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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-53 

DOSSIÊ 3 - A ESCOLA NOS DIAS ATUAIS: E AGORA?

A escola na atualidade - ensaio a partir de Paulo Freire e Alexander Neill

La escuela hoy - ensayo basado en Paulo Freire y Alexander Neill

Emerson Augusto de Medeiros1 
http://orcid.org/0000-0003-3988-3915

Ivan Fortunato2 
http://orcid.org/0000-0002-1870-7528

Osmar Hélio Alves Araújo3 
http://orcid.org/0000-0003-3396-8205

1Doutor em Educação. Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: emerson.medeiros@ufersa.edu.br.

2Doutor em Desenvolimento Humano e Tecnologias e Doutor em Geografia. Instituto Federal de São Paulo, Itapetininga, Brasil. E-mail: ivanfrt@yahoo.com.br.

3Doutor em Educação. Universidade Federal da Paraíba. Mamanguape, Paraíba, Brasil. E-mail: osmarhelio@hotmail.com.


RESUMO

Este escrito, de natureza ensaística, textualiza uma discussão a respeito da educação escolar. Objetiva refletir sobre a escola na atualidade, creditando ideias e conceitos debatidos por Paulo Freire e Alexander Sutherland Neill como centrais para o desenvolvimento da prática educativa escolar, a saber: a formação humana, o diálogo e a liberdade. Em termos metodológicos, se funde na pesquisa bibliográfica. Desse diálogo entre os dois pensadores, vislumbramos um caminho para a educação escolar que se fundamenta em três itinerários complementares: uma escola que se alimente, perenemente, da ideia da educação como uma prática social humanizadora; uma escola que se referencie no conhecimento útil à vida; e uma escola que promova o diálogo, respeite a diversidade do ser humano e cultive as relações socioafetivas.

PALAVRAS-CHAVE: Escola; Formação Humana; Diálogo; Liberdade

RESUMEN

Este escrito, con carácter de ensayo, textualiza una discusión sobre la educación escolar. Tiene como objetivo reflexionar sobre la escuela de hoy, acreditando ideas y conceptos debatidos por Paulo Freire y Alexander Sutherland Neill como centrales para el desarrollo de la práctica educativa escolar, a saber: formación humana, diálogo y libertad. En términos metodológicos, se basa en la investigación bibliográfica. A partir de este diálogo entre los dos pensadores, vislumbramos un camino para la educación escolar que se basa en tres itinerarios complementarios: una escuela que se alimenta, perennemente, de la idea de la educación como práctica social humanizadora; una escuela que se enfoca en conocimientos útiles para la vida; y una escuela que promueva el diálogo, respete la diversidad de los seres humanos y cultive las relaciones socio-afectivas.

PALABRAS CLAVE: Escuela; Formación humana; Diálogo; Libertad

ABSTRACT

This writing, of an essayistic nature, textualizes a discussion about school education. It aims to reflect on the school at the presente, crediting ideas and concepts discussed by Paulo Freire and Alexander Sutherland Neill as central to the development of school educational practice, namely: human formation, dialogue and freedom. In methodological terms, it is based on bibliographic research. From this dialogue between the two thinkers, we envision a path to school education that is based on three complementary itineraries: a school that is based, perennially, on the idea of education as a humanizing social practice; a school that refers to useful knowledge for life; and a school that promotes dialogue, respects the diversity of human beings and cultivates socio-affective relationships.

KEY-WORDS: School; Humanistic formation; Dialogue; Freedom

Introdução

Este texto, de natureza ensaística, aborda a escola na atualidade considerando, principalmente, algumas ideias e conceitos de dois educadores que, no campo educacional, deixaram importantes considerações teóricas, demonstrando-as pela prática, tornando-se legado epistemológico denso e profundo para refletirmos sobre a educação escolar. O primeiro deles se refere ao educador pernambucano Paulo Freire (1921 - 1997), considerado o patrono da educação no País e o educador brasileiro com maior influência no contexto internacional (SAUL; SILVA, 2009; MENEZES; SANTIAGO, 2014). O segundo condiz ao educador escocês Alexander Sutherland Neill (1883 - 1973), o fundador da Escola Summerhill, no condado de Suffolk na Inglaterra, e um dos pioneiros no desenvolvimento de ideias a respeito da gestão democrática no ambiente escolar e da Pedagogia Libertária (FORTUNATO, 2018; LUCAS, 2018; SOBREIRA, 2018).

Coincidências à parte, estamos no ano de 2021, ano em que se celebra o centenário do nascimento de Paulo Freire e o primeiro centenário da Escola Summerhill. Com isso, tomamos o momento para comemorar, homenagear e registrar, na escrita, aprendizados de 100 anos de experiências educativas de muito valor para se (re)pensar a própria instituição escolar.

O presente texto objetiva refletir sobre a escola na atualidade, validando algumas ideias e conceitos debatidos por Freire e Neill como centrais para pensarmos a prática educativa escolar, a saber: a formação humana, o diálogo e a liberdade no espaço escolar. Nesta perspectiva, este escrito se funde na pesquisa bibliográfica, haja vista que se sustenta na literatura da área de Educação, nacional e internacional, que versa sobre o tema, mormente em produções acadêmicas que situam, em momentos, o pensamento dos autores demarcados anteriormente.

Quando nos reportamos aos processos de escolarização na Educação Básica, algo que é consensual em parte da literatura educacional condiz ao tempo que vivenciamos no decurso de nossas vidas na escola: são anos de vivências e de construção de experiências que, muitas vezes, marcam e contribuem na formação identitária do sujeito. Muitos de nós eternizamos memórias sobre as experiências vividas no chão da escola. Lembranças sobre conversas nos corredores e pátios escolares; sobre os momentos no intervalo, na fila da merenda escolar, em atividades nas aulas de geografia acerca de lugares, espaços e paisagens, em atividades nas aulas de matemática com as operações numéricas; diálogos com os professores que nos marcaram; experiências recreativas em gincanas estudantis... isso para citar algumas.

A escola se configura como um dos principais espaços de sociabilidade e convívio social. Na escola apreendemos não somente, nos termos de Canário (2008), os conhecimentos sistematizados e produzidos pela humanidade (os quais são celebrados por meio do currículo escolar para serem ensinados), mas aprendemos a conviver em coletivo, a pensar (criticamente) a respeito da realidade e de nós mesmos.

Dessa forma, o interesse em refletir sobre a escola situada no momento atual credita, principalmente, nossa experiência profissional, como docentes na Educação Básica e também na formação de professores, a nível de graduação e pós-graduação, no Ensino Superior. Nos anos em que exercemos a docência na Educação Básica, vivenciamos com frequência circuntâncias que nos conduziram a questionamentos sobre a função social da escola, bem como a respeito da prática educativa escolar. Por um lado, questões sobre indisciplina, violência escolar, analfabetismo, defasagem idade-série, desempenho e avaliação escolar, entre outras, povoaram nossos anos de docência no ensino básico, implicando diversas dúvidas sobre a prática educativa promovida nas instituições escolares. Do mesmo modo, o trabalho em sala de aula com enfoque interdisciplinar, as relações interpessoais com o alunado e o êxito estudantil por parte de alguns discentes nos conduziram a refletir, de maneira contínua, acerca das contribuições da escola para promoção social e formação humana do sujeito.

Na Educação Superior, como pesquisadores e professores formadores em cursos de licenciatura e em programas de pós-graduação stricto sensu nas áreas de educação e ensino, temos refletido, desta vez, sobre a escola como um importante dispositivo de formação profissional para o futuro docente. Os trabalhos de orientação/coordenação nos estágios supervisionados, em programas de iniciação à docência (no nosso caso o Programa Residência Pedagógica) e na condução de projetos de extensão têm aguçado nossas reflexões a respeito da dinâmica da escola e as ações educativas por ela desenvolvidas.

Tudo isso, somado à pandemia causada pela covid-19, a qual vem redesenhando a prática educativa em uma dimensão global, nos encaminhou a refletir sobre a escola na atualidade, bem como a erguermos alguns questionamentos: para que serve a escola na atualidade? Em quais práticas educativas poderemos nos referenciar visando a formação humana no ambiente escolar? Que escola necessitamos construir após o período pandêmico causado pela covid-19? Essas questões foram dialogadas e refletidas neste ensaio. Ao longo do texto, apresentamos apontamentos reflexivos no fito de ampliarmos o debate na área de educação, alguns deles centralizados nas obras de Paulo Freire e Alexander Neill.

Ditas estas palavras introdutórias, organizamos o restante do texto em mais três seções: no primeiro momento, debateremos sobre a escola a partir da seguinte questão: para que serve a escola na atualidade? No segundo momento, dialogaremos a respeito da escola considerando as ideias de Paulo Freire e Alexander Neill. No terceiro momento, aludiremos a respeito da escola, refinando a discussão para a incerteza de mudanças no período pós-pandemia.

Afinal, para que serve a escola na atualidade?

A questão introdutória desta seção “afinal, para que serve a escola na atualidade?4” é uma questão que acreditamos que perpassa o pensamento de muitos professores, diretores escolares, coordenadores pedagógicos, supervisores escolares, orientadores educacionais, pais de alunos, pesquisadores da área de educação e sociedade em geral. Isso porque a escola, durante boa parte da história da humanidade, ocupou (e ainda ocupa) um lugar central no sentido de ter a incumbência de formar o sujeito idealizado para determinado tempo histórico e espaço civilizatório (BUENO, 2001).

No contexto social atual, marcado pela ampla difusão de informações pela internet e suas redes sociais (principalmente), pelas desigualdades sociais, por crises éticas e políticas entre representantes de governos estatais, pelo agravamento das questões socioambientais e ecológicas e, especialmente, pela pandemia causada pela covid-19 e seus efeitos mais perversos sentidos desde o começo de 2020, elaborar respostas acerca do referido questionamento não é algo simples.

Desse modo, responder a tal questionamento nos remete, antes de tudo, à compreensão de que é a escola o espaço legitimado para receber e educar as pessoas durante parte significativa de suas vidas. Muitos pais e responsáveis confiam à escola esta missão: depositam nela a esperança de êxito e sucesso intelectual e financeiro de seus filhos. O investimento na educação escolar é considerado, por muitos, como prioridade, uma vez que se esforçam, especialmente em países subdesenvolvidos, para manter seus filhos no ambiente escolar cada vez mais por um tempo maior. Neste sentido, creditam a escola como o lócus de referência para qualificação formativa e de ascenção social.

Compreendemos que a escola serve na atualidade, sobretudo, para que cada um (criança, adolescente, jovem ou adulto) construa conhecimentos que, para a maioria das pessoas, não podem ser adquiridos em outro contexto, como em casa, no trabalho ou na comunidade em que vive (BUENO, 2001; CANÁRIO, 2006; YOUNG, 2007).

Além disso, avaliamos que a escola forma(rá) as novas gerações, tal como tem feito no decurso do tempo. É na escola que se efetua(rá), de forma sistematizada, a formação do cidadão e, em parte, sua constituição social. Validando esses aspectos, declaramos que a escola é um espaço social privilegiado para a aprendizagem, para a convivência com as diferenças, bem como um ponto de referência para a produção da identidade dos estudantes, dos professores e de todos que a compõem (BUENO, 2001; CANÁRIO, 2006; SACRISTÁN; PÉREZ GÓMES, 2007).

Se a serventia da escola foi tendo diferentes contornos ao longo da história, a depender do contexto, devemos considerar, com Young (2007), que a partir da década de 1970 se difundiu no pensamento educacional uma visão negativa da escola. Dentre as ideias principais difundidas destacou-se a compreensão de que o seu papel elementar, em um enfoque associado ao sistema capitalista, era o de ensinar à classe trabalhadora qual era o seu lugar na estratificação social. Nessa linha de raciocínio, essa instituição funcionaria, quase que exclusivamente, como reprodutora das relações sociais de desigualdade com total apoio à manutenção do status quo (ALTHUSSER, 1983; YOUNG, 2007).

Doravante, nas décadas de 1980 e 1990, com a expansão de ideias pós-modernas e pós-estruturalistas no campo educacional, a escola, analisada pelo pensamento do filósofo francês Michel Foucault, foi concebida, tal como hospitais e prisões, como uma instituição de vigilância e controle que disciplinava os estudantes e normatizava o conhecimento por meio do currículo escolar (YOUNG, 2007).

Lembramos que não estamos, com essas afirmativas, descreditando o potencial de muitas análises críticas na educação, até porque nossa posição em termos de prática educativa comunga com as ideias de educadores e pensadores de base crítica, moderna, pós-moderna, estruturalista, pós-estrturalista, marxista etc. Ponderamos que tais ideias desconsideram a escola como um espaço vivo, que adquire sentido a partir do conjunto de relações que se tecem no seu dia a dia. Nesses termos, entedemos que a escola é uma construção sociocultural que, com base em cada contexto, desenha significados aos inúmeros sujeitos que dela fazem parte.

Em verdade, uma escola possui aspectos comuns a outras escolas, como a estruturação do calendário letivo escolar, os turnos de funcionamento, a organização do espaço escolar, a legislação que regulamenta as modalidades e níveis de ensino, entre outras, porém, “cada escola é uma instituição social ímpar, única, com características próprias, fruto de sua história e das relações sociais ali estabelecidas” (BUENO, 2001, p. 5). É justamente por ser singular, por construir uma história localizada no tempo e no espaço que a escola também se tornou em muitas realidades um lócus de conscientização social individual e coletiva.

No momento atual, neste começo de terceira década de século XXI, pensamos que a escola, mais do que nunca, necessita ser um lócus para a conscientização social crítica das pessoas. Ao defendermos essa ideia, demarcamos a importância de assegurar o ensino dos diferentes conhecimentos desenvolvidos pela humanidade interligando-os à realidade social de cada um, haja vista que a educação escolar, com base em Freire (2011), é uma prática social, política e cultural que só se efetiva com sentido aos sujeitos que a praticam quando reflete nas ações humanas, quando se torna práxis. Para Freire (2011), práxis é a ação humana que culmina na transformação das pessoas, sendo fruto de um processo permanente e contínuo da tríade ação+reflexão+ação. A educação que transforma é práxis.

Na nossa compreensão, a escola nos dias atuais é uma instância social que difere de todas as demais que educam o ser humano, como a família e os espaços educativos não escolares (a igreja, as associações, o bairro, o condomínio, entre outros). A escola tem a incumbência, segundo registramos em momento anterior, de ensinar o conhecimento que não será ensinado por outra instituição social. Esse conhecimento, quando dialogado com a prática social e contextual em que vivem os sujeitos, permite que seus níveis de consciência social crítica (individual e coletiva) se desenvolvam de forma gradativa.

Pontificamos que quando falamos do conhecimento que a escola tem a incumbência de ensinar ao sujeito, falamos, sobretudo, de um conhecimento que é útil e que pode ajudar à promoção de novas formas de pensar o mundo, de conceber a realidade e de perceber a si mesmo. Esse conhecimento não é, exclusivamente, o que deriva das ciências, apesar de estar sustentado nelas. Ele se refere ao conhecimento que resulta da reflexão sobre o conhecimento científico sistematizado no currículo escolar em diálogo com a realidade, com a cultura, com a prática social. É o conhecimento útil à vida que também não é fruto somente da experiência, é a consequência do diálogo estabelecido entre o conhecimento escolar, potencialmente útil à compreensão da realidade, e o âmbito social. Neste sentido, a escola é a instituição social primordial para ensiná-lo.

Há que se pensar, ainda, no papel educativo de ensinar a aprender, ensinar a pesquisar e a produzir conhecimento a partir das dúvidas encontradas nas próprias experiências vividas. A escola não é - ao menos não deveria ser - lugar onde se transmintem os saberes que mais tarde são cobrados nas avaliações externa de larga escala, que servem para ranquear as próprias escolas e suas pessoas.

Portanto, a escola se exerce na atualidade como um agente de formação, conscientização e emancipação humana. Assim, recaptulamos: em quais práticas educativas poderemos nos referenciar visando a formação humana no ambiente escolar? Para responder essa questão, tomamos como suporte as ideias de Paulo Freire e Alexander Neill.

Pensar a escola como espaço de formação humana - notas a partir de Paulo Freire e Alexander Neill

Na maior parte dos documentos normativos da área de educação, tomando como base a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, defende-se que o objetivo maior dos processos de escolarização na Educação Básica é a formação do sujeito, com vistas a sua qualificação para o mercado de trabalho (e para os estudos posteriores) e para o exercício da cidadania, entendimento que recai para o conhecimento e efetuação dos direitos e deveres do cidadão prescritos na Constituição Federal de 1988. Pensamos que esse objetivo necessita ser contemplado, porém, acrescentamos, com suporte nas obras de Paulo Freire e Alexander Neill, que a promoção da formação humana no ambiente escolar merece célebre atenção no momento atual.

Por formação humana concebemos, com base em Freire (1992), como aquela que se promove na interação permanente do sujeito com as questões de natureza axiológica, social, econômica, histórica, política, com a cultura local e com o conjunto de experiências que permitem a ele, na condição de ser humano, produzir sua história com/no mundo. Está interligada, também, a dimensão ontológica com o ambiente social, devido ao nosso inacabamento e inconclusão no mundo (FREIRE, 1980; 1992; 1996). A formação humana é, na perspectiva freireana, atrelada à humildade, à sensibilidade, à tolerância, à empatia, à justiça social, ao respeito ao próximo, à busca pela liberdade e pela transformação social, à leitura da realidade e de si mesmo; é autoformação (FREIRE, 2011). Para Paulo Freire (2005), a formação humana promove-se quando há possibilidade para a humanização do sujeito.

Na perspectiva de pensar a formação humana na escola, argumentamos que Paulo Freire (2005) defendeu o fim, de modo radical, da educação bancária, domesticadora e alienante, bem comum na maior fração da história da educação brasileira. Para isso, orientou a educação libertadora, problematizadora e dialógica. Em sua ótica,

[...] é preciso que a educação [libertadora] esteja - em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos - adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história (FREIRE, 1980, p. 39).

Com essa concepção de educação, vemos que Paulo Freire (1980) pensa a escola como um espaço de relações sociais e humanas. Sua obra a situa muito além das quatro paredes da sala de aula. Percebe a escola extendida à comunidade, como um espaço comunitário, multicultural, de luta, resistência e esperança por um mundo melhor e mais humano.

A escola, associada a uma concepção de educação libertadora na perspectiva freireana, tem como objetivo fundamental desenvolver a formação humana por via da construção da consciência crítica do sujeito (individual e coletiva), a qual é capaz de perceber os fios que tecem a realidade social e superar a alienação em que, muitas vezes, estamos imersos. Para Menezes e Santiago (2014, p. 50), com arrimo em Paulo Freire, na escola que prima pela formação humana os sujeitos “são vistos como ‘corpos conscientes’, e se tem convicção no poder criador do ser humano como sujeito da história - uma história [...] construída a cada instante, cujo processo de conhecer envolve intercomunicação”, envolve o diálogo; ensinar e aprender são ações da práxis, que se dão pelas relações complexas entre as pessoas da escola e não apenas de professor para estudante.

No olhar de Paulo Freire, o diálogo é uma categoria teórico-prática para os processos de escolarização. É por meio da prática dialógica que o sujeito consegue comunicar, interagir, problematizar, melhorando sua capacidade de pensar (MENEZES; SANTIAGO, 2014). Em Freire (1980, p. 82),

O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se, ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens, o diálogo é, pois, uma necessidade existencial.

Reforçamos que, por intermédio do diálogo, na escola construiremos práticas educativas articuladas à formação humana. Ele é uma condição para o sujeito existir humanamente. Com ele, os seres humanos, de maneira geral, se solidarizam, refletem e agem em conjunto como seres que podem/querem transformar e humanizar. As instituições escolares, por via do diálogo, se desburocratizam e saem da condição abstrata e distante, em circuntâncias, da vida existencial. O diálogo é, ainda, uma premissa para a convivência democrática na escola.

Nessa direção, reforçamos que exercer o diálogo na escola implica a ausência de qualquer autoritarismo, isto é, não somente na relação docente e discente, mas nas diferentes relações entre todos que se encontram no ambiente escolar (gestores, professores, profissionais da educação de maneira geral, estudantes, entre outros). Assim sendo, “o diálogo [...] é uma comunicação democrática, que invalida a dominação e reduz a obscuridade, ao afirmar a liberdade dos participantes de refazer sua cultura”, no caso uma nova cultura escolar (FREIRE; SCHOR, 2013, p. 123).

Todavia, diante de tantos limites e desafios que encontramos na prática educativa escolar na atualidade, será possível exercer o diálogo? Um exemplo de uma escola dialógica, a nosso ver, condiz com a escola pensada por Alexander Neill. O educador escocês fundou a Escola Summerhill5 em 1921, na cidade de Leiston, região de Suffolk, a noroeste de Londres, Inglaterra. A Escola Summerhill, também nominada de “escola livre”, é uma instituição que desenvolve a educação, considerando, especialmente, os desejos e as aptidões dos estudantes. Em Summerhill, “nada é forçado”. A educação acontece seguindo o tempo e as disposições dos alunos. Nessa escola, o diálogo é uma premissa fundamental para o desenvolvimento do conjunto de ações que a escola promove.

No contexto de Summerhill, a escola é concebida como uma comunidade. São desenvolvidas assembleias que decidem o seu conjunto de regras, o que é ou não permitido, as penalidades para infrações, sem autoritarismos. Os estudantes, professores e demais sujeitos que compõem a escola têm o mesmo peso nas decisões. Tudo é decidido em coletivo. Passando em revista, uma ex-aluna da Escola Summerhill depôs sobre as assembleias:

Uma das coisas que sempre apreciei nas assembleias, era a falta de ressentimento quando as coisas não eram do jeito que as pessoas queriam. Lembro uma vez de uma causa que entrei contra um grupo de garotos adolescentes que estavam fazendo barulho à noite numa área da escola na qual eles não deveriam estar. Foi o ápice de uma série de ocasiões em que eu fui acordada no meio da noite e argumentei por uma multa substancial. Eles foram contra, argumentando da mesma forma veemente. Mas, desta vez a assembleia ficou a meu favor e eles foram multados. Quando a assembleia terminou e eles passaram em fila por mim, cada um deles me deu um grande abraço e se desculparam por terem me acordado. Não restou nenhuma cara feia de ressentimento ou tensão, nem da parte deles nem da minha (APPLETON, 2018, p. 44).

As assembleias em Summerhill se perspectivam como espaços para o diálogo, se efetivam como práticas dialógicas que conduzem à formação humana. Nesses espaços, os sujeitos exercitam o pensar em grupo, a atitude coletiva, a intersubjetividade.

Alexander Neill defendeu também que a escola necessita ter como princípios basilares a liberdade, o autogoverno e a felicidade. Em Summerhill, os estudantes aprendem o que lhes interessa, o que lhes faz sentido (NEILL, 1984; LUCAS, 2018). Neill motivava seus estudantes a perseguirem seus desejos, percurso que os conduziria à felicidade, “entendida como uma vida plenamente realizada, a qual independe de qualquer conquista ou status financeiro ou de poder ou de fama” (FORTUNATO, 2018, p. 8).

Muito antes de iniciar Summerhill, Neill (1984) percebera que a escola, ao invés de munir o sujeito para a vida em sociedade, reprimia suas potencialidades de aprendizagem de si, da vida em comunidade e sobre a experiência de estar no mundo. Influenciado, em parte, pela psicanálise de Freud, Ian Suttie e Willheim Reich, buscou produzir um ambiente escolar em Summerhill no qual as crianças despertassem seus ideais a partir do que lhes fizesse bem e as motivasse a aprender. Encontrou inspiração em Homer Lane e seu trabalho na comunidade para ressocialização de crianças e jovens “desajustados”, chamada de Litlle Commonwealth, em Dorset na Inglaterra. Defendeu uma escola com liberdade, uma escola livre, na qual cada um aprende o que desejar, no momento que acreditar conveniente.

Com base em Neill (1984), a liberdade no ambiente escolar gera felicidade, autonomia, capacidade de se relacionar com o outro, autoconfiança, pensamento crítico, equilíbrio emocional e autogoverno. Enfatizamos que o conceito de liberdade demarcado na obra de Alexander Neill não é o mesmo construído por Paulo Freire.

De acordo com Neill (1984), a liberdade na escola é fazer o que se quer, sem interferir na vida de ninguém. Tal conceito difere da permissão que é, segundo o autor, fazer o que se deseja sem considerar as consequências. Na Escola Summerhill, os estudantes estão livres para participar ou não das aulas, para brincar quando sentirem interesse, para expressar suas emoções ou cultivá-las, entre outros, sempre que perceberem a necessidade, sem imposições. Em Freire (2011), a liberdade na escola está associada à prática educativa que permite ao sujeito desvelar a realidade e também a si mesmo, num processo permanente de formação (e autoformação) e conscientização, via práxis.

De toda forma, acreditamos que a perspectiva de liberdade expressa por Alexander Neill rompe na escola, tal como em Paulo Freire, com a educação bancária e o currículo escolar engessado e transmitido a todos, tantas vezes sem significado à vida, oprimindo/reprimindo o sujeito. Na nossa óptica, a liberdade no ambiente escolar, para os dois pensadores, é uma condição para a formação humana.

Por último, sintetizamos que ao sublinharmos o diálogo e a liberdade como dimensões centrais para as práticas educativas escolares, a partir do pensamento de Paulo Freire e Alexander Neill, acreditamos no potencial de ambas dimensões para a promoção da formação humana no contexto escolar.

Nessa perspectiva, defendemos uma escola que permita a cada um ser quem se é e se exercer, conforme seu tempo e momento, creditando sua plenitude. Defendemos uma escola dialógica que conduza à liberdade!

A escola pós-pandemia - outro lugar para ensinar e aprender

Como professores da Educação Superior temos percebido nas recentes publicações em periódicos científicos da área educacional, nos debates em eventos acadêmicos e em setores universitários (faculdades, departamentos, conselhos universitários, entre outros), bem como no discurso oriundo de secretários de educação (estaduais e municipais), gestores escolares e professores da Educação Básica, a afirmação de que a educação escolar após a pandemia causada pela covid-19 não será a mesma. O discurso social é enfático: vivenciamos, desde a pandemia, um “novo normal”.

No nosso entendimento, essa afirmativa se encontra como enfoque neste momento da história não somente porque houve uma mudança brusca nas práticas educativas escolares com a inclusão do ensino remoto emergencial, das novas tecnologias educacionais e dos diferentes ambientes virtuais de aprendizagem via aplicativos de videoconferência, ou porque o sistema escolar situado em uma dimensão global identificou que a escola existente antes do período pandêmico não atende às necessidades atuais.

Para nós, a pandemia relembrou, da pior maneira possível, à comunidade educacional alguns importantes ensinamentos, já defendidos no meio acadêmico. Vejamos: com a efemeridade da vida, mais vale uma escola que forme sujeitos sensíveis e humanos para convivência em sociedade do que sujeitos “bem treinados” com inúmeras competências para o mundo do trabalho; o professor, na condição de mediador, é insubstituível nos processos de ensino e aprendizagem na escola; a educação escolar é um direito social básico que, independentemente da circunstância, precisa ser garantido para todos. Após esses apontamentos, indagamos outra vez: que escola necessitamos construir após o período pandêmico causado pela covid-19?

Para responder essa questão, organizamos algumas reflexões textualizadas a partir de três itinerários que, dada a complexidade social, educacional e também da prática educativa escolar, se tornam possíveis caminhos que vislumbram a melhoria da escola fundada na formação humana. Novamente, validaremos nossos entendimentos seguindo o pensamento de Paulo Freire e Alexander Neill.

Itinerário I: uma escola que se alimente, perenemente, da ideia da educação como uma prática social humanizadora

Esse primeiro indicativo demarca a compreensão de que a escola necessita ser um espaço de acolhimento do ser humano, uma instância que se incumbe da função social de formar humanamente o sujeito. Nessa direção, a escola pós-pandemia necessita ser uma escola coerente com o tempo presente que exige, sobretudo, sensibilidade e empatia, tendo a referência do passado (especialmente a pandemia causada pela covid-19) e projetando um futuro incerto, mas possível e vivível.

Freire (1992) alerta para o fato de que a educação escolar se tornou mecanizada, morna e apática ao sujeito, haja vista que se fez, e ainda se faz, desprendida da condição humana de cada pessoa. Desenvolver a prática educativa escolar como uma prática social humanizadora é um imperativo para a escola no momento pós-pandemia. Recuperamos o que já foi expresso anteriormente (FORTUNATO, 2018), com base em Alexander Neill e Edgar Morin, que a educação escolar precisa se desligar do objetivo de formar sujeitos com “cabeças bem-cheias” de informações. Ao invés disso, deveria ter como fito formar seres humanos com “cabeças bem-feitas”.

Sabemos que para alcançar esse indicativo muitos aspectos necessitam de transformações. A concepção de educação que perpassa o sistema educacional brasileiro, incluindo sua organização e estrutura, bem como a política educacional e parte de sua base normativa necessitaria de redefinições radicais, dentre elas, mencionamos a incorporação de uma concepção de educação que valide o ser humano, a sua completude. No entanto, acreditamos no poder que cada escola tem, a partir da educação que produz em seu cotidiano, de se tornar um espaço humanizador, que gera, nos termos de Neill (1984), a felicidade.

Itinerário II: uma escola que se referencie no conhecimento útil à vida

Em seção anterior, alertamos para o fato de que a escola é a instituição social responsável pelo ensino do conhecimento produzido e sistematizado, via ciência, pela humanidade. Tal característica é indiscutível, porém, pensamos que esse conhecimento quando incorporado ao currículo escolar necessita se tornar um conhecimento útil à vida. Isso quer dizer que ele precisa ser refletido e adquirir sentido junto/na trajetória de vida de cada pessoa que o vivencia. Em vista disso, aludimos que o currículo na escola tem um peso fundamental.

Na arena dos estudos curriculares, Paulo Freire é uma importante referência. Ele não tangenciou sua obra, especificamente, para o âmbito do currículo, mesmo assim, suas ideias nos conduzem a pensá-lo, tal como a escola, como uma construção sociocultural e política situada no tempo e em um contexto. Cada escola constrói seu(s) currículo(s) por meio do conjunto de experiências formativas produzidas no seu dia a dia. Todavia, Freire (2005) critica a forma como, muitas vezes, as instâncias oficiais projetam o currículo escolar.

Freire (2005) pontifica que o currículo oficial das instituições escolares presente nos programas (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, Base Nacional Comum Curricular, entre outros) e documentos que balizam a prática educativa escolar, quase sempre é desenvolvido e pensado de modo vertical, de cima para baixo, por instâncias oficiais, a exemplo do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Educação, das Câmaras de Educação Básica e da Educação Superior, das Secretarias de Educação, entre outros. Para o autor,

O currículo padrão, o currículo de transferência é uma forma mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores! Porque, em última análise, quando certos centros de poder estabelecem o que deve ser feito em classe, sua maneira autoritária nega o exercício da criatividade entre professores e estudantes. O centro, acima de tudo, está comandando e manipulando, à distância, as atividades dos educadores e dos educandos (FREIRE, 2005, p. 91).

Com respaldo nas obras de Paulo Freire e Alexander Neill, vimos que é no chão da escola que a aprendizagem e a formação do sujeito se constituem. O currículo é produzido no cotidiano escolar. Daí a relevância de pensar em um conhecimento útil à vida, por meio de currículo(s) em que professores e estudantes tenham autonomia para desenvolver a criatividade, a inventividade, o autogoverno, a amorosidade e a felicidade nos processos de ensinar e aprender.

O currículo é algo que se deveria gestar internamente nas escolas, pelo diálogo. E isso é muito diferente do que se propaga mundo afora, sobre o controle da educação pelas avaliações de larga escala, que tendem a produzir praticamente um currículo único para todas as escolas, cujo projeto foi assumido pelo Brasil com a sua Base Nacional Comum Curricular, em 2017 e 2018, a qual se desdobrou na Base Nacional de Formação de Professores (BNC-Formação), em 2019.

Contrário a isso, temos o modo de alfabetizar adultos, que tomou a alcunha do “método Paulo Freire”, que partia do significado de vida, do pensar crítico e coletivamente as palavras que representavam algo do cotidiano para as pessoas, como o exemplo clássico do “tijolo”. Do tijolo como modo de vida, passando por discussões sobre a exploração da mão-de-obra capitalista, outras palavras se encontravam no devir pela decomposição em sílabas e, em poucas semanas, adultos iletrados se tornavam sujeitos alfabetizados, capacitados a se fazerem mais presentes no curso de sua própria história, de forma crítica.

Contrário ao currículo padrão temos em Summerhill a maior afronta ao sistema formal de educação e sua obrigatoriedade de se estar presente na sala de aula como elemento de controle. Alexander Neill resolveu isso da forma mais simples e assertiva possível: frequenta as aulas curriculares o estudante que quiser, na hora que quiser. Como resultado, não existe, em Summerhill, classes barulhentas, estudantes desinteressados e professores que precisam apelar ao entretenimento para tornar as aulas divertidas.

Em essência, este itinerário a respeito de uma escola que se referencie no conhecimento útil à vida não é nada inédito. Contudo, é uma via de resistência, pois os currículos oficiais têm, progressivamente, se tornado cada vez mais generalizados, longe da vida de qualquer um.

Itinerário III: uma escola que promova o diálogo, respeite a diversidade do ser humano e cultive as relações socioafetivas

De acordo com o pensamento de Neill (1984), defendemos a ideia de que a escola na atualidade necessita ser concebida como uma comunidade. Ou seja, um lócus que organiza o trabalho pedagógico e materializa a prática educativa escolar a partir do diálogo e do respeito à diversidade humana (ou ao que é diferente e específico em cada ser humano). Freire (2005) nos estimula a pensar o diálogo na educação escolar quando desnuda uma substancial verdade: ninguém educa ninguém, mas nos educamos a nós mesmos com/no mundo. Em outras palavras, o diálogo na educação escolar é um rompimento com a arbitrariedade do currículo oficial e da noção já cristalizada pelo senso comum que o papel dos professores é o de ensinar a gramática, as operações matemáticas, as capitais, as datas e personalidades mais importantes, as mnemotécnicas para decorar a tabela periódica etc.

No período pós-pandemia, ponderamos que no ambiente escolar urge, enfaticamente, a demanda de alicerçar as ações educativas, considerando a voz de todos que da escola fazem parte. Nesse sentido, como uma instância social, convidamos a escola a exercitar a democracia e consolidar a participação das pessoas que fazem parte dela nas decisões que afetam a todos. Ainda reforçamos, a partir das ideias de Paulo Freire, que a escola é um espaço de formação política. O diálogo e o respeito à diversidade humana são dimensões medulares para que a escola efetue a liberdade como um princípio básico a ser experienciado no currículo escolar.

Além dos aspectos pautados nos parágrafos anteriores, frisamos que o cultivo das relações socioafetivas é um indicativo para que a escola se torne sensível à formação humana. Segundo registramos, a pandemia causada pela covid-19 reforçou esse ensinamento: um dos objetivos da escola na atualidade é ajudar na formação de sujeitos sensíveis e humanos para a convivência em sociedade.

Em outras palavras, este itinerário é também uma aposta para exercer uma escola humanizadora. Ele se constitui como esperança para tornar o ambiente escolar um lugar que exerce a felicidade, um lugar especial para a (trans)formação da humanidade.

Mas, em essencial, trata-se de um caminho paradoxal, pois, embora seja lógico, coerente e atenda aos anseios de uma educação transformadora para uma humanidade mais humanizada, feliz, capaz de lidar consigo própria, ele ainda não se inscreve nas mais diversas realidades do cotidiano escolar.

Vimos esse paradoxo quando Paulo Freire foi secretário municipal da educação de São Paulo, tendo batalhado pela escola democrática e voltada ao respeito ao educando, mas, como bem registrou Franco (2014, p. 114) “a implantação das políticas educacionais, realizada em São Paulo, não ocorreu sem resistências, conflitos e tensões”. Além disso, ressalta o autor que “em várias administrações posteriores [...], investiu-se no desmantelamento da construção das políticas implantadas [...] vários aspectos se modificaram e muitos até se desvirtuaram neste processo” (p. 118).

Da mesma forma, Neill (1978), por meio de um texto (parcialmente) ficcional, relatou como foi todo o enfrentamento com as autoridades da educação, com pares professores, com famílias que não concordavam em dar liberdade às suas crianças de aprenderem o que bem entendessem... até conseguir ter forças e recursos para consolidar sua escola, cuja tríade liberdade-autogoverno-felicidade celebra seu primeiro centenário neste ano de 2021.

O itinerário do diálogo na escola, portanto, embora necessário e fundante de uma educação mais viva, sensível, orgânica e até mesmo útil (à vida) ainda requer muitos confrontos para que seja vista e vivida no chão da escola.

Considerações finais

Neste ensaio dialogamos sobre a escola na atualidade, considerando, principalmente, o pensamento do educador pernambucano Paulo Freire e do educador escocês Alexander Neill. Dentre as principais reflexões apontadas ao longo do escrito, relembramos:

A escola é uma instituição social que, na história, recebeu a incumbência de forma o sujeito idealizado por cada sociedade. Ela também se refenciou como uma instância singular, no sentido de ensinar o conhecimento produzido e sistematizado pela humanada por meio do currículo escolar.

De modo geral, demarcamos que a escola é um lócus de referência para a conscientização crítica (individual e coletiva) do sujeito. Com as transformações sociais ocorridas na atualidade, especialmente pela pandemia causada pela covid-19, defendemos ainda como sua função social, neste momento, a formação humana, alicerçada na prática do diálogo e na educação libertadora. Na nossa opinião, essas dimensões são fundamentais para a escola se promover como um espaço guiado pela democracia, se tornando para todos uma comunidade que ensina e aprende coletivamente.

Além do mais, reforçamos a demanda da escola se alicerçar no conhecimento útil à vida, no respeito à diversidade humana, bem como cultivar as relações socioafetivas. De forma singular, isso gera a felicidade, a liberdade, a confiança, entre outras características relevantes à formação humana do sujeito.

Por fim, salientamos que este ensaio não deve ser concebido como um manuscrito que entende a escola como uma panaceia que livrará a humanidade do conjunto de problemas que perpassa a prática social. Com arrimo em nossa experiência profissional na Educação Básica e no Ensino Superior, afirmamos que cada escola tem condições, por meio da prática educativa cotidiana, de desenvolver a formação humana. É neste sentido que produzimos o presente empreendimento acadêmico. Nossa intenção maior condiz a somar, a alimentar, a comunicar, a problematizar e a esperançar com os educadores, licenciandos, pós-graduandos, pesquisadores da área de educação e leitores algumas reflexões que vemos importantes à escola.

Tomamos com referência nosso patrono da educação e a escola democrática mais antiga ainda em funcionamento. Ambos são exemplos de perseverança, resistência, esperança e utopia na educação. Sem isso, estamos fadados a permanecer no mesmo, seguindo o currículo oficial, dando lições, controlando presenças e medindo o progresso (ou sua falta) de estudantes etc., deixando de lado o autogoverno, o pensamento crítico, a transformação, a sensibilidade, a humanidade, a felicidade... Nosso esforço caminha junto com a utopia de Paulo Freire e a liberdade de Summerhill. Seguimos resistindo e educando em diálogo.

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4Questão similar foi debatida por Young (2007), porém, vimos que suas considerações tomam como referência, principalmente, as discussões erguidas no âmbito da sociologia da educação, bem como a realidade educacional da Inglaterra. Nesta seção, enfatizamos o debate na área de educação, de forma ampla.

5Para obter informações atuais sobre a escola, orientamos a visita de seu site oficial: http://www.summerhillschool.co.uk.

Recebido: 01 de Agosto de 2021; Aceito: 01 de Dezembro de 2021

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