SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28El funeral como espacio socioeducativo para el pueblo RikbaktsaInterdisciplinariedad y Alfabetización Científica: un ensayo sobre las dos caras de la misma moneda índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.28  Uberlândia  2021  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v28a2021-16 

Artigos de Demanda Contínua

Práticas docentes inovadoras e insurgentes: interdisciplinaridade e contextualização como possíveis caminhos

Prácticas docentes innovadoras e insurgentes: interdisciplinariedad y contextualización como posibles caminos

Sandra Maria Nascimento de Mattos1 
http://orcid.org/0000-0003-2622-0506

Keila Ferreira de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-7842-8037

1Doutora. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: smnmattos@gmail.com.

2Mestra em Educação. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: keilaferreirabio10@gmail.com.


RESUMO

Esse artigo tem como objetivo apresentar práticas docentes inovadoras e insurgentes que buscaram, na interdisciplinaridade e na constextualização dos saberes por intermédio dos alunos, transgridir o que está posto. Essas práticas foram desenvolvidas com a implantação do Projeto “Espaço Horta na Escola”, visando modificar o olhar da comunidade escolar a respeito do trabalho desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Cora Coralina, Cacoal - RO, Brasil. Adotamos como metodologia a observação participante e a realização de rodas de conversas para produzir os dados. Nessa perspectiva, a observação das práticas docentes inovadoras e insurgentes, que foram assim caracterizadas por demonstrarem ações originais ou não, mas que incorporaram renovação à intenção docente, são um caminho para ultrapassar o que está instituído nas salas de aula. Apontamentos que existem desafios, mas que podem ser superados quando são utilizadas estratégias de ensino e de aprendizagem diversificadas, promovendo práticas eficazes e significativas.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas docentes; Interdisciplinaridade; Contextualização; Insurgência

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar prácticas de enseñanza innovadoras e insurgentes que buscaban, en la interdisciplinariedad y en la contextualización del conocimiento a través de los estudiantes, transgredir lo establecido. Estas prácticas se desarrollaron con la implementación del Proyecto "Espacio Horta na Escola", con el objetivo de modificar la opinión de la comunidad escolar sobre el trabajo desarrollado en la Escuela Estatal de Educación Primaria y Secundaria Cora Coralina, Cacoal - RO, Brasil. Adoptamos la metodología de observación participante y la realización de rondas de conversaciones para recopilar datos. Desde esta perspectiva, la observación de prácticas docentes innovadoras e insurgentes, que se caracterizaron por demostrar acciones originales o no, pero que incorporaron renovación a la intención de enseñanza, son una forma de ir más allá de lo que se instituye en el aula. Señala que existen desafíos, pero que pueden superarse cuando se utilizan diversas estrategias de enseñanza y aprendizaje, promoviendo prácticas efectivas y significativas.

PALABRAS CLAVE: Prácticas docentes; Interdisciplinariedad; Contextualización; Insurgencia

ABSTRACT

This article aims to present innovative and insurgent teaching practices that sought, in interdisciplinarity and in the contextualization of knowledge through students, to transgress what is set. These practices were developed with the implementation of the Espaço Horta na Escola Project, aiming to modify the view of the school community regarding the work developed at the State School of Elementary and High School Education Cora Coralina, Cacoal - RO, Brazil. We adopted the methodology of participant observation and conducting rounds of conversations to produce the data. In this perspective, the observation of innovative and insurgent teaching practices, which were thus characterized by demonstrating original actions or not, but which incorporated renewal to the teaching intention, are a way to go beyond what is instituted in the classroom. There are challenges, but that can be overcome when diverse teaching and learning strategies are used, promoting effective and meaningful practices.

KEYWORDS: Teaching practices; Interdisciplinarity; Contextualization; Insurgency

Introdução

O trabalho docente nos proporciona experiências fabulosas, ainda mais quando se trata de práticas pedagógicas, já que existem desafios enfrentados no dia a dia, principalmente relacionados às formas de ensinar e de aprender que necessitam melhor entendimento por parte dos professores. As abordagens metodológicas, algumas vezes, não têm aplicação direta para as práticas desenvolvidas em sala de aula, pois diante dos desafios, das dificuldades, algumas ferramentas que poderiam ser utilizadas nos processos de ensino e de aprendizagem, não o são, o que pode comprometer a aprendizagem dos alunos.

Diante desse contexto e observando a educação atual, compreender os papéis da escola como instituição de ensino, dos docentes, dos discentes e da comunidade escolar é imprescindível para a colaboração e participação de todos no desenvolvimento de atividades escolares. Da mesma maneira, a compreensão das práticas cotidianas que os alunos desenvolvem é importante para construção e incremento do trabalho docente, o que exige mudanças na postura do professor frente ao conhecimento. Nessa lógica, o professor assume atitude de contextualizar os conteúdos escolares, compreendendo que os alunos possuem saberes próprios e que estes, quando integrados aos saberes escolares, vão além dos limites das disciplinas.

O professor toma a interdisciplinaridade como forma de ensino para abordar um tema, inter-relacionando-o com conteúdos de diferentes disciplinas. A intenção é propiciar a aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2000) dos alunos, bem como a aplicação dos conhecimentos específicos de cada área para a investigação e análise desse tema. Diante do exposto, a interdisciplinaridade integra-se às diferentes áreas de saber com o propósito de promover influência mútua entre os conhecimentos escolares e do cotidiano e dos professores com os alunos.

Existem vários obstáculos para a aplicação da interdisciplinaridade que vão desde a exigência de maior compromisso dos alunos com as atividades escolares, mudança de hábitos de estudos e transparência na elaboração de seus trabalhos e estudos. Da mesma forma ocorre com os professores, em que seu trabalho demanda serenidade, pleno envolvimento com as etapas das atividades propostas, disponibilidade para planejar e desenvolver as relações interpessoais. Portanto, utilizar a interdisciplinaridade requer uma atitude diferente do modelo disciplinar, em que a produção do saber ocorre de maneira linear, hegemônica e é propagado quase que individualmente, o que diminui o desenvolvimento das relações interpessoais e dificulta a contextualização dos conteúdos apreendidos.

Diante do exposto, o presente trabalho consiste em um relato de experiência, realizado na Escola Estadual de ensino médio Cora Coralina no município de Cacoal, Estado de Rondônia. A escolha da Instituição de Ensino deu-se em função de ser local de trabalho de uma das autoras, a qual procurou contribuir para a melhoria das atividades da escola, bem como acrescentar conhecimentos para a sua formação acadêmica e profissional.

Esse relato apresenta algumas atividades que foram desenvolvidas no decorrer do ano letivo de 2019 pela equipe pedagógica, professores, alunos e colaboradores da comunidade escolar, abordando atividades planejadas e desenvolvidas de maneira interdisciplinar. O objetivo da utilização dessa abordagem foi vivenciar práticas pedagógicas e experiências que auxiliam na compreensão de diferentes contextos de saberes aliados às propostas curriculares e interdisciplinares desenvolvidas no ambiente escolar, visando a contextualização dos conteúdos e contribuindo para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem.

A descrição narrativa aborda ações desenvolvidas com os alunos em atividades práticas, tal qual os aspectos teóricos que fundamentaram os trabalhos. As atividades desenvolvidas visaram a contextualização dos conteúdos escolares com outras disciplinas e nos conhecimentos que os alunos já tinham, mobilizando-os a produzir resultados práticos. Nesse contexto, os alunos foram estimulados a buscar formas diversificadas de utilizar em seus cotidianos o conhecimento apreendido em sala de aula e vice-versa, bem como explorar as experiências vivenciadas. Uma oportunidade que certamente proporciona a aprendizagem significativa e, ao mesmo tempo, promove a renovação das práticas docentes na busca por uma educação transformadora.

A prática docente interdisciplinar é evidenciada como uma das maneiras de diminuir o afastamento entre a realidade escolar e a realidade dos alunos, sem desconsiderar os desafios gerados pela tentativa de implementação dessa nova prática. Constatamos que interdisciplinaridade e contextualização caminham incorporadas às práticas docentes inovadoras e insurgentes a respeito do que está posto no currículo prescrito e nos materiais didáticos, além de favorecer a aprendizagem significativa dos alunos, estimulando-os a querer aprender os conteúdos escolares.

Cabe ressaltar que consideramos práticas inovadoras e insurgentes aquelas que, mesmo não sendo originais, incorporam algo novo para alterar ideias, concepções e práticas que transitam na direção renovadora da intenção docente. Portanto, são práticas que insurgem contra a passividade e a falta de criatividade dos alunos e os vê como copartícipes de suas aprendizagens.

Contextualizando o local: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Cora Coralina - Cacoal - Rondônia

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Cora Coralina está localizada na rua José do Patrocínio nº 2559 no Centro do município de Cacoal, pertencente ao Estado de Rondônia. Na Figura 1 observamos a localização e a fachada da escola.

Fonte: Escola Cora Coralina, 2020.

FIGURA 1: Localização no mapa e fachada da escola. 

A escola iniciou suas atividades no dia 12 de setembro de 1986, através do decreto nº 3041 (RONDÔNIA, 1986), denominada Escola Municipal de 1º Grau Cora Coralina. Em 1998 a escola passou a ser designada Escola Estadual de Ensino Fundamental Cora Coralina, através do decreto de alteração de Denominação nº 9003 de 23/02/2000 (RONDÔNIA, 2000). Em 2002 recebeu autorização para funcionar com o Ensino Médio Regular, adquirindo a denominação de Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Cora Coralina.

A Escola recebeu o nome de Cora Coralina para homenagear a poetisa Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas, conhecida como Cora Coralina. Sobre o quantitativo efetivo da escola, no que diz respeito às matrículas no ensino médio, eram 849 alunos em 2019. De acordo com levantamento realizado em abril desse mesmo ano, esses alunos estavam distribuídos da seguinte forma: 311 nas turmas de primeiro ano, 283 nas turmas de segundo ano e 255 nas turmas de terceiro ano. O corpo discente reside em diversos bairros da cidade, com faixa etária de 14 a 17 anos.

O corpo docente conta com 29 professores que se responsabilizam e exercem práticas educativas voltadas para o respeito aos alunos e têm posicionamento crítico e reflexivo perante questões relevantes e fundamentais referentes aos processos de ensino e de aprendizagem. A escola conta, ainda, com uma equipe pedagógica formada por supervisores, orientadores, psicólogo e duas responsáveis pela direção escolar.

A instituição trabalha com a organização dos espaços em salas ambientes que permitem personalização de acordo com as disciplinas que são alocadas nessas salas. Diante disso, os alunos deslocam-se entre as salas a cada mudança de aula. Cabe ressaltar que o objetivo da organização do espaço em salas ambientes preserva e resguarda os materiais necessários para a contextualização e o enriquecimento das aulas das disciplinas ali alocadas.

A escola adotou a concepção pedagógica crítico-social dos conteúdos, a qual defende a ideia de que é por intermédio da escola pública que os conhecimentos são difundidos, condição para o esclarecimento do povo e incentivo à participação nas lutas sociais. Para isso não é suficiente ensinar apenas conteúdos acadêmicos e escolares, é necessário valorizar as habilidades e experiências de vida dos alunos.

Assim, a interdisciplinaridade e a contextualização são aspectos valorizados pela escola, nos processos de ensino e de aprendizagem, permitindo aos docentes uma visão ampla para a tomada de decisões. Aspectos também apreciados pela escola são o desenvolvimento da autonomia, valorização e respeito aos saberes dos alunos e participação da comunidade escolar nas atividades que a escola desenvolve como estratégia de aproximação entre escola e comunidade envolvente.

Interdisciplinaridade e contextualização: norteando os caminhos para a prática docente inovadora e insurgente

A opção pela observação participante, além da participação nas atividades, nos propiciou o acesso às informações sobre as atividades pedagógicas que foram articuladas entre a supervisão e os professores e, posteriormente, com os alunos. Assim, em reuniões e em rodas de conversas pudemos ter acesso aos planos de ensino, bem como, investigar as ações e os projetos que seriam desenvolvidos. Essa aproximação foi significativa para o desenvolvimento das práticas docentes interdisciplinares, inovadoras e insurgentes.

De acordo com Vaillant e Marcelo García (2012, p. 19) “as capacidades docentes são um elemento essencial na adequada efetivação da aprendizagem do estudante, [...]”. Esses autores corroboram nosso entendimento sobre o desenvolvimento das atividades escolares que primam por práticas com o predomínio do diálogo, da cooperação e da articulação tanto entre os alunos como entre os professores com os alunos e a equipe pedagógica. Cabe ressaltar que as práticas insurgentes são aquelas que se rebelando contra a colonialidade do saber inspiram-se na solidariedade, na troca de saberes socioculturais e em uma educação emancipatória e libertadora.

Constatamos que é parte da proposta pedagógica da escola o estímulo à pesquisa, à curiosidade, à criatividade cultural e à iniciativa em descobrir novas possibilidades de conhecimento. Nessa lógica, os diálogos e conversas promoveram trocas de experiências entre os professores, o que contribuiam para adequarem o planejamento, tal qual a elaboração e o desenvolvimento das atividades interdisciplinares. Desse modo,

O enfoque interdisciplinar, no contexto da educação, manifesta-se, portanto como uma contribuição para a reflexão e o encaminhamento de soluções às dificuldades relacionadas à pesquisa e ao ensino, e que dizem respeito à maneira como o conhecimento é tratado em ambas as funções da educação. (LÜCK, 1994, p. 20).

É dado o primeiro passo para utilizar o enfoque interdisciplinar com caráter decolonial, em que os professores exercitaram o olhar mais comprometido e atento aos conhecimentos que os alunos poderiam trazer para contextualizar o projeto que seria desenvolvido na escola. Fazenda (2008, p. 17) ressalta que devemos pensar a interdisciplinaridade “como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento”. Assim sendo, lançou-se o Projeto “Espaço Horta na Escola” com o objetivo de promover a compreensão e responsabilidade de todos em relação à gestão saudável dos espaços em que vivemos.

No que diz respeito a contextualização, com a pretensão de romper as barreiras das disciplinas, optou-se por valorizar as experiências dos alunos expostos em seus saberes e fazeres cotidianos. É esse o caráter decolonial de práticas docentes que insurgem contra o que está prescrito. Vê-se assim que a contextualização só faz sentido na realidade sociocultural dos alunos, pois ao entrar em sala de aula trazem conhecimentos adquiridos no dia a dia (MATTOS, 2020) com suas famílias.

Mattos (2020) afirma, ainda, que contextualizar por contextualizar não dá sentido real aos conteúdos que os alunos aprendem na escola, tampouco os auxiliam a respeito da utilidade desses conhecimentos para aplicação na realidade deles. Portanto, a contextualização deve estar diretamente relacionada àquilo que os alunos já sabem ou àquilo que eles apreendem cotidianamente em suas atividades familiares. Esse foi o caminho para despertar o interesse dos alunos.

Esses foram os nortes tomados para que as atividades interdisciplinares na escola tornassem práticas docentes inovadoras e insurgentes, ou seja, contextualizar buscando suporte na cultura dos alunos; desenvolver o projeto mesclando as disciplinas de maneira que elas fossem apresentadas no intercambio de uma ou mais com outras disciplinas e abordar alguns conteúdos por meio de atividades práticas que envolvessem escola e comunidade. Observamos que despertar o interesse dos alunos em aprender foi um aspecto que também estimulou os professores e a equipe pedagógica. Portanto, as práticas docentes deveriam refletir o compromisso com a aprendizagem significativa dos alunos.

Aspectos metodológicos

Partimos do princípio que a abordagem metodológica direciona o olhar do investigador. Foi com esse entendimento que escolhemos a observação participante para desenvolver o relato de experiência que é propiciado quando se busca novos conhecimentos e acréscimos profissional e acadêmico. O levantamento do tema é complementar a uma outra pesquisa sobre sustentabilidade e plantas medicinais na Educação Escolar Indígena. Os sujeitos envolvidos foram cerca de 250 alunos do ensino médio, seis professoras, a equipe pedagógica da escola, dois voluntários e contou com participação a comunidade escolar na culminância do projeto.

O nosso objetivo visava transgredir ao que estava posto em sala de aula, tornar os alunos mais autônomos e criativos, os quais devem saber argumentar e debater ideias. Essas práticas são ações de insubordinação criativa (D’AMBROSIO; LOPES, 2015) como recurso para modificar o prescrito e que tem a intenção de ousar e criar práticas docentes que facilitam a aprendizagem significativa dos alunos.

Entre os procedimentos adotados para a produção dos dados, destacamos as rodas de conversas, tendo em vista a obtenção de informações sobre as práticas docentes que eram desenvolvidas no ensino médio. O uso da roda de conversa possibilitou que cada participante pudesse enxergar os outros e, ao mesmo tempo, escutasse a voz de cada um, o que favoreceu o discurso interativo. Segundo Sampaio, Santos, Agostini e Salvador (2014):

O espaço da roda de conversa intenciona a construção de novas possibilidades que se abrem ao pensar, num movimento contínuo de perceber - refletir - agir - modificar, em que os participantes podem se reconhecer como condutores de sua ação e da sua própria possibilidade de “ser mais” (SAMPAIO; SANTOS; AGOSTINI; SALVADOR, 2014, p. 1301).

Utilizamos ainda como instrumento de pesquisa conversas com professores e alunos, observação, captação de áudios e imagens. Houve, também, acesso aos documentos de registros da escola, como projeto político pedagógico e planos de ação de atividades.

O desenvolvimento do Projeto “Espaço Horta na Escola”: possiblidades interdisciplinares

Várias atividades podem ser desenvolvidas na escola com o auxílio de uma horta, mas optou-se por deixar os alunos escolherem o encaminhamento do projeto. Uma proposta interessante partiu dos alunos das turmas de terceiro ano do ensino médio, mesclando a disciplina de biologia com as de física e de sociologia. De modo que os alunos no desenvolvimento das atividades relacionassem conteúdos dessas áreas, tais como fontes de energia, relações de consumo, conceitos de ecologia e educação ambiental. Segundo Eno, Luna e Lima:

As hortas inseridas no ambiente escolar podem ser um laboratório vivo que possibilita o desenvolvimento de diversas atividades pedagógicas em educação ambiental e alimentar, unindo teoria e prática de forma contextualizada, auxiliando no processo ensino-aprendizagem (ENO; LUNA; LIMA, 2015, p. 249).

A escola já contava com um espaço para horta que foi utilizado para desenvolver o Projeto “Espaço Horta na Escola” atual. É chamado assim por ser um espaço destinado ao desenvolvimento de uma horta escolar, contando com canteiros construídos de alvenaria e cobertos com tela sombrite, como podemos constatar na Figura 2.

Fonte: Arquivo fotográfico das autoras, 2019.

FIGURA 2: Espaço Horta na Escola 

Com a estrutura já implantada, o espaço foi utilizado para o desenvolvimento das atividades, que foram realizadas em etapas, contando com os alunos que tiveram apoio e colaboração de voluntários. Todo o trabalho foi supervisionado e orientado pelas professoras das três disciplinas.

A mobilização e organização para a definição da proposta, realização das dinâmicas com os alunos para debater a construção de conceitos e valores fundamentais ao projeto, levantamento de materiais e recursos necessários à materialização do projeto, foram estabelecidas definindo-se grupos, em que cada turma era um grupo. Esses grupos tinham tarefas a serem cumpridas para a execução das atividades iniciais, tais como limpeza dos canteiros, semeadura, cuidados, manutenção e acompanhamento.

Na atividade de plantio os alunos foram os responsáveis com a colaboração das professoras e dos voluntários. Essa etapa contou com a ajuda e parceria da aluna M. S., a qual tem experiência com o cultivo de hortaliças, pois trabalha com a família no cultivo e venda nas feiras locais. Além dela, contaram com a colaboração do zelador escolar R., que também tem experiência com cultivo de hortaliças. Os dois deram muitas contribuições para a execução das atividades.

Essas práticas voluntárias corroboram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996), quando em seu Art. 3º, afirma que o ensino será ministrado com base em princípios dos quais vale destacar “a valorização da experiência extraescolar” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”, que constam nos incisos X e XI da lei (BRASIL, 1996, p. 9). Portanto, entendemos a ação pedagógica desenvolvida na escola como um ato decolonial que utilizam práticas inovadoras e insurgentes, orientadas por rupturas que transgridem práticas impostas pelo poder público.

As sementes de salsa, coentro e alface, adquiridas pelos próprios alunos, foram alocadas em copinhos para a germinação e, posteriormente, a transferência para os canteiros. Os alunos ficaram com a responsabilidade de dar continuidade e conservar a horta até findar o período letivo.

Com os alunos das turmas do segundo ano optou-se pela arrecadação e produção de mudas para doação à comunidade escolar. A professora de biologia apresentou os conteúdos sobre a diversidade, morfologia e fisiologia das plantas. Nessa perspectiva, foi proposto aos alunos realizarem pesquisa sobre espécies de plantas com fins e usos medicinais. Essa prática corrobora as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica - DCNEB (BRASIL, 2013, p. 163) que tem a pesquisa como princípio pedagógico, requerendo aos professores “serem facilitadores da aquisição de conhecimentos; devem estimular a realização de pesquisas, a produção de conhecimentos e o trabalho em grupo”. Nessa ótica, os alunos organizaram-se em duplas e a cada dupla foi dado o nome popular de uma planta medicinal. Os alunos por intermédio de pesquisas conheceram algumas plantas com propriedade medicinais, seus princípios ativos e fórmulas químicas dos compostos.

Observamos a entrada de um etnoconhecimento, já que a utilização de ervas medicinais é uma prática dos povos originários e envolve conhecimentos milenares. Envolve, ainda, a etnobotânica, na qual as plantas são incorporadas, pelas pessoas, às suas práticas cotidianas e culturais. Mattos e Oliveira (2019, p. 61) afirmam que “a etnobotânica é entendida como uma área de conhecimento que estuda a relação do homem com a natureza, da qual as plantas são partes integrantes e muito utilizadas [...]”, estabelecendo uma relação integrativa e inter-relações desenvolvidas em sistemas dinâmicos entre seres humanos e plantas.

Em outra etapa, os alunos ficaram encarregados da aeração e/ou produção de mudas das plantas pesquisadas. Nessa etapa, os alunos puderam compartilhar e trocar mudas. O foco dessa atividade incidiu sobre a trocas de informações e experiências, pois, muitos alunos relataram ter em casa espécies variadas de plantas, cultivadas pela mãe, por outro parente e por eles. De acordo com Mattos (2020, p. 132) “ao propor uma tarefa, o professor viabiliza o desenvolvimento de conhecimentos de grupos socioculturais”, explorando a argumentação e a apreensão de novos conhecimentos.

Foram arrecadadas aproximadamente cento e trinta mudas, que foram acomodadas no Espaço Horta na Escola e mantidas até o dia a socialização. Nesse período os alunos revezavam-se para cuidar das mudas. Cada dia um grupo de alunos ficava responsável por aguar as mudas. E em aulas práticas programadas faziam a limpeza e manutenção dos canteiros.

Para culminância das atividades foi realizada no dia 15 de novembro de 2019 a “I Mostra Científica e Cultural” com o tema “Vida e Ambiente”, que teve como ênfase a preservação ambiental; alimentação, saúde e bem-estar; geração de energia; bem como, manifestações culturais e artísticas. Foi uma oportunidade de apresentar aos pais, ao restante do corpo docente e à comunidade envolvente as atividades desenvolvidas no período letivo, o nível de comprometimento para com o conhecimento e a evolução de aprendizado dos alunos.

Para a exposição de um determinado experimento ou pesquisa utilizou-se de material visual e escrito, elaborado pelos alunos, tornando-os autores de sua aprendizagem e desenvolvendo-a de maneira mais significativa e contextualizada. Uma vantagem desta atividade foi conjugar a teoria à prática, gerando melhor assimilação dos conceitos e o entendimento de processos que ocorrem para aquisição do conhecimento. Outra vantagem foi despertar a curiosidade e gerar engajamento dos alunos, os quais aprenderam valores como cooperação, solidariedade, organização, autonomia e senso de equipe.

Constatamos que os saberes que estão ancorados na estrutura cognitiva dos alunos, são aqueles que estão presentes em sua cultura e que eles já adquiriram. Esses saberes influem na aquisição dos conhecimentos escolares, favorecendo a aprendizagem significativa por parte dos alunos. Sendo assim, “acelera e influi na qualidade da aprendizagem desenvolvida pelos alunos” (MATTOS; MATTOS, 2019, p. 107). Essas atividades estimulam e despertam o querer aprender, fazendo com que os alunos movidos por impulsos cognoscitivos sejam direcionados à exploração, à argumentação e à solução das tarefas propostas pelos professores.

A mostra contou, ainda, com apresentações de maquetes que foram desenvolvidas pelos alunos para aprenderem noções de geometria e arquitetura. Essa atividade foi planejada pelas professoras de matemática e de física, juntamente com alunos do terceiro ano do ensino médio. As maquetes apresentavam um sistema de geração de energia, o que podemos observar na Figura 3, em que era feita a exposição de uma maquete com a representação do sistema de geração de energia eólica.

Fonte: Arquivo fotográfico das autoras, 2019.

FIGURA 3: Maquete com demonstração de geração de energia. 

A maquete traz a realidade, vivenciada ou não pelos alunos, em escala reduzida. Como abordagem de ensino e de aprendizagem ela possibilita o estudo de uma linguagem gráfica aplicada a diferentes áreas de conhecimento. Para Simielli:

[...] o trabalho com maquetes não é simplesmente a confecção da maquete, isto porque o processo da construção de maquetes, em si, é um processo interessante, pois o aluno percebe realmente a passagem da tridimensão para a bidimensão ou, no caso específico da construção da maquete, da bidimensão para a tridimensão [...] (SIMIELLI, 2015, p. 103).

Constatamos que no processo de construção das maquetes junto a teorização dos conceitos, os alunos tiveram mais autonomia para argumentar e buscar respostas para o desenvolvimento das maquetes.

A I Mostra Cientifica e Cultural contou, também, com apresentações de danças culturais, exposição de fotografias, releituras de obras de arte, experimentos científicos, exposição de frutas, verduras, hortaliças e temperos para estimular a alimentação saudável.

Conclusão

As possibilidades de ensino e de aprendizagem dos conteúdos curriculares tornam-se mais significativas quando contextualizadas nas experiências e saberes dos alunos e são apresentadas na perspectiva interdisciplinar. O desenvolvimento de práticas docentes inovadoras e insurgentes, realizadas por meio interdisciplinar, facilita a interação das diversas áreas de conhecimento, bem como, propicia o empenho dos professores para a contextualização dos conteúdos escolares, além de despertar nos alunos a busca pelo conhecimento em estreita relação com o seu cotidiano.

O desenvolvimento do Projeto “Espaço Horta na Escola” teve importância para a comunidade escolar compreender que as atividades desenvolvidas, dentro e fora da sala de aula, são práticas que aliadas às teorias não ensinam somente o conteúdo escolar, mas que vão além das fronteiras das disciplinas. Com esse entendimento, as práticas interdisciplinares desenvolvidas em cooperação entre professores, alunos, equipe pedagógica e comunidade escolar promoveram uma ação transformadora, isto é, uma modificação de olhar, em que são focadas as práticas docentes inovadoras e insurgentes.

Percebemos que a troca de experiências entre os professores e alunos ocorreram constantemente, promovendo o enriquecimento dos processos de ensino e de aprendizagem. Percebemos, ainda, que alguns professores ficaram motivados e desenvolveram atividades interdisciplinares, baseando suas práticas em colaboração com os alunos, entendendo que tanto eles como os alunos têm saberes que podem facilitar esses processos. Nessa lógica, conhecimentos que estão na estrutura cognoscitiva dos alunos são utilizados para ancorar novos conhecimentos que são apreendidos e podem ser aplicados em quaisquer oportunidades da vida cotidiana.

Ressaltamos que a implementação de atividades interdisciplinares, por intermédio de práticas docentes inovadoras e insurgentes, enfrentam dificuldades e resistência de alguns profissionais da educação, mas ultrapassar esses limites e desafios faz parte da modificação de olhar diante das diferentes maneiras de apresentação dos conteúdos escolares. Embora com algumas dificuldades, muitas práticas interdisciplinares são desenvolvidas por professores que se aventuram e insurgem contra o que está posto nas salas de aula.

São práticas que inspiram outros professores e promovem a aquisição de novos saberes, bem como a felicidade, tanto dos professores como dos alunos. O primeiro porque vê seu empenho reconhecido e o segundo porque consegue entender o porquê aprender certos conteúdos escolares. Para corroborar essas ações, nos apoiamos em Cortella (2014, p.95) quando afirma que “a experiência pedagógica tem de ser algo admirável” e em Mattos (2020, p. 125) quando afirma que promover a felicidade em sala de aula “significa facilitar a aprendizagem e que esta seja prazerosa, crítica e libertadora”. Assim sendo, professores e alunos desenvolvem tonalidades afetivas agradáveis tanto para o ensino como para a aprendizagem.

As contextualizações e as experiências foram diversas, enriquecendo o desenvolvimento das atividades interdisciplinares e das práticas docentes inovadoras e insurgentes. O respeito ao conhecimento e a autonomia dos alunos foram fundamentais para alcançar os objetivos propostos. Concordamos com Freire (2017, p. 58) quando nos alerta que “ensinar exige respeito à autonomia do ser educado”, mas também compreendemos que é um desafio para os professores. Atribuir tarefas, designar responsabilidades, assumir compromissos e promover o diálogo constante são estímulos para os professores e alunos e desempenham papel fundamental quando se realiza práticas inovadoras e insurgentes.

Ao olharmos os espaços educativos em nosso país, precisamos estar atentos aos silêncios ou ruídos que ocorrem em sala de aula. O tipo de ação que é desenvolvido se mostra como um norteador de práticas. E essas práticas docentes que são inovadoras e insurgentes buscam ou promovem a leitura crítica do mundo (FREIRE, 2000) em que se pode anunciar ações de criatividade, de liberdade, de descoberta, de diálogo; ou se pode denunciar ações de seletividade, que hierarquizam conhecimentos, que são hegemônicas e contralizadoras de poder.

O que está em voga é o que o professor quer ou busca no desenvolvimento de sua profissionalidade. Não pode permanecer na ilusão de uma estrutura linear e alienante. Para transformar o mundo é necessário ações insurgentes, transformadoras e desafiadoras. Recorremos novamente à Freire (2000, p. 26) quando afirma que “o que não é porém possível é sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia e sem projeto. [...]. Os sonhos são projetos pelos quais se luta”. Esses sonhos transformam-se em práticas inovadoras e insurgentes, desafiando o que está instituído.

Referências

AUSUBEL, David P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Trad. Ligia Teopisto. Lisboa: Edições Técnicas, 2000. [ Links ]

BRASIL. MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC, 2013. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15548-d-c-n-educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 07 maio 2019. [ Links ]

BRASIL. MEC. LEI Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Senado Federal, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019. [ Links ]

CORTELLA, Mario Sergio. Educação, Escola e Docência: novos tempos, novas atitudes. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2014. [ Links ]

D’AMBROSIO, Beatriz S.; LOPES, Celi E. Insubordinação criativa: um convite à reinvenção do educador matemático. Bolema, v. 29, n. 51, p. 1-17, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/bolema/v29n51/1980-4415-bolema-29-51-0001.pdf. Acesso em: 16 jan. 2019. [ Links ]

ENO, Élen G. J.; LUNA, Renata R.; LIMA, Renato A. Horta na escola: incentivo ao cultivo e a interação com o meio ambiente. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, v. 19, n. 1, 2015, p. 248-253. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reget/article/viewFile/19538/pdf. Acesso em: 07 maio 2019. [ Links ]

FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade-transdisciplinaridade: visões culturais e epistemológicas. In: FAZENDA, Ivani Catarina A. (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 55. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2017. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000. [ Links ]

LÜCK, Heloísa. Interdisciplinaridade: Fundamentos Teóricos-Metodológicos. Petrópolis RJ. Ed. Vozes, 1994. [ Links ]

MATTOS, Sandra Maria N. O sentido da matemática ou a matemática do sentido: aproximações com o programa etnomatemática. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. [ Links ]

MATTOS, Sandra Maria N.; OLIVEIRA, Keila F. Ecologia dos saberes: o etnoconhecimento sobre o uso das plantas medicinais do povo Paiter Suruí. RETTA, v. 10, n. 19, 2019. p. 53-68. Disponível em: http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=retta&page=article&op=view&path%5B%5D=4155&path%5B%5D=2906. Acesso em: 21 out. 2019. [ Links ]

MATTOS, Sandra Maria N.; MATTOS, José Roberto L. Etnomatemática e práticas docente indígena: a cultura como eixo integrador. Hipátia, v. 4, n. 1, 2019, p. 102,115. Disponível em: https://ojs.ifsp.edu.br/index.php/hipatia/article/view/1092/809. Acesso em: 21 out. 2019. [ Links ]

RONDÔNIA. Decreto no 3041 de 12 de setembro de 1986. Cria Escolas no Município de Cacoal/RO. [ Links ]

RONDÔNIA. Decreto no 9003 de 23 de fevereiro de 2000. Dá nova designação às escolas de rede pública estadual de ensino. [ Links ]

SAMPAIO, Juliana; SANTOS, Gilney C.; AGOSTINI, Marcia e SALVADOR, Anarita de S. Limites e potencialidades das rodas de conversa no cuidado da saúde: uma experiencia com jovens no sertão de pernambucano. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, vol. 18, supl. 2, 2014. p. 1299-1312. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832014000601299&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 21 set. 2019. [ Links ]

SIMIELLI, Maria Elena R. Cartografia no ensino fundamental e médio. In: CARLOS, Ana. Fani A. (org.). A geografia na sala de aula. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2015. p. 92-108. [ Links ]

VAILLANT, Denise; MARCELO GARCÍA, Carlos. Ensinando a ensinar: as quatros etapas de uma aprendizagem. Trad. Maria dos Santos Lopes. 1. ed. Curitiba: Ed. UTFPR, 2012. [ Links ]

Recebido: 01 de Maio de 2020; Aceito: 01 de Dezembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons