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Ensino em Re-Vista

On-line version ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.28  Uberlândia  2021  Epub June 29, 2023

https://doi.org/10.14393/er-v28a2021-32 

Artigos de Demanda Contínua

Professores de ensino religioso: estudo exploratório sobre sua atuação profissional

Profesores de enseñanza religiosa: estudio exploratorio de su desempeño profesional

Alexsandro Macêdo Saraiva1 
http://orcid.org/0000-0003-0111-5750

Isabel Maria Sabino de Farias2 
http://orcid.org/0000-0003-1799-0963

1Doutor em Educação. Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: alex.saraiva@uece.br.

2Doutora em Educação. Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: isabel.sabino@uece.br.


RESUMO

O presente estudo tem como objeto de análise a atuação profissional dos professores da disciplina de Ensino Religioso na rede municipal de uma cidade no Estado do Ceará e objetiva compreender a percepção destes sobre o Ensino Religioso e o modo como eles constroem suas práticas pedagógicas, tomando como base teórica o debate sobre desenvolvimento profissional docente (MARCELO, 2009; NÓVOA, 2009, FORMOSINHO, 2009; IMBERNÓN, 2011). Nesta pesquisa qualitativa exploratória, os dados foram produzidos por meio de um questionário on line, respondido por 30 professores. Os resultados demonstraram que os professores vivenciam em seu trabalho a precarização, a falta de apoio institucional e uma busca solitária e individual de construção dos aportes teórico-metodológicos para a disciplina. Concluímos que faz-se necessário realizar políticas de gestão e acompanhamento formativo destes docentes, de modo que as problemáticas no âmbito desta disciplina possam ser minoradas.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Religioso; Atuação docente; Desenvolvimento profissional

RESUMEN

El presente estudio tiene como objeto de análisis el desempeño profesional de los docentes de la disciplina de Enseñanza Religiosa en la red municipal de una ciudad en el Estado de Ceará. Tiene como objetivo comprender las percepciones de estos sobre la Enseñanza Religiosa y la forma en que desarrollan sus prácticas pedagógicas. Para ello, se toma como base teórica el debate sobre el desarrollo profesional docente (MARCELO, 2009; NÓVOA, 2009, FORMOSINHO, 2009; IMBERNÓN, 2011). En esta investigación exploratória cualitativa, los datos se produjeron a través de um cuestionario online, donde respondieron 30 profesores. Los resultados mostraron que los docentes presentan precariedad, falta de apoyo institucional y una búsqueda solitaria e individual para el desarrollo de su disciplina de trabajo. Entre las conclusiones se destaca, que es necessário llevar a cabo políticas de gestión y acompañamiento formativo en los docentes, para que los problemas de la disciplina se puedan reducir.

PALABRAS CLAVE: Ensenãnza Religiosa; Desempeño docente; Desarrollo profesional

ABSTRACT

This study has object of analysis the professional performance of Religious Education teachers in the municipal network of a city in the State of Ceará. It also aims at understanding their perception about Religious Education and how they have been building their classes, takingon theoretical basis the discussion on teacher professional development (MARCELO, 2009; NÓVOA, 2009, FORMOSINHO, 2009; IMBERNÓN, 2011). Based on an exploratory qualitative research, the data were produced through of an online questionnaire, in which 30 teachers responded. The results showed that the teachers constantly experience work precariousness, lack of institutional support, and a lonely search for the construction of theoretical and methodological tools to help them in their daily classes. As to conclude, it is necessary to carry out management policies and formative monitoring of these teachers, so that the problems that revolve Religious Education can be reduced.

KEYWORDS: Religious Education; Teaching performance; Professional development

Introdução

O presente estudo tem como escopo a atuação profissional de professores que lecionam a disciplina de Ensino Religioso Escolar na rede municipal de uma cidade do Estado do Ceará e objetiva compreender a percepção destes professores sobre o Ensino Religioso e o modo como eles vêm construindo suas práticas em sala de aula. Desse modo indagamos: Qual o perfil do professor de Ensino Religioso desta rede? Que concepções de Ensino Religioso permeiam sua prática? Quais são suas condições objetivas e subjetivas de trabalho e de desenvolvimento profissional?

As formulações sobre desenvolvimento profissional docente (NÓVOA, 1992; GARCIA, 1999; FORMOSINHO, 2009; IMBERNÓN, 2010) têm em comum o fato de reconhecerem que este é um processo permanente, tanto individual quanto coletivo, e que tem a escola como locus privilegiado de formação, a qual contribui significativamente para o desenvolvimento das competências profissionais do professor através das mais diversas experiências, tanto formais como informais que nela ocorrem. Um construto delineado na expectativa de ultrapassar a sobreposição entre formação inicial e aperfeiçoamento docente que historicamente tem balizado o debate sobre a formação de professores, alargando a compreensão do processo de aprendizagem da docência (FARIAS; ROCHA, 2016; HOBOLD; FARIAS, 2020).

O desenvolvimento profissional docente caracteriza-se como processo de formação ao longo do ciclo profissional do professor e está “intrinsecamente relacionado com a melhoria das condições de trabalho, com a possibilidade institucional de maiores índices de autonomia e capacidade de acção dos professores individual e coletivamente” (GARCIA, 1999, p. 145), como também implica necessariamente uma “encruzilhada de caminhos” (idem, p. 139), em que se fundem o desenvolvimento da pessoa e do profissional do professor, da organização escola e do currículo. Por essa razão, nos vários momentos do percurso de aprendizagem da docência - a formação inicial, os primeiros anos de docência, as situações de inserção na profissão ao longo da carreira e a contínua busca de aperfeiçoamento - requerem, além do aporte individual, investimento institucional.

É sob essa ótica que se argumenta que o “professor, como qualquer outro ser humano, se produz por meio das relações que estabelece com o meio físico e social”, pelas inúmeras e diversas experiências da vida pessoal e profissional, interações materiais e simbólicas que constituem sua identidade, aqui compreendida um “processo sócio-histórico vinculado à humanização do homem” (FARIAS et al., 2014, p. 56). Nesses termos, no âmbito do desenvolvimento profissional, a identidade profissional do professor é constituída de múltiplas fontes, que vão além de um processo técnico e formal de aprendizagem dos saberes da profissão, e remete aos diversos espaços de socialização vivenciados pelo sujeito ao longo de sua vida. É uma construção pessoal, de um lado, pois que derivada da história de vida do professor, do significado que este atribui à docência, das suas práticas pedagógicas e de sua formação. De outro, é também construção social que “se processa no interior dos grupos e das categorias que estruturam a sociedade e que conferem à pessoa um papel e um status social”. (BREZEZINSKI, 2002, p. 02).

Importante ressaltar que a identidade profissional docente deve ser vista não apenas em sua dimensão formal e das práticas, mas também inclusivamente em sua dimensão subjetiva, compreendendo-a a partir do professor enquanto pessoa e profissional, com um jeito próprio de fazer docência que contorna as imposições e racionalizações institucionais sobre sua atuação (ARAÚJO, 2014).

Essa compreensão está em acordo com o pensamento de Pimenta (1999, p. 19) ao afirmar que a identidade profissional não se constrói apenas a partir de revisão das significações da sociedade e dos significados sociais da profissão, e da reafirmação das práticas culturalmente consagradas, mas também se constrói “[...] pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere a atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida de professor”.

Por constituir-se de um processo no qual o professor constantemente confere significado à sua prática, a identidade docente é palco de conflitos constantes, uma vez que o professor é convocado em cada momento e fase de sua vida profissional a construir formas de ser e estar na profissão (NÓVOA, 2000). Nessa direção, parece-nos necessário reforçar o argumento de Veiga (2010, p. 14) ao sublinhar que a docência “requer formação profissional para seu exercício: conhecimentos específicos para exercê-los adequadamente ou, no mínimo, a aquisição das habilidades e dos conhecimentos vinculados à atividade docente para melhorar sua qualidade”, processo que ocorre ao longo do seu percurso na carreira. Não obstante, lembramos também, como o fazem Tardif e Raymond (2000), que o “saber-ensinar” implica conhecimentos de vida e saberes próprios dependentes da personalidade da pessoa, de seu saber-fazer pessoal.

Entende-se, assim, que o desenvolvimento profissional docente é algo para além dos aspectos formais da formação, e implica necessariamente a dimensão da prática das vivências do professor que se sustenta na análise, na reflexão e na intervenção (inter)subjetiva do professor em situações concretas de ensino e aprendizagem, de forma permanente, garantindo assim o exercício consciente de sua profissionalidade. (FORMOSINHO, 2009; IMBERNÓN, 2011).

É justamente essa compreensão que tem nos mobilizado a problematizar a condição profissional dos professores que atuam no Ensino Religioso nas escolas públicas brasileiras, em particular no Ceará, em face das peculiaridades que cercam esse exercício profissional: um componente curricular que carece de identidade epistemológica e de uma identidade profissional para seus professores.

No Estado do Ceará, o Conselho de Educação aprovou a Resolução nº 404/2005, amparado nos artigos 19 e 20 da Constituição Federal, na LDB (Lei nº 9.394/96, artigo 33 com a redação dada pela Lei Federal nº 9457/97), nos Pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE) nºs 05/97 (CP), 296/99 (CES) 765/98 (CES) e 63/2004 (CES), na Resolução nº 0351/98 e nos Pareceres CEC nº 0997/98, 1004/98, 0951/2000 e 060/2005, estabelecendo novas disposições para o Ensino Religioso nas escolas da rede pública do Sistema de Ensino Estadual do Ceará, incluindo novos critérios para definição de conteúdos e de admissão de docentes.

Os artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Resolução n° 404/2005 acima destacada versam sobre os critérios de habilitação e admissão de professores para esta disciplina, que podem ser também pessoas com formação religiosa, obtida em curso oferecido por instituição religiosa (Teologia, Diaconia e afins), desde que possua habilitação em nível Médio (modalidade Normal) ou Superior (Pedagogia ou por Programa Especial de Formação Pedagógica) que o habilite a lecionar no Ensino Fundamental.

Em âmbito nacional, observamos o Projeto de Lei nº 9.208/2017, de autoria do ex-deputado Jean Willys (PSOL-RJ), o qual sugeriu a alteração da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para que a disciplina de Ensino Religioso pudesse ser ministrada por professores/as com diploma de licenciatura em Ciências da Religião, Ciências Sociais, História, Filosofia ou outras áreas de conhecimento que tenham relação com o estudo do fenômeno religioso.

Podemos extrair desses documentos pelo menos duas questões relevantes para este estudo. A primeira é a relação direta do licenciado em Ciências da Religião como o profissional docente habilitado para ministrar a disciplina de Ensino Religioso, imputando-lhe uma identidade profissional própria para esta área de conhecimento, dado que ele precisa ter os saberes curriculares, disciplinares e pedagógicos para tal exercício. A segunda questão é a grande carência de cursos de licenciatura em Ciências da Religião, que não atendem às demandas de um país com tamanha capilarização da rede de ensino, a qual, segundo dados do Censo Escolar de 2017, feito pelo INEP3 , conta com 107.512 escolas públicas de Ensino Fundamental regular, sendo 4.487 delas somente no Estado do Ceará.

Desse modo, em todo o país são admitidos professores com os mais variados tipos de formação inicial em nível superior (bacharelado em Teologia ou Diaconia, Ciências Sociais, História, Filosofia ou afins) por meio de um intenso “malabarismo” legal, como se pode observar nos documentos supracitados, ou professores de outras licenciaturas, de forma improvisada, em situações de preenchimento de lotação, por exemplo, são “solicitados” para o exercício nesta disciplina, majoritariamente “facultatória” (CUNHA, 2013) em condições, por vezes, estranhas (como ausência ou propostas curriculares dissonantes com a legislação, horários inadequados, ausência/inadequação de material didático de referência etc) nas redes de ensino municipais e estaduais do país.

Esse fato pode ser considerado como um obstáculo à construção epistemológica e metodológica do Ensino Religioso como componente curricular e sua efetivação na prática da sala de aula, não obstante, torna-se um problema no desenvolvimento profissional desses professores, sobretudo para aqueles que não tem formação específica em Ciências da Religião, que precisam ressignificar sua profissionalidade em torno de uma nova identidade: a de “ser” professor de Ensino Religioso.

Essas preocupações reforçam a pertinência da presente análise, de forma a contribuir com os estudos existentes sobre as problemáticas e complexidades da atuação profissional de professores de Ensino Religioso na escola pública (MARTINS FILHO, 2009; SOUSA, 2011; IACZINSKI, 2013; ARAÚJO, 2014; OLIVEIRA, 2015; LEÃO, 2016).

Percurso metodológico

Com o intuito de responder ao objetivo proposto, realizou-se um estudo exploratório descritivo e com abordagem qualitativa na rede municipal de ensino de um município cearense situado na mesoregião do sertão do Nordeste brasileiro, com aproximadamente 75 mil habitantes e uma rede de ensino composta de 54 escolas, 38 delas de Ensino Fundamental, podendo ser identificado como um típico município de médio porte dessa região do país. O levantamento ocorreu no interstício de agosto a outubro de 2019, tendo como participantes somente os professores da rede que ministravam a disciplina de Ensino Religioso. A listagem desses docentes foi obtida por solicitação via ofício à Secretaria Municipal de Educação, resultando em uma população de 57 professores.

A produção de dados ocorreu por meio da aplicação eletrônica, via Formulário do Google, de um questionário de 47 questões, estruturado em três blocos: Dados pessoais (15), Formação Acadêmico-profissional (11) e Atuação Profissional (21), e composto de perguntas fechadas, perguntas abertas e questões em forma de escalas de avaliação tipo Likert. Obtivemos retorno de 30 professores, ou seja, 51,7% de sua população, sendo uma amostra estatisticamente representativa, considerando um erro amostral de 10% a um nível de confiança de 95% (p = 0,05). Todos manifestaram seu consentimento livre e esclarecido quanto à participação na pesquisa, registro também efetivado digitalmente. A cada um dos partícipes da pesquisa foi atribuído um código (P1, P2, P3...P30) visando a identificação de suas respostas no processo de análise.

Para a tabulação e análise dos dados foram utilizados os programas Microsoft Excel 2010 e o JASP Statistics versão 11.0. A caracterização do perfil sócio-profissional (sexo, raça, religião, estado civil, situação ocupacional, tempo na docência, tempo de docência no Ensino Religioso) e dos itens de escalas likert e tipo likert (RE [religiosidade/espiritualidade] - 03 itens; CP [nível de conhecimento profissional] - 03 itens, AP [atuação profissional] - 02 itens; GC [Grau de concordância] - 09 itens) foram realizados por meio da estatística descritiva e inferencial.

O teste U de Mann-Whitney (para duas amostras independentes), o Kruskal-Wallis (para três ou mais amostras independentes) e o Dunn’s post hoc foram utilizados para analisar a diferença entre as variáveis do perfil sócio-profissional em relação ao nível de religiosidade/espiritualidade, o grau de conhecimento/atuação profissional e o nível de concordância dos partícipes da pesquisa referidos nos itens das escalas likert e tipo likert. Ressalte-se o fato de que, como o Teste de normalidade Shapiro-Wilk detectou que nenhuma das variáveis acima tem distribuição normal, decidimos pelo uso de tais testes, que, por serem não-paramétricos, não pressupõem o conhecimento da distribuição dos dados, bem como dos parâmetros populacionais, como média e variância.4

Para as questões abertas do questionário, optamos pela análise qualitativa das respostas, com base na análise de conteúdo de Bardin (2011), triangulando-as com as demais questões acima descritas.

De acordo com a estatística inferencial realizada, verificamos que houve diferença significativa por “situação ocupacional” nas respostas dos partícipes nos itens 02 (p= 0,01) e 03 (p=0,01) da escala de nível de conhecimento profissional (CP), como também por “tempo de docência no Ensino Religioso” nas respostas dos partícipes no item “h” da escala grau de concordância (GC) com as assertivas sobre o E.R. (p = 0,03).

Isto implica dizer que na apresentação e discussão dos resultados apenas as diferenças por “situação ocupacional” e por “tempo de docência no Ensino Religioso” nas situações supramencionadas foram consideradas, uma vez que não houve diferença significativa entre os grupos nos demais aspectos do perfil sócio-profissional.

Apresentação dos resultados e discussão

O grupo dos 30 partícipes foi caracterizado como sendo composto de professores do Ensino Fundamental cujas idades situam-se entre 28 e 56 anos, sendo que há maior ocorrência de pessoas com 38 anos ou mais (média = 42, desvio padrão = 8,8); 20 (66,7%) são do sexo feminino e 10 (33,3%) do sexo masculino; 16 (53,3%) são casados(as), 07 (23,3%) solteiros(as), 05 (16,7%) tem união estável, 01 (3,3%) divorciado(a) e 01 (3,3%) viúvo(a); 16 (60%) se definem como de cor parda, 08 (26,7%) como branca e 04 (13,3%) como negra. 29 (96,7%) se definem como heterossexual e 01 (3,3%) como homossexual. Um grupo de 26 (86,7%) deles não se identifica com nenhuma etnia, 01 (3,3%) como negro, 01 (3,3%) como indígena e 01 (3,3%) como quilombola. Quanto à religião, 18 (60%) são católicos(as), 05 (16,7%) não tem religião, 04 (13,3%) são evangélicos(as), 01 (3,3%) espírita, 01 (3,3%) adventista do 7º dia e 01 (3,3%) cristã(o).

Religiosidade/espiritualidade (RE)

Mais da metade (19 professores) se diz uma pessoa consideravelmente espiritualizada (51,7% “muito”; 4,3% “bastante”). Entre o grupo dos 26 partícipes que afirmaram ter religião (83,3%), 21 deles declararam baixo engajamento/frequência em sua religião (53,8% “mais ou menos”; 23,1% pouco; 3,8% nada), todavia 15 se consideram bem religiosos (46,2% “muito”, 11,5% “bastante”).

Sobre essa evidência, cabe ressaltar que não há relação entre ter religiosidade e ser um professor de Ensino Religioso competente, dado que ela é uma disciplina escolar e o conhecimento do religioso, enquanto um dado histórico-cultural de grande importância para as finalidades éticas da ação educacional, é oriundo de formação acadêmica específica (SOARES, 2010).

Formação e conhecimento profissional (CP)

No tocante à formação acadêmica, 21 dos partícipes (70%), tem formação superior pós-graduada lato sensu, do tipo especialização sendo que nenhum deles possui mestrado, nem doutorado. 19 professores (63,3%) tem curso Normal nível Médio e 14 tem graduação em Pedagogia (46,6%), havendo ainda professores licenciados em Biologia, Química, História, Geografia, Letras, Matemática.

A quase totalidade nunca fez nenhum curso de formação para o Ensino Religioso (29 professores), sendo que 25 (83,3%) deles alegam estar na disciplina temporariamente. Apenas 01 professor fez um curso de curta duração de Teologia, considerando-o ser específico da área. Foi mencionado também que a Secretaria Municipal de Educação não oferece nenhum tipo de formação nesta área, fato este confirmado em consulta junto ao próprio órgão, sob a justificativa de que nunca houve demanda dos professores. Este dado corrobora a ideia de que os professores que atuam nessa área não possuem formação apropriada para tal fim, dada a escassez de cursos de graduação para formação docente em Ensino Religioso no país, justificada em parte pela ausência de diretrizes e de pareceres favoráveis à criação de tais cursos (AMARAL; OLIVEIRA; SOUZA, 2017).

Nos itens que tratam sobre o nível de conhecimento dos documentos normativos da disciplina, tomando como base os valores abaixo de 3, que indicam tendência à pouco conhecimento, e valores acima de 3, que indicam tendência de elevado nível de conhecimento, os rankings médios (RM)5 nos três itens revelaram conhecimento mediano, cujos valores apontam para uma insuficiência (2,5; 2,5 e 2,7 respectivamente). Interpelados sobre o tema, 28 professores (93,3%), alegaram não ter conhecimento suficiente sobre o Art. 33 da LDB nº 9.394/96, alterada pela lei nº 9.475/97 que trata sobre o Ensino Religioso, nem da Proposta de Ensino Religioso da BNCC, no caso de 28 professores (93,3%), tão pouco da Proposta Curricular para o Ensino Religioso do município, para 29 (96,7%) deles. Esses dados encontram-se detalhados na Tabela 01:

TABELA 1: Distribuição de frequências dos professores partícipes da pesquisa sobre o seu nível de conhecimento profissional (CP) dos saberes curriculares do Ensino Religioso 

Nível de conhecimento sobre (CP) Nm Ins Reg Suf Mt Ranking médio Total
f (%) f (%) f (%) f (%) f (%) (RM)
1) O Art. 33 da LDB nº 9.394/96, alterada pela lei nº 9.475/97 que trata sobre o Ensino Religioso? 5 (16,7) 6 (20,0) 17 (56,7) 2 (06,7) - 2,5 30
2) A Proposta Curricular para o Ensino Religioso da atual BNCC? 4 (13,3) 10 (33,3) 14 (46,7) 2 (06,7) - 2,5 30
3) A Proposta Curricular para o Ensino Religioso da Secretaria de Educação Municipal? 4 (13,3) 9 (30,0) 12 (40,0) 3 (10,0) 2 (06,7) 2,7 30

Legenda: Nm (Nenhum); Ins (insuficiente); Reg (Regular), Suf (suficiente); Mt (muito)

Fonte: Elaborado pelos autores

O teste U de Mann-Whitney indicou diferença significativa por “situação ocupacional” nas respostas dos partícipes quanto aos itens 02 (p = 0,006) e 03 (p=0,021) da escala de nível de conhecimento profissional (CP) acima. Isto indica que os professores temporários alegaram ter mais conhecimento sobre a Proposta Curricular para o Ensino Religioso da atual BNCC e sobre a Proposta Curricular para o Ensino Religioso da Secretaria de Educação Municipal, do que os concursados. O fato de professores temporários necessitarem firmar sua qualidade profissional junto aos pares desse contexto, justamente por se encontrarem em situação de inserção na profissão (ALARCÃO; ROLDÃO, 2014), pode ser um elemento explicativo dessa diferença. Professores que se encontram na condição de ingressantes em uma rede de ensino, mesmo que não estejam vivendo suas primeiras experiências na docência, sentem-se inseguros e precisam demonstrar que são capazes para os colegas e que sabem desenvolver bem seu trabalho e, por isso mesmo, estão sempre atentos as orientações que regulam seu trabalho.

A atuação profissional (AP) dos professores de Ensino Religioso

As respostas dos partícipes revelaram que a atuação profissional na disciplina de Ensino Religioso é marcada por solidão profissional e precariedades. Observou-se que 25 professores são concursados (83,3%) e 05 (16,7%) são temporários, e que 20 (66,7%) lecionam há 07 anos ou mais.

Todos os partícipes atuam também em outras áreas distintas de sua área de formação inicial, como em Artes, História, Geografia, Ciências, Língua Inglesa, Educação Física, Matemática. Desses, 16 lecionam Ensino Religioso há menos de 04 anos (53,3%), o que denota uma possível alta rotatividade de professores nesta disciplina nas escolas. No grupo pesquisado, 29 professores (96,7%) atuam em uma única escola, 21 lecionam a disciplina de Ensino Religioso em 02 a 04 turmas (70%), e 25 deles atuam nos anos finais do Ensino Fundamental (83,3%).

Sobre como passaram a dar aulas de Ensino Religioso, dois motivos foram mais recorrentes. Para 16 deles (53,3%) foi para completar carga-horária e para 07(23,3%) foi por certa imposição da gestão da escola. Um deles disse que sua lotação foi por conta de ser da “área de humanas” (P05) e apenas 03 deles (10%) afirmaram gostar ou ter afinidade com a disciplina. A resposta de P19 chamou atenção pela possibilidade que ela encontrou de levar a vivência na Igreja para o exercício da disciplina, ao dizer que “Inicialmente [foi] para completar a minha carga horária, mas também por eu ter uma vivência de comunidade o que favorece na dinâmica da disciplina.”.

Um dado inusitado é que mesmo todos tendo relatado que nunca tiveram nenhum tipo de formação na área, 16 professores (53,3%) disseram estar preparados(as) para lecionar a disciplina. O professor P05, por exemplo, afirma que se sente preparado por conta de ter graduação em História e formação continuada em direitos humanos. No entanto, boa parte associa seu preparo ao fato de ser uma disciplina que traz reflexões para a vida, de temas éticos e morais, compreensão que possivelmente também explique o fato de não se engajarem em cursos de formação na área. A fala de P26 é emblemáticas neste ponto, ao mencionar que: “Apesar de não ter formação na área, gosto de dar aulas de religião, pois abordamos assuntos pertinentes às relações humanas”.

Dentre os 09 professores (30%) que afirmaram categoricamente não se sentirem preparados para lecionar a disciplina, a maior parte deles salienta o fato de não terem formação nem experiência na área, a exemplo de P30 ao dizer “porque acredito que o ideal seja que cada professor lecione na sua área de formação. E mesmo que eu estude e planeje sempre terei uma defasagem em relação a quem é da área”.

Sobre os conteúdos que mais gostam de abordar na disciplina, 21 (70%) professores mencionaram ser sobre relações humanas e 16 (53,3 %) sobre ética e valores humanos, o que justifica a alegação de grande parte daqueles professores supramencionados que se sentem preparados para lecionar a disciplina. Pressupõe-se que tais temas sejam mais “fáceis” de trabalhar com os alunos por partirem do “senso comum” e de uma ideia muito subjetiva do que seja o Ensino Religioso para eles. Isto é explicado também pelo pouco nível de conhecimento que eles têm sobre os saberes denominados por Tardif (2014) de disciplinares e curriculares acerca do Ensino Religioso.

Temáticas sociais (violência sexual, bullying, meio ambiente), sobre vivência religiosa (fé, religiosidade, espiritualidade) e de conhecimento do religioso (características das religiões, diversidade religiosa) foram mencionados de forma menos expressiva (36,7%, 23,3% e 10% respectivamente).

Compreendemos que uma disciplina não é ministrada de acordo com o que o professor entende ou decide ser preciso que seja ou não ensinado. Ela deve ser resultado de uma ampla discussão entre os agentes internos e externos da escola que definem os programas de ensino, pois são estes instrumentos que, segundo Tardif e Lessard (2011, p.207), “permitem aos professores organizar sua ação em termos de objetivos, de expectativas, de sequências, de cronograma”.

Curiosamente, um professor disse dar aula de LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais), o que sugere, juntamente com toda essa miscelânea de temas mencionados, a falta de mecanismos de acompanhamento pelos os gestores escolares e pela Secretaria Municipal da Educação, até o presente momento desta pesquisa, do trabalho docente realizado nesta disciplina, contrariando a legislação que trata do tema e ocasionando a “folia pedagógica” afirmada por Cunha (2013):

O que acontece nas aulas de Ensino Religioso provém de um cardápio variado. Umas turmas recebem aula de uma dada religião, outras de uma espécie de denominador comum às religiões da tradição cristã (católica e evangélicas), [...] outras, ainda, recebem aulas sobre “valores”, [,,,] uma espécie devota de Educação Moral e Cívica, de triste memória. Relações sexuais fora do casamento, homossexualismo, aborto e drogas são temas frequentes nessas aulas. Isso, apesar de os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental terem um tratamento laico. (CUNHA, 2013, p. 936)

Com efeito, a ausência de acompanhamento foi mencionada por, pelo menos, 08 dos 21 professores6, que responderam sobre o motivo de implementarem “nada” (04 professores ou 20,4 %) ou “apenas parcialmente” (15 professores ou 71,6%) a Proposta Curricular para o Ensino Religioso da Secretaria de Educação Municipal em suas aulas. É o que se evidenciou, por exemplo, nas falas: “Não recebemos apoio ou alguma proposta para trabalhar em sala”. (P6); “Nunca fui apresentado a Proposta Curricular do Município”. (P12); “não há curso de formação docentes para os profissionais da área.”(P27).

A falta de material didático é outra faceta deste problema, apontada também por 17 professores (56,7%) ao serem perguntados sobre quais as dificuldades enfrentadas na disciplina de ER. Nenhum dos partícipes usa livro didático, e todos usam materiais avulsos (textos reflexivos, dinâmicas, músicas, apostilas, áudios, vídeos, filmes) em sua maioria, como apontado por 23 professores (76,7%), extraídos da internet. Como a Secretaria de Educação não dispõe de nenhum tipo de apostila ou indicação de livro didático, os professores de Ensino Religioso acabam buscando por conta própria e de modo individualizado organizar os materiais didáticos que irão usar em suas aulas, fato este apontado também em outros estudos (SILVA, 2010; ARAÚJO, 2014)

Ao perguntá-los sobre o que eles gostariam que se contemplasse em uma formação para o Ensino Religioso da qual eles pudessem participar, destacou-se majoritariamente, para 16 professores (53,3%), a questão dos subsídios curriculares e metodologias para se trabalhar o Ensino Religioso com os alunos. Alguns propuseram estudar temas específicos como, a questão da laicidade do Estado, religiosidade africana e indígena, diversidade religiosa e cultural, preconceito e intolerância religiosa. O professor P15 assinalou o desejo de estudar sobre “temáticas necessárias para a formação moral”. Já outros professores propuseram diretivas mais amplas como “Proposta de temas para trabalhar em cada série/ano” (P06), “orientar em como ensinar Religião” (P24), ficando óbvio nestes casos o desconhecimento sobre a proposta curricular já existente no município em que trabalham.

Outra de nossas interrogações de pesquisa foi saber se a fé religiosa (ou filosofia de vida) dos professores se mostra presente no modo como eles conduzem as aulas de Ensino Religioso, na qual 24 professores (80%) responderam afirmativamente, e em pelos menos 16 deles (53,3%) de modo muito forte (sempre e em quase todas as situações).

No aspecto religioso, fica patente a conjugação da vida pessoal com a vida profissional entre os partícipes, o que reitera o argumento de Tardif (2014) de que os saberes docentes são sociais porque se constituem na confluência de vários outros saberes provenientes da sociedade (família, escola, universidade, comunidades etc), o que implica na impossibilidade de uma prática escolar “neutra” ou descolada da história de vida do professor, cabendo-lhe o desafio de reflexionar o diálogo entre o currículo, a realidade social e suas expectativas pessoais acerca da formação do aluno.

Percepção dos professores sobre a disciplina de Ensino Religioso

A importância da disciplina para a formação dos alunos se mostrou muito evidente em 26 dos 30 partícipes (86,7%). Apenas 03 (10%) deles afirmaram que a disciplina “não faz diferença” e 01 (3,3%) disse ser a disciplina “pouco importante”. Nenhum dos professores partícipes alegou ser a disciplina desnecessária enquanto componente curricular para a formação do aluno.

Em grande parte, a importância atribuída pelos professores ao Ensino Religioso como componente curricular na formação discente está associada ao “despertar” dos valores éticos e espirituais na convivência humana, elementos considerados necessários no desenvolvimento das sociabilidades dos alunos, do cuidar de si, do outro e da vida. Essas questões, todavia, devem ser trabalhadas tendo como substrato o conhecimento do religioso e das filosofias de vida, em suas manifestações, experiências e saberes nos diferentes tempos e espaços para compreendê-las, respeitá-las e valorizá-las. (BRASIL, 2017, p. 487).

A título de exemplo, destacamos a fala do professor P05 que atribuiu a importância da disciplina “Por apresentar ao aluno a ideia de valor, tolerância, respeito e diversidade na escola”. Fica muito intensa, na maioria das falas, a ideia de uma disciplina que, nas suas percepções, contribui significativamente para o crescimento pessoal do aluno, formação de seu caráter, a melhoria das relações humanas, e da convivência em sociedade.

Por outro lado, pelo menos 03 professores desse grupo atribuíram uma importância em caráter de formação religiosa à disciplina, como coadjuvante da educação moral-doutrinária das instituições religiosas, cuja importância se atribuiu ao fato de a disciplina de Ensino Religioso ajudar “Pra despertar a fé” (P04), e também pelo fato de que “É uma necessidade trabalhar com os jovens a formação ética, espiritual e religiosa. Assim, despertar a valorização da vida, as virtudes e as boas ações” (P16).

Entre aqueles professores que responderam "não faz diferença" ou " é pouco importante", as razões alegadas no primeiro caso foram “Porque não existe um direcionamento ou formação para atuar. É apenas para complementar a carga horária” (P15), e “É uma das disciplinas que os alunos acabam considerando que não tem importância” (P30), revelando que a disciplina parece estar sendo negligenciada pelas instâncias de gestão escolar internas como também externas à escola, deixando os professores sem apoio e os alunos desmotivados.

No segundo caso, há uma preocupação de que a disciplina possa tornar-se um espaço de doutrinação ideológica/religiosa, com risco de o professor influenciar, deliberadamente ou não, os alunos com suas opiniões e seus valores pessoais, dado que constroem por conta própria seus conteúdos, como retrata o professor P14 quando disse que “Podemos ser tendenciosos. Isso é perigoso”. Tal fato pode ser considerado quando não há um trabalho colaborativo entre os professores que, à luz da proposta curricular da disciplina, construa um trabalho coletivo que possibilite minimizar tais tendenciosidades na prática docente.

Os últimos 09 itens do questionário tratavam de assertivas sobre o Ensino Religioso aos quais os participantes assinalaram seu grau de concordância (GC). As assertivas “a) e g)” fazem referência a uma concepção catequético/confessional de Ensino Religioso; as assertivas “e), f) e h)” se referem a uma concepção mais interconfessional de Ensino Religioso; e as assertivas “b), c), d) e i)” alinham-se a uma concepção escolar e laica de Ensino Religioso., em conformidade com o Art.33 da LDB e a BNCC. Os resultados estão apresentados na Tabela 02.

TABELA 2: Distribuição de frequência das respostas dos professores partícipes da pesquisa sobre o grau de concordância (GC) com as assertivas a respeito do Ensino Religioso 

GRAU DE CONCORDÂNCIA (GC)
DT DP N CP CT Total Ranking Médio
ASSERTIVAS f (%) f (%) f (%) f (%) f (%) f (%) (RM)
a) As pessoas mais competentes para ministrar a disciplina de Ensino Religioso são membros religiosos (padres, freiras, pastores, rabinos etc) 16 (53,2) 7 (23,3) 4 (13,3) 2 (6,8) 1 (3,4) 30 (100,0) 1,8
b) A definição dos conteúdos de Ensino Religioso deve ser feita pelo Sistema de Ensino, cabendo as denominações religiosas apenas opinar 7 (23,3) 7 (23,3) 4 (13,3) 5 (16,8) 7 (23,3) 30 (100,0) 2,9
c) O Ensino Religioso deve garantir que os alunos conheçam as diversas religiões, sem valorizar uma mais do que as outras. 3 (10,0) 7 (23,3) 2 (06,7) 3 (10,0) 15 (50,0) 30 (100,0) 3,7
d) É possível lecionar o Ensino Religioso sem fazer proselitismo de minhas crenças religiosas. 5 (16,7) 7 (23,3) 2 (06,8) 5 (16,8) 11 (36,4) 30 (100,0) 3,3
e) O ensino Religioso deve estudar prioritariamente as Religiões Cristãs porque o Brasil é de maioria cristã. 19 63,3) 7 (23,3) 1 (3,3) 2 (6,8) 1 (3,3) 30 (100,0) 1,6
f) O objetivo do Ensino Religioso é o fortalecimento da fé religiosa dos alunos 12 (40,0) 7 (23,3) 5 (16,7) 4 (13,3) 2 (6,7) 30 (100,0) 2,2
g) Cada professor deveria ensinar apenas sobre sua religião 25 (83,34) 3 (10,00) 1 (3,3) ̶ 1 (3,3) 30 (100,0) 1,3
h) Ensina-se religião para que o aluno tenha mais consciência de seu significado na vida pessoal dele e na sociedade. 2 (6,7) 6 (20,0) 2 (6,7) 4 (13,3) 16 (53,3) 30 (100,0) 3,9
i) A escola deve ensinar Religião assim como se ensina os outros conhecimentos (História, Geografia, Ciências etc) 4 (13,33) 7 (23,33) 2 (06,67) 5 (16,67) 12 (40,00) 30 (100,0) 3,5

Legenda: DT (discordo totalmente); DP (discordo parcialmente), N (não discordo, nem concordo); CP (Concordo parcialmente); CT (Concordo totalmente).

Fonte: elaborado pelos autores

Utilizando como parâmetros os rankings médios (RM) das respostas, tendo valores abaixo de 3 indicando grau de discordância e valores acima de 3 indicando grau de concordância, observamos alto grau de discordância nas assertivas “a” (RM = 1,8) e “g” (RM = 1,3) sobre o E.R. na perspectiva confessional/catequética. Constatamos também alto grau de discordância na assertiva “e” (RM= 1,6) e moderada na “f” (RM= 2,2) sobre uma concepção mais interconfessional/ecumênica de Ensino Religioso. O item “h”, todavia, revelou um nível que tende para uma concordância (RM = 3,9), talvez pelo fato da redação do item apontar para uma ideia de formação humana, que, como vimos anteriormente, tem sido uma forte tônica da atuação docente, conforme suas falas.

O teste de Kruskal-Wallis encontrou diferença significativa por “tempo de docência no Ensino Religioso” nas respostas dos partícipes no item“h” da escala (p = 0,017) sugerindo que os professores com menos tempo de atuação tem maior concordância quanto à ideia de que deve-se ensinar religião para que o aluno tenha mais consciência de seu significado na vida pessoal dele e na sociedade, enquanto que os professores com mais tempo de atuação na disciplina tenderam a discordar de tal assertiva.

Os itens referentes à concepção laica do Ensino Religioso, também denominada de Ensino Religioso Escolar, demonstram uma tendência ao equilíbrio na frequência das respostas discordantes e concordantes com as assertivas. O item “b”, com ranking médio (RM) de 2,9, o qual faz referência ao parágrafo 2º do Art. 33 da LDB nº 9.394/96, alterada pela lei nº 9.475/97, apresentou pelos partícipes uma equiparação entre as discordâncias (46%) e concordâncias (40,1%), o que corrobora com grau de desconhecimento sobre tal normativa por parte significativa dos partícipes, já apontado anteriormente, explicitando a necessidade de uma política de formação colaborativa contínua entre os pares e com a Secretaria Municipal de Educação para que a partilhas de experiências, ideias e conhecimentos possam dirimir as lacunas acerca dos conteúdos, normativas e práticas em torno da disciplina. No item “c” encontramos forte tendência de concordância dos partícipes com a assertiva (RM=3,7). No item “d”(RM=3,3) há uma leve tendência de concordância com a assertiva,e em “i”(RM=3,5) uma tendência de concordância mais forte.

Estes dados sugerem a ideia de que parte significativa dos professores partícipes desta pesquisa tem uma noção vaga, intuitiva e dispersa, do significado da disciplina na escola conforme preconizado pela BNCC, que tem como princípio “acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz” (BRASIL, 2017, p. 437).

Todavia grande parte dos professores partícipes desta pesquisa denota ensejar uma mudança de percepção, embora difusa, sobre a concepção de Ensino Religioso, a qual parece já se distanciar de seu passado confessional, ainda que presa a uma ideia de formação interpessoal dos alunos e desvinculada dos estudos do conhecimento do religioso. Não é de se estranhar esse viés, haja vista o desconhecimento constatado da maioria sobre orientações vigentes em âmbito nacional acerca do Ensino Religioso Escolar e, provavelmente, sobre o status atual da discussão dessa disciplina no meio acadêmico-educacional, epistemologicamente sustentada pelas Ciências da(s) Religião(ões).

Conclusão

O estudo mostrou uma série de adversidades que dificultam a constituição de uma identidade profissional do “ser” professor de Ensino Religioso entre os partícipes. E que no percurso profissional solitário vivido por estes professores, eles se valem de seus saberes pedagógicos e das Ciências da Educação, assim como também de seus saberes da experiência docente, de experiências pessoais, e alguns da seara religiosa, para tentarem construir uma prática que possibilite a sua atuação na disciplina.

Consideramos que isso seja um dos motivos para que a mudança de percepção não tenha a celeridade necessária de modo que a disciplina seja ministrada em acordo com o que curricularmente ela se propõe, considerando que a mesma objetiva propiciar aos estudantes conhecimentos sobre questões religiosas, culturais e estéticas, assim como a reflexão sobre a liberdade de consciência e de manifestação da religiosidade (BRASIL, 2017).

O diálogo com o núcleo gestor da escola, assim como a maior aproximação da Secretaria Municipal de Educação, se fazem urgentes para a minimização de problemas na atuação dos professores, como a falta de subsídios didáticos, a alta rotatividade dos docentes na disciplina, e aquilo que o estudo mais revela, que é o desamparo profissional de quem é, na maioria dos casos deste estudo, impositivamente lotado na disciplina, sob a justificativa de complementação de carga-horária, sem habilitação para tal, e sem ser oferecido a eles nenhum tipo de formação em serviço. Não podemos esquecer da advertência de Gatti (2016, p.46-47) ao lembrar que “o professor é um profissional” e que é preciso propiciar-lhe “tanto de condições de construir perspectivas filosóficas e sociais sobre sua atuação como de condições que lhe permitam atuar eficazmente em escolas e ser criativo em seu trabalho, construindo sua autonomia profissional”.

Finalizamos estas considerações compreendendo que o estudo revelou mais uma faceta da precarização do trabalho docente, que é a ‘sobrevivência profissional’ de professores que lecionam em uma disciplina desvalorizada, e vista como problemática e dispensável no âmbito da gestão escolar e de setores progressistas nas políticas educacionais. Em tempos de lutas políticas de inclusão, esses optam pelo silenciamento da discussão deste tema nos espaços acadêmicos, defendendo que a melhor solução para o Ensino Religioso é sua exclusão do currículo escolar. E nesse embate de forças, a precarização do trabalho do docente só aumenta e preocupa e todos os atores escolares saem perdendo.

No tempo presente marcado pela polarização, pelas guerras de narrativas entre o discurso de uma extrema direita ultraconservadora e liberal do governo e os discursos progressistas que o antagonizam, o Ensino Religioso deve ser tratado de forma que se torne um espaço de pluralidade e transformação social e não de reprodução de ideologias moralistas e excludentes. Neste sentido, formar os professores reflexivamente para pensar o religioso em nossa sociedade é dar-lhes condições de uma atuação profissional que se alinhe com o respeito à diversidade e à democracia que sustentam o processo educativo.

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3Fonte: http://qedu.org.br/estado/106-ceara/censo-escolar?year=2017&dependence=0&localization=0&education_stage=0&item=.

4Segundo Gibbons e Chakraborti (2003), o teste de Mann-Whitney é utilizado para verificar se dois grupos independentes pertencem ou não à mesma população (H0: n1 = n2) do contrário, rejeita-se a hipótese nula (H0) e assume-se que os dois grupos são diferentes (H1: n1 ≠ n2). No mesmo sentido, o teste de Kruskal-Wallis analisa a diferença entre as medianas para comparar três ou mais amostras independentes (n1, n2, n3,... nn), informando se há diferença entre pelo menos dois destes grupos. Sua aplicação utiliza os valores numéricos transformados em postos e agrupados num só conjunto de dados, no qual a comparação dos grupos é realizada por meio da média dos postos (posto médio). Já o teste de comparações múltiplas de Dunn é utilizado após o teste de Kruskal-Wallis, se e somente se o teste de K-W permitir rejeitar H0. Por este motivo, é às vezes chamado de pós-teste de Dunn ou teste post-hoc de Dunn.

5O ranking médio (RM) permite numa escala apontar a tendência de uma avaliação.É calculado a partir da divisão entre a média ponderada dos postos de uma escala Likert/tipo Likert pelo total de sujeitos da amostra.

6Dos 30 professores partícipes, 09 professores não responderam a este item do questionário.

Recebido: 10 de Julho de 2020; Aceito: 01 de Janeiro de 2021

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