do “atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Assim, quais os impactos da legislação para o estudante, da Classe Hospitalar/Domiciliar, da rede pública?

Edicléa Mascarenhas: Toda política precisa ser revisada, vide os Planos Nacionais de Educação que são revistos decenalmente. Ao longo de 2018 foram realizadas diversas consultorias por professores de universidades públicas sob a coordenação da Equipe de Educação Especial do Ministério de Educação.

As consultorias resultaram numa proposta para uma Política de Educação Especial Equitativa Inclusiva e ao Longo da Vida, que foi exposta no site do Ministério da Educação para uma consulta pública numa plataforma com acessibilidade em que pessoas com deficiências, familiares, gestores, professores, professores e pesquisadores puderam responder perguntas de um questionário e em caso de discordância poderiam expressar suas opiniões.

Após a etapa da consulta pública um grupo de professores universitários analisou os resultados quantitativos da Escala Likert e os qualitativos utilizando o software Iramuteq. Os resultados dessa análise foram disponibilizados no site do Mec para ser amplamente analisado. Retomando as consultorias no ano de 2018 pela primeira vez o MEC lançou um edital específico para o Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar e Domiciliar eu e a Dra Jucelia Grahan da Universidade Federal de Mato Grosso fomos aprovadas e pudemos realizar a primeira pesquisa de análise do atendimento em ambiente hospitalar e domiciliar com financiamento da UNESCO.

Analisamos questionários de gestores, realizamos encontros em diversos estados envolvendo professores, pesquisadores, conselheiros, promotores mobilizados em rede nacional para discutirem a importância destes atendimentos. Hospitais, casas de apoio e residências abriram as portas para nossas visitas E ao final de 2018 em meio a toda profusão que nossa pesquisa despertava tivemos a alteração da Lei de Diretrizes e Bases, Lei 13.716 de 24 de setembro de 2018, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/ 1996), passou a vigorar acrescida do artigo 4: que assegura atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência administrativa.

A consulta pública para revisão da Política Nacional de Educação Especial de 2008 (PNNE/2008) realizada em 2018 trouxe alguns pontos de análise para discussão, sobretudo no que concerne às modalidades de atendimento aos alunos público da Educação Especial.

Toda política emerge de um sistema que envolve decisões dos órgãos executivos, mas, sobretudo, refletem o momento da sociedade, bem como a expectativa de que o poder público possa por meio de leis, com planejamento, metas e diretrizes oferecer os bens e serviços contemplados em uma determinada política. Neste sentido, políticas não podem ser estanques precisam de reavaliações das mesmas para que possam ser apuradas necessidades de ajustes ou redimensionamentos.

A (PNNE/2008) foi constituída com forte ênfase da oferta da Educação Especial em espaços regulares, ou seja, nas classes regulares, com sistema de apoio no contra turno das salas de recursos, denominadas multifuncionais. Sendo assim, as ações advindas das diretrizes naquele momento focavam-se na formação de professores, nos recursos mobiliários, materiais a serem destinados às salas de recursos do Ensino Fundamental no contraturno. Neste cenário houve pouco ou quase nenhum investimento financeiro para modalidades mais específicas como as classes especiais, as salas de educação precoce, as escolas especiais; ou ainda as classes hospitalares e os atendimentos domiciliares.

Criou-se um campo de tensão e polarização no sentido de que os gestores ministeriais e os adeptos da (PNNE/2008) entenderem que estas modalidades mais específicas corresponderiam a um modelo de segregação e exclusão. Em contrapartida, um considerável número de alunos com graves alterações do desenvolvimento de diferentes faixas etárias, que demandavam de espaços mais específicos acabaram em muitas redes de ensino ficando fora da possibilidade de receberem atendimento educacional qualificado de acordo com suas peculiaridades. Sem dúvida, uma forma de exclusão, que retirava o direito à educação a esta parcela de alunos.

O momento da consulta pública do texto proposto para PNEE 2018 reconduziu ao cenário educacional brasileiro a discussão acerca de propositivas de modalidades que não foram contempladas na PNEE de 2008, embora presentes em políticas de educação especial, anteriores, garantidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 e no Plano Nacional de Educação de Educação Lei 13005/ 2014: as classes especiais e as escolas especiais.

A consulta foi realizada de 6 a 23 de novembro de 2018, de forma democrática em site do Ministério da Educação, com sugestões de 47 tópicos, divididos em seções normativas. Essas propostas emergiram das bases de consultorias realizadas no ano de 2018 por especialistas de diferentes universidades, que entrevistaram gestores, professores alunos, familiares, e visitaram em loco escolas e instituições; constituindo-se certamente em um dos maiores acervos de produtos e relatórios do Ministério de Educação sobre controle da eficiência e eficácia de uma política pública.

A plataforma para avaliação da política foi construída dentro dos critérios de acessibilidade a leitores de tela e com janelas em Libras

A referida consulta objetivou ouvir a população, considerando suas sugestões sobre 47 tópicos, divididos nas seis seções normativas, da minuta do texto da PNEE-2018, permitindo indicar a concordância com os tópicos, propor redações alternativas para cada tópico e justificar a sua proposição. No intuito de garantir ao máximo que a redação PNEE-2018 atenda às demandas nacionais dos diversos segmentos e/ou pessoas interessadas nesta política.

As contribuições foram coletadas por meio de uma plataforma online no site https: //pne.mec.gov.br. Além de um texto introdutório, que discorre sobre o processo de elaboração da minuta de atualização da PNEE na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), o documento está organizado em sete seções: Princípios; Marco Legal e Regulatório; Cenário Atual, Finalidades e Objetivos; Estudantes apoiados pela Educação Especial; Serviços e Recursos Especializados e Diretrizes. Por se tratarem de informações para subsídio ao leitor, a seção referente ao Cenário Atual não foi avaliada.

Metodologicamente em cada assertiva o avaliador poderia julgar numa escala se “Concordo Totalmente”; “Concordo Parcialmente”; “Indiferente”; “Discordo Parcialmente”; “Discordo Totalmente”. Essas avaliações eram tratadas com percentuais por cada grupo participante: gestores, profissionais de educação, pesquisadores, familiares, usuários, cidadãos. Quando os participantes assinalavam discordo parcialmente ou totalmente o sistema ainda permitia que os mesmos escrevessem seus motivos para assinalarem estes itens.

Analisaremos três temas, aprendizado ao longo da vida, classes especiais e escolas especiais, temas por assim dizer considerados tabus na PNEE 2008 .

O aprendizado ao longo da vida, que dá ênfase ao que constitui o ser humano em sua essência e prioriza além dos espaços formais os não formais, bem como às experiências da vida cotidiana, das habilidades e talentos é fundamental para os alunos com graves impedimentos cognitivos. As limitações nas capacidades adaptativas causam distorções idade/ série são complexas e a necessidade de adaptações razoáveis que nem sempre permitem cumprir um currículo em classe comum. Até então, esse grupo ficava fora de qualquer possibilidade de uma oferta educacional e seu caminho seria a evasão. Interessante perceber que nesse item houve 88,2% de concordância total com a necessidade de uma proposta educacional que possa dar conta deste segmento. Tivemos uma pequena discordância total 6,1%.

Outro item até então considerado polêmico na PNNE 2008 e que foi retomado a partir da meta 4, estratégia 4,4 do Plano Nacional de Educação foi a menção a um contínuo de ofertas de serviços, ou seja o atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino , com a garantia de sistema educacional inclusivo de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. Traz ainda o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que define Escola especial como aquela constituída em caráter eventual, com atuação exclusiva em Educação Especial e organizada para maximizar o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com impedimentos individuais múltiplos e significativos. Em relação a este tópico tivemos 81,2% de concordância, sendo os que mais concordaram foram os grupos de professores, gestores, familiares e estudantes, os que menos concordaram foram os pesquisadores.

ASSIM, é papel dos Poderes Legislativo e Judiciário fiscalizarem nos seus âmbitos de competência a oferta desses serviços que posso abordar mais detalhadamente nas próximas perguntas.

Edna Maria: A Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), elenca, em seu artigo 27, que “A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”. Assim, quais são os saberes docentes necessários para se efetive um atendimento de qualidade e inclusivo, de fato, nas Classes Hospitalares/Domiciliares?

Edicléa Mascarenhas: A Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015) é um documento fundamental porque epistemologicamente, desloca o foco da deficiência do indivíduo para o social, quer dizer ao definir que a deficiência é um impedimento de longo prazo em órgão ou função de natureza sensorial, física, intelectual e mental que em contato com as barreiras, conforme Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Quanto ao Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

O artigo 28 nos ajuda a pensar sobre os conhecimentos legais e os saberes docente necessários ao atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar.

O artigo ressalta o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, a necessidade de eliminação de barreiras, adaptações para acesso ao currículo, medidas individualizadas e coletivas para acesso e permanência e pesquisas sobre metodologias, materiais didáticos e recursos de tecnologia assistiva. Envolver os alunos e família nas diversas instâncias da comunidade escolar; medidas que promovam os potenciais, habilidades, igualdade de condições ao lazer, à cultura, oferta de profissionais de apoio escolar, intérpretes de Libras.

Sendo assim inicialmente o sistema de ensino precisa garantir legalmente a presença dos docentes para efetivar o atendimento a alunos em condição hospitalar e domiciliar. Lembrando que as necessidades e especificidades deste grupo são muito tênues. Por exemplo, nem todos esses alunos são considerados público da educação especial, porém ao analisarmos o conceito da LBI Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, muitos pacientes com doenças raras encontram-se nesta condição, por exemplo a epidermólise bolhosa que acomete a pele, maior órgão do corpo humano leva gradativamente a lesão e atrofia de membros superiores e inferiores. Há outras condições também como as alterações em sistemas excretores em que os alunos necessitem de ostomas, ou alterações em sistemas esqueléticos como osteogênese imperfectas, erros inatos de metabolismo e alguns tipos de câncer e doenças hemolíticas. O que pretendo refletir é que são condições que necessitam de um olhar pedagógico multidisciplinar em que o professores das diversas áreas de conhecimento, junto aos professores do atendimento educacional especializado deverão atuar nos hospitais e domicílios organizando planos de atendimento individualizados para garantir uma atendimento educacionalde qualidade e equitativo a esta parcela de alunos.

Sendo assim, um dos saberes que pontuo como essencial trata-se do professor compreender a percepção da complexidade dos campos de conhecimento, saber interagir com as demais áreas de conhecimento na educação e em áreas afins. Há necessidade da percepção de que os saberes docentes neste campo se interpenetram e que a dimensão não pode se limitar a apenas a ação de um docente. A própria LBI nos traz a importância do profissional de apoio escolar, dos profissionais de LIBRAS, Braille, de Comunicação Alternativa. Então, neste sentido transitar no campo da inter e trans disciplinaridade é fundamental

Ainda em relação aos saberes docentes às adequações curriculares, os tempos e espaços curriculares nos ambientes hospitalares e domiciliares também necessitam ser redimensionados em função das necessidades de cada aluno. Conhecer o desenvolvimento humano, as perspectivas de metodologias ativas e interativas são fundamentais. Adequar materiais como pranchas de apoio, tablets para atividades no leito. Saber adequar as tecnologias assistivas de comunicação alternativa são fundamentais para o processo de interação com alunos impedidos de forma momentânea ou permanente de expressar oralmente devido a traqueostomias ou doenças degenerativas.

A produção de materiais didáticos específicos é outro saber importante neste campo de docência, pois nem sempre os materiais do mercado são adaptados às necessidades de higienização para um aluno com baixa imunidade. Saber diferenciar os materiais e produtos adequados a serem oferecidos aos alunos é importante tais como evitar brinquedos de pelúcia, plastificar cartas de jogos para serem higienizadas, evitar brinquedos que soltem peças, tintas, películas.

Organizar acervos de atividades de materiais didáticos compatíveis com faixa etária e nível de escolaridade; bem como ter uma coletânea de histórias infanto-juvenis em Libras e com audiodescrição para atender alunos com deficiências auditiva e visual; atualmente existem diversos sites de instituições que disponibilizam esses materiais com excelente qualidade.

Outro saber fundamental é trabalhar com metodologias de registro como cadernos e diários, portfólios que permitem uma avaliação processual que pode ser percebida pelo aluno trazendo-lhe autoestima, bem como para a família, escola de origem e demais profissionais da educação e saúde.

Edna Maria: Quais os impactos das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais, para a Formação de Professores, do curso de Pedagogia, com foco na Educação Especial, principalmente, em Classes Hospitalares/Domiciliares?

Edicléa Mascarenhas: O primeiro impacto que destaco volta-se ao colegiado das licenciaturas no sentido da compreensão de que a Educação Especial é uma das áreas fundamentais na organização dos currículos. Os artigos 2º e 3º, das diretrizes no que concernem à formação de professores inicial e continuada dos profissionais do magistério, para a Educação Básica é bem preciso ao destacar a importância das modalidades de educação.

Neste sentido para atender aos princípios propostos é importante que o tripé do Ensino Superior esteja garantido na formação dos professores neste campo de conhecimento, ou seja na docência, pesquisa e extensão.

Na docência destaco a importância de disciplinas obrigatórias e eletivas que abordem os princípios filosóficos, teóricos e da prática pedagógica no campo da Educação Especial em todas as suas modalidades ( salas de recursos, classes especiais, classes bilingues, itinerância, atendimento educacional em ambiente escolar e domiciliar), bem como os saberes voltados às metodologias de ensino para os alunos público da educação especial ( orientação e mobilidade, introdução ao sistema braile, Libras, códigos de comunicação alternativa, aceleração e suplementação para alunos com altas habilidades/superdotação, tecnologias assistivas, perspectivas teóricas e práticas para o atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar).Destacam-se também os processos de ensino/ aprendizagem e os princípios para elaboração de adequações curriculares, materiais didáticos, avaliação diferenciada e fundamentos para elaboração de Planos Educacionais Individualizados.

Considerando que a educação especial é modalidade transversal e que alunos público da Educação Especial participam das classes inclusivas, é importante que o currículo de formação inicial oferte disciplinas que contemplem os tópicos acima mencionados, para que não incorramos na falácia discursiva de uma educação inclusiva sem oferta de formação básica no campo da educação especial, considerando as diversidades presentes nesta área, bem como a importância dos alunos não terem somente a formação teórica mas carga horária de estágio nas diferentes modalidades acima descritas, incluindo os ambientes hospitalares e domiciliares.

Os pontos seguintes que destaco no tripé universitário são a pesquisa e extensão. A importância de que durante a formação como também destaca as diretrizes que o licenciando tenha acesso a bolsas de Iniciação à Docência, PIBID, Iniciação Científica e Extensão em que possam aliar os conhecimentos, a pesquisa e imersão no campo. Sendo assim é importante que o colegiado de docentes dos cursos de formação desenvolvam projetos de inserção no campo, bem como o acesso a banco de dados dos projetos das redes municipais que favoreçam ao estagiário e pesquisador em formação a imersão no campo.

As experiências de estágios na área do Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar e Domiciliar estão sendo desenvolvidas em alguns cursos de Licenciatura em Universidades Públicas. No Curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro temos bolsas de estágio de Iniciação à Docência e Extensão, onde o aluno das licenciaturas realiza imersão no campo nos hospitais parceiros que possuem classes hospitalares devidamente implantadas em parceria com as redes municipais de ensino. Alguns estagiários receberam prêmios durante a Semana Acadêmica da UERJ pela relevância da temática.

Ainda no processo de formação inicial voltado ao atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar um tema que se inicia a discussão é a necessidade de uma formação inicial não somente ao licenciado de Pedagogia, mas também das demais licenciaturas. Temos observado que a maior parte dos professores lotados nas classes hospitalares brasileiras são oriundos da Pedagogia. Porém esse atendimento se remete à Educação Básica necessitando assim que os demais licenciandos tenham uma visão básica acerca dessa modalidade. Em 2006 implantei na Universidade do Estado do Rio de Janeiro no campus Maracanã a disciplina Prática Pedagógica em Educação Inclusiva para as licenciaturas. Atualmente temos sete disciplinas por período em que aproximadamente 300 alunos de diversos campos de conhecimento recebem informação sobre Educação Especial e Inclusiva, estudando as características do público alvo e modalidades, inclusive as classes hospitalares e o atendimento domiciliar.

Com a perspectiva das horas extensionistas serem incorporadas como horas curriculares é um momento muito importante para que nós que atuamos na área de Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar e Domiciliar conscientizemos para a necessidade da expansão dessas áreas nas formações iniciais e continuada dos licenciandos.

Edna Maria: Com base na formação docente atual, quais os desafios e/ou dificuldades encontradas na execução do trabalho docente hospitalar/domiciliar em tempos de pandemia e como enfrentá-los?

Edicléa Mascarenhas: O momento de pandemia tem mostrado a todos os educadores de forma exacerbada o desnível social do acesso à informação e falta de investimentos públicos em tecnologias para as escolas brasileiras. Temos abordado muito nas lives em 2020 e nas produções científicas do nosso grupo de pesquisa do NEEI os impactos da exclusão sobretudo ao público com deficiência.

As pessoas com deficiência ficaram à margem de informações necessárias sobre necessidade de isolamento social, formas de contágio, etc. Não temos uma cultura de informação acessível apesar de inúmeras legislações como decreto 5296/ 2004 que trata da acessibilidade e a própria Lei Brasileira de Inclusão. Comumente os órgãos responsáveis pela assistência básica ou especializada na saúde não produzem materiais de comunicação com os usuários em diversas mídias inclusivas como braille, códigos acessíveis, ou língua de sinais deixando assim um imenso grupo à margem de seus direitos à informação sobre cuidados com seu corpo ou de seus familiares. A pandemia revelou essa distorção antiga no campo da saúde.

No campo da educação embora as tecnologias assistivas sejam também recomendadas quanto ao uso e pesquisas tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 e nos dispositivos da meta IV do Plano Nacional de Educação Lei 13.005 /2014, o que ainda vemos como uso comum são as produções de materiais pedagógicos de baixo custo, feitos pelo docente. Embora os materiais sejam extremamente importantes e significativos, mas precisamos que nossos alunos, inclusive os da educação especial tenham acesso à internet de banda larga na escola, hospital e domicílio, bem como aos dispositivos de comunicação e softwares para melhorarem a qualidade de vida e o processo de inclusão educacional.

Nos tempos de pandemia todos estão experimentando a sensação de reduzir distâncias de seus entes queridos, colegas de trabalho e alunos pelo uso das plataformas de interação como Google meet, Zoom meet, e a intensificação da rede de relação como facebook e whats app.

Então os desafios impostos neste ano pandêmico foram o baixo acesso da população em geral a uma internet acessível para o uso seja na condição de aluno ou em trabalho domiciliar e a ausência de internet acessível nos ambientes hospitalares com tablets disponíveis para uso individual.

Com as restrições sanitárias a maior parte das classes hospitalares e domiciliares necessitaram ser suspensas, então o acesso à banda larga a computadores e tablets pelos alunos e suas famílias possibilitaria a continuidade da interação com seus professores e até com os colegas da turma por meio de encontros nas plataformas digitais.

Um de nossos mestrandos defendeu em 2018 uma dissertação que tratou do uso do whats app como ferramenta de interação nas classes hospitalares, mesmo de forma assíncrona os alunos no leito exercícios, brincadeiras e jogos.

Tivemos também registro de professores que deixavam nos hospitais kits de jogos e exercícios higienizados individuais que eram disponibilizados pela equipe de enfermagem a cada aluno. Houve criação de blogs com contação de histórias, enfim uma forma criativa que nossos professores e equipes pedagógicas tiveram que ter um enfrentamento para se manterem em conexão com seus alunos.

O que tem sido um grande aprendizado desta pandemia é que não poderemos seguir em propostas educacionais que não utilizem os recursos da web.4 que envolvam a conectividade de sistemas para acesso ao conhecimento, uso de inteligência artificial, aplicativos, dispositivos eletrônicos como tablets, computadores, jogos de interação.

Atualmente, devido à falta de acesso à internet os alunos em processo de internação ou em domicílio, perdem a interatividade com suas turmas de origem; sendo assim as novas tecnologias digitais implantadas de forma democrática em escolas, hospitais, casas de apoio, residências proporcionarão conectividade interação, reduzindo sentimentos de isolamento e solidão; melhorando a auto estima além de possibilitar autonomia de estudo e busca de conhecimento.

Edna Maria: Professora, mediante seus estudos e experiências na Formação Docente, quais seriam os novos rumos da prática docente, para atuar em Classes Hospitalares/Domiciliares?

Edicléa Mascarenhas: A Lei 13.716 de 2018 que alterou a LDB trouxe a inclusão no título II do Direito à Educação e do Dever de Educar o artigo 4º A que assegura atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa.

A introdução deste dispositivo pelo legislador no título que trata do direito à educação e do dever de educar expressa a intenção de que essa oferta dessa modalidade seja oferecida a todo aluno da educação básica e na responsabilidade da competência federativa ou seja municipal e estadual.

Observando que a Educação Básica engloba educação infantil, ensino fundamental e ensino médio então a oferta do atendimento educacional hospitalar de domiciliar inicia-se desde o início da vida, e sobretudo bebês nascidos com alterações do desenvolvimento seja por síndromes genéticas, adquiridas ou condições raras pelo artigo 4º têm garantidos seus professores domiciliares e hospitalares, que nesta etapa de vida estariam junto às famílias organizando planos educacionais individualizados em educação precoce para potencializar o desenvolvimento evitando assim super posição de deficiências por ausência de estimulação.

Lembremos dos casos dos bebês com síndrome congênita do Zika Vírus, muitos devido a condições de imunodeficiência tiveram adiadas suas entradas na educação infantil e hoje mesmo aqueles que estão completando o 5º ano de vida ainda não têm esses atendimentos garantidos.

Então demandaria uma formação inicial e continuada para o educador da educação infantil preparando para atividades em contextos hospitalares nas enfermarias dos berçários e até mesmo nas UTIs neo natais auxiliando os cuidadores com atividades para estimular o desenvolvimento sensorial e perceptivo de seus bebês. Em 2018 oferecemos pelo nosso Núcleo uma formação em educação precoce para professores e gestores da educação infantil e incentivando a modalidade de classe hospitalar e domiciliar.

No Ensino Fundamental e Ensino Médio destaco um ponto que abordei anteriormente acerca da necessidade do preparo de docentes das diversas licenciaturas para atuação em hospital e domicílio seja por formação inicial e continuada. Encontramos no Brasil algumas experiências com docentes de diversas licenciaturas, como por exemplo no município de Salvador com a Escola Municipal Irmã Dulce onde são lotados os professores do ensino fundamental que ofertam seus serviços nas classes hospitalares e em domicílio. E a nível estadual a Secretaria de Estado da Bahia também oferta o serviço. Mas essa ainda não é uma realidade nacional, encontramos estados como por exemplo o Rio de Janeiro que ainda não possui a modalidade implantada e vários municípios desenvolvem o atendimento.

O preconizado pelo artigo de 2018 é que cada sistema ofereça dentro da sua esfera de competência, para que todos os alunos possam usufruir seus direitos educacionais. Importante destacar a necessidade de interação entre a escola vinculada à classe hospitalar com a escola de origem; muitas vezes essa escola localiza-se em outro município; então construir essas redes colaborativas de relação são fundamentais.

Um outro ponto fundamental para os sistemas de ensino é a necessidade de interação com as secretarias de saúde responsáveis pela fiscalização e supervisão das redes hospitalares; pois cabe aos hospitais que atendem crianças e adolescentes oferecerem os espaços para organização das classes hospitalares. Inclusive os hospitais privados não devem estar fora dessa incumbência assim como a LBI determinou a implicação das escolas privadas na perspectiva da inclusão, os hospitais particulares também devem oferecer espaços para implementação desses atendimentos.

Abordei até aqui as implicações dos sistemas, pois a prática docente é advinda do direito da existência desses serviços. Uma prática comprometida com a práxis é fundamental, então a organização de fóruns locais envolvendo docentes, universidades, conselhos de direitos, ministério público, gestores de educação, saúde são fundamentais para debater a temática e iniciar a construção de uma rede local.

Penso que os próximos anos serão muito promissores os docentes envolvidos nestes atendimentos seja no âmbito das redes públiicas e das universidades têm se engajado em grupos de discussão, fóruns e movimentos sociais que vêm dando visibilidade e a este campo e como diria o sociólogo Bourdieu as leis e políticas não são neutras, nascem a partir de campos e vetores de grupos sociais. As classes hospitalares no Brasil datam da década de 1950, há menção em diversos documentos oficiais acerca da necessidade, porém pela primeira vez temos destaque na Lei de Diretrizes e Bases e, sem dúvida foi a visibilidade do movimento de docentes que trouxe ao legislador a sensibilidade para inclusão destas modalidades no escopo da educação básica na lei maior que rege a educação nacional.

Os próximos passos serão estabelecer diretrizes com competências dos entes federados, bem como as intersetorialidades necessárias e as formas de financiamento para que possamos garantir aos alunos da educação básica em situação de internação hospitalar ou domicílio seus direitos inalienáveis à educação.

* Edicléa Mascarenhas Fernandes: Doutora em Ciências na Área de Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz (2000). Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Permanente do Mestrado em Diversidade e Inclusão da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora da disciplina de Educação Especial da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do RJ, onde é membro da Comissão para Estudos e Propostas para Alunos com Necessidades Especiais. Membro do Conselho Estadual para Política para Pessoas com Deficiências. Presidente do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa com Deficiência. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial, atuando principalmente nos seguintes temas: educação inclusiva, educação especial, formação de professores, práticas pedagógicas e adaptações curriculares em classes comuns, especiais e classes hospitalares. É líder do grupo de pesquisa Produção de Material Didáticos Acessíveis para Pessoas com Deficiências em Contextos Formais e Informais de Educação. Medalha Paulo Freire pelos serviços prestados no campo da Educação Especial no município de Duque de Caxias.

1

Doutora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-3998-2016. E-mail: professoraediclea.uerj@gmail.com.

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