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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.28  Uberlândia  2021  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v28a2021-31 

Dossiê 2 - História da educação matemática

Pareceres da Revista Documenta: cursos de formação de professores de Matemática no Brasil (1962 a 1979) em foco

Dictámenes de la Revista Documenta: cursos de formación de profesores de Matemáticas en Brasil (1962 a 1979) en foco

Maria Ednéia Martins1 
http://orcid.org/0000-0002-4866-9577

Letícia Nogueira Gomes2 
http://orcid.org/0000-0003-3051-4902

1Doutora em Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp, Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: maria.edneia@unesp.br.

2Mestre em Educação para a Ciência. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp, Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: leticia.nogueira-gomes@unesp.br.


RESUMO

Neste artigo, apresenta-se uma análise de pedidos de autorização, conversão ou reconhecimento de cursos que formavam professores de Matemática no Brasil, entre 1962 e 1979. Esses pedidos foram feitos por instituições públicas federais ou privadas e publicados na Revista Documenta. Esta Revista foi publicada mensalmente, entre 1962 e 2006, pelo Conselho Federal de Educação (CFE). A análise aqui em tela é um recorte da pesquisa de Gomes (2019), a qual integra o projeto de ampla envergadura Mapeamento da formação e atuação de professores de Matemática no Brasil, do Grupo História Oral e Educação Matemática (Ghoem). Para analisar esses pareceres Gomes (2019) mobilizou o referencial da Hermenêutica de Profundidade, proposto por Jonh. B. Thompson. Assim, trazemos para o debate acadêmico, intenções declaradas de formar professores, justificativas dos conselheiros, inserções de regiões geográficas no mapeamento e de cursos em sua intenção de ser, ainda que muitos deles não tenham sido criados. Esta é, julgamos, nossa principal contribuição para a História da Educação Matemática.

PALAVRAS-CHAVE: História da Educação Matemática; Hermenêutica de Profundidade; Conselho Federal de Educação

RESUMEN

Este artículo presenta un análisis de las solicitudes de autorización, conversión o reconocimiento de cursos que formaron a maestros de matemáticas en Brasil, entre 1962 y 1979, de instituciones públicas federales o privadas, publicados en la Revista Documenta. Esta Revista fue publicada mensualmente, entre 1962 y 2006, por el Consejo Federal de Educación. Este análisis es un extracto del estudio de Gomes (2019), que forma parte del amplio proyecto Mapeo de la formación y actuación de profesores de matemáticas en Brasil, del Grupo História Oral y Educação Matemática (Ghoem). Para analizar esos dictámenes, Gomes (2019) movilizó la referencia de la Hermenéutica de Profundidad, propuesta por Jonh. B. Thompson. Traemos al debate académico, intenciones declaradas para capacitar docentes, justificaciones de los consejeros, inserciones de regiones geográficas en el mapeo y cursos en su intención de ser, a pesar de que muchos de ellos no se han creado, siendo esta nuestra principal contribución a la Historia de la Educación Matemáticas.

PALABRAS CLAVE: Historia de la Educación Matemática; Hermenéutica de Profundidad; Consejo Federal de Educación

ABSTRACT

This article presents an analysis of requests for authorization, conversion and/or recognition of courses that trained mathematics teachers in Brazil, between 1962 and 1979. These requests were made by federal or private public institutions and published in Documenta Magazine. This Magazine was published monthly, between 1962 and 2006, by the Federal Council of Education (CFE). This analysis is an excerpt from the research by Gomes (2019), which is part of the wide-ranging project “Mapping the training and performance of mathematics teachers in Brazil”, from Oral History and Mathematical Education Group, Ghoem. In order to analyze these opinions Gomes (2019) mobilized the reference of Depth Hermeneutics, proposed by John. B. Thompson. So, we bring to the academic debate, declared intentions to train teachers, justifications of the counselors, insertions of geographic regions in the mapping and courses in their intention to be, even though many of them have not been created, this being our main contribution to the History of Education Mathematics.

KEY-WORD: History of Mathematics Education; Depth Hermeneutics; Federal Council of Education

Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.

Walter Benjamin

Introdução

Este artigo apresenta uma análise dos pedidos de autorização, conversão e/ou reconhecimento de cursos de instituições públicas federais ou privadas que formavam professores de Matemática no Brasil. Estes pedidos foram publicados na Revista Documenta entre 1962 e 1979. Esta análise é um recorte da pesquisa de mestrado de Gomes (2019), financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pesquisa foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru. Tal pesquisa integra o projeto de ampla envergadura “Mapeamento da formação e atuação de professores de Matemática no Brasil”, do Grupo História Oral e Educação Matemática (Ghoem).

Conhecendo o Conselho Federal de Educação, a Revista Documenta e seus pareceres

O Conselho Federal de Educação (CFE) foi instituído, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.° 4.024 de 1961. Dentre várias finalidades, esse Conselho era o órgão responsável pela avaliação dos pedidos de autorização, conversão e/ou reconhecimento de cursos, feitos por instituições públicas federais ou privadas. O CFE era composto por um Plenário e várias Câmaras e, dentre suas atribuições, destacamos àquelas relativas ao funcionamento de Instituições de Ensino Superior e ao funcionamento de cursos.

Os conselheiros que compunham a Câmara de Ensino Superior emitiam pareceres sobre os processos relacionados ao Ensino Superior. Dentre esses processos destacamos a criação, o reconhecimento e/ou a adequação de cursos e instituições; aprovação do currículo de professores indicados para compor o corpo docente das instituções. Quando os pedidos chegavam ao CFE, eram encaminhados para a Câmara de Ensino Superior onde era nomeado um relator para estudá-los e emitir um parecer, favorável ou não.

Tanto as propostas que eram avaliadas quanto os resultados das avaliações do CFE eram publicados em um canal específico: a Revista Documenta. Essa Revista foi produzida e distribuída a partir de 1962, mesmo ano de instalação do CFE. Nela eram veiculadas as tomadas de decisões dos membros do CFE em duas frentes distintas. Uma delas contemplava considerações dos conselheiros sobre questões referentes à educação brasileira e a outra, textos que se referiam a assuntos oficiais do CFE.

Um levantamento sobre pedidos de autorização, conversão e/ou reconhecimento de cursos que formavam professores de Matemática foi feito por Gomes (2014, 2016). A autora consultou e mapeou mais de 200 edições da Revista Documenta, publicados de 1962 a 1979, e destacou que na década de 1970 ocorreu um crescimento exponencial da quantidade desses pedidos, se comparados com a década anterior. A partir desse levantamento a autora obteve um conjunto de, aproximadamente, 1.000 pareceres, e é deles que emergiram elementos para o exercício hermenêutico. Foram, aproximadamente, 520 os cursos envolvidos nesta análise, sendo que, cerca de 370 pedidos receberam parecer favorável à criação, conversão ou reconhecimento. Percebe-se que foram as instituições localizadas nas regiões Sudeste e Sul as que mais pediram criação ou reconhecimento de cursos dessa natureza e a região Norte a que menos pediu. Destaque-se que nessa Revista eram publicados apenas os pedidos de instituições públicas federais ou de instituições privadas.

Hermenêutica de Profundidade: compreensões sobre nossa forma simbólica

Como proposto pelo referencial da Hermenêutica de Profundidade (HP) Gomes (2019) realizou diferentes momentos de análise do conjunto de pareceres estudados, sendo estes formas simbólicas (criação humana intencional). Três são os momentos analíticos, segundo esse referencial, os quais se voltam a diferentes dimensões da forma simbólica. Na análise formal, o foco está nos conteúdos “internos” da forma simbólica, descrevendo-os detalhadamente. Com a análise sócio histórica visa-se identificar e descrever elementos do espaço e do tempo nos quais produziu-se e fez circular a forma simbólica. Já o momento da interpretação/reinterpretação, mediado pelas outras duas análises, é constituído por síntese, por significados possíveis para a forma simbólica.

No texto relativo a esse momento de interpretação/reinterpretação Gomes (2019) constituiu uma história, em um fluxo contínuo, sobre o que as Documentas nos dizem sobre a criação, ou não, de cursos que formaram professores de Matemática no Brasil, em instituições privadas ou públicas federais, nas cercanias das décadas de 1960 e 19703.

Para escrever uma história e constituir esses movimentos de criação dos cursos, observou-se a estrutura e o teor dos pareceres publicados na Revista Documenta e, ao mesmo tempo, problematizou-se o contexto sócio histórico das cercanias das décadas de 1960 e 1970. Ao estudar os pedidos, Gomes (2019) percebeu estar transitando entre formas simbólicas. Considerou-se os pedidos das instituições de ensino superior, os cursos que formavam professores de Matemática e a Revista Documenta, como formas simbólicas, pois existem nelas o aspecto intencional, uma vez que, há a intenção do dizer através dos pareceres dos conselheiros do CFE e dos pedidos das instituições.

Para que a intenção de dizer dos conselheiros fosse recebida por seus interlocutores, as distribuições dos exemplares da Revista seguiram regras específicas, ou seja, um aspecto convencional. A Revista deveria ser vendida, aos interessados, pela Fundação Nacional de Material Escolar, por meio de uma rede de distribuição, em todo território nacional. O valor do exemplar variava entre o valor de NCr$ 3,50 (três cruzeiros novos e cinquenta centavos) e NCr$ 5,00 (cinco), no período aqui focado. Esses preços poderiam ser reajustados a cada ano, de acordo com a tomada anual do preço para a impressão. A distribuição não poderia ultrapassar o número de 700 (setecentos) exemplares e quaisquer outros exemplares destinados a fins de interesse público estavam sujeitos a autorização do Presidente do Conselho Federal de Educação.

Há um entrelaçamento entre os aspectos estrutural e referencial. Isso porque a Revista Documenta é estruturada de forma que possam ser veiculadas as considerações dos conselheiros sobre questões referentes à educação brasileira e textos que se referem a assuntos oficiais do CFE. Durante a produção e a veiculação da Revista Documenta, havia outros elementos que permeavam o contexto, como a Lei de Diretrizes e Bases, a Ditaura Militar e seus Atos Institucionais, os movimentos de contestação etc.

Afinal, o que nos dizem as Revistas Documenta e seus pareceres sobre a formação de professores de Matemática no Brasil (1962 - 1979)?

O período aqui fixado, anos 1960 e 1970, justifica-se por ser 1962 o ano de início da publicação da Revista Documenta. Também por ser com a promulgação da 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em 1961, que ocorreu a desvinculação entre os cursos de bacharelado e licenciatura. Além disso, pesquisas anteriores (GOMES, 2014; GOMES, 2016; MARTINS-SALANDIM, 2012; LUIZ, 2017) apontaram que na década de 1970 houve um crescimento desses pedidos. Esse crescimento ocorreu porque as instituições de ensino superior tiveram que se adequar às Resoluções n.° 30/74 e n.° 37/75 do CFE4, as quais tratavam especificamente de cursos de formação de professores.

Mas as mudanças específicas relativas à formação de professores estavam inseridas num contexto sócio-histórico mais amplo e é uma análise dessa trama que apresentaremos na sequência.

Na década 1960 destacamos o cenário político nacional, haja visto que, três diferentes presidentes assumiram a presidência da República ao longo do ano de 1961: Jânio Quadros (de janeiro a agosto, quando renunciou ao cargo), Paschoal Ranieri Mazzilli presidente da Câmara dos Deputados (de agosto a setembro, Presidente interino, uma vez que o vice-presidente João Goulart estava fora do país), João Goulart (de setembro de 1961 a março de 1964).

Essa troca de presidentes da República não foi tranquila. Enquanto Mazzilli estava exercendo o cargo de Presidente interino do Brasil, grupos de oposição mais conservadores, compostos pelas elites dominantes e por setores do Exército, Marinha e Aeronáutica, não aceitavam que João Goulart tomasse posse. Para esses grupos, ele tinha um posicionamento político esquerdista. Ao mesmo tempo, um movimento de resistência dos setores sociais e políticos que apoiavam Goulart, liderado por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, dividiu as Forças Armadas e impediu um golpe militar.

João Goulart retornou ao Brasil, foi empossado em 7 de setembro como presidente da República e assinou, ainda em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/61). Foi essa 1ª LDB que estabeleceu a separação entre os graus de licenciatura e bacharelado, sendo que antes estava em vigência o conhecido modelo 3+1: um curso de Didática, ou equivalente, após a conclusão do bacharelado. Nesse modelo, o foco era nas disciplinas específicas nos três primeiros anos. Martins-Salandim (2012) destaca que esse modelo se estabeleceu, legalmente, ao final da década de 1930 e que mesmo após a 1ª LDB, muitas licenciaturas continuavam oferecendo a formação pedagógica na parte final do curso. Essa prática de justaposição dessas formações estava naturalizada e enraizada nos cursos, cujo privilégio na quantidade de horas e na sequência de disciplina era da formação específica. Antes dessa legislação já havia professores atuando com a disciplina Matemática e, mesmo depois, e ainda atualmente, suas formações nem sempre ocorrem em cursos de graduação específicos.

Na noite de 31 de março de 1964, foi deflagrado o golpe militar e, no dia 1º de abril, Ranieri Mazzili, acompanhado por uma junta militar, tomou a presidência interinamente por 15 dias. Depois disso, marechal Humberto Castelo Branco assumiu até 1967. Nesse período foram criados o Serviço Nacional de Informações, quatro Atos Institucionais (AI), além da extinção de partidos políticos da oposição e promulgação de uma nova Constituição Federal. Nos 21 anos de Ditadura Militar, muitos outros militares (almirantes, generais, marechais, brigadeiros) estiveram no poder e o regime acirrou ações de repressão, especialmente com organizações que se opunham ao golpe e ao regime.

No momento em que ocorreu o golpe de 1964 muitos intelectuais o consideraram, apenas, como um momento de reordenação do país e acreditavam que em breve o país voltaria à normalidade. Segundo Rothen (2004),

[...] A não identificação, naquele momento, de que se tratava de um golpe de Estado ou de uma possível adesão incondicional ou, ainda, a postura de fazer o que fosse possível permitiram que o CFE não fosse extinto durante o regime militar e aumentasse as suas atribuições. (ROTHEN, 2004, p. 46).

No entanto, no ano de 1964 foram publicados decretos desligando quatro conselheiros do CFE, por decisão do presidente da República. Conselheiros, cuja postura fosse considerada uma ameaça às orientações do regime militar eram exonerados de suas atividades no CFE.

No ano de 1965, surgiram as licenciaturas curtas (ou parciais) de Ciências, Letras e Estudos Sociais para formar professores polivalentes para atuarem apenas no ginasial5. A criação dessas licenciaturas curtas, com duração mínima de dois anos e meio, visava a preparação, a curto prazo, de professores para atender a expansão do ensino médio6, notadamente no seu primeiro ciclo, o ginásio (MARTINS-SALANDIM, 2012).

A intenção, dentre outras, era prestigiar os cursos das Faculdades de Filosofia, minimizando, assim, a ação dos cursos e exames de suficiência que tinham grande aceitação em todo país. Dentre eles, destaca-se a atuação da Cades (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário)7 que oferecia cursos de preparação para esses exames. Além disso, foram mantidas as licenciaturas de longa de duração (plena) para formar o professor da escola média, ginasial ou colegial.

Nesse período destacamos as dificuldades que as instituições tiveram para conseguir autorização para criar cursos de Licenciatura em Matemática. Os pedidos, submetidos ao CFE, em sua maioria, foram realizados por instituições particulares de ensino superior. Ressalta-se a baixa procura e as dificuldades para se conseguir instalar estes cursos em regiões mais distantes de capitais e de centros formadores do país. Havia, também, dificuldade em encontrar professores de Matemática já formados que poderiam atuar nestes cursos (GOMES, 2014).

Se, com a promulgação da 1ª LDB, em 1962, a formação de professores no Brasil conquistou independência em relação ao bacharelado, ao qual esteve sempre esteve atrelada, ela não garantiu uma identidade à essa formação. Afetada diretamente pela necessidade de habilitar professores para o ensino médio (ginasial e colegial) em um prazo menor e de atender as demandas, a formação do professor ficou em segundo plano.

Inicia-se o ano de 1968 e, com ele, o período mais repressor do regime da ditadura militar. Já no início de seu mandato, o marechal Artur da Costa e Silva aprovou o Ato Institucional número 5 (AI-5), o qual autorizava o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de mandatos políticos e a censura. Esse ano foi marcado pela intensa atuação do movimento estudantil, por movimentos de resistência ao regime militar e pela repressão e tortura de pessoas contrárias à ditadura.

Naquele mesmo ano, a Lei n.° 5540/1968, da Reforma Universitária, foi elaborada e aprovada, mas não sem manifestações contrárias pelo país. Inspirada no modelo universitário norte-americano, essa Reforma estabeleceu os ciclos básico e profissional, a pós-graduação (mestrado e doutorado) e a adoção do sistema de créditos com a matrícula por matéria. Também estabeleceu normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e dedicação exclusiva aos professores. Além disso, consolidou a estrutura departamental, criou o sistema de créditos por disciplinas e instituiu a periodicidade semestral. Entidades privadas foram reconhecidas como entidades assistidas pelo poder público e foram suprimidas definitivamente as verbas orçamentárias a elas destinadas.

Ainda que várias instituições tenham pedido criação de cursos de licenciatura plena, dentre elas em Matemática, a pesquisa mostrou que muitos foram negados. As justificativas para as negações sempre perpassavam a falta de estrutura das instituições e a falta de professores preparados para atuar nesses cursos. Com as mudanças nas estruturas e, com isso, nas nomenclaturas dos cursos, resolveu-se dois problemas. Passou-se a formar professores em menos tempo, os quais poderiam atuar em mais de uma disciplina, e mais instituições passaram a ter condições de criar as novas modalidades de licenciatura. Essas eram, inclusive, as recomendações dos conselheiros do CFE quando negavam um pedido. A sugestão era que o curso fosse criado na modalidade para formar professores para o ginasial, as licenciaturas de 1º ciclo ou curtas, na década de 1960; e a obrigatoriedade, na década de 1970, dos cursos serem criados como de Ciências.

Em 1969, Costa e Silva foi afastado do governo, com a justificativa de ter sofrido um derrame. Uma junta militar, composta pelos ministros do Exército Aurélio Lyra Tavares, da Marinha Augusto Rademaker e da Aeronáutica Márcio de Souza Mello, assumiu o poder de 31/8 a 30/10 de 1969.

Com o início da década de 1970, as opressões do governo militar continuram e novas legislações foram publicadas. Com o discurso de que se visava uma educação para formação do capital humano, relacionando educação e mercado de trabalho, criou-se a Lei n.º 5.692/71. Essa lei fixou as diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus. Essa lei estabeleceu a extensão da obrigatoriedade do 1º grau, a profissionalização do nível médio para todos, a continuidade do sistema educacional - do primário8 ao superior e a cooperação das empresas na educação. Por outro lado, o sistema educacional estabelecido visava uma adequação ao modelo econômico dependente. Isso se deu pela imposição pela política econômica norte-americana, através dos acordos MEC/Usaid9, os quais previam a colaboração de técnicos dos Estados Unidos nessas reestruturações. Como se planejava formas de desenvolver um ensino numa perspectiva mercadológica, iniciou-se um processo de privatização do ensino, a partir dos moldes do sistema empresarial. Nesse modelo a eficiência e a produtividade se sobrepunham aos valores pedagógicos, ou seja, o ensino deveria estar adaptado a mentalidade empresarial tecnocrática.

Foi possível perceber um aumento na quantidade de pedidos de criação e/ou reconhecimento de cursos que formavam os professores na década de 1970. Diferente da década anterior, todos os estados da região Centro-Oeste e também o Distrito Federal, apresentaram pedidos, envolvendo instituições públicas e privadas. O estado do Mato Grosso apresentou a maior parte deles, dos quais mais da metade teve parecer favorável. Outra região que se destacou foi a Nordeste, na qual apenas um dos nove estados não apresentou solicitação, e, quatro deles tiveram todos os pedidos aceitos. Já na região Sul todos os estados fizeram solicitações e, embora Santa Catarina tenha sido o Estado que menos pediu, foi o que teve a maior quantidade de pedidos aprovados. Quatro dos sete estados da região Norte apresentaram pedidos de criação de curso de Licenciatura em Matemática ou Ciências, sendo que o Acre apresentou a maior parte deles, dos quais metade recebeu parecer favorável. A região Sudeste teve um grande volume de pedidos e pareceres favoráreis desde o início da década, uma vez que todos os estados fizeram pedidos.

Em 1974 foi estabelecida a Licenciatura em Ciências de curta duração, com o objetivo de formar professores para as atividades, áreas de estudos e disciplinas do ensino de 1.º e 2.º graus relacionadas com o setor científico. O curso de Ciências poderia ser estruturado como licenciatura de 1.º grau, de curta duração, proporcionando habilitação geral em Ciências. Mas também poderia ser estruturado como licenciatura plena, que além da habilitação geral, possuia habilitações específicas em Matemática, Física, Química e Biologia. Além disso, o curso de Ciência poderia abranger ambas as modalidades.

No ano de 1975, pela Resolução n.° 37/75 do CFE, determinou-se a implantação progressiva, de maneira obrigatória, a partir do ano letivo de 1978, do curso de Licenciatura em Ciências com habilitação geral em Ciências. Essa Licenciatura formava professores para o ensino da respectiva área de estudo no 1.º grau e possibilitava habilitações em Matemática, Física, Química e Biologia para atuação no 2.º grau. As licenciaturas em Ciências (polivalente), Matemática, Física, Química e Ciências Biológicas, deveriam converter-se, no prazo estabelecido, no curso único de Ciências disciplinado pela Resolução n.° 30/74.

Devido às Resoluções n.° 30/74 e n.° 37/75, pedidos de conversão de cursos de Matemática (licenciatura plena) e Ciências (licenciatura de 1.º grau), em curso de Ciências (licenciaturas de 1.º grau e plena, com habilitação em Matemática), aparecem a partir de 1975 nos exemplares da Documenta. A partir de Gomes (2016) percebe-se que muitas instituições de ensino superior que já possuíam o curso de Matemática pediram essa conversão de seus cursos, em dois casos. Um deles quando havia a licenciatura polivalente em Ciências, mas não havia qualquer licenciatura plena da área científica. O outro caso era quando havia uma ou mais licenciaturas plenas da área científic, mas não havia a licenciatura em Ciências.

Conclusão

Ao final dessa história paramos, refletimos e percebemos que, indo na contramão dos modelos americanos estadunidenses de universidade, a LDB de 1961 não provocou alterações estruturais significativas, mantendo o regime de cátedras e a criação de universidades pela junção de escolas isoladas. O Conselho Federal de Educação, a partir da LDB de 1961, conduziu a reforma do ensino superior que culminou com a Reforma Universitária em 1968, sendo que “(...) uma das mudanças contempladas pela Reforma Universitária que interferiu diretamente na formação dos professores para o ensino secundário foi a extinção e o desmembramento das FFCL” (MARTINS-SALANDIM, 2012, p. 325).10 Os estudantes, que estavam descontentes com a política universitárias, sofreram intensas repressões. Em 1968, com o AI-5 ficaram ainda mais intensas.

Pesquisas do Ghoem vêm problematizando como era a dinâmica de cursos que existiram e que atenderam a diferentes demandas e políticas públicas de formação e professores no Brasil e também revelando quão tardia foi a chegada de cursos de graduação dessa natureza em diferentes regiões do país.

Por outro lado, Gomes (2019) apontou para tentativas que instituições públicas federais e privadas fizeram para criar cursos desta natureza. Assim, nossa contribuição para a História da Educação Matemática é trazer também para o debate os cursos em sua intenção de ser um curso, ainda que não tenham sido aprovados. Esses percursos, as intenções declaradas, as justificativas dos conselheiros, a inserções de regiões geográficas no mapa, que, ainda que não tenham criado cursos dessa natureza, participam desses movimentos de criação desses cursos.

E é nesse fluxo, nesse cenário de relações de poder político e econômico nacional, que cursos específicos de graduação para formar professores de Matemática de instituições de ensino superior privadas ou públicas federais foram pensados, solicitados, adequados, criados, incentivados, negados. São movimentos, tramas, ideias, propostas, formatos, sem que, no entanto, as licenciaturas assumissem uma identidade.

Referências

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3Em Gomes (2019), o leitor é remetido a outros textos, denominamos de Notas, onde são apresentados os outros dois exercícios analíticos propostos pelo referencial da HP e que foram produzidos simultaneamente, em um movimento de retroalimentação.

4Essas Resoluções do Conselho Federal de Educação serão aboradas em outro momento deste artigo.

5No Brasil, até 1975, o ginásio correspondia aos quatro anos finais do atual ensino fundamental.

6No Brasil, até 1967, o ensino médio era dividido em três cursos e compreendia o curso científico, o curso normal e o curso clássico. Em seguida passou a ser chamado de curso "colegial", sendo que os três primeiros anos eram iguais para todos e, posteriormente, quem quisesse fazer o antigo curso normal e o antifo curso clássico tinha de fazer mais um ano.

7Sobre a Cades, ver publicações de Ivete Maria Baraldi, dentre elas, Baraldi (2003) e Baraldi e Gaertber (2010).

8No Brasil, até 1971, o ensino primário constituía historicamente o primeiro estágio da educação escolar. Em 1971, o ensino primário foi fundido com os quatro anos do ginasial, dando origem ao ensino de 1º grau, com a duração de oito anos. Na sequência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, o ensino de 1º grau foi substituído pelo ensino fundamental.

9A partir de 1964, durante o regime militar brasileiro, uma série de convênios realizados entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (Usaid) ficaram conhecidos como acordo MEC/Usaid.

10Na citação de Martins-Salandim (2012) a sigla FFCL se refere às Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras.

Recebido: 01 de Julho de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

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