Introdução
Conforme preconizado na apresentação do dossiê “Ensinar e aprender Geografia em tempos de hiperconectividade e polarização política”, vivemos momentos de incerteza na forma de comunicar nossos desejos e estruturar argumentações embasados por evidências científicas sobre as grandes mudanças que estão ocorrendo no mundo, em um quadro global e, sobretudo, nas diferentes localidades em que as pessoas vivem.
A Geografia, assim como outras ciências sociais, têm se esforçado para elaborar explicações sobre as mutações que ocorreram em diferentes épocas do passado humano, bem como sobre o presente que nos envolve. Sabemos que algumas dessas transformações afetam nossa convivência e até nossa sobrevivência como espécie (Harari, 2014).
A saturação de informação que marcam o contexto em que vivemos tem consequências na aprendizagem humana. Por um lado, há a crença de que compreendemos o que nos chega por meio das redes informacionais e das mídias. Por outro lado, estabelecem-se mecanismos de persuasão que, gradativamente, criam grupos de apoiadores incondicionais que “gostam” ou “não gostam” de determinadas afirmações. Ademais, o tempo de reflexão é imediato, sem que haja a capacidade de analisar a veracidade de determinados fenômenos. Tudo isso chega às escolas a partir de dispositivos de comunicação interpessoal e afeta a disseminação de notícias, muitas vezes falsas, sobre eventos que acontecem em diferentes partes do planeta e, também, em nosso cotidiano.
Reverter esta situação é difícil. Contudo, experimentar e gerar pensamento crítico (com critérios sólidos) é essencial para o futuro da humanidade e para facilitar a convivência e o aprendizado em cada turma, no cotidiano das escolas. E, nesse sentido, a autoridade intelectual dos professores é um elemento básico e fundamental.
Em 2008, o Geforo Ibero-Americano sobre educação, geografia e sociedade foi constituído por um grupo de interessados nessas matérias. Esse é um espaço de troca de opiniões e argumentos sobre a educação formal, não formal e informal, abrangendo diferentes níveis de ensino nos países ibero-americanos. Compreendeu-se que a educação escolar deveria estar inserida no processo de educação mais amplo, direito reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, mas que, sabemos, ainda está longe das realidades de muitas populações e em diferentes lugares.
Nesse sentido, um grupo de professores, especialmente estudantes universitários, vem comparando os problemas existentes na prática educativa desenvolvida nas salas de aula de diferentes localidades, com o objetivo de verificar suas semelhanças e diferenças. Essa é a premissa do Geoforo. Pretendeu-se estimular outras pessoas a refletir criticamente sobre o ensino dos problemas sociais e ambientais, já que esse deveria ser o objetivo da educação geográfica e de qualquer ciência social.
Por isso, a geografia não pode ser vista como uma disciplina isolada e institucional, mas como um saber incorporado em diferentes níveis e áreas escolares em relação direta com os interesses sociais, os conceitos acadêmicas e os interesses dos alunos. Para contrariar o pensamento hierárquico institucional, é necessário construir um conhecimento partilhado, gerar um discurso crítico nas comunidades escolares em que participem principalmente alunos e professores, mas também instituições educativas, famílias e a população de determinado lugar.
O Geoforo Ibero-Americano: as argumentações críticas nos fóruns
A estrutura do Geoforo Ibero-Americano, tanto em sua localização situada na plataforma “Geocrítica” da Universidade de Barcelona, como na sede da Universidade Autônoma do México (UNAM), é estruturada em várias seções (Quadro 1).
Seções | Objetivos e conteúdos |
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Fóruns | Debater sobre assuntos que interesam a estudantes e docentes |
Notícias | Informar os leitores sobre congressos, eventos… |
Arquivos do fórum | Expor os resultados de investigacões (Teses, informações) en relação a didática |
Nós | Apresentação dos componentes do conselho diretivo de diferentes países |
Recursos | Bibliografia construída com contribuições plurais |
Endereços eletrônicos | Links de outras organizações locais que estão integradas no Geoforo |
Fonte: http://geoforo.blogspot.com/.
Neste artigo a seção sobre os fóruns vai receber uma atenção especial, pois nela se desenvolve a comunicação crítica sobre alguns documentos iniciais que refletem, na opinião da equipe gestora do Geoforo, problemas sociais e escolares relevantes ( Quadro 2).
Fóruns | Título | Moderador debate/ fórun | Ideias chaves | Evolucão2015/16 Coment. | Evolução2017/18 Coment. | Evolução 2018/2019 Coment | Evolução 2019/2020 Coment | Evolução 2020/2021 Coment |
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Foro 14 | ¿Cómo formar al profesorado?: Una aproximación internacional http://geoforoforo2.blogspot.com/2013/02/foro-14-como-formar-al-profesorado-una.html | Sara Fita | Formación inicial docente, Máster Profesorado: propuestas innovación. | 82/82 | 86/95 | 95/95 | 95/96 | 96 |
Foro 15 | Las unidades didácticas en la práctica escolar http://geoforoforo2.blogspot.com/2013/04/foro-15-las-unidades-didacticas-en-la.html | Consejo directivo | Programación, investigación - innovación en el aula. | 18/18 | 23/23 | 23/25 | 25 | 25 |
Foro 16 | Geografía y determinaciones administrativas http://geoforoforo2.blogspot.com/2013/08/foro-16-la-geografia-y-las.html | Silvia Sousa, Andrea Lastoria Fabián Araya | Evaluación externa, homogeneización del aprendizaje. | 50/50 | 50/50 | 50/50 | 50/51 | 51 |
Foro 17 | Educación ambiental y planetaria / educação ambiental e planetária http://geoforoforo2.blogspot.com/2013/10/foro-17-educacion-ambiental-y.html | Olga Moreno | Ciudadanía planetaria, medio ambiente, investigación educativa. | 45/57 | 82/82 | 82/89 | 89 | 89 |
Foro 18 | Las prácticas docentes: Opiniones y Experiencias para innovar. http://geoforoforo2.blogspot.com/2014/04/foro-18-las-practicas-docentes.html | Santiago Herrero | Experiencias docentes, innovación educativa, papel docente. | 42/97 | 240/242 | 242/245 | 245/248 | 248 |
Foro 19 | El control del espacio y los espacios de control. http://geoforoforo2.blogspot.com/2014/05/foro-19-el-control-del-espacio-y-los.html | Xosé M. Souto | El control de la cultura escolar y ciudadanía, Participación escolar, centro escolar. | 17/18 | 21/21 | 21 | 21 | 21 |
Foro 20 | Las TIC y la Enseñanza Geográfica de los problemas sociales. http://geoforoforo2.blogspot.com/2014/11/foro-20-las-tic-y-la-ensenanza.html | Yan Navarro | TIC, Innovación, problemas sociales, Redes Sociales, Mediación pedagógica en Red. | 68/90 | 154/156 | 156/159 | 159/160 | 160/167 |
Foro 21 | Las salidas de Campo / Visitas de Estudio. http://geoforoforo2.blogspot.com/2015/02/foro-21-las-salidas-de-campoa-visitas.html | Diego García Monteagudo | Didáctica geografía, papel docente, laboratorio abierto, aprendizaje significativo. | 159/387 | 403/441 | 441/467 | 467/507 | 507/509 |
Foro 22 | Aprendizaje de las ciencias sociales desde el entorno http://geoforoforo2.blogspot.com/2016/01/foro-22-el-aprendizaje-de-las-ciencias.html | Nancy Palacios | Papel del medio local en la organización escolar | 87 | 108/113 | 113/120 | 120/133 | 133/242 |
Foro 23 | Política, sociedad, educación y ciencias sociales http://geoforoforo2.blogspot.com/2016/04/foro-23-politica-sociedad-educacion-y.html | Jaeme Luiz Callai | Incidencia de la política en los espacios escolares y sus contenidos académicos | 108 | 252/261 | 261/267 | 267/270 | 270/272 |
Foro 24 | Nós Propomos http://geoforoforo2.blogspot.com/2018/03/foro-24-nos-propomos-possibilidade-da.html | M.A Rodríguez, S.Aparecida, S. Claudino. | Proyecto educativo, participación ciudadana, innovación. | 1/348 | 348/367 | 367/368 | 368/371 | |
Foro 25 | El medio rural en la educación geográfica. http://geoforoforo2.blogspot.com/2019/04/foro-25-el-medio-rural-en-la-educacion.html | Diego García Monteagudo, Olga L Romero, Luis Rivera | El medio rural y la formación de una cultura crítica ciudadana | 1/229 | 229/256 | 256/261 | ||
Foro 26 | El coronavirus. Una experiencia de aprendizaje http://geoforoforo2.blogspot.com/2020/03/foro-26-el-coronavirus-una-experiencia.html#comment-form | Consejo directivo | La pandemia de la covid-19 como oportunidad para el aprendizaje | 1/442 | 442/597 | |||
Foro 27 | Los museos locales y la enseñanza no formal http://geoforoforo2.blogspot.com/2021/04/foro-27-los-museos-locales-y-la.html | Juan Ramón Durá | Recursos patrimoniales para el estudio del medio local | 83 | ||||
Foro 28 | Que profesor y profesora de Geografía e Ciencias Sociales para el siglo XXI? http://geoforoforo2.blogspot.com/2021/10/foro-28.html | Sérgio Claudino | Definir las características docentes en este momento histórico | 85 |
Fonte: Elaboração própria com dados extraídos do Geoforo Ibero-Americano (até 19/12/2021)
De 2010 a 2020 as atualizações dos trabalhos realizados foram publicadas periodicamente, sobretudo na revista Biblio3W da plataforma Geocrítica da Universidade de Barcelona. Isso ocorreu por dois motivos fundamentais. Por um lado, porque essa é a plataforma digital na qual o Geoforo está hospedado desde 2008. Em segundo lugar, consideramos importante o reconhecimento do trabalho realizado pelo professor Horacio Capel, que promoveu essa plataforma digital relevante para o pensamento crítico da geografia e das ciências sociais. Neste campo académico aprendemos o valor da ciência cidadã e da difusão do conhecimento que serve para explicar com rigor os problemas do nosso tempo.
Os comentários postados no fórum, em uma perspectiva temporal, nos mostra a natureza circunstancial de muitos deles. Eles surgem como resultado de um problema específico, desenvolvem-se nas áreas onde surgiram, mas depois desaparecem.
Temos um exemplo concreto dessa situação no fórum 14, que foi desenvolvido vigorosamente até 2015, mas depois deixou de ser interessante. Sem dúvida, isso afeta o design dos fóruns, mas, também, a motivação dos docentes para alcançar a participação e o envolvimento dos alunos. E aqui, em nossa perspectiva, reside uma das chaves para a construção do conhecimento crítico.
Há uma forma de pensar e comunicar os problemas que nos afetam, com critérios dialógicos e democráticos e isso demanda do professor o estímulo ao debate com os estudantes, pois eles estão imersos em uma saturação de informações que apenas pede sua concordância ou discordância por meio de alguns ícones que mostram o comportamento superficial dos cidadãos, convertidos em clientela global.
Por isso mesmo, tem sido estimulada a renovação conceitual dos debates, seja pela abertura de um fórum semelhante, seja pelo desenvolvimento de alguns temas anteriores. No primeiro caso, temos o exemplo da abertura do fórum 28, que pretende acolher reflexões realizados nos fóruns 14 e 18. Sem dúvida, os trabalhos futuros devem abordar estes três fóruns e avaliar as mudanças e continuidades de opiniões mantidas em diferentes momentos cronológicos. No segundo caso temos o exemplo do fórum 22, que no ano de 2021 aumentou significativamente o número de comentários devido ao incentivo de um professor da Universidade de Valência; uma situação semelhante à registrada no Fórum Extraordinário que um professor de Bogotá havia estimulado e que foi registrado nas estatísticas de participação. Nesses casos, é significativo o papel de liderança dos professores em estimular os debates. Um caso que também consideramos relevante é o do fórum 13, que segue um ritmo mais lento, mas constante, para descobrir as diferenças entre inovar e pesquisar.
Há outros fóruns que permaneceram com poucos comentários, principalmente os fóruns 15 e 19, pois envolveram um nível de reflexão conceitual que não se enquadra bem nas discussões comumente realizadas nos fóruns, mais afeitas a comentários e trocas de opiniões sobre as experiências vividas e não tanto sobre reflexões teóricas. Isso implica compreender as diferenças entre as expectativas dos professores e os interesses de aprendizagem.
Além do maior ou menor nível de comentários nos fóruns, temos também os temas monográficos que foram analisados em cada um dos resumos anuais (Quadro 3). Assim como os comentários surgem do interesse dos alunos e da motivação dos professores pelas monografias temáticas e os relatórios anuais. Nesses casos é a diretoria do Geoforo que oferece sua avaliação crítica sobre o que está sendo construído.
Balanço anual | Referência bibliográfica | Temática abordada |
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2010 | Souto, Claudino y García, 2010 | Diversidad de situaciones escolares e investigación educativa desde Geoforo |
2011 | Souto y Durán, 2011 | Problemas docentes e investigación desde la praxis escolar |
2012 | Souto y Fita, 2012 | Redes informáticas y grupos locales en la construcción del conocimiento social |
2013 | Souto y Fita, 2013 | Problemas sociales y formación del profesorado para mejorar aprendizaje |
2014 | Souto y Fita, 2014 | Organicación del sistema escolar en Iberoamérica y respuestas formativas |
2015 | Campo, García, Rodríguez y Souto, 2015 | La participación del alumnado universitario y los desafíos de la enseñanza básica |
2016 | Colomer, García y Palacios, 2016 | Participación de las comunidades académicas desde Internet. Las TIC |
2017 | Catalá, Colomer, Souto, 2017 | Preocupaciones escolares y síntesis conceptuales de los debates de foros |
2018 | Fita, Claudino y Souto, 2018 | Globalización del conocimiento y participación ciudadana local. El ejemplo de Nós Propomos |
2020 | Campo, Fita, Martínez y Souto, 2021 | La Pandemia y los problemas sociales. La COVID-10 y el sistema escolar |
Fonte: Elaboração própria com base nos artigos citados.
As sínteses anuais e a análise das visitas e comentários registados no Geoforo são um bom indicador das preocupações existentes nas comunidades escolares e acadêmicas da Ibero-América e refletem os pensamentos e refelxoes dos docentes perante as diferentes conjunturas. Consideramos que a construção de conhecimento crítico para a participação cidadã, desde a educação escolar, demanda saber quais são os interesses expressos pelos interlocutores do contexto educativo de uma dada comunidade. E, nesse sentido, os comentários que aparecem nos Fóruns são um elemento essencial para esse fim.
Grupos locais e redes virtuais
Para pensar localmente os problemas escolares e gerar um processo global com a ajuda das redes de computadores, é preciso ter uma estrutura social de grupos e equipes de trabalho. A tradição pedagógica vem nos oferecendo movimentos, grupos e pessoas que geraram uma dinâmica relevante de inovação educacional. No caso do Geoforo, verificamos que a existência de grupos como IRES, ELO, Capgirem l’ESO, Geopaideia, Gea-Clío mobilizaram as opiniões das comunidades escolares onde estava sediado.
Selecionamos a evolução de dois grupos locais (Gea-Clío da Espanha e ELO do Brasil) para comparar seus objetivos educacionais na plataforma Geoforo, visando explicar como eles programaram atividades de formação e geraram materiais curriculares no interior de um projeto curricular.
Analsiamos o trabalho do projeto Gea-Clío em diferentes publicações científicas desde seu início em 1989 até o presente (Pérez, Ramírez e Souto, 1997; Ramírez e Souto, 2017; Souto, 1999), com o objetivo de mostrar a possibilidade de construir um conhecimento educacional crítico se algumas premissas básicas forem atendidas.
Em primeiro lugar, é necessário consolidar relações pessoais de confiança mútua. Em outras palavras, são necessários pelo menos dois anos para confiar no trabalho colaborativo. Em segundo lugar, a inovação deve ser complementar aos resultados da pesquisa educacional. Além disso, é necessário ter pessoas de apoio que possam avaliar o trabalho das salas de aula a partir da observação participante. Da mesma forma, é necessária uma edição de materiais que permita a experimentação de formas alternativas de aprendizagem em condições fidedignas. Por fim, é preciso que haja uma divulgação do projeto com estratégias de formação de professores e publicações que possam chegar às escolas.
Com estes requisitos, o projeto Gea-Clío nasceu resguardado das mudanças que surgiram na Espanha, e mais especificamente na Comunidade Valenciana, no momento das reformas curriculares promovidas pela Lei Orgânica Geral do Sistema Educacional (LOGSE do ano 1990). Isso facilitou a criação de grupos de trabalho que, coordenados no projeto institucional das reformas, fomentaram formas de trabalho mediadas pela criatividade profissional e pela pesquisa acadêmica.
Este não é o momento de analisar as vicissitudes deste projeto, mas de explicar a sua relação com o Geoforo Ibero-Americano, fruto da sua integração no grupo de investigação Social(S) e dos contactos estabelecidos com outros grupos, como o Geopaideia e o ELO. A estratégia seguida pode ser um exemplo para referenciar o trabalho de outros grupos.
O Grupo de Estudos da Localidade (ELO) reúne mais de trinta profissionais da educação em Ribeirão Preto (Brasil). O projeto mantém os princípios metodológicos das comunidades educativas de aprendizagem e tem como foco o ensino dos problemas socioambientais do referido município brasileiro. Os professores participantes atuam fundamentalmente na educação básica, com caráter interdisciplinar que se organiza a partir das ciências sociais. Por isso, pesquisas didáticas (Azevedo, Lastória e Fernandes, 2019; Gomes e Lastória, 2016), reuniões científicas e materiais didáticos (Lastória, Rosa e Kawasaki, 2021) que levem em conta a construção do pensamento geográfico e histórico entre estudantes e na formação de professores. O grupo apresenta uma inserção internacional sobretudo por meio do desenvolvimento do projeto “Nós Propomos” em Riberao Preto e em outras localidades, visto que é uma possibilidade de defesa do protagonismo juvenil na construção de um espaço público e reflexões sobre problemas glocais (Carvalho, Azevedo, Almeida, Lastória e Fernandes, 2019).
“Nos Propomos” é um projeto de inovação que surgiu em Portugal e tem como foco o ensino das ciências sociais (geografia e história) na educação básica, que se espalhou para outros países como Brasil, Espanha, México, Peru, Colômbia e Moçambique. Em termos metodológicos, desenvolve a aprendizagem em serviço e promove a formação cidadã dos alunos por meio do seu envolvimento nos problemas sociais das localidades onde residem. Dessa forma, promove-se a aprendizagem socioconstrutivista dos alunos, que participam das atividades em equipes e realizam trabalhos de campo para fornecer possíveis soluções para problemas concretos que afetam os cidadãos (Rodríguez e Claudino, 2018).
Como exemplo da internacionalização do projeto “Nos Propomos”, é possível citar alguns exemplos na Comunidade Valenciana (Espanha). A cidade de Ontinyent foi pioneira de um projeto educacional abrangente sobre clima e paisagem no ensino médio, que posteriormente teve eco na formação inicial de professores da educação infantil (García-Monteagudo e Campo, 2020). Nos anos inicias de escolarização, os alunos de uma escola em Xàbia trabalharam em projetos envolvendo conteúdos sobre a história dessa cidade, a paisagem e o património cultural (Henarejos e Cardona, 2017). Essa experiência foi apresentada a docentes em formação na Universidade de Valência, a quem são atribuídas tarefas de análise de informação geográfica através do Geoforum Ibero-Americano. Na própria cidade de Valência, o desenho de propostas didáticas sobre o bairro onde se localiza uma escola do distrito de Quatre Carreres está favorecendo a inserção dos alunos no primeiro ciclo do Ensino Secundário (Peris, 2019), além do fato de que o mesmo projeto está sendo desenvolvido com alunos das periferias escolares.
Um ano antes do início da Covid-19, um grupo de estudantes universitários de pós-graduação e doutorado, além de outros professores com pouca experiência na educação básica, começaram a se reunir motivados pela defesa da educação geográfica. Em novembro de 2021, foi criado o grupo "Pesquisadores Ibero-Americanos em Educação Geográfica", cadastrado na plataforma Lattes, o diretório de grupos de pesquisa no Brasil. Suas linhas de trabalho incluem pesquisa em educação geográfica, formação de professores e inovação em geografia escolar, incluindo educação não formal. Em dois anos de trabalho, o grupo realizou mais de uma dezena de encontros e organizou eventos para tornar visível a importância do ensino de geografia frente aos problemas sociais e ambientais que ocorrem no mundo.
O mesmo acontece em outros casos, como os grupos IRES em Sevilha ou Geopaideia em Bogotá. Nesses casos, vimos a dificuldade de construir um saber escolar que não se coadune com rotinas e tradições e, por isso mesmo, contradiz a corrente da cultura dominante nas esferas do ensino de ciências sociais.
A construção de conhecimentos críticos
Como dissemos, os grupos locais que interagem na plataforma virtual Geofo, assim como as opiniões dos alunos e professores que se expressam nos fóruns, são minoritárias, pois não coincidem com o cânone do saber escolar. Eles também vêm de experiências vividas muito concretas. Por isso, o conjunto de opiniões que aparecem nos fóruns do Geoforo supõe uma base cultural para interpretar o conhecimento crítico do cidadão. Mas para esse trabalho é preciso o rigor de uma metodologia que saiba transformar opiniões em argumentos. Assim, a participação individual se transforma em conhecimento coletivo que busca oferecer critérios para explicar o cotidiano.
O conteúdo dos fóruns foi sintetizado em problemas específicos, como foi verificado no Colóquio de Bogotá em março de 2019 (Palacios, Rodríguez e Souto, 2019). Para facilitar a ordenação das informações, as opiniões foram categorizadas, como alguns autores fizeram (López, 2019; García-Monteagudo e Torres, 2019; Fita e Barbosa, 2020) e em outros casos foram editados trabalhos monográficos. (Araya , 2009; Durán, 2012; Palacios e Ramiro, 2017; Santiago, 2012; Sousa, García e Souto, 2016; Souto, 2014, Sousa, García e Palacios, 2020). Essas tarefas permitiram rever criticamente o trabalho realizado e observar as sinergias estabelecidas com outros programas, especialmente com o “Nós Propomos” (Claudino, 2014, 2017, 2019; Araya, Souto e Claudino, 2018; Claudino, Souto e Araya , 2018). Assim, deve-se entender a abertura de um novo Geoforo na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), para facilitar a análise dos conteúdos expostos em diferentes categorias conceituais4.
Uma primeira aproximação para transformar opiniões em categorias conceituais, com as quais argumentar, encontra-se no estudo sobre formação de professores. Uma vez estudadas as características acadêmicas e geográficas dos participantes, é desenvolvida uma metodologia (López, 2019; 117) na qual o contexto e a finalidade do debate são correlacionados com a análise do conteúdo e a interpretação dos comentários. Dessa forma, são sintetizadas seis categorias que incluem aspectos acadêmicos, sociais e trabalhistas. Um estudo que se complementa com a proposta feita por Fita e Barbosa (2020) sobre as práticas docentes, e por Cascales e Meleán (2021) em relação ao contexto da pandemia, onde levam em conta os fios ou categorias conceituais, que são desenvolvido no Fórum 126 da UNAM.
Dessa forma, é possível avançar na explicação dos problemas de aprendizagem e das dificuldades de desenvolver estratégias didáticas para o seu desenvolvimento. É o que foi estudado no Fórum 10, que revelou as dificuldades em transformar a realidade social em conteúdo educacional. Este é um problema de pesquisa que requer uma análise mais aprofundada do papel desempenhado pela representação social da geografia, uma vez que o ensino do espaço tem sido entendido como sinônimo de espaço ou território concebido, dificultando o estudo problematizador dos conteúdos que podem ser ensinados em ciências sociais a partir de percepções subjetivas. Quando os professores acreditam que se sentem confiantes sobre o conteúdo selecionado, eles têm dificuldades para interpretar a estrutura curricular e focam no uso das tecnologias digitais para gerar inovação técnica, não tanto pedagógica (García-Monteagudo e Torres, 2019). A pretensão de gerir a aprendizagem significativa prioriza as necessidades dos alunos, sem que isso implique que o ensino forneça critérios para estimular o pensamento crítico nos alunos.
Um segundo exemplo de preocupação recorrente entre estudantes e professores ibero-americanos tem sido o ensino dos espaços rurais. Os professores em formação em Valência (Espanha) mencionam o despovoamento, a situação desfavorecida de algumas escolas rurais e ocasionalmente recorrem à sua experiência no período de estágio para refletir sobre esta realidade escolar. No caso do Brasil e da Colômbia, exige-se uma educação do campo e conteúdos didáticos sobre o campo e a cidade. A razão é que os pesquisadores mostram a necessidade de trazer à tona os problemas do meio rural, que ficam ocultos se não forem definidos conteúdos curriculares sobre esse assunto. Esse desinteresse pela cultura e modos de vida rurais também foi destacado na Colômbia, cujos comentários enfatizam a importância de legitimar o poder nas escolas rurais e melhorar o acesso a esses espaços para garantir o desenvolvimento da cidadania plena. Por sua vez, a situação no México mostra que há um grande desconhecimento da realidade das comunidades indígenas e o ensino sobre o espaço rural está subordinado ao urbano.
O terceiro exemplo é a pandemia de Covid-19. O Fórum 26 coletou as contribuições da comunidade educacional ibero-americana durante o desenvolvimento da pandemia em 2020 e grande parte de 2021. Os participantes discutiram educação online e presencial, métodos de ensino durante a pandemia, entre outros assuntos. Isso reafirmou a possibilidade de considerar o currículo como uma construção permanente a partir de diferentes fontes que o diferenciam e complementam (Sousa, García-Monteagudo e Palacios, 2020). Apesar das extraordinárias condições de insegurança e ameaça para os agentes da comunidade escolar, tem-se mostrado que vulnerabilidade e resistência também podem gerar atitudes inovadoras, com experiências docentes condicionadas pela percepção positiva dos professores de que suas identidades profissionais e práticas contribuem para a construção de um novo processo educativo. Nesse sentido, pode-se provocar a participação dos alunos na construção de novos saberes escolares (Campo, García-Monteagudo, Rodríguez e Souto, 2021).
O contexto da cidadania crítica e o papel do intelectual
A definição de cidadania e pensamento crítico é uma questão complexa, pois a ambiguidade dos termos tende a esconder interesses mais específicos das pessoas e grupos que expressam essas ideias. Ter critérios para interpretar a realidade social significa arriscar rumo a adoção de algumas referências e não de outras.
No nosso caso optamos por trabalhar com as ideias de John Dewey (1995) e Paulo Freire (1996) sobre educação, bem como de Antonio Gramsci (2020) sobre o papel dos intelectuais e Jürgen Habermas (1987 e 1988) sobre as teorias da comunicação humana. Consideramos que esse aporte teórico é essencial para gerar um ambiente para a construção do conhecimento social.
J. Dewey (1995) nos auxilia para compreendermos a educação ligada ao contexto social, pois significava reelaborar experiências para participar responsavelmente da vida social. Uma tarefa que supõe um compromisso do intelectual docente, como A. Gramsci (2020) mostrou com exemplos concretos da Itália nos anos vinte do século passado ou que P. Freire reforçou com seu compromisso pessoal, para enfrentar as desigualdades que dificultam o acesso ao direito universal à educação, a partir de uma atitude "militante", pois, como assinalou, eram fruto de "certezas ontológicas fundadas social e historicamente" (Freire, 1996; 12).
Nesta tarefa é importante desafiar as rotinas e tradições que impedem a comunicação humana autêntica, como analisa J. Habermas. É por isso que trabalhamos há vários anos a partir do campo teórico das representações sociais, pois elas nos permitiram conhecer como os hábitos e interesses pré-reflexivos afetam o modo de agir e justificar a ação educativa.
Com essas bases teóricas podemos enfrentar a interpretação dos dados extraídos da observação participante; ou seja, a colaboração com as pessoas que compõem as comunidades escolares locais. Só assim se podem compreender as experiências que condicionam a conceitualização da vida escolar.
Conclusões
A finalidade educativa das ciências sociais, especialmente da geografia e da história, consiste em fornecer um conjunto de argumentos e critérios que permitam o desenvolvimento de uma cidadania crítica, que facilite a convivência local em um mundo global em que o risco ambiental e a oposição ideológica dificultam o diálogo comunicativo.
A construção do conhecimento crítico implica a relação entre pesquisa e inovação, como temos vindo a indicar. Um elemento estratégico para alcançar essa complementaridade é o projeto curricular, que está integrado ao modelo de pesquisa-ação, derivado dos ensinamentos de L. Stenhouse e da Universidade de East Anglia com J. Elliot. Uma formulação teórica que tem sido complexa de definir (Gimeno, 1989).
Um projeto curricular supõe a referência a um modelo pedagógico, por isso é necessário ter referências teóricas, como fizemos ao recorrer a Dewey, Freire ou Habermas. Mas esse modelo deve ser baseado no trabalho constante de um grupo de pessoas (professores) que tenham a preocupação de melhorar o aprendizado de seus alunos a partir das referências fornecidas pela pesquisa educacional, que é recebida na forma de seminários de trabalho, cursos, treinamentos nos próprios centros escolares, colóquios, conferências ou publicações diversas. Além disso, essas estratégias educativas devem ser acompanhadas pelo desenvolvimento de materiais curriculares, a fim de vivenciar as melhorias pretendidas nos contextos institucionais das salas de aula.
Esta forma de trabalhar é sustentada pela criação de redes escolares e acadêmicas, das quais o Geoforo Ibero-Americano é um exemplo concreto. É por isso que é necessário construir e desenvolver esse tipo de plataforma virtual que é sustentada pelo trabalho diário dos grupos de ensino que atuam nas escolas.