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Ensino em Re-Vista

On-line version ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub June 08, 2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-32 

DOSSIÊ 2: ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA EM TEMPOS DE HIPERCONECTIVIDADE E POLARIZAÇÃO DE IDEIAS

Estágio Curricular Supervisionado em Geografia: desafios da aprendizagem docente em tempos de pandemia1

Pasantía Curricular Supervisada en Geografía: desafíos del aprendizaje docente en tiempos de pandemia

Rosa Elisabete Militz Wypyczynski Martins2 
http://orcid.org/0000-0002-2875-2883

Suelen Santos Mauricio3 
http://orcid.org/0000-0002-2128-8117

Carolina Araújo Michielin4 
http://orcid.org/0000-0002-1671-3801

2Doutora em Geografia; Mestre em Educação; Professora do Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC; Professora do PPGE da FAED/UDESC; Coordenadora do LEPEGEO; Coordenadora do grupo de pesquisa CNPQ - Ensino de Geografia e Diferentes Linguagens. E-mail: rosamilitzgeo@gmail.com.

3Professora substituta no Departamento de Geografia do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC. Graduada em Geografia Licenciatura e Mestre em Educação pela UDESC. Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da FAED/UDESC, na linha de pesquisa Políticas Educacionais, Ensino e Formação Docente. E-mail: suelensmauricio@hotmail.com.

4Graduada em Geografia Licenciatura pela UDESC/FAED e Graduanda em Geografia Bacharelado pela UDESC/FAED. Mestre em Educação PPGE/UDESC; Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da FAED/UDESC, na linha de pesquisa Políticas Educacionais, Ensino e Formação Docente. E-mail: Carolinaa.michielin@gmail.com.


RESUMO

A proposta deste artigo consiste em desenvolver algumas reflexões acerca do estágio curricular supervisionado em Geografia no contexto de pandemia de COVID-19 e apresentar os desafios vivenciados na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III do curso de Geografia Licenciatura do Centro de Ciência Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC, presente na sétima fase do curso, com destaque para as ações desenvolvidas no primeiro semestre do ano de 2021. Essas atividades foram realizadas de forma remota e, diante das dificuldades, foram encontradas algumas alternativas para que os movimentos do estágio, sobretudo as práticas docentes, fossem efetivadas. Acreditamos que as experiências e reflexões desenvolvidas possibilitaram a superação de alguns obstáculos relacionados a migração das atividades para o ensino remoto por meio de plataformas virtuais e a falta do contato direto com as unidades escolares e possibilitou a construção de novos saberes e a vivência de outras formas de exercício da docência.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio Curricular Supervisionado em Geografia; Estágio de docência em Geografia; Formação inicial de professores de Geografia

RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo desarrollar algunas reflexiones sobre la práctica curricular supervisada en Geografía en el contexto de la pandemia del COVID-19 y presentar los desafíos vividos en la Práctica Curricular Supervisada en Geografía III de la carrera de Licenciatura en Geografía del Center for Human Ciencias de la Educación de la Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC, presente en la séptima fase del curso, con énfasis en las acciones desarrolladas en el primer semestre del año 2021. Estas actividades se realizaron de forma remota y, dado las dificultades, algunas alternativas para que se realicen los movimientos de pasantías, especialmente las prácticas docentes. Creemos que las experiencias y reflexiones desarrolladas permitieron superar algunos obstáculos relacionados con la migración de actividades a la enseñanza a distancia a través de plataformas virtuales y la falta de contacto directo con las unidades escolares y posibilitaron la construcción de nuevos conocimientos y experiencias por otras vías. de la práctica docente.

PALABRAS CLAVE: Práctica Curricular Supervisada en Geografía; Prácticas docentes en Geografía; Formación inicial de profesores de geografia

ABSTRACT

The purpose of this article is to develop some reflections on the supervised curricular internship in Geography in the context of the COVID-19 pandemic and to present the challenges experienced in the Supervised Curricular Internship in Geography III of the Geography Degree course of the Center for Human Sciences and the Education at the Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC, present in the seventh phase of the course, with emphasis on the actions developed in the first semester of the 2021. These activities were carried out remotely and, given the difficulties, some alternatives for the internship movements, especially the teaching practices, carried out. We believe that the experiences and reflections developed made it possible to overcome some obstacles related to the migration of activities to remote teaching through virtual platforms and the lack of direct contact with school units made it possible to build new knowledge and experience of other ways of teaching practice.

KEYWORDS: Supervised Curricular Internship in Geography; Teaching internship in Geography; Initial training of geography teachers

Introdução

As narrativas que compõem a presente escrita têm como fio condutor as vivências e estudos realizados no LEPEGEO, por meio do Grupo de Pesquisa CNPQ - Ensino de Geografia e Diferentes Linguagens e o lugar ocupado pelo Estágio Supervisionado em Geografia na formação dos estudantes do curso de Geografia Licenciatura da FAED/UDESC. A ideia central deste artigo é apresentar reflexões acerca do estágio curricular supervisionado em tempos de pandemia da COVID-19 e problematizar os desafios vivenciados na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III do curso de Geografia Licenciatura do Centro de Ciência Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC, situada na sétima fase (semestre) do curso, com destaque para as ações desenvolvidas no primeiro semestre do ano de 2020.

Objetivamos, portanto, fazer notar os desafios enfrentados na disciplina de estágio durante o período da pandemia de COVID-19, quando tivemos de, em razão das contaminações e gravidade da doença, manter o isolamento social e a segurança sanitária da comunidade acadêmica, substituindo todas as atividades pedagógicas presenciais pelo chamado ensino remoto, mediados por salas virtuais. Essa medida foi tomada por ser a única possibilidade, com evidências científicas, de dar continuidade às atividades de ensino, sem causar o aumento de casos de transmissão e contaminação pelo vírus. Iniciamos o semestre de 2020/01 em meados de fevereiro com aulas presenciais, e apresentamos a proposta e o planejamento para a disciplina do Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III, quando havia um total de 14 estudantes matriculados. De acordo com o PPC do curso, a ementa deste estágio tem a seguinte proposta:

A formação do educador/pesquisador em Geografia em campo: observação, elaboração e desenvolvimento de projetos e/ou oficinas de aprendizagem em espaços formais e/ou informais de educação. Pesquisa temática e de estratégias educacionais; avaliação da aprendizagem; escrita como registro reflexivo; relatório da experiência; seminário de socialização do estágio. (UDESC/FAED, 2013, p. 62).

Em março de 2020, um mês após o início do semestre letivo na FAED/UDESC, as aulas foram suspensas devido à gravidade da pandemia. As aulas permaneceram suspensas por, aproximadamente, três meses, tempo em que os funcionários da Universidade buscaram meios e prepararam o retorno das aulas em outro formato, não presencial. Nesta disciplina, durante o período de suspensão das aulas, buscamos as formas possíveis de reorganizar as atividades planejadas inicialmente para um formato presencial, que a partir de então seriam realizadas remotamente.

Retornamos às aulas em meados de junho, após muita discussão sobre a situação dos estudantes que, por questões socioeconômicas não tinham acesso a uma infraestrutura tecnológica capaz de dar conta do acompanhamento das aulas e atividades remotas. A Universidade lançou alguns editais para auxílio digital, com pacotes de internet e empréstimos de equipamentos das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) para aqueles estudantes que necessitassem desses recursos para dar continuidade às atividades pedagógicas de forma remota.

Importa ressaltar que na universidade como um todo houve muitos trancamentos de matrícula, desistências e evasão. Inúmeros estudantes perderam seus empregos, trocaram de emprego ou trabalho, retornaram às suas cidades de origem, não puderam continuar morando nos mesmos locais. A situação enfrentada pela instituição nas atividades de ensino, e nesta disciplina, sobretudo, foi influenciada por fatores que extrapolam as condições sanitárias impostas pela pandemia, mas especialmente pela condução e gestão do país pelo governo federal. A crise econômica, o desemprego, a precariedade das políticas públicas de saúde e de assistência aos trabalhadores informais, o negacionismo, o desserviço que o presidente da República (Jair Messias Bolsonaro - 2019-2022) prestou em seus discursos contrariando todas as indicações médicas e científicas, afetaram direta e negativamente a educação pública, neste caso, a superior.

Essa realidade e esse contexto impuseram uma revisão na arquitetura pedagógica e metodológica para dar continuidade às atividades propostas para o estágio. Inicialmente, alguns colegas responsáveis pelas disciplinas de estágio na universidade relutaram em dar continuidade de forma remota, mas isso implicaria a não integralização dos cursos pelos estudantes e o consequente atraso nas formaturas e entrada no mercado de trabalho.

A transição do ensino presencial para o ensino não presencial, com aulas remotas por meio de salas virtuais, passou a exigir domínio de novas ferramentas, instrumentos, métodos, aplicativos e recursos tecnológicos e digitais e internet para realizar as atividades. Entramos em contato com os campos de estágio para repensar o planejamento incialmente acordado e buscar novas possibilidades de efetivar os momentos de docência para os estagiários.

Nesse sentido, este artigo tem como foco propor algumas reflexões experenciadas na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III do curso de Geografia Licenciatura da FAED/UDESC no no contexto de pandemia de COVID-19. Para encaminhar as reflexões propostas, o texto está estruturado em duas partes: a primeira apresenta uma reflexão acerca do estágio e do contexto do ensino remoto; a segunda, as experiências vivenciadas na disciplina do Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III, no primeiro semestre de 2020..

Estágios Supervisionados no contexto do Ensino Remoto Emergencial

Compreende-se, a partir de Tardif (2002), que o período dos estágios curriculares supervisionados constitui um dos momentos mais relevantes na vida acadêmica dos estudantes dos cursos de licenciatura e que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/1996 e as diretrizes de formação de professores, os estágios são espaços que oportunizam aos estudantes observação, pesquisa, planejamento e execução de distintas atividades pedagógicas.

As Resoluções que normatizam as diretrizes curriculares para formação inicial de professores,Resolução CNE/CP n.01/2002; Resolução CNE/CP n.02/2002; Resolução CNE/CP n.02/2015 e Resolução CNE/CP n.02/2019, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em regulamentação à Lei n. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996), foram marcos importantes para regulamentação da organização curricular dos cursos de formação inicial de professores para atuação na educação básica com a definição de carga horária e estruturação curricular das licenciaturas.

No que se refere aos Estágios Curriculares Supervisionados, as diretrizes estabeleceram uma previsão de carga horária a ser cumprida na organização das propostas curriculares dos cursos de licenciatura de graduação plena, de formação de professores e professoras da Educação Básica em nível superior, com a provisão de uma carga horária mínima de 400 horas que devem ser distribuídas ao longo do curso com espaços e tempos direcionados à formação profissional dos estudantes.

Os estágios fazem parte do desenho curricular dos cursos como um componente curricular obrigatório, sendo uma etapa na formação de professores e professoras que tem um papel essencial na articulação entre teoria e prática e a inserção desses profissionais no contexto de espaços educativos, a fim de que possam vivenciar a organização e o desenvolvimento do trabalho pedagógico no cotidiano da escola. De acordo com Martins:

Com a aprovação das DCNS, os currículos dos cursos de formação inicial de professores foram repensados e redesenhados, implementando não somente a ampliação de carga horária, no que diz respeito às práticas pedagógicas, mas também no sentido atribuído às relações dialógicas entre teoria e prática e a articulação entre pesquisa e ensino. (Martins, 2015, p. 240)

Para Silva (2016), o estágio é um lócus para construção de conhecimentos que oportuniza aos estudantes dos cursos de licenciatura vivenciar uma via de mão dupla entre os saberes práticos e teóricos, específicos e pedagógicos, bem como experimentar momento de conflitos, debates e reflexões da construção do ser professor. É um espaço de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade de professores e professoras necessário para enfrentar os desafios da profissão.

O estágio torna-se então o campo ideal para congraçar teoria e prática - que por muitos foram vistas como dicotômicas. Todavia, o estágio docente é um componente curricular de todos os cursos de licenciatura, sendo obrigatório o seu desenvolvimento, assim como o de outras disciplinas, pedagógicas e de conteúdo, para que o aluno conclua o curso (SILVA, 2016, p. 27).

Já para Rosa (2014), o estágio passa a estabelecer a sua importância e relevância na formação docente de professores/as de Geografia no instante em que passa a ser um componente curricular obrigatório nos cursos de licenciatura. Segundo a autora, por vezes o estágio é mencionado e considerado apenas como um componente indispensável exigido por lei, sendo necessário somente para cumprimento como requisito para a finalização do curso de graduação. Neste sentido, a autora propõe uma reflexão, de que os estágios, além de serem atividades obrigatórias, são essenciais para a formação docente, perpassando a dimensão legislativa e normativa, evoluindo para uma dimensão pedagógica e política no que diz respeito a universidade, a escola e o próprio Estado.

Com isso, consideramos que o envolvimento dos estagiários no âmbito escola-campo, o seu contato direto com os/as professores/as supervisores/as no cotidiano escolar, precisa ser consolidado, gradativamente, no conjunto das diversas experiências que vão sendo construídas por meio da socialização de conhecimentos e da mobilização dos diversos saberes da profissão docente. (MARTINS, 2015).

O contato direto com a escola campo e com os professores regentes das turmas se constitui como um espaço para construção de saberes que oportuniza o desenvolvimento das aprendizagens significativas e indispensáveis da docência, bem como para vivenciar experiências e vencer as barreiras instaladas no cotidiano desta prática. É o momento em que o estagiário é desafiado a lidar, tanto com os conteúdos específicos a serem ensinados, quanto com a forma de ensiná-los (MARTINS, 2016).

De acordo com Vallerius:

Neste espaço ele poderá valer-se deste estreitamento de laços a ponto de poder apreender e refletir sobre a realidade na qual passa a estar inserido e que esta experiência propicie condições para que o estudante - aqui o estagiário - possa realizar a articulação entre a perspectiva do currículo de formação com a sua futura realidade profissional (Vallerius, 2017, p; 82).

Na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) o curso de Geografia Licenciatura é ofertado no Centro de Ciência Humanas e da Educação (FAED) em Florianópolis/SC e tem no seu percurso curricular5 os estágios a partir da 5ª fase do curso. O PPC em vigência6 foi revisado em 2013 e teve a primeira turma em 2014/01. Sua organização teve como parâmetro as DCNs publicadas de acordo com as Resoluções CNE/CP n.01/2002 e n.02/2002.

A organização do PPC do curso de Geografia Licenciatura da FAED, que está disposto em oito fases, com uma carga horária de 3402 horas, tem como meta promover a conexão entre as diferentes fases e disciplinas do curso. Os estágios têm um total de 486 horas, com 27 créditos. O Estágio Curricular Supervisionado em Geografia I, na 5ª fase do curso, possui seis créditos com uma carga horária de 216 horas/aula, tendo a disciplina de Metodologia do Ensino de Geografia como pré-requisito para ser cursado. Tem como ementa:

Histórico das propostas de ensino de Geografia no Brasil e suas diferentes abordagens metodológicas. Objetivos do ensino da Geografia na atualidade. O ensino de Geografia, a formação do professor e a pesquisa no ensino de Geografia. Propostas educacionais em vigência; livros didáticos; avaliação no ensino de Geografia na educação básica. A formação em campo: observação da prática pedagógica da Geografia escolar na Educação Básica e do cotidiano escolar. O uso do diário de campo. Elaboração de projetos de ensino em Geografia Escolar. Relatório de observação. (UDESC, 2013, p. 54-55)

O Estágio Curricular Supervisionado em Geografia II faz parte da 6ª fase do Curso de Geografia Licenciatura da FAED/UDESC e tem um total de 468 horas, diferentemente do primeiro estágio proposto na 5ª fase - que foca na observação -, este enfatiza a formação do/a educador/a em Geografia em campo. Tem como ementa:

A formação do educador em Geografia em campo: desenvolvimento do projeto de ensino em Geografia Escolar na Educação Básica. Elaboração de instrumentos didáticos. Avaliação do processo de aprendizagem. A escrita como registro reflexivo da prática através do diário de campo. Elaboração do relatório de estágio. Seminário de socialização do estágio. (UDESC, 2013, p. 61).

Na 7ª fase os/as estudantes entram em contato com o Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III, que tem 288 horas e é o foco deste artigo, que propõe a formação do/a educador/a e pesquisador/a em Geografia. Segundo a ementa:

A formação do educador/pesquisador em Geografia em campo: observação, elaboração e desenvolvimento de projetos e/ou oficinas de aprendizagem em espaços formais e/ou informais de educação. Pesquisa temática e de estratégias educacionais; avaliação da aprendizagem; escrita como registro reflexivo; relatório da experiência; seminário de socialização do estágio. (UDESC, 2013, p. 62)

Nos Estágios I e II os estudantes realizam as práticas da docência em escolas de ensino fundamental ou médio. No Estágio III, podem realizar as práticas em espaços escolares ou não escolares de educação7. Destacamos, enquanto professoras-orientadoras de estágio da Licenciatura em Geografia da FAED/UDESC, a importância da articulação dos diferentes estágios no percurso formativo dos estudantes e o nosso compromisso em trabalhar com esses componentes curriculares como tempos e espaços para reflexão-ação-reflexão sobre aspectos teórico-práticos, possibilitando ações propositivas capazes de dar conta dos desafios colocados pelo exercício da docência (MARTINS, 2016).

Outro grande desafio é a articulação dos conteúdos específicos da ciência geográfica com os próprios componentes curriculares pedagógicos e educacionais. Assim sendo, “a formação de professores de qualquer área precisa considerar a questão pedagógica, pois além dos conhecimentos específicos é fundamental ter os conhecimentos didático-pedagógicos” (MARTINS, 2015, p. 242).

De acordo com Cavalcanti (2006), o processo de formação inicial implica a definição de um eixo de ligação entre a universidade, a escola e a geografia escolar, o que irá facilitar a compreensão, por parte dos licenciados, dos movimentos que ocorrem no cotidiano da escola. Com relação à docência em Geografia, a autora salienta que há um processo complexo de relação entre o conhecimento acadêmico (os específicos da Geografia e os didáticos pedagógicos) e os conhecimentos da experiência pessoal dos professores. A articulação entre esses conhecimentos é importante para a construção do seu referencial profissional.

Nesse sentido, Callai (2013) destaca que a docência em Geografia requer que os professores/as tenham clareza da relação entre os seguintes elementos: a apropriação dos conceitos e questões básicas essenciais para o desenvolvimento do raciocínio geográfico e os pressupostos didáticos e metodológicos que são fundamentais para o desenvolvimento da docência. De tal modo, a autora afirma:

Na formação do professor, seja em âmbito universitário, seja no processo cotidiano, deve-se considerar a confluência de grandes campos do saber: a) a Geografia, com claro domínio do seu objeto e dos conteúdos decorrentes; b) a educação, no que se refere às ciências que nela estão envolvidas e os avanços teóricos e também metodológicos referentes ao processo de educação; c) as teorias do conhecimento, que tangem a clareza ou, pelo menos, a busca de compreensão de como ocorre o processo de aprendizagem pela criança e pelo adolescente (CALLAI, 2013, p.120).

O Estágio Curricular Supervisionado é um espaço de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade de professores e professoras. Ele é fundamental na formação dos estudantes nos cursos de licenciatura, sendo um processo de aprendizagem necessário a um profissional que deseja realmente estar preparado para enfrentar os desafios da profissão. O estágio não compreende somente o momento de prática ou ação docente, visto que promove também a reflexão e a análise das teorias que submergem na experiência (KHAOULE; CARVALHO, 2014).

No ano de 2020, diante da situação vivenciada, decorrente da pandemia da Covid-19, as instituições de ensino do país suspenderam o exercício de atividades presenciais em meados do mês de março. Com isso fomos desafiados a repensar e buscar caminhos possíveis para a docência nesse contexto de exceção. Fomos provocados a criar alternativas possíveis para o contexto do ensino remoto, pois era preciso continuar com as atividades didático-pedagógicas e com o processo de ensino-aprendizagem e, principalmente, a pensar como trabalhar com disciplinas de estágios que têm um caráter prático de imersão nas unidades escolares.

O primeiro desafio foi lidar com o ensino remoto, que tem suas especificidades e, portanto, não pode ser conduzido da mesma forma que em atividades presenciais. Era preciso criar possibilidades metodológicas e formas alternativas para dar continuidade ao processo de ensino aprendizagem por meio das plataformas digitais. Todos os pressupostos e concepções acerca dos estágios tiveram que ser revistos a partir da pandemia da COVID-19, a forma como concebíamos as disciplinas de estágio e o contato com o contexto escolar foi modificado. Foi necessário fazer uma série de adequações e reestruturação dos modos de fazer da docência, não mais no formato presencial como era a nossa realidade com a disciplina de estágio, mas com a criação de novas formas de ensinar e de aprender.

Foram necessários ajustes nas propostas teórico-metodológicas além de pensarmos em estratégias para possibilitar que os estudantes estagiários tivessem contato por meio das salas virtuais com a realidade escolar e a sala de aula. Foi necessário considerar outras concepções de estágio, e ainda conceber formas diferentes das relações pedagógicas anteriormente operadas.

Inicialmente, acreditávamos não ser possível a realização dos estágios a partir de uma perspectiva de ensino remoto, visto que esta não se aproxima de uma realidade docente e nem mesmo do ambiente escolar. No entanto, era nossa única alternativa para que os estudantes pudessem integralizar os seus cursos. Era preciso manter o vínculo universidade-escola e ressignificar o diálogo do estagiário com o ambiente escolar bem como ampliar as possibilidades formativas diante da conjuntura vigente. Mas a situação da exclusão digital era uma realidade presente entre os licenciandos e os estudantes da educação básica das escolas públicas parceiras de campos de estágio, ressaltando a distância entre o mundo de quem tem acesso à internet daqueles que vivem à margem do mundo digital.

A descontinuidade nas atividades presenciais no ensino superior ainda tem impactado os cursos de licenciatura, principalmente nas disciplinas que exigem contato com o contexto escolar, como os estágios. Essa realidade nos obrigou a redirecionar as relações entre teoria e prática, procurando identificar quais conhecimentos são mobilizados pelos/as professores/as ao atuar no âmbito da escola e nas condições mais adversas, como uma realidade pandêmica.

Entende-se que o Estágio em sua concepção mais completa proporciona condições aos futuros/as profissionais de refletir sobre o seu fazer pedagógico, seja de forma presencial ou remota. Desse modo, o estagiário constrói sua identidade docente concomitantemente a sua práxis, além de compreender o Estágio como campo de conhecimento e aproximação com a sua futura profissão, um campo de conhecimentos que transversaliza o percurso formativo.

Nesse sentido, foi necessário que o planejamento das atividades do Estágio Curricular em Geografia III, que haviam iniciado de forma presencial em fevereiro de 2020, fossem reorganizadas e adaptadas para o ensino remoto com a utilização de salas virtuais por meio do Google Meet, Zoom ou Microsoft Teams, de acordo com a realidade das escolas de Educação Básica. A seguir apresentamos com mais detalhes o que foi desenvolvido na disciplina ao longo do primeiro semestre de 2020.

Percursos e vivências no estágio curricular supervisionado em Geografia em tempos de pandemia

A experiência que será apresentada e discutida nesta parte do artigo faz parte das vivências das autoras, que foram professoras da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado III e uma estagiária de docência que à época cumpria este requisito do curso de mestrado em Educação, no primeiro semestre do ano de 2020.

Consideramos que a etapa da formação inicial de professores, no curso de Geografia Licenciatura, significa, em muitas das vezes, a primeira inserção do professor em formação “no campo da prática profissional para ter a experiência da docência, vivenciando a regência de classe e a realidade da sala de aula, que são saberes fundamentais na construção da identidade docente” (MARTINS; 2016, p. 99).

A aprendizagem da docência − o processo de tornar-se docente − não é possível de ser construída integralmente sem que se vivencie efetivamente a sala de aula, as atividades pedagógicas realizadas pelo professor: planejamento, estudo, elaboração de avaliações, docência nas aulas, condução de discussões, diálogo com estudantes, adaptação aos tempos da escola, etc.

Embora vários estudantes tenham experiências de iniciação à docência com o PIBID, a Residência Pedagógica8 e projetos de extensão universitária antes de concluir seu curso, muitos não têm oportunidade de passar por esses programas e projetos durante a graduação. Além disso, nas disciplinas de estágio existe uma organização teórica e prática realizada previamente objetivando o processo formativo em etapas graduais que envolvem discussões e estudos de preparação para iniciar a docência, observações no espaço da escola, desenvolvimento do registro e do diário de campo, conversas de orientação com professores da educação básica e supervisores de estágio, bem como a avaliação criteriosa a qual os estagiários vivenciam antes de poderem concluir um estágio e avançar para o próximo.

Para Pimenta (1999, p. 18), na formação inicial de professores existem três saberes imbricados: os da experiência, do conhecimento, e os pedagógicos, que resultam nos saberes docentes. No estágio, espera-se que os licenciandos construam e ressignifiquem saberes e fazeres docentes “a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano”.

A disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III no PPC de Geografia Licenciatura da FAED/UDESC se situa na sétima fase do curso e é o último componente curricular de estágio do currículo. No planejamento da disciplina presencial, antes de se ter conhecimento do que viria a acontecer em virtude da pandemia, organizamos os campos de estágio, junto aos professores que receberiam os estagiários, e outras figuras envolvidas, como diretores e coordenadores pedagógicos.

A turma era composta por 14 estudantes que tiveram a oportunidade de optar por realizar suas experiências de docência nos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola de educação básica pública em Florianópolis/SC ou em um curso pré-vestibular social, que atende gratuitamente trabalhadores jovens ou adultos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Uma dupla escolheu fazer o estágio no pré-vestibular e as demais duplas nos anos iniciais9.

As aulas na FAED/UDESC iniciaram em fevereiro de 2020, quando, durante o primeiro mês, até meados de março, desenvolvemos a disciplina conforme o planejamento, ou seja, discutíamos a formação do/a professor/a de Geografia, as suas funções: pesquisa, planejamento (seleção de conteúdo, procedimentos, recursos didáticos e avaliação), registro e a escrita como parte intrínseca do processo de reflexões acerca da prática profissional docente em Geografia.

Em meados do mês de março de 2020, o município de Florianópolis decretou quarentena e a exigência de que todas as atividades escolares presenciais fossem suspensas. A FAED/UDESC seguiu a recomendação e suspendeu as aulas de imediato. Sem considerar todas as angústias relacionadas à própria existência, às quais todos estiveram submetidos, incluindo toda a comunidade acadêmica, nossa preocupação com relação ao estágio esteve em torno de alguns aspectos: Como os estudantes irão se formar sem poder presenciar a docência? Como poderemos conduzir o estágio sem haver aulas presenciais? Quais campos conseguirão incluir estagiários? Se as aulas retornarem, remotamente, como incluiremos todos os estagiários em um processo de formação que envolverá a necessidade de equipamentos de TDIC, internet, conhecimentos para o uso, etc.?

Em junho do mesmo ano, retornamos às aulas, no formato não-presencial. Buscamos de todas as formas garantir que os estudantes conseguissem os auxílios disponibilizados pela UDESC para que ninguém desistisse da disciplina ou do curso. Infelizmente, nem todos permaneceram.

Vimo-nos diante do desafio de dar continuidade a uma disciplina essencialmente prática com uma relação direta com os campos de estágios e com a docência em sala de aula. Foi preciso muito diálogo, acolhimento aos estudantes e suas inseguranças frente a uma realidade totalmente diferente. Não foi uma tarefa fácil repensar e operacionalizar um planejamento para dar conta de aulas não presenciais, mas que não podiam perder a essência de uma disciplina de estágio de docência.

Retomamos o planejamento que tinha sido feito inicialmente para as aulas presenciais e adaptamos para o ensino remoto mediado por salas virtuais. A única certeza que tínhamos era de que, naquele momento, o mais importante era o cuidado com nossa saúde e de nossos estudantes, e o isolamento social era a única medida possível para enfrentar a situação de pandemia.

Uma das primeiras tarefas foi a de revisar os objetivos propostos para o estágio, e foram reorganizados da seguinte forma:

  1. Fomentar a formação do/a professor/a de Geografia com os desafios que a prática educacional apresenta na atualidade;

  2. Avaliar e aperfeiçoar as atividades de pesquisa e planejamento (seleção de conteúdo, procedimentos, recursos didáticos e avaliação) desenvolvidas na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Geografia III;

  3. Organizar espaços online para diálogo com professores das redes públicas de ensino, e outros espaços de educação não formal, para conhecer a realidade do ensino remoto na educação básica;

  4. Compreender a importância do registro e a escrita como parte intrínseca do processo de reflexões acerca da prática profissional docente em Geografia;

  5. Organizar leituras e fichamentos de artigos e pesquisas sobre temáticas ligadas ao estágio e à formação docente;

  6. Refletir sobre a prática profissional do geógrafo educador a partir de análises comparativas, considerando reflexões de outros autores, bem como outras situações de estágio;

  7. Organizar uma produção escrita com relato e narrativas do período de estágio III, com reflexões acerca das aulas remotas e o papel do/da professor neste contexto.

  8. Após reunião com a turma e contato com os campos de estágios, foi organizada uma nova proposta para dar sequência à disciplina do estágio Curricular em Geografia III com as seguintes etapas e ações:Leituras e análises: leituras de textos previamente selecionados sobre formação de professores, metodologias, propostas curriculares em vigência, livros didáticos voltados à problemática do ensino de Geografia e à formação de professores em outros espaços educativos além do ambiente escolar; conhecimento dos instrumentos utilizados no estágio, oriundos da coordenação de estágios da FAED/UDESC;

  9. Uso das plataformas Moodle e/ou Microsoft Teams: por meio destas plataformas foram enviadas atividades interativas, referenciais teóricos e tarefas para serem postadas na sala da disciplina;

  10. Aulas remotas síncronas pela sala Google MEET e/ou Microsoft Teams: para realizar as rodas de conversas com convidados acerca da realidade do ensino remoto na educação básica; debates sobre temáticas voltadas às questões do estágio curricular supervisionado;

  11. Planejamento das propostas de atividades para o ensino de geografia nos anos iniciais que foram enviadas para as professoras da escola campo de estágio;

  12. Produção de uma escrita com o relato e narrativas do período de estágio III, com reflexões acerca das aulas remotas e o papel do/da professor neste contexto, e/ou elaboração de projetos com ênfase na educação em espaços não formais de educação.

Para manter a proximidade e facilitar a comunicação e organização com a turma de estágio, criamos um grupo no WhatsApp em que enviávamos o cronograma e as atividades para cada semana, compartilhávamos agenda de lives realizadas por diversos grupos de pesquisa, universidades, laboratórios, etc. Dessa forma, mantínhamos o contato com os professores dos campos inicialmente previstos e com a turma. Assim foi possível reorganizar e desenvolver atividades voltadas à docência. Foi criada uma sala virtual no Teams e a cada semana, tínhamos um tema para discussão ou convidados para rodas de conversa e troca de experiências com a turma que ajudavam na formação e no andamento das ações do estágio.

A primeira convidada foi a professora da Educação Básica Me. Maynine Souto Macedo, que apresentou sua pesquisa de mestrado e discutiu sobre a mediação pedagógica com o uso das tecnologias em tempos de pandemia. Foi importante focar nesse tema, pois a utilização das tecnologias era essencial para dar conta do ensino remoto.

Na semana seguinte, recebemos a professora Roselane Costela Zordan da UFRGS para a roda de conversa, tendo como tema “Educar é diferente de ensinar no contexto da contemporaneidade”. Sua contribuição foi importante para refletir acerca das relações entre as noções de educação geográfica e ensino de Geografia de e como as práticas pedagógicas podem ser associadas a essas noções. Também abordou noções de educação geográfica e o ensino de Geografia ancorados em referenciais teóricos importantes para estes campos.

Outra convidada que recebemos para as rodas de conversa foi a professora Denise Wildner Theves, também da UFRGS, que apresentou acerca da importância do ensino Geografia nos anos iniciais. Destacou que é fundamental a construção do conhecimento geográfico nos anos iniciais no sentido de possibilitar às crianças o acesso a um conhecimento que é fundamental para a compreensão do mundo em que elas vivem e à aprendizagem dos diferentes espaços, paisagens, tempos, lugares, culturas, etc.

Nas semanas seguintes, recebemos os professores das escolas campo do Estágio III para que fosse possível compreender a realidade que estavam enfrentando com o ensino remoto e para orientar os estagiários acerca dos planejamentos e temas que deveriam focar para organizar as propostas de estágio.

As professoras dos anos iniciais da escola básica aceitaram o convite para conversar com a turma sobre a realidade das aulas e acerca de como estavam dando continuidade às atividades com as turmas. Em uma tarde de aula síncrona, três professoras relataram sobre a realidade que enfrentavam: nem todas as a crianças tinham acesso às tecnologias para acompanhar as aulas, algumas não possuíam auxílio dos pais em casa, não tinham material de pesquisa e algumas ainda não podiam ser consideradas plenamente alfabetizadas. Para dar conta dessa situação, elas elaboravam atividades para as crianças de forma escrita e disponibilizavam no Google Classroom e de forma impressa para as famílias buscarem semanalmente na escola.

Apesar do contexto, as professoras aceitaram receber os estagiários em suas atividades no formato remoto. Assim, foi acordado que os estagiários fariam propostas de atividades para o ensino de Geografia dos anos iniciais de acordo com o planejamento de cada professora, com a produção de pequenos textos de orientação, questões que envolvessem o lugar em que as crianças vivem, e conhecimentos geográficos importantes para as turmas dos anos iniciais do ensino fundamental.

Entre os temas trabalhados nas atividades propostas, o foco dos planejamentos foi na construção de referenciais para auxiliar as crianças na alfabetização cartográfica e no desenvolvimento das noções de representação e orientação de lugar, paisagem, lateralidade, espaço e tempo. Assim foi possível auxiliar na formação do pensamento espacial para compreender os diferentes lugares de vivência como a escola, o bairro, o município e o estado.

Após a revisão pelas professoras do estágio, as atividades foram enviadas para as professoras da escola que repassavam para as crianças. Acreditamos ser importante que os licenciandos em Geografia tenham a oportunidade de organizar seus planejamentos com temáticas voltadas ao ensino da geografia nos anos iniciais. De acordo com a professora Denise Theves,

As propostas de trabalho desenvolvidas com a Geografia nos anos iniciais podem constituir-se em possibilidades para o desenvolvimento de uma prática social cotidiana, para a formação de uma consciência espacial, para uma relação ética e estética com o espaço, ampliando as visões de mundo, a compreensão do que acontece aos alunos e do que vivem. Afinal, com a Geografia e com os alunos, podemos ler o mundo de forma plural, contraditória e dinâmica, para que possamos compreender melhor a nós mesmos e aos outros; e, quem sabe, contribuir para ações na construção de um mundo digno para todos (THEVES, 2018, p. 98).

Outro convidado que interagiu com a turma foi o professor de Geografia responsável por esta área do conhecimento no curso pré-vestibular social. Ele aceitou participar de um encontro síncrono para apresentar o projeto, suas atividades antes da pandemia, e como as atividades do projeto estavam sendo realizadas no período de isolamento social. O Projeto Integrar é organizado em um modelo de curso pré-vestibular que desenvolve ações de acesso dos estudantes trabalhadores às universidades e nelas sua permanência. Tem uma proposta metodológica e pedagógica de formação crítica dos estudantes que buscam uma oportunidade de acesso ao ensino superior. Atuam na assistência durante o percurso formativo universitário, e no pós-formação, para que possam lidarar nos seus respectivos lugares de vivências e dentro do Projeto Integrar.

Em virtude da realidade dos estudantes, que são todos jovens e adultos trabalhadores, em grande parte trabalhadores informais, com baixa renda, muitos entraram para o mapa do desemprego, da precariedade de moradia, da insegurança alimentar, etc., as aulas estavam suspensas, pois poucos tinham acesso aos meios tecnológicos ou condições de permanecerem estudando para o vestibular.

No entanto, uma das atividades realizadas pelo projeto, inclusive antes da pandemia, era a formação continuada de professores voltada à educação popular. Por isso, semanalmente havia reuniões síncronas com discussão e estudo de diversos temas afins a todas as áreas do conhecimento. O professor recebeu estagiários da turma para participação nestas atividades.

Após a etapa destinada às rodas de conversa, o foco das ações do estágio foi a organização de atividades do ensino de Geografia para os anos iniciais. Cada professora orientou sobre o tema e suas especificidades para as propostas e atividades que foram enviadas às turmas.

Como proposta final da disciplina, os estagiários fizeram a escrita de um memorial com o relato reflexivo sobre a experiência vivenciada e todas as ações e atividades realizadas na disciplina com destaque para os elementos que serviram para potencializar o papel do estágio na formação docente. Acreditamos que o registro escrito serve como um exercício crítico acerca das inquietações, reflexões e aprendizagens que foram materializadas ao longo do desenvolvimento do estágio. É preciso destacar que os planejamentos e atividades realizados para cada campo de estágio foram apresentados no seminário final da disciplina que tem como objetivo a socialização e a integração entre os estagiários.

Ao chegar ao final da disciplina, nossas inquietações continuavam, pois era a primeira vez em toda nossa trajetória como professoras de estágio, que não havíamos tido uma imersão no campo de estágio com experiência e vivência em uma sala de aula física. Essa turma havia experienciado as disciplinas de Estágio I e II no formato presencial. Isso nos confortava um pouco, mas alguns estudantes relataram que sentiram falta da docência presencial no Estágio III. Acreditamos que foi feito tudo que era possível para aproximar os estudantes da realidade da docência e aos temas relacionados aos campos de estágio e a realidade de uma sala de aula que cada um terá que vivenciar na sua ação futura como professor.

Considerações finais

Os Estágios Curriculares Supervisionados têm um papel central no percurso formativo dos estudantes dos cursos de licenciatura. São espaços e tempos que possibilitam o desenvolvimento do processo de aprendizagem fundamental para estabelecer as relações entre os conhecimentos teóricos e a realidade prática da regência em sala de aula, que resulta na produção de conhecimentos fundamentais na construção da futura profissão.

O Estágio Supervisionado em Geografia III compõe o currículo do curso de Licenciatura em Geografia da FAED/UDESC, integrado aos Estágios Supervisionados I e II, contribui junto com os demais, para a construção dos saberes fundamentais para o exercício da docência. Tem como especificidade a possibilidade de oportunizar aos estudantes desenvolver as práticas docentes em espaços formais ou informais de educação, como forma de ampliar as possibilidades para desenvolver o estágio e valorizar os processos educativos em diferentes tempos e espaços na nossa sociedade.

Buscamos apresentar as interfaces deste componente curricular no curso de Geografia Licenciatura da FAED/UDESC em um período excepcional de pandemia com elevados riscos à saúde e à vida de professores e estudantes, fazendo notar que o estágio não presencial demandou grande dedicação e mudanças no planejamento e no desenrolar das atividades pedagógicas.

Além disso, fatores como desemprego, mudança de empregos, mudança de moradia, insegurança financeira e ausência de condições para permanecer em um formato de estudo totalmente dependente das tecnologias influenciaram nas aulas remotas da universidade e das escolas básicas, o que influi diretamente no estágio supervisionado.

A disciplina de Estágio III envolve espaços não formais ou informais de educação, o que podemos considerar que inclui, a partir dessa experiência vivenciada, o espaço virtual de formação, que envolveu rodas de conversa, debates, leitura, escrita, planejamento, acompanhamento de atividades pedagógicas desenvolvidas por professoras da escola básica e professores de um curso pré-vestibular social, denominado Projeto Integrar.

A experiência de realizar o Estágio III de forma remota no semestre de 2020/01 foi um desafio para nós professoras e para os estagiários. As dificuldades eram grandes diante de uma pandemia e suas adversidades e afetaram os estudantes na universidade e nas escolas de educação básica. A necessidade de um dia para outro ter uma estrutura tecnológica para acompanhar as aulas não era e não é a realidade da grande maioria dos estudantes e professores neste país, seja por condições econômicas ou por falta de conhecimento pedagógico ou tecnológico para o uso diário dos dispositivos e ferramentas virtuais.

Referências

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1Este artigo faz parte das produções e pesquisas realizadas no projeto “Observatório de educação geográfica: formação e práticas pedagógicas” - Edital de chamada pública FAPESC nº 027/2020 - Apoio à infraestrutura para grupos de pesquisa da UDESC.

5https://www.udesc.br/arquivos/faed/id_cpmenu/160/043_2013_licenciatura_em_geografia_15683013019909_160.pdf.

6https://www.udesc.br/arquivos/faed/id_cpmenu/165/pp_geo_licenciatura_15683021152948_165.pdf.

7Chamamos de espaços escolares as escolas de ensino fundamental e médio e espaços não escolares, os espaços educativos que não são ligados às redes de ensino, mas que desenvolvam projetos que também tenham como foco a ação docente.

8Na FAED/UDESC contamos com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID desde 2011. A Residência Pedagógica também está presente no curso de Geografia Licenciatura, desde 2018.

9É uma prática na FAED/UDESC fazer os estágios de docência em duplas ou trios, dependendo o número de estudantes matriculados na disciplina.

Recebido: 01 de Setembro de 2021; Aceito: 01 de Maio de 2022

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