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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.28  Uberlândia  2021  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v28a2021-30 

Dossiê 2 - História da educação matemática

Entre navegantes e navegações: diários de bordo sobre o curso Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Entre navegantes y navegaciones: bitácoras del curso Licenciatura en Matemáticas de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul

Thiago Pedro Pinto1 
http://orcid.org/0000-0002-6414-7306

Ana Claudia Lemes de Morais2 
http://orcid.org/0000-0003-3187-9866

1Doutor. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: thiago.pinto@ufms.br.

2Mestre em Educação Matemática. Universidade do Estado de Mato Grosso, campus Barra do Bugres - MT - Brasil. E-mail: anaprof@unemat.br.


RESUMO

Apresentam-se neste texto algumas compreensões sobre o início da Licenciatura em Matemática a distância da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Tais compreensões surgem de uma pesquisa de mestrado que teve como objetivo caracterizar os movimentos iniciais da constituição desse curso. As análises, pautadas em cinco entrevistas produzidas ao longo do mestrado, foram realizadas inspiradas nos delineamentos da História Oral, valendo-se de seus recursos de transcrição e textualização, juntamente com documentos oficiais obtidos na instituição. Esta metodologia vem sendo utilizada na Educação Matemática, em especial pelo Grupo História Oral de Educação Matemática (GHOEM) e História da Educação Matemática em Pesquisa (HEMEP). Neste trabalho, dois movimentos destacaram-se e foram discutidos como temas de dois diários de bordo: (i) o de uma história sobre o curso investigado e; (ii) a importância de ações prévias (Parceladas e Licenciaturas Curtas) à sua criação, entendidas como uma continuidade de ações.

PALAVRAS-CHAVE: História da Educação Matemática; História Oral; Educação a Distância; Licenciatura em Matemática a Distância; Universidade Aberta do Brasil

RESUMEN

En este texto se presentan algunos entendimientos sobre el inicio de la Licenciatura en Matemáticas a distancia de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul. Tales entendimientos surgen de una investigación de maestría que tuvo como objetivo caracterizar los movimientos iniciales de la formación de este curso. Los análisis, a partir de cinco entrevistas producidas durante la maestría, se realizaron inspirados en los diseños de Historia Oral, utilizando sus recursos de transcripción y textualización, junto con documentos oficiales obtenidos en la institución. Esta metodología ha sido utilizada en Educación Matemática, especialmente por el Grupo de Historia Oral de la Educación Matemática (GHOEM) e História de la Educación Matemática en Investigación (HEMEP). En este trabajo se destacaron dos movimientos que fueron discutidos como temas en dos bitácoras: (i) el de una historia sobre el curso investigado y; (ii) la importancia de las acciones previas (Cuotas y Licencias Cortas) a su creación, entendida como una continuidad de acciones.

PALABRAS CLAVE: Historia de la Educación Matemática; Historia oral; Educación a distancia; Licenciada en Matemáticas a Distancia; Universidad Abierta de Brasil

ABSTRACT

This text presents some understandings about the beginning of the Mathematics Degree at a distance from the Federal University of Mato Grosso do Sul. Such comprehensions arise from a master's research that characterized the initial movements of the constitution of this course. The analyses, based on five interviews produced throughout the Master's degree, were inspired by the delineations of Oral History, using its transcription and texturing resources, with official documents obtained at the institution. This methodology has been used in Math Education, especially by the Oral History of Math Education Group (GHOEM) and History of Math Education in Research (HEMEP). In this work, two movements stood out and were discussed as topics of two logbooks: (i) that of a story about the researched course and; (ii) the importance of previous actions (Installments and Short Courses) to its creation, understood as a continuity of actions.

KEY WORDS: History of Mathematics Education; Oral History; Distance Education; Degree in Mathematics at a Distance; Open University of Brazil

Se não sais de ti, não chegas a saber quem és.

(...) É necessário sair da ilha para ver a ilha,

que não nos vemos se não nos saímos de nós.

(JoséSaramago, 1998)

Introdução

A Educação Superior no Brasil possui momentos e movimentos distintos que culminaram no cenário atual. As licenciaturas, os bacharelados e tecnólogos, os cursos presenciais, semipresenciais e a distância, são exemplos disso. Particularmente, a formação de professores ganhou, a cada época, contornos ainda mais particulares, cursos de curta duração (SILVA, 2015), cursos vagos, campanhas de aperfeiçoamento e difusão, entre outros.

Pesquisas do Grupo História Oral de Educação Matemática (GHOEM) e do grupo História da Educação Matemática em Pesquisa (HEMEP) nos têm mostrado como essas ações influenciaram de diferentes modos a formação de professores no século XX em diversas regiões do País. Ações que, além de contribuírem diretamente para a formação dos professores da época, produziram e replicaram modos de ensinar e de conceber a educação e a própria formação de professores. Certamente há reflexos destes modos ainda presentes em nossas salas de aula.

Pensando nisso, nossa intenção neste texto não é buscar justificativas para o que temos hoje através de uma aplicação direta de causas e efeitos, mas sim, de produzir passados3 que nos ajudem a traçar novas compreensões sobre o presente. Neste ímpeto, realizamos um trabalho de viés historiográfico que olhou para a abertura do curso de Licenciatura em Matemática na UFMS na modalidade a distância, alinhado aos projetos de pesquisas que mapeiam a formação e a atuação de professores no Brasil, representado pelo GHOEM e, especificamente, no Mato Grosso do Sul, pelo HEMEP. A partir disso, buscamos, então, fontes possíveis para produzir passados a respeito desse curso. Documentos oficiais, fotografias, diários e entrevistas foram utilizados para tanto, alguns se referem às portarias e aos editais fornecidos pelo Boletim de Serviços da UFMS4 e outros constituídos a partir das entrevistas realizadas e dos documentos cedidos por nossos entrevistados. Os documentos pessoais e as entrevistas realizadas contaram com a colaboração de pessoas que atuaram diretamente neste curso e que ocuparam, na época, os cargos de chefe da coordenadoria de educação a distância, professores do curso, tutores e secretária acadêmica5. Essa busca por colaboradores foi possível e mais acessível pelo fato de o curso ainda existir à época da pesquisa (2017 e 2018) e também de o orientador do trabalho ter atuado neste curso, sugerindo profissionais que pudessem compor a pesquisa (MORAIS, 2017).

O estudo de documentos, como as normativas do Ministério da Educação e de criação da Universidade Aberta do Brasil nos colocou às vistas um panorama nacional que, para um leitor desavisado, pode parecer um tanto homogêneo. No entanto, as pesquisas historiográficas que se debruçam sobre estes temas nos mostram o quanto cada região do Brasil teve que lidar com a urgente demanda de professores qualificados e o quanto criaram, (re)elaboraram e improvisaram nesta direção para formar um maior número de professores em um menor espaço de tempo. Esta marca, muito presente no século XX, mostra-se presente também no início do nosso século.

Em Mato Grosso do Sul, particularmente no movimento de observarmos a constituição deste curso, outras iniciativas fizeram-se presentes: Licenciaturas de Curta duração, Licenciaturas Plenas e Parceladas e também os cursos voltados a uma clientela específica, como professores leigos, por exemplo.

No que diz respeito à legislação, as licenciaturas na modalidade a distância são regulamentadas pela publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a de 20 de dezembro de 1996, e do Decreto n.º 5.622, de 20 de dezembro de 2005. Essa regulamentação, segundo Almeida e Borba (2015), situa-se na chamada “terceira geração” da educação a distância no Brasil, geração marcada pelo avanço tecnológico e pela criação do primeiro curso de Ensino Superior nessa modalidade, ministrado em espaços denominados de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), o que nos levou a entender que a modalidade já existia, no entanto, seus recursos eram bem mais limitados do que aqueles que conhecemos.

As licenciaturas na modalidade a distância surgiram com a finalidade de atender as demandas do País e, a partir de editais, as instituições e os institutos federais passaram a implementar seus projetos, colocando cursos já institucionalizados na modalidade presencial, com oferta voltada também para a modalidade a distância. Movimentos que ocorrem por conta da regulamentação da modalidade e também da criação da Universidade Aberta do Brasil - UAB6.

A expansão da modalidade, nesse início, teve como prioridade a oferta de cursos de formação inicial em licenciaturas e também de cursos de formação continuada, sempre direcionados à capacitação de professores da Educação Básica. Esses cursos eram organizados a partir de editais divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), especificamente pela Secretaria de Educação Básica (SEB). Nesse contexto, a UAB, ao lançar seu primeiro edital, passou a aprovar e regulamentar polos e cursos na modalidade a distância, em todas as regiões do País. O Edital n.º 1, de 16 de dezembro de 2005, realizou essa chamada para os Municípios, os Estados e o Distrito Federal, e o seu principal objetivo estava em:

Fomentar o “Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB”, que será resultante da articulação e integração experimental de instituições de ensino superior, Municípios e Estados, nos termos do artigo 81 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, visando à democratização, expansão e interiorização da oferta de ensino superior público e gratuito no País, bem como ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e de metodologias inovadoras de ensino, preferencialmente para a área de formação inicial e continuada de professores da educação básica. (BRASIL, 2005, p.1)

Depois desse edital, as instituições de todo o País, interessadas em implementar cursos nesta modalidade, enviaram as suas propostas ao MEC, à Secretaria de Educação a Distância. Nesse primeiro edital, 14 cursos de Licenciatura em Matemática foram aprovados e oferecidos em 63 polos (ALMEIDA; BORBA, 2015). Segundo o estudo destes autores, até o ano de 2015 havia 37 (trinta e sete) cursos de Licenciatura em Matemática a distância, dos quais 3 (três) destes localizavam-se na região Centro-Oeste. Entre estes estava a “Licenciatura em Matemática a distância da UFMS”, curso foco da investigação de mestrado discutida neste texto.

No desenrolar da pesquisa e na busca por documentos, encontramos indícios de que a Licenciatura em Matemática a distância da UFMS começou a ser tramitada a partir do primeiro edital da UAB, tendo sua proposta aprovada em 2006. Desse modo, o primeiro processo de seleção para discentes ocorreu em fevereiro de 2008, com o edital UAB17. Neste primeiro edital, a oferta dessa licenciatura estendeu-se para três estados do Brasil, com os polos de Água Clara (MS), Camapuã (MS), Cruzeiro do Oeste (PR), Rio Brilhante (MS), Igarapava (SP); São Gabriel do Oeste (MS) e Siqueira Campos (PR). Essa ampliação da oferta para outros estados deu-se por conta de uma negociação entre UFMS e UAB, apoiando-se em uma contrapartida do MEC que traria benfeitorias para a estrutura física da instituição, enquanto a UFMS ficaria responsável em levar essa primeira oferta do curso para os estados de São Paulo e Paraná, com isso, não ficando apenas no interior do estado de Mato Grosso do Sul, como ocorreu nas turmas seguintes.

A Licenciatura em Matemática a distância da UFMS - até a data de conclusão da pesquisa (2017) - encerrou três ofertas a partir dos editais: UAB1, UAB2 e UAB3. O quarto edital, a UAB4, segundo informação da coordenação, foi concluído no início de 2019, mas não houve abertura de turmas para a Matemática. No estudo, constatamos que, em 8 anos de oferta, a Licenciatura em Matemática a distância da UFMS formou 160 professores da área com EDI8, correspondendo a 36% das matrículas realizadas inicialmente.

Ao elaborar este breve panorama, procuramos situar o leitor quanto ao que dizem os documentos sobre o início das licenciaturas em Matemática a distância, especificamente da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS, no entanto, a versão apresentada, a seguir, traz no seu cerne as vozes dos personagens deste processo.

Tivemos o propósito, nesse desenvolvimento, de olhar para os primeiros anos do curso, respeitando o tempo de estudo que um mestrado prevê e também a diversidade de situações que influenciaram esse curso. Nesse contexto, deparamo-nos com acontecimentos que ocorreram antes, durante e depois da sua implantação e que, certamente, podem fazer emergir outras pesquisas.

Para o desenvolvimento da nossa investigação, adotamos a perspectiva historiográfica, pautados na metodologia de História Oral, que se apoia fortemente em movimentos como a Escola dos Annales9, a Nova História10, entre outros. Mais especificamente no campo da História da Educação Matemática, na qual alguns grupos, como HEMEP e GHOEM, têm produzido modos próprios de abordar a história, ou seja, produzindo seus próprios movimentos historiográficos e ajustes metodológicos.

Ao nos valermos dessa opção metodológica, fontes foram elaboradas a partir de áudio/vídeo, transformando-os depois em registros escritos, transcritos e textualizados. Na historiografia produzida, procuramos “[...] ressaltar a importância da memória, da oralidade, dos depoimentos, das vidas das pessoas julgadas essenciais” (GARNICA, 2007, p. 08) e, com base nessa concepção, criamos narrativas, ditos, que nos auxiliaram a interpretar, a explicar e a produzir significados dentro da pesquisa.

Nosso entendimento a respeito da produção historiográfica não é o de uma mera transformação do ocorrido em um texto, mas uma produção que se refere a certo momento vivido concernente a uma escrita, não da experiência vivida, mas de uma escrita a partir da experiência vivida. (PINTO, 2015, p. 867)

No desenvolvimento deste exercício investigativo, organizamos um dossiê com os documentos levantados11, contudo o foco se voltou para as vozes dos nossos colaboradores, as quais denominamos “ditos de uma tripulação”, e tornaram-se a base principal deste estudo. Tencionamos, então, baseados nesses registros, elaborar cenários, recriar histórias, valorizando as diversas visões/versões apresentadas, em nosso caso, por cinco colaboradores.

Sendo assim, navegamos e vislumbramos visões de mundo, produzimos viagens, constituímos cenários e recriamos histórias a partir das verdades estabelecidas por nossos entrevistados. Refletimos sobre as diversas manifestações apresentadas sobre os anos iniciais da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS e experimentamos formas e possibilidades de falar sobre um passado, construindo-o e (re)criando-o. Da navegação realizada pelos anos iniciais do curso, deparamo-nos com movimentos que antecederam este processo e nos possibilitaram uma nova compreensão - a nossa versão - do curso investigado, delineados em dois diários de bordo, metáfora utilizada para desenhar parte da nossa análise.

Nesse primeiro diário de bordo, escrevemos a vocês uma historiografia elaborada, ancorada nos estudos levantados na pesquisa, que esboçaram o início da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS e, no segundo diário, procuramos descrever e caracterizar melhor estes movimentos precursores ao curso.

Diário de Bordo I

Uma história a respeito do curso de Licenciatura em Matemática EaD da UFMS

Em Mato Grosso do Sul, “as licenciaturas” tiveram início pouco antes da divisão do estado (Mato Grosso uno). Na época, a universidade era estadual (UEMT12) e havia também os Centros Pedagógicos. Estes centros reuniam os cursos de Ensino Superior, como: Pedagogia, Ciências Humanas, Letras, Farmácia e Odontologia. O curso denominado Licenciatura em Matemática surgiu primeiramente em Três Lagoas no ano de 1970 e em 1975 passou a se chamar Licenciatura em Ciências, ofertado pela UEMT. Somente mais tarde, em 1981, chegou a Campo Grande, inicialmente como Licenciatura em Ciências e, antes de formar a primeira turma, passou a ser Licenciatura (Plena) em Matemática (GONZALES, 2017).

Trinta e um anos depois da criação deste primeiro curso de Licenciatura em Matemática, iniciaram-se discussões sobre a criação de uma Licenciatura em Matemática a distância na UFMS. Regulamentada pela UAB em 2005, a partir da adesão ao primeiro edital da Universidade Aberta do Brasil, teve sua oferta expandida para além do estado de Mato Grosso do Sul, atendendo alguns municípios do Paraná e São Paulo.

No estado do Paraná, o curso foi oferecido no município de Cruzeiro do Oeste e Siqueira Campos; em São Paulo, no município de Igarapava; e no Mato Grosso do Sul, o curso atendeu aos municípios de Camapuã, São Gabriel do Oeste, Água Clara e Rio Brilhante.

Estes sete polos marcaram o início da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS, revelando-nos as mais diversas situações que um curso e seus proponentes podem experimentar, ao trabalhar na sua implementação. Ao atender a demanda de outros dois estados, não se imaginava que tantas outras situações poderiam ocorrer diante dessa oferta mais distante, ainda assim os profissionais da época se dispuseram a trabalhar nessa fase inicial, percorrendo longas distâncias para efetivar seu ofício. Segundo depoimentos, foram várias as visitas a esses polos, em que eles passavam os finais de semana ministrando aulas e, na segunda-feira, deveriam retornar à UFMS para atender aos cursos presenciais. Apesar de cansativo, estes profissionais relembram com saudade esse início.

Estas viagens já aconteciam bem antes da implantação da UAB, pois a Universidade já ofertava outros cursos nessa modalidade, no entanto, apenas dentro do estado. Estes professores trabalhavam em projetos diferentes, mas, em geral, naqueles que visavam à formação inicial e continuada de professores pelo interior do estado. Na época, os professores ministravam cursos que possuíam um formato muito próximo aos cursos que conhecemos atualmente, todavia seus recursos e tecnologias eram diferentes. Dentre os precursores, foram destacadas a Licenciatura de Curta Duração e a Licenciatura Parcelada de Curta ou de Plena duração. Estes cursos se estabeleceram tendo em vista as demandas levantadas nos municípios e, quando não havia mais esta demanda, o curso era destinado para outro Centro Pedagógico (antes da UAB este era o nome atribuído a uma estrutura semelhante ao que conhecemos hoje por polos). Todos os profissionais entrevistados na pesquisa trabalharam também nesses cursos.

No sistema UAB, logo após a submissão das propostas de cursos ao MEC, os municípios que apresentavam uma demanda relevante para a oferta do curso formalizavam a parceria com a UFMS, se comprometendo em ceder o local, materiais e infraestrutura de forma geral. A Universidade, por sua vez, assumia a formação dos profissionais, implementando, organizando e enviando seus professores para o desenvolvimento das disciplinas. O MEC, nesse contexto, depois da aprovação da proposta, realizava a vistoria dos polos e dos locais onde os cursos seriam efetivados. Profissionais eram enviados aos polos para avaliar se as condições estabelecidas pelo edital tinham sido cumpridas. Se na averiguação houvesse algum problema, o polo era notificado para revê-los e só depois se poderia iniciar a oferta. Nestas parcerias nem sempre os municípios cumpriam totalmente com o acordo firmado, vez ou outra os professores se deparavam com problemas estruturais e de materiais, lidando muitas vezes com improvisos.

De acordo com um desses professores

Certa vez, por exemplo, em uma dessas escolas, uma das salas possuía luz, mas não tinha lousa e a outra possuía lousa, mas não tinha luz. A gente improvisava naquele momento, reclamava ao coordenador de polo e no outro dia estava arrumada. Aos poucos eles foram se estruturando. (MORAIS, 2017, p.147)

Depois da implantação da UAB, o curso passou a ter: um tutor a distância para cada disciplina; um tutor presencial para atender aos alunos no polo; um coordenador de tutoria; um coordenador do curso e ainda um coordenador da Educação a Distância na Universidade. Todos remunerados por bolsas do FNDE ou da CAPES, e que antes de iniciar o curso participavam de capacitações específicas para cada função. Os profissionais que conseguiam uma contratação participavam do curso de formação e, na atuação das disciplinas, tinham a oportunidade de fortalecer a sua formação, revendo conceitos e metodologias ministrados na modalidade a distância. A Universidade Federal de Mato Grosso, pioneira na EaD, contribuiu para essa realização e participou de muitas discussões nesse início, socializando com a UFMS os avanços obtidos até aquele momento.

Na implementação do curso, além dos problemas de contratação de profissionais, outros entraves, como as tramitações dos processos relacionados à aprovação do curso foram apontados enfaticamente na fala do gestor e da secretária da época, isso porque havia uma demora considerável, devido à falta de uma estrutura específica, de um sistema acadêmico e ainda de um conselho próprio para a modalidade. Quanto ao aspecto pedagógico, havia problemas na logística, que, por sua vez, precisava ser bem organizada. Essa implementação exigia inclusive a produção de material específico para o curso, requerendo do professor da EaD novas habilidades.

Nesse começo da Licenciatura em Matemática a distância, as matrículas e os demais encaminhamentos ficavam aguardando a finalização desses processos para iniciar a oferta, pois ela dependia destas aprovações e deveria se enquadrar minimamente nas datas e nos modelos já estabelecidos para os cursos presenciais.

Depois de todo o processo já citado, iniciavam-se os trâmites para o vestibular e, posteriormente, as matrículas e, depois disso, a coordenação se organizava para a aula inaugural. Nesta aula, acontecida nos polos, eram apresentados toda a estrutura e o funcionamento do curso, bem como a preparação destes novos acadêmicos para a interação com o ambiente Moodle. Diferente do que vemos hoje no Ensino Remoto, tais cursos eram carregados de encontros presenciais, ocorridos diretamente no polo. Este era um dos motivos que causava muita evasão, tendo em vista que boa parte dos acadêmicos acreditava que não haveria aulas presenciais, por se tratar de um curso EaD. Uma melhor nomeação para esse modelo talvez seria “semipresencial”. Outro fator que influenciou essa evasão foi a dificuldade que se tinha com as disciplinas de exatas. A falta de discussão de uma grade curricular mais voltada para o ensino da matemática era muito evidente. Percebemos que, na implantação desse curso, a grade curricular embasava-se em currículos de cursos presenciais que, mesmo sendo voltado para formação inicial de professores, focavam em uma capacitação mais direcionada para a vida acadêmica (mestrado e doutorado). Estas grades implementadas pouco contemplavam a preparação do professor para a atuação na educação básica. O tempo curto e o adensamento das aulas faziam gritar estas discrepâncias.

Nesse formato da UAB, contava-se muito com a tecnologia e essa nem sempre atendia às necessidades destes polos, principalmente no que tange à qualidade da internet. O sinal não era bom, a manipulação do ambiente virtual tornava-se difícil, e as web conferências (ou web aulas) nem sempre ocorriam como planejado. No entanto, a possibilidade de manipular estes recursos fez com que muitos professores experimentassem outras metodologias de ensino e se apropriassem de recursos diversos para atender às suas necessidades. Professores e tutores desdobravam-se na tentativa de levar conhecimento, e a especificidade da escrita matemática era um dificultador para professores, tutores e alunos. A questão da logística sempre demandou muito trabalho e apresentou dificuldades, já que deveria ser pensada para atender encontros presenciais em todos os polos em todos os finais de semana, considerando, inclusive, polos com mais de 1.000 km de distância. Ainda que estes professores passassem os finais de semana viajando e, ao mesmo tempo, atendendo aos cursos presenciais durante a semana, eles conseguiam encontrar tempo para elaborar outros modos e métodos de ensino para suprir à distância as necessidades dos alunos, reforçar conteúdos abordados e tirar suas dúvidas. Assim, estudavam e testavam recursos do AVA e softwares que pudessem facilitar o ensino de matemática nessa modalidade.

Outro aspecto que chama a atenção neste início de implantação de curso foi o trabalho de convencimento direcionado a estes acadêmicos, ou seja, como convencê-los de que eles eram alunos de uma Universidade Federal? Esse era outro desafio da instituição e dos professores que frequentavam e trabalhavam no curso. O fato de estes acadêmicos estarem vinculados a um município, de terem aula em uma escola (algumas vezes em carteiras pequenas, próprias para crianças e adolescentes) e não em um espaço acadêmico próprio, provocava a dificuldade em estabelecer este pertencimento ao espaço universitário. Pensando nisso, professores relataram que muitos eram os argumentos de convencimento, usando termos como “a oportunidade” e “a responsabilidade” destes acadêmicos com a sociedade. Por outro lado, os municípios atendidos estabeleciam certo grau de importância aos professores que ali chegavam, com carros e motoristas de uma Universidade Federal. Isso conferia a eles certo grau de “autoridade”. Profissionais da Licenciatura em Matemática a distância eram bem recebidos pelos municípios. A população entendia essas ações como oportunidade única de cursar o nível superior. Placas da UFMS eram instaladas nas estruturas, onde o curso ocorria, buscando reforçar sua presença ali.

Nesse percurso de implantação da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS, muitos foram os desafios, as capacitações, os encontros e os seminários que discutiram as ações de implementação. Com o passar dos anos e ampliação dos estudos em Educação Matemática, as equipes gestoras, junto com seu corpo docente, passaram a rever seus programas, disciplinas, ementas, objetivos e carga horária e, com isso, além de atender a demanda da formação inicial em diversas modalidades passaram a ofertar, inclusive, a formação complementar e especializações para professores de matemática em que todos do estado eram convidados a participar. Atualmente a EaD formalizou-se tanto em instituições públicas, quanto em instituições particulares.

Diário de Bordo II

Movimentos precursores ao curso de Licenciatura em Matemática (EaD) da UFMS

No desenvolver da pesquisa, foi possível perceber que a Licenciatura em Matemática a distância, assim como as diversas outras licenciaturas que existem no Brasil, teve sua origem a partir de outros projetos de formação inicial de professores, como a Licenciatura Curta em Ciências e Matemática e as Licenciaturas Parceladas, sendo esta última apontada com mais ênfase nas entrevistas. Estes movimentos foram apontados como precursores, sendo a Licenciatura em Matemática a distância da UFMS uma espécie de melhoramento destes projetos, destacando também a continuidade de algumas ações dentro das propostas para formação de professores para o interior do estado.

As Licenciaturas Parceladas, ou simplesmente “parceladas” como enunciaram nossos depoentes, foi um projeto pensado para atender a falta de professores que havia na época. Tratava-se de uma formação de ação emergencial, tendo como foco principal os professores em serviço que não possuíssem habilitação para sala de aula, os chamados professores leigos. Segundo depoimentos, o projeto teve início na década de 1970, no Mato Grosso uno e, em 1991, no Mato Grosso do Sul, percorrendo diversos municípios, conforme suas demandas. O curso era dividido em fases e acontecia no período de férias - o foco da formação eram os professores que estavam em sala de aula -, contudo, além do período de férias, havia momentos presenciais e também a distância, ou seja, era um ensino semipresencial. As “Parceladas” eram cursos de licenciatura (de curta duração ou de duração plena), mas que se moldavam para atender à demanda dos professores leigos quanto a seus horários. No entanto, as Licenciaturas de Curta duração, que já enfrentavam oposições das sociedades científicas, quando foram extintas, acabaram apresentando alguns problemas quanto à questão da carga horária, ou seja, professores formados por ela, posteriormente, tiveram que voltar aos estudos para complementar a carga horária, atendendo às novas regulamentações para se equiparar à Licenciatura Plena.

Essa urgência em formar professores sempre esteve presente nos depoimentos, principalmente no que concerne à implantação destes cursos. Um dos depoimentos esclarece que no

[...] curso de Licenciatura Parcelada de Curta Duração, que habilitava professores para trabalharem nas áreas de Química, Física, Biologia e Matemática, constatou-se que essa forma de ensino teve início em 1972 após a promulgação da LDB de 1971. (MORAIS, 2017, p.163)

Uma lei que, no seu escopo,

[...] exigia uma formação mínima e tinha caráter emergencial a fim de minimizar a falta de profissionais qualificados para atuarem em escolas de 1.º e 2.º graus. Dizia-se que precisavam habilitar docentes no menor tempo e com os menores custos possíveis (Ibidem).

Nas parceladas e nas licenciaturas de curta duração não encontramos indícios de pagamento de bolsas ou algum outro incentivo aos professores. Não havia também cargos, como tutores a distância e presenciais, muito menos coordenadores para esses tutores. Somente o professor, um secretário e um orientador de estudos. Professores se deparavam com diversas dificuldades, pois nem sempre os governos cumpriam o estabelecido. Quando os mandatos finalizavam e havia a troca de gestor, essa oferta ficava incerta, pois ela dependia muito das intenções do novo gestor. A ruptura da oferta também ocorria quando uma das partes não cumpria com o acordado e, assim, o projeto chegava ao fim por não ter subsídios para continuar funcionando.

Nos depoimentos, os professores revelaram que, como alguns colegas deixavam de receber pelas aulas ministradas, consequentemente acabavam desistindo do curso. Relataram também que os gestores tentavam de todas as formas manter o projeto no município, contudo, na maioria das vezes, não conseguiam.

Nestes diálogos da pesquisa, muitos elementos surgiram, evidenciando a necessidade de discutir melhor as particularidades de cada projeto, olhando e refletindo sobre a licenciatura em questão, buscando traçar continuidades e rupturas com outros projetos.

Pouco antes da divisão do estado, na década de 1970, a implementação desses projetos apontava grandes mudanças no cenário do Ensino Superior. A segunda LDB, lei n.º 5.692, a de 1971, anunciava reformas para o Ensino Superior, ao fixar uma formação mínima para atuar como professor. Nessa época, surgia também o curso de Magistério que era um curso de Ensino Médio Técnico Profissionalizante que capacitava professores para atuar nas séries iniciais do Ensino Fundamental, incluindo a Educação Infantil. As exigências empreendidas pela LDB cobravam da educação nacional habilitações compatíveis com a sua atuação em sala de aula. Uma delas ressaltava que o professor para atuar no ensino de 1.º grau com as turmas de 1.ª a 4.ª séries, precisaria ter habilitação mínima de 2.º grau completo; já para as turmas de 5.ª a 8.ª série e 2.º grau, a habilitação seria o Ensino Superior. Sendo assim, enquanto a lei obrigava esses níveis de formação, as instituições não reuniam condições necessárias para realizá-las. Não havia um número suficiente de professores formados por área para atender a demanda e, com a falta destes profissionais, aceitavam-se profissionais formados pelo antigo 2.º grau e, assim, mesmo com a exigência da LDB, a capacitação destes profissionais e a oferta da formação inicial por área de conhecimento demoraram a ocorrer.

No entanto, se olharmos para antes da primeira LBD (1961), verificamos que “as licenciaturas” já existiam nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, desde a década de 1930. A regulamentação da segunda LDB (1971) propulsionou a reorganização e a ampliação das ofertas. O primeiro projeto que surgiu para atender à lei foi chamado de Licenciatura Plena e de Curta Duração, ambas poderiam ser ofertadas tanto na modalidade presencial quanto na parcelada (um modelo semipresencial). Assim, professores formados pela Licenciatura Plena poderiam atuar no Ginásio e Colegial, enquanto a Licenciatura Curta habilitaria os professores apenas para atuar no Ginásio (1.ª a 8.ª série)13, denominado mais tarde de 1.º grau, e que atualmente equivale ao que conhecemos por Ensino Fundamental.

Especificamente no Mato Grosso do Sul, a oferta da Licenciatura Parcelada de Curta Duração teve início logo depois da Licenciatura Curta em Ciências e Matemática. Na década de 1970, a Licenciatura Curta em Ciências e Matemática atendeu aos seguintes municípios do estado: Corumbá (1970), Aquidauana (1971), Dourados (1975), Três Lagoas (1970), que começou a oferta como Licenciatura em Matemática e, em 1975, passou a ser denominada Licenciatura em Ciências. Todas oferecidas pela Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), na época do Mato Grosso uno. Em Campo Grande, o curso foi implementado apenas em 1981, inicialmente como Licenciatura em Ciências e, antes mesmo de formar a primeira turma, passou a se chamar Licenciatura Plena em Matemática, curso existente até os dias atuais (SILVA, 2015; GONZALES, 2017).

Os termos “licenciaturas curtas, plenas e parceladas” causavam muita confusão entre os alunos e mesmo entre os professores dos cursos. Quanto a essas denominações e com base nas falas de nossos tripulantes, entendemos que o projeto “Parceladas” foi uma modalidade de formação. Um projeto que acontecia em etapas, com aulas presenciais e atividades a distância (semipresencial), tanto para as Licenciaturas de Curta duração, quanto para as de Plena duração, a primeira com uma carga horária inferior à segunda.

Para melhor entender, o curso de Licenciatura Parcelada de Curta Duração habilitava professores para trabalhar nas áreas de Química, Física, Biologia e Matemática e, no Mato Grosso do Sul, teve início em 1972, ou seja, este curso surgiu pouco tempo depois da Licenciatura Curta em Ciências e Matemática, citado anteriormente. Ambas as licenciaturas procuravam atender ao caráter emergencial de formação dos professores com menor tempo e menor custo possível.

A segunda LDB, ao ser regulamentada, impulsionou as instituições a criar projetos que atendessem à falta de professores no País, portanto, os dois projetos citados foram implementados em épocas parecidas. Nesse caso, uma pessoa que desejava cursar o Ensino Superior, principalmente os professores em atuação, poderia optar pela Licenciatura Plena ou de Curta duração, aquela que houvesse em seu município. Essas licenciaturas poderiam ser “parceladas” ou não. Lembrando mais uma vez que o foco se concentrava nos professores em serviço e que não possuíam habilitação necessária, as parceladas apresentaram-se como uma estratégia para atender a estes profissionais em períodos de férias escolares.

Estes cursos eram implementados a partir de convênios estabelecidos pelas prefeituras, secretarias de educação e instituição estadual ou federal. Os municípios ficavam responsáveis pela estrutura e também pela seleção dos profissionais técnicos, enquanto a universidade entrava com a estrutura da formação e profissionais para atuar nela. Essas duas licenciaturas poderiam ser oferecidas por qualquer instituição de Ensino Superior. No caso da UEMT (originária da atual UFMS), oferecia-se a princípio a Licenciatura de Curta Duração em Ciências na modalidade parcelada, denominada, por isso, de Licenciatura Parcelada de Curta Duração em Ciências com dois anos de duração. Sua primeira oferta realizou-se nas cidades de Ponta Porã, Rondonópolis, Paranaíba e Coxim. Possuíam uma carga horária total de 1.560 horas, distribuídas em quatro fases. Já na segunda oferta, na cidade de Nortelândia (MT), a carga era de 1.920 horas, distribuídas em oito fases. Ambas as ofertas possuíam a duração de dois anos. Quando chegava o período de férias, os docentes se dirigiam às escolas-sede e por lá ficavam por todo o período. Durante o dia havia as aulas e, à noite, as escolas serviam de alojamento aos professores-acadêmicos. Nesse formato, não havia o acompanhamento de tutores, e o estudo era condensado, intensivo. A motivação destes profissionais estava na oportunidade de fazer um ensino superior e estes recebiam um incentivo financeiro, bolsas para quem terminasse o curso, remuneração no período de férias e também a promessa de uma efetivação no cargo. Com estes estímulos, a evasão quase não existia (GONZALES, 2017).

Nesse panorama de ações precursoras ao curso investigado, percebemos que “as licenciaturas” foram implementadas para atender a uma demanda de professores que não possuíam formação específica para sala de aula. Havia uma urgência na capacitação deles, que podiam optar pelo curso de Curta duração ou de Plena duração. Contudo, os profissionais formados pela licenciatura de Curta duração conseguiram seu lugar nas escolas por tempo determinado, porque, assim que as formações se ampliaram, as Licenciaturas de Curta duração foram encerradas e as exigências aumentadas, especialmente com a última LDB (1996). A oferta de docentes foi aumentando gradualmente e estes profissionais, quando permaneciam na educação, ocupavam posições marginais diante daqueles formados por licenciaturas plenas. Muitos destes precisaram voltar para a universidade e complementar a carga horária, para se equipararem aos formados por licenciaturas plenas. Esta formação mais generalista e algumas vezes aligeirada provocava preconceitos, pois era tida como uma formação de menor prestígio, motivos que levaram a extinção de diversos cursos nesta modalidade já na década de 1980. Na então UFMS, no ano de 1981, o curso que começou com o nome de Licenciatura em Ciências, antes de terminar a primeira turma passou a ser denominado de Licenciatura Plena em Matemática. Essas informações apontam que as políticas e os projetos de formação eram direcionados para atender a um problema momentâneo. Ainda que existisse o discurso que um professor mais generalista pudesse articular melhor os conteúdos, as entidades profissionais rechaçavam essa ideia, apontando para uma formação aligeirada em cada área e, portanto, insuficiente.

Pensando no que ocorre atualmente e olhando para a Licenciatura em Matemática a distância, percebemos, nas discussões que envolvem um curso ministrado na modalidade a distância, que ele é visto como um curso de menor prestígio. Em algumas situações, essa licenciatura é muito parecida com a presencial e em outras ela é muito distante. Afastam-se do que diz respeito à parte administrativa: sistema de matrículas, de notas, de dependências, de reoferta. Há alguns entraves administrativos, principalmente na questão da reoferta, isto porque, em alguns polos não há a abertura de uma segunda turma, ou seja, não há disciplina sendo ofertada para que o aluno acompanhe em paralelo. Na parte pedagógica, também existem diferenças, uma aula de tira-dúvidas, por exemplo, da forma presencial é bem diferente da modalidade a distância; nessa última, exige-se muita criatividade do professor e tutor para conseguir esclarecer essas dúvidas e mesmo do aluno, para manifestar seus questionamentos.

Nessas reflexões sobre esses diversos formatos de curso, compreendemos o quanto estas experiências anteriores contribuíram com os formatos existentes atualmente e o quanto as dificuldades enfrentadas anteriormente residem nos cursos atuais. Queira ou não, com problemas ou sem, estes projetos atenderam em parte às necessidades da época, quando o objetivo maior era habilitar professores. Assim, na Licenciatura em Matemática a distância da UFMS não foi diferente, no estudo foi possível perceber que o curso se molda a partir de experiências de formação anteriores, ministradas no estado de Mato Grosso do Sul. No entanto, cabe nos perguntar: seria mesmo essa licenciatura uma continuidade dessas experiências, com tantos elementos singulares e organizações diferentes? Muitos são os elementos comuns e próprios destes projetos com o curso investigado.

Os objetivos destes projetos, até mesmo da Licenciatura em Matemática a distância, são parecidos e voltados para a urgência da formação de professores para suprir a carência de profissionais que havia na época, principalmente no interior do estado. As estruturas desses cursos, principalmente da matemática, herdavam a mesma carga horária das disciplinas dos cursos presenciais, contudo, sem considerar as especificidades da modalidade, ou seja, as questões pedagógicas nem sempre tinham uma proposta própria, estavam sempre utilizando modelos do presencial e adaptando-os para os formatos a distância. Adequações na grade, carga horária, ementas e nomes das disciplinas se faziam presentes nas discussões entre professores e alunos, no entanto, poucas se concretizavam ou eram efetivamente implementadas no projeto pedagógico.

Outra questão que levava coordenação e professores a discutir era o alto índice de evasão. Essa questão apareceu fortemente nas falas desses tripulantes, às vezes ocasionada por dificuldades com as disciplinas exatas e outras pela falta de conhecimento prévio da proposta do curso. No caso da Licenciatura em Matemática a distância, outro motivo de evasão, relatado pelos entrevistados, foi a sensação de solidão e de isolamento desses acadêmicos. Interessante que, na Licenciatura de Curta Duração em Ciências na modalidade parcelada, estes índices de evasão eram mínimos, quase inexistentes, talvez porque os incentivos eram os melhores possíveis.

No estudo, constatamos também que a Licenciatura em Matemática a Distância traz fortes elementos singulares. Processos da modalidade presencial que não se aplicam na modalidade a distância foram constantemente discutidos pelos nossos tripulantes, um exemplo seria a questão da dependência de uma disciplina na modalidade a distância. A falta de um sistema acadêmico especifico para o EaD tornou-se um problema, ainda que o projeto, a carga horária, as disciplinas e outros documentos sejam iguais, são modalidades e cursos distintos e, principalmente, os calendários são diferentes, no curso EaD, em geral, não se tinha feriados ou férias, esses eram tempos importantes para os acadêmicos colocarem o estudo em dia.

A presença de tutores nesse curso também é algo singular. Diríamos que seria um ganho a participação destes profissionais no desenvolvimento da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS, uma função que não existia em outros formatos de formação superior. A tecnologia pode ser incluída nessa particularidade, pois, na proposta da UAB, havia ferramentas tecnológicas diferentes, um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), sistemas específicos de controle, algo totalmente novo para o grupo envolvido: professores, tutores e secretaria acadêmica tiveram que se adaptar. Aprender e participar de web conferências, gravar videoaulas, se movimentar no ambiente Moodle, ficar mais atento aos e-mails e às postagens no AVA, se constituíam um grande desafio na época, além dos problemas de logística, uma marca muito particular desse curso, intensificada devido à oferta estendida aos polos do Paraná e de São Paulo.

Na citação de algumas singularidades percebidas no diálogo, entendemos que a falta de um projeto próprio para o EaD, construído e pensado por profissionais envolvidos na modalidade, fez com que ocorresse uma virtualização da escola tradicional, ou seja: “uma tentativa de implementar, usando meios tecnológicos, cursos ou ações educacionais que estão presentes no ensino tradicional” (VALENTE, 2010, p.35), ou seja, estamos sempre utilizando modelos do presencial e virtualizando esse presencial pelos meios tecnológicos.

Considerações finais

Apresentamos neste texto parte da pesquisa de mestrado que investigou a criação do curso Licenciatura em Matemática a distância da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Nosso processo historiográfico elaborou originalmente diálogos ficcionais que emulavam a escrita em um fórum no AVA, no qual nossos interlocutores, advindos das entrevistas ou dos textos escritos, dialogavam entre si, produzindo histórias sobre o referido curso. Neste movimento de emulação, à medida que escrevíamos, íamos recordando de outros textos, de outras falas que se encadeavam na produção desta narrativa. Estas afetações tomavam, sem dúvidas, dimensões pessoais e subjetivas, próprias do tratamento narrativo.

Para o recorte em questão, optamos por um movimento em uma única voz, mas que dialogava com estes interlocutores. Da defesa para cá, as avaliações em periódicos alimentaram a impressão que tínhamos sobre a dificuldade de veicular narrativas que se aproximam da ficção e da literatura no campo da Educação Matemática. Assim, elencamos dois movimentos, diários de bordo: uma narrativa histórica sobre o curso e os cursos prévios que serviram de alicerce para sua existência. No primeiro, o cotejamento de fontes e afetações nos fez produzir uma narrativa, ainda que única, aberta à multiplicidade, passível de ser questionada por aqueles que viveram o processo sob outra perspectiva ou que leram nossas fontes, ainda assim, uma narrativa plausível, possível, ao mesmo tempo, de ser corroborada por aqueles que leram nossas fontes e que viveram o processo em estudo. O segundo trata de identidades, semelhanças e rupturas, diferentes temporalidades entre os cursos que precederam a Licenciatura em Matemática a Distância da UFMS. Talvez poderíamos flertar com Deleuze e Guattari (2011), propondo aqui uma multiplicidade, menor que a identidade, de dimensão n-1, ou ainda Jacques Derrida (2012), com seu “nem, nem”, assim o curso não seria nem uma continuidade e nem uma inovação por completo. Mas não os fizemos, estas não eram leituras que nos habitavam naquele momento, pelo contrário, num movimento orgânico, emulamos formatos, imitamos narrativas a fim de adentrar, ainda que forçosamente em alguns casos - admitimos -, em seus jogos de linguagem. Pautamos-nos nas verdades das fontes e não na verdade que as fontes poderiam nos fornecer em um processo de aglutinação e sobreposição de versões fragmentadas. Cada depoimento, ainda que possa compor um retalho de uma imensa colcha é, a cada momento, uma diferente colcha que se constitui diante de um interlocutor: diferente da outra, diferente dela mesma.

Neste jogo de pertencimento e de não pertencimento, de dentro e fora, produzimos um panorama da licenciatura em questão. A partir do registro de cada diário de bordo, procuramos dispor parte do nosso movimento analítico, trazendo as nossas compreensões sobre os ditos da nossa tripulação durante a viagem.

Nessa viagem pelos anos iniciais da Licenciatura em Matemática a distância da UFMS, pensamos, inicialmente, que poderíamos descrever apenas os aspectos relacionados à implantação do curso, contudo, no decorrer da pesquisa, deparamo-nos com outros rumos. Encontramos nesses rumos versões, contribuições e fortes indícios do curso como uma continuidade de formações anteriores, principalmente quando nos defrontamos com elementos comuns aos projetos de cursos. Há uma rede de conexões e semelhanças, tanto com cursos de outras áreas com foco na formação de professores no estado, como cursos de Matemática de outras regiões e instituições. A interiorização da formação de professores em nosso estado é, sem dúvida, um forte aglutinador destas ações em diferentes tempos.

Os elementos apontados apresentam uma licenciatura que possui características próprias com diferentes formas de trabalhar, mas que, não se constituiu sozinha, mas sim, pela observação de experiências anteriores ao curso, de outros modelos, adaptados para atender melhor a demanda da época a partir de elementos e movimentos que revelam uma continuidade das licenciaturas de curta e de plena duração. A virtualização da escola tradicional, ainda que se defenda indesejada, traz consigo o movimento do possível e movimenta estes personagens para cenários ainda não inventados.

Referências

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3Produção elaborada a partir das vozes daqueles que vivenciaram o momento estudado. Conforme Pinto (2013, 2015), adotamos “produzir passados” ou “histórias” ao invés de “versões do passado”.

4Disponível em: https://boletimoficial.ufms.br/.

5Ao longo da pesquisa, entrevistamos os professores: Antônio Lino Rodrigues de Sá; Sônia Maria Monteiro da Silva Burigato; Magda Cristina Junqueira Godinho Mongeli; Heloisa Laura Queiroz Gonçalves da Costa e a secretária: Sandra Helena Nahabedian Ramos de Souza.

6 Sistema implantado em 2006, por intermédio do Decreto n.º 5.800 de 08 de julho.

7Nome utilizado internamente pela UFMS para denominar a ordem das ofertas realizadas pela universidade em editais, acrescentando o número desta ordem ao termo UAB.

8Exclusão por Diplomação.

9Criada para promover uma nova espécie de História” (BURKE, 1997, p. 11 apud MATOS, 2011, p. 3), assim todos os historiadores ligados à Nova História são vistos como herdeiros da “Escola dos Annales” (MATOS, 2011).

10O termo “História Nova” ou “Nova História” foi lançado no mercado em 1978 por alguns membros do chamado grupo dos Annales, conforme Guy Bourdé e Hervé Martin (MATOS, 2011).

11Dossiê sobre a Licenciatura em Matemática a distância da UFMS: Compreensões sobre versões e rumos iniciais de um curso, disponibilizado em: https://grupohemep.wordpress.com/dossies-hem/.

12Universidade Estadual de Mato Grosso.

13Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, resolução 30 dessa lei, itens b e c.

Recebido: 01 de Julho de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

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