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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-56 

DOSSIÊ 3 - A ESCOLA NOS DIAS ATUAIS: E AGORA?

Formação contínua de professores e as (des)articulações com a escola de educação básica

Formación continua del profesorado y (des) articulaciones con la escuela de educación básica

Elisangela André da Silva Costa1 
http://orcid.org/0000-0003-0074-1637

Maria do Socorro Lopes da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-3084-1965

Eisenhower Souza Costa3 
http://orcid.org/0000-0001-7699-9891

1Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção - Ceará - Brasil. E-mail: elisangelaandre@unilab.edu.br.

2Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará. Professora na rede pública municipal de ensino de Acarape. Acarape - Ceará - Brasil. E-mail: socorrolopes.mi@gmail.com.

3Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual do Ceará. Professor na rede pública estadual de ensino do Ceará. Horizonte - Ceará - Brasil. E-mail: eisencosta@gmail.com.


RESUMO

O presente estudo toma como objetivo de investigação a formação contínua de professores. Parte da problematização do atual contexto, em que a docência e os processos formativos são cada vez mais atravessados por princípios neoliberais, que imprimem nas políticas educacionais a lógica da produtividade, performatividade e competitividade. Metodologicamente pautada na abordagem qualitativa, a investigação utilizou como estratégia de aproximação coma realidade uma entrevista narrativa, realizada junto a um professor que atua em turmas de ensino fundamental e médio no município de Horizonte-Ceará. Foi estabelecido como objetivo geral refletir sobre as articulações que se estabelecem entre a formação contínua e os desafios vividos pelos professores no exercício de sua profissão no contexto da educação básica. Os resultados apontaram que mesmo atravessada pelas tensões e contradições presentes na sociedade contemporânea, a formação contínua pode se estabelecer como espaço de diálogo e de valorização da docência e da escola pública.

PALAVRAS-CHAVE: Formação contínua; Professores; Escola

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo de investigación la formación continua del profesorado. Se parte de la problematización del contexto actual, en el que los procesos de enseñanza y formación están cada vez más atravesados ​​por principios neoliberales, que imprimen en las políticas educativas la lógica de la productividad, la performatividad y la competitividad. Con base metodológica en el enfoque cualitativo, la investigación utilizó una entrevista narrativa como estrategia de acercamiento a la realidad, realizada con un docente que trabaja en clases de primaria y secundaria en la ciudad de Horizonte-Ceará. Se estableció como objetivo general reflexionar sobre las articulaciones que se establecen entre la educación continua y los desafíos que vive el docente en el ejercicio de su profesión en el contexto de la educación básica. Los resultados mostraron que incluso atravesada por las tensiones y contradicciones presentes en la sociedad contemporánea, la educación continua puede establecerse como un espacio de diálogo y apreciación de la enseñanza y la escuela pública.

PALABRAS CLAVE: Formación contínua; Maestros; Colegio

ABSTRACT

The present study takes as its research objective the continuing education of teachers. It starts from the problematization of the current context, in which teaching and training processes are increasingly crossed by neoliberal principles, which imprint on educational policies the logic of productivity, performativity and competitiveness. Methodologically based on the qualitative approach, the investigation used a narrative interview as a strategy to approach reality, carried out with a teacher who works in elementary and high school classes in the city of Horizonte-Ceará. It was established as a general objective to reflect on the articulations that are established between continuing education and the challenges experienced by teachers in the exercise of their profession in the context of basic education. The results showed that even crossed by the tensions and contradictions present in contemporary society, continuing education can be established as a space for dialogue and appreciation of teaching and public school.

KEYWORDS: Continuous formation; Teachers; School

Introdução

O cenário social contemporâneo é marcado por intensas e rápidas transformações nas esferas econômica, política, ética e da vida cotidiana (LIBÂNEO, 2011). Estas são atravessadas pela lógica neoliberal e afetam de forma intensa os processos de construção identitária dos sujeitos, exigindo dos mesmos qualificações profissionais que atendam às demandas do sistema do capital produtivo. Tal lógica chega, também, ao contexto educacional, compreendido como campo estratégico de manutenção desse projeto de sociedade.

As escolas, enquanto instituições formais de ensino, exercem o papel de articular, nos processos formativos voltados à população, diferentes questões induzidas pelas políticas públicas, em que se fazem presentes princípios e valores estabelecidos hegemonicamente pelos governos.

Assim, nas últimas décadas, temos vivenciado a intensificação de diferentes formas de alinhamento entre o projeto capitalista de sociedade e de formação ao trabalho educativo desenvolvido pelas escolas, através de políticas curriculares, de avaliação e de formação docente. Verificamos, desse modo, a expansão de uma lógica empresarial de gestão que, pautada em termos como eficiência e eficácia, estabelece relações hierárquicas no corpus do sistema educacional (SILVA, 2001), intimando os coletivos a materializarem seu trabalho a partir de uma lógica neotecnicista. Tal lógica é pautada na reprodução de conteúdos e técnicas pensados por grupos de especialistas, visando o alcance rápido e com poucos recursos de metas estabelecidas pelos órgãos de gerenciamento e controle do trabalho pedagógico realizado nas escolas.

A articulação desse conjunto de referências tem na figura do professor um de seus principais agentes, o que torna seus processos de formação e seu trabalho campos de disputa entre a perspectiva de esvaziamento das práticas pedagógicas, centrada na dimensão técnica, que visa a conformação dos sujeitos ao modelo de sociedade vigente; e a perspectiva emancipatória que reconhece a complexidade do ato educativo, destacando a dimensão política nele presente como forma de resistência e de superação das relações sociais que oprimem e desumanizam (COSTA; 2018). Desse modo, o professor se encontra tensionado de um lado pela lógica e demandas das políticas de resultados e por outro pelo compromisso ético e político com uma formação humana e crítica.

Entendemos que mesmo diante da realidade apresentada, comum a todos nós, cada contexto é marcado por questões específicas que o singularizam e por formas próprias de responder aos desafios nele presentes. Assim, indagamos: como a formação contínua dos professores se articula com os desafios vividos em suas práticas como docentes? Para obter respostas à pergunta apresentada, formulamos o presente estudo que tem como objetivo geral refletir sobre as articulações que se estabelecem entre a formação contínua e os desafios vividos pelos professores no exercício de sua profissão no contexto da educação básica. Mesmo não tendo a pretensão de generalizar os resultados obtidos, compreendemos que os mesmos podem iluminar diferentes e importantes aspectos da realidade e colaborar com os debates em torno da temática.

Optamos metodologicamente pela abordagem qualitativa (MINAYO, 2013), definindo como lócus de investigação o município de Horizonte - Ceará e como sujeito um professor de matemática que atua nos anos finais em uma escola pública de ensino fundamental e nas turmas de segundo e terceiro anos em uma escola pública de ensino médio.

A estratégia de aproximação com a realidade foi a entrevista narrativa, a partir da perspectiva apresentada por Jovchelovich e Bauer (2014), que visa o aprofundamento de questões específicas relacionadas à temática central do estudo, sem perder de vista a existência do sujeito e as marcas dos contextos onde se situam sua vida, formação e profissão.

Os dados, analisados a partir dos contributos de autores como Diniz Pereira (2014), Franco (2016), Alarcão (2011), entre outros, indicam que mesmo sendo atravessada pelas tensões e contradições presentes na sociedade contemporânea, a formação contínua pode superar a lógica neoliberal produtivista e se estabelecer como espaço de leitura crítica da realidade, de diálogo e valorização da docência e da escola pública.

A escola pública e os desafios do atual contexto

Antes de falarmos sobre a formação contínua de professores importa destacar elementos relacionados ao contexto para o qual e no qual os professores são formados.

A década de 1990 se constitui como um marco histórico a partir do qual se tornaram mais evidentes as transformações ocorridas no contexto social, político, econômico e cultural dos diferentes países, em decorrência de dois fatores que se intercruzam:

  • a) a globalização, que se sustenta no mito da diminuição de distâncias, pelo desenvolvimento acelerado de tecnologias que promovem a difusão instantânea de informações, com o tempo e o espaço contraídos, postos a serviço do capital, que se funda na “economização e na monetarização da vida social e da vida pessoal” (SANTOS, 2000, p. 9);

  • b) do neoliberalismo, como arranjo social capitalista, cuja lógica tem feito com que noções como “[...] igualdade e justiça social recuem no espaço de discussão política e cedam lugar, redefinidas, às noções de produtividade, eficiência, “qualidade”, colocadas como condição de acesso a uma suposta modernidade” (SILVA, 2001, p.14).

Os fenômenos da globalização e neoliberalismo se fazem presentes em nossas vidas e afetam de maneira incisiva a construção de nossas identidades, individuais e coletivas. As diferentes instituições são atravessadas por princípios e valores que se espraiam nas esferas econômica, política, ética e da vida cotidiana (LIBÂNEO, 2011), chegando aos sujeitos em forma de demandas formativas, relacionadas aos conhecimentos, habilidades e atitudes considerados necessários à inclusão no “mercado de trabalho”, compreendido como horizonte para onde devem convergir esforços de adaptação dos sujeitos.

A escola, neste cenário, vem sendo induzida, através das políticas educacionais, a reconfigurar-se, alinhando-se ao projeto de sociedade hegemonicamente vigente, assimilando perspectivas de trabalho fundadas em uma lógica estritamente empresarial e gerencialista.

Para Krawczyk (2018), a reforma que se deu no campo educacional brasileiro na década de 1990 instituiu um novo modelo de organização e também de gestão, que chega, com aprofundamento e vivacidade, ao Século XXI, na perspectiva do fetiche relacionado ao binômio modernidade-democratização. Nesse movimento, consultorias, fundações e institutos ligados ao empresariado transformam-se em referências a partir das quais se formulam as políticas educacionais em termos de currículo, avaliação, formação de professores, entre outras, inspiradas nas experiências de outros países, sobretudo os Estados Unidos da América.

Para Silva (2001), é necessário compreender de forma ampla a lógica neoliberal presente no movimento de reconfiguração das políticas educacionais. Para o autor:

A construção da política como manipulação do afeto e do sentimento; a transformação do espaço de discussão política em estratégias de convencimento publicitário; a celebração da suposta eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à ineficiência e ao desperdício dos serviços públicos; a redefinição da cidadania pela qual o agente político se transforma em agente econômico e o cidadão em consumidor, são todos elementos centrais importantes do projeto neoliberal global. É nesse projeto global que se insere a redefinição da educação em termos de mercado [...]. (SILVA, 2001, p. 15).

Os elementos expostos nos conduzem à necessária reflexão sobre os compromissos políticos e pedagógicos da escola pública com os princípios democráticos, com a valorização da diversidade, com a humanização e os horizontes emancipatórios, conforme apontam a Constituição Federal Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9394 (BRASIL, 1996). Essas orientações legais vêm, ao longo dos anos, sendo ameaçadas pela lógica produtivista e, portanto, excludente, presente no pensamento neoliberal. Este movimento tem rendido retrocessos significativos em termos da concepção ampla da educação como “[...] direito de todos e dever do Estado e da família [...] visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, Art. 205).

A perspectiva das políticas curriculares, alinhadas aos processos de avaliação externa, implementadas ao longo das últimas duas décadas, vem tratando de forma reducionista a concepção do currículo. Este é abordado como um artefato burocrático cuja função central é o alinhamento e controle do trabalho pedagógico desenvolvido pelos professores às matrizes de referência que constituem os instrumentos avaliativos aplicados sistematicamente pelas Secretarias de Educação e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (INEP), por ocasião das avaliações de larga escala.

A dinâmica estabelecida pelas políticas educacionais para a organização do trabalho pedagógico da escola é um problema a ser tratado nos processos de formação contínua dos professores, como um convite à leitura crítica dos desafios postos no contexto de exercício profissional que, gradativamente, afetam de forma negativa a autonomia das instituições de ensino e dos educadores que nelas atuam.

Se compreendemos o currículo na perspectiva de práxis, conforme nos apresenta Sacristán (2000), verificaremos a necessidade de compor uma lógica distinta daquela induzida pelos órgãos governamentais que gerenciam a educação pública. A perspectiva de trabalho, configurada a partir de um currículo que compreende as relações indissociáveis entre teoria e prática, deve ter a reflexão como um movimento que conduz o coletivo a perceber os horizontes formativos estabelecidos pela escola e neles as disputas que se relacionam aos modelos de sociedade e de sujeitos. A indagação a favor de quê e a favor de quem o trabalho educativo da escola é desenvolvido é capaz de iluminar estratégias de ação que caminhem numa perspectiva de resistência e não conformação dos sujeitos aos projetos de poder neoliberais, articulada a ações coletivas de transformação da realidade.

A escola como espaço de formação contínua de professores

Discutimos na seção anterior, as disputas que se estabelecem nos campos social, político, econômico e educacional, a partir de projetos de sociedade em disputa, buscando situar o contexto de tensões e contradições em que o professor se forma e exerce o seu trabalho.

Ao discurtirmos a formação contínua também devemos abordar a temática a partir de sua polissemia, indicando os diferentes fundamentos e compromissos que a sustentam, assim como os diferentes horizontes formativos para onde estas conduzem os educadores. Dessa maneira, três paradigmas de formação se constituem como referências que podem iluminar a nossa discussão:

  • a) O paradigma da racionalidade técnica, com cisão entre teoria e prática e redução das questões educacionais a “problemas “técnicos” a serem resolvidos objetivamente por meio de procedimentos racionais da ciência” (DINIZ-PEREIRA, 2014, p.35);

  • b) O paradigma da racioanalidade prática, que coloca o professor como elemento central no desenvolvimento da profissionalidade, pautando-se ora nos conhecimentos construídos na exercício profissional, pela análise das próprias tentativas e erros, ora através da pesquisa sobre a própria prática que permite enfrentar as incertezas e os desafios presente na sala de aula (DINIZ-PEREIRA, 2014);

  • c) O paradigma da racionalidade crítica que, numa perspectiva dialética situa social, histórica e politicamente a educação e o exercício profissional docente, colocando em pauta os compromissos que se estabelecem entre projetos de sociedade e de formação e seus impactos na vida dos indivíduos e da coletividade. Pode adquirir um viés sócio-reconstrucionista, voltado à promoção da igualdade e justiça social; emancipatório ou transgressivo, com mobilização política; e ecológico-crítico que através da pesquisa-ação articula processos de formação, intervenção e transformação da realidade (DINIZ-PEREIRA, 2014).

Ao pensarmos no modo como cada um desses paradigmas compreende os professores, teremos: na racionalidade técnica, a visão do professor como um consumidor de conteúdos, produzidos por especialistas; na racionalidade prática, o professor como profissional reflexivo e pesquisador da própria prática; e na racionalidade crítica, um intectual engajado politicamente com pautas emancipatórias, humanizadoras e inclusivas.

Atualmente, as propostas de formação que chegam aos professores trazem consigo uma certa ambiguidade, posta nas contradições que emergem do campo de sua atuação profissional e que podem ser expressas através de embates entre: o discurso da inclusão e a perspectiva do mérito; o apelo à inovação e a defesa da tradição; teoria distante da prática e a prática distante da teoria; a qualidade total e a qualidade socialmente referendada; a profissionalização e a desprofissionalização docente. Tal ambiguidade emerge da distância que gradativamente se amplia entre os preceitos legais que apontam a educação como um direito e a configuração das políticas educacionais contemporâneas que reduzem a educação a um bem de consumo.

Franco (2016, p. 519) nos ajuda a melhor compreender essa questão relatando o que vivem os professores na atualidade em relação aos seus processos de formação:

[...] considerando-se que os professores estão se sentindo fragilizados com a agudez das contradições da escola brasileira; com a complexidade das relações sociais que aí se estabelecem e com a incapacidade teórico-prática de atuarem na situação, esse espaço tempo de reflexão permite uma nova perspectiva de situação experiencial. Os textos prontos que recebem para servir de guias de aula, dentro da perspectiva de ensino apostilado, acabam induzindo-os a trabalharem com o roteiro pronto e abrindo mão da possibilidade de criarem meios e formas didático-pedagógicas para lidar com a situação.

A autora aponta, a partir do exposto, a necessidade de uma postura dialógica a ser estabelecida entre os sujeitos que conduzem os processos formativos e os sujeitos a quem esta se direcionam, alterando a lógica que sustenta a relação entre os mesmos, saindo de uma perspectiva prescritiva que subalterniza, para uma perspectiva crítica que problematiza a realidade e reconhece os educadores como portadores e produtores de conhecimentos. É através dessa mudança que os processos de formação podem se tornar significativos para os sujeitos e para as instituições.

Nessa mesma direção, encontramos os contributos de Lima (2001), que nos apresenta uma concepção de formação contínua capaz de colaborar com o desvelamento das determinantes que atravessam o cotidiano da escola do trabalho docente e com tomadas de decisão. A autora aponta que a “[...] formação contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis” (LIMA, 2001, p. 29).

As categorias “trabalho docente”, “desenvolvimento profissional” e “práxis”, presentes na concepção apresentada pela autora, indicam uma posição crítica, emancipatória e politicamente situada que os formadores precisam ter em relação às propostas de formação. Desse modo, os desafios vividos pelo coletivo de trabalho constituem-se como as principais referências de onde emerge a definição das pautas de formação. A partir delas, a unidade entre teoria e prática na perspectiva da práxis, acompanha o movimento de problematização da realidade, de compreensão ampla dos problemas através do estudo de temáticas diversas, da construção de alternativas de ação e o estabelecimento de compromissos coletivos com a materialização das propostas.

Alarcão (2011), pautada em experiências concretas desenvolvidas no contexto da escola, reconhece essa instituição como um lócus de formação dos professores e nos convida a compreender o modo como os conceitos de professores reflexivos e escola reflexiva são capazes de colaborar com o empoderamento e com a humanização dos sujeitos. Segundo suas palavras:

A escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É autogerida. Tem o seu projeto próprio, construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se permamente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Não esquece o contributo dos pais e de toda a comunidade. Conidera-se como uma instituição em desenvolvimeto e em aprendizagem. Pensa-se e avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria (ALARCÃO, 2011, p.40).

Os desafios recentemente vividos pela humanidade em decorrência do avanço da Epidemia de Covid-19 levaram as instituições de ensino ao redor do planeta, a reorganizarem as suas formas de mediar os processos formativos dos estudantes. A busca de alternativas pelos coletivos de trabalho nos mostrou a necessidade de desenvolvimento da capacidade da escola pensar a si mesma e os desafios que são próprios do seu contexto.

Para Nóvoa (2020, p. 9):

[...] as melhores respostas à pandemia não vieram dos governos ou dos ministérios da educação, mas antes de professores que, trabalhando em conjunto, foram capazes de manter o vínculo com os seus alunos para os apoiar nas aprendizagens. Em muitos casos, as famílias compreenderam melhor a dificuldade e a complexidade do trabalho dos professores. Isso pode trazer uma valorização do trabalho docente e criar as condições para um maior reconhecimento social da profissão.

A reflexão trazida pelo autor nos convida a verificar a pertinência das críticas que se tecem aos modelos de formação pautados em pacotes compostos por fórmulas genéricas elaboradas por especialistas, pela incapacidade que têm de dialogar com as necessidades e particularidades das instituições de ensino e das comunidades escolares, assim como de ajudá-las a superar os desafios por elas vividos. Nos convida, também, a empreender esforços de materialização de propostas formativas que busquem sentido e significado na compreensão da educação como uma prática social situada (PIMENTA, 2011); da escola como uma instituição reflexiva (ALARCÃO, 2011) e dos professores como sujeitos e intelectuais capazes de produzir conhecimento relevante sobre sua profissão (FREIRE, 1996; FRANCO, 2016).

Na próxima seção, apresentaremos a análise de narrativas produzidas por um professor que atua em duas redes públicas de ensino distintas, a partir de suas experiências de formação contínua voltadas ao ensino fundamental e ao ensino médio.

Com a palavra: o professor

Breves considerações metodológicas

Estudos desenvolvidos por pesquisadores diversos, como os mencionados nas seções anteriores deste estudo, anunciam a importância da escuta dos professores acerca dos diferentes desafios por eles vivenciados. O conteúdo presente nas narrativas docentes são capazes de iluminar importantes aspectos relacionados à formação, à vida e ao trabalho, ampliando o alcance das teorias já produzidas e colaborando com a sistematização de conhecimentos capazes de fomentar novas práticas formativas.

Assim, a aproximação com o sujeito pautou-se na abordagem qualitativa de pesquisa, que visa acessar o conjunto de experiências a partir das quais são geradas as concepções, opiniões e representações relacionadas ao tema investigado (MINAYO, 2013).

Utilizamos como estratégia investigativa a entrevista narrativa, visando estimular o sujeito a partilhar conosco suas experiências com os processos de formação contínua, ofertados pelas redes estadual e municipal de ensino, enquanto um fenômeno atravessado pelo contexto social e histórico no qual se insere a sua existência.

Considerado as orientações postas por Jovchelovich e Bauer (2002), interferimos o mínimo possível no processo de entrevista, fornecendo ao sujeito apenas uma orientação geral sobre o tema, em forma de tópico central, a partir do qual foi disparada a produção das narrativas e estimulando-o a seguir refletindo sobre suas experiências.

Destacamos, ainda, que foram observadas as normas para o desenvolvimento de pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, expressas na Resolução nº 510/2016 (BRASIL, 2016), garantindo ao sujeito, o sigilo de sua identidade e informando-o sobre os objetivos do estudo, os possíveis riscos e benefícios de sua participação na pesquisa, culiminando com a formalização do aceite na investigação através de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O sujeito receberá a denominação de Euclides, em alusão ao matemático nascido na Alexandria, autor da obra Elementos, composta por 13 volumes, reconhecida por estudiosos da área como um dos mais importantes compêndios de matemática publicados ao longo dos tempos.

Começando pelo começo: o início da carreira e seus desafios

Ao ser convidado a partilhar suas experiências formativas, relacionando-as às experiências pessoais e profissionais vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida, Euclides trouxe à tona elementos articulados ao processo de qualificação profissional que permitiu o salto da condição de professor leigo, presente no início de sua carreira, à condição de licenciado em matemática:

Minha jornada na educação como professor se iniciou quando ainda era estudante do 3º ano do ensino médio com 17 anos de idade, na rede municipal de ensino de meu município de origem. Sempre gostei de participar das aulas. Era algo normal e já nos últimos anos do ensino médio montava os relatórios e apresentava na sala. A convite, comecei a ministrar aulas em uma escola próxima à minha casa em uma turma de 8ª série e os alunos na sua totalidade eram filhos de gente humilde da comunidade. O ato de lecionar para aqueles jovens constituiu em um marco importante para mim. A turma de 15 alunos, era muito receptiva aos novos conhecimentos, fácil de conviver e sempre disposta a participar e aprender. No início do magistério não percebia muito bem como se dava o processo de ensino e aprendizado. O desenvolvimento do ato de ensinar veio com o tempo e com as constantes formações desenvolvidas ao longo do processo de ensino, bem como, por iniciativa pessoal para superar as dificuldades que enfrentava no contexto da sala de aula. Ao concluir o curso superior acreditava que estava amplamente preparado para lecionar em qualquer sala do ensino fundamental ou médio. Essa crença estava muito distante da realidade que se desenhava no dia a dia do fazer pedagógico, pois as dificuldades residiam na ausência de materiais didáticos, como pinceis e quadros brancos, na maioria das vezes danificados pela ação do tempo e dos próprios estudantes. Além disso, os livros didáticos em quantidade insuficiente não atendiam à necessidade de todos os alunos.

O ingresso de Euclides na carreira, situado na década de 1990, revela uma característica comum ao território nacional brasileiro que era a presença de professores leigos no quadro de docentes que atuavam nas escolas públicas. Tal questão passou a ser ponto de discussões e também pauta das políticas educacionais que emergiram a partir dos compromissos internacionais estabelecidos em decorrência da assinatura, por parte do governo brasileiro, da declaração mundial de educação para todos, no contexto da Conferência Mundial com a mesma denominação, realizada em Jomtiem no ano de 1990; e da publicação da LDB nº 9394 (BRASIL, 1996), a partir da qual foi estabelecida a década da educação, com compromissos relacionados à democratização do acesso da população à escola e à valorização dos profissionais da educação.

Destacamos que a perspectiva formativa presente no discurso de Euclides nos dá a ideia de prontidão, com a crença de que as referências teóricas recebidas no curso de licenciatura seriam suficientes, que ao serem transpostas em técnicas de ensino poderiam ser aplicadas em nos mais diferentes espaços e obter sucesso no processo ensino-aprendizagem. Tal compreensão alinha-se à racionalidade técnica que historicamente se sobrepôs às demais no contexto brasileiro e é percebida pelo próprio sujeito, no momento presente, como insuficiente para lidar com os desafios que emergem do campos das práticas e que se complexificam a partir do contato com sujeitos e contextos (DINIZ-PEREIRA, 2014).

Euclides chama nossa atenção para as condições precárias de trabalho e, ainda, para a insuficiência dos materiais didáticos nas turmas em que lecionava. Tais desafios, aparentemente não tratados pelos processos formativos, demandavam do entrevistado a busca solitária de alternativas, de modo que atendesse às expectativas da comunidade escolar. A postura e a preocupação do professor com os estudantes enquanto sujeitos e com o cumprimento da função social da escola, anuncia as dimensões ética, política e pedagógica presentes no trabalho docente, pouco ou não trabalhadas nos processos formativos inicias por ele vividos (FREIRE, 1996).

A formação contínua e a lógica das avaliações externas

Dando sequência à narrativa sobre os processos de formação contínua vivenciados, Euclides coloca em cena as estratégia de alinhamento das ações formativas desenvolvidas pelas escolas à lógica das avaliações externas:

[...] A formação do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, realizada ao longo do ano, propicia a todos os docentes momentos de interação e enriquecimento de sua prática pedagógica. Além do mais, há o alinhamento nos conteúdos com vistas às avaliações externas realizadas ao final de cada ano letivo. Atualmente como professor da rede de ensino no município de Horizonte, tenho participado de variados momentos de estudo e aprofundamento na profissão de professor. Estes momentos de ressignificação da prática docente consistem em períodos de estudos promovidos pela Secretaria Municipal de Educação de Horizonte (SMEH), com todos os professores de matemática da rede. Além dessa colaboração, os momentos servem para planejar ações que serão desenvolvidas por todos os docentes com foco no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE) e Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Prova Brasil). Tais atividades são elaboradas a partir das avaliações diagnósticas aplicadas sempre no início de cada ano letivo e repetidas durante o processo de ensino-aprendizado. De posse das informações trazidas pelos instrumentos avaliativos, os professores planejam suas aulas, adequando o conteúdo do livro didático e as apostilas de itens a cada realidade de ensino presente em sua sala de aula.

Como é possível perceber, a narrativa de Euclides coloca em evidência a lógica de estruturação dos processos de formação contínua destinado aos professores que atuam na rede municipal de ensino: a submissão do currículo escolar à matriz de referência a partir da qual se organizam os processos de avaliação externa.

Essa postura constitui-se como desdobramento das políticas educacionais brasileiras, pautadas na perspectiva neoliberal de onde emerge a organização do trabalho desenvolvido pelas escolas a partir da gestão da qualidade total, que busca a potencialização de resultados e da produtividade pelos dos sistemas de ensino. Com efeito, tal forma de organização leva para as escolas a perspectiva do mercado, distanciando-as dos os compromissos e preocupações com os processos formativos dos sujeitos em sua integralidade pela valorização em demasia dos produtos, expressos através de indicadores quantitativos (SILVA, 2001). Essa é uma lógica perversa que vem promovendo processos de desumanização do espaço escolar, de gestores, educadores e educandos.

Ainda há espaço para o diálogo e a emancipação

A contradição é uma característica inerente aos processos educacionais, tendo em vista, já de partida, os compromissos que a educação estabelece com a sociedade em que se insere, cumprindo, duplamente, o papel de reprodução e de transformação, tanto dos conhecimentos, quanto das relações que se estabelecem entre os sujeitos. Tal questão é pontuada por Euclides quando anuncia:

As formações promovidas pela SMEH visam, também, direcionar atividades e promoção de conhecimentos com foco nas olimpíadas realizadas ao longo do ano letivo, em especial a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Nos últimos anos, esse trabalho tem mostrado seus primeiros resultados [...]. O crescimento dos números de alunos com menção honrosa e, também, medalhistas observados nos últimos anos revela os resultados de um trabalho feito com responsabilidade. Contudo, há, ainda, uma árdua e gigante tarefa a ser desenvolvida se desejarmos o aumento exponencial dos dados. Além do mais, diversos alunos medalhistas são convidados por grandes organizações educacionais do Ceará para dar continuidade aos estudos. Essa prática proporciona a esses discentes uma mudança vertiginosa em suas vidas. Na sua grande maioria esses estudantes são egressos de escolas rurais de Horizonte que tem oportunidade singular de estudar em instituições com melhores condições físicas e educacionais, propiciando o alavancar ainda maior de seus conhecimentos. Outro fator preponderante no processo de formação é o período de interação com os colegas da mesma área, favorecendo a troca de experiências e de saberes didáticos, algo que propicia o desenvolvimento do aprendizado dos alunos, pois enriquecem a prática dos professores.

No excerto da narrativa de Euclides, verificamos que mesmo com o alinhamento dos processos formativos à lógica da competitividade e da performatividade, assentadas na racionalidade técnica, os professores conseguem fazer desses espaços, contextos de diálogos que se alimentam dos desafios vividos pelos mesmos no dia a dia das escolas de educação básica e das alegrias de colaborar com a inclusão dos estudantes em outros espaços formativos, através dos conhecimentos construídos por esses sujeitos que permitem o alcance de bons resultados nas Olimpíadas das quais participam. O movimento realizado pelos professores aponta para um deslocamento da base formativa para uma racionalidade prática, pautada na reflexão e na ação destes enquanto indivíduos (DINIZ-PEREIRA, 2014).

A fala do entrevistado anuncia a ampliação das compreensões dos sujeitos acerca das relações estabelecidas entre si por ocasião dos processos de formação, indicando a possibilidade de interação presente neste espaço como modo de lançar luzes sobre os compromissos políticos e democrático que anunciados nos projetos pedagógicos das escolas públicas (FREIRE, 1996), e que precisam ser fortalecidos, de modo a expandir os processos inclusivos que são capazes de transformar a realidade dos educandos.

A formação contínua e o diálogo com a escola em tempos de pandemia

As reflexões de Euclides sobre os processos de formação continua durante o período de pandemia de Covid - 19 indicam o movimento relatado por Nóvoa (2020), quando destaca o protagonismo desenvolvido pelos educadores enquanto coletivo, na busca de acolher os estudantes e desenvolver estratégias de ensino adequadas ao modelo remoto emergencial.

A vivência que segue relatada no execerto da narrativa, reforça o potencial emancipatório que se estabelece a partir das articulações entre os processos formativos e a prática docente, pautados nos desafios vividos na/pela escola.

Devido a Pandêmia de Covid 19 a preocupação evidenciada nas formações desenvolvidas pelas redes de ensino, tanto municipal como estadual, se voltaram basicamente a trazer o estudante para próximo da escolas, haja vista, que o processo de ensino se efetivou de forma remota e emergencial. Foram elaboradas estratégias de ação como a busca ativa nas comunidades para compreender as condições materiais e vida dos estudantes e desenvolver meios para garantir o acesso dos estudantes às novas configurações metodológicas do ensino, por meio de ferramentas educacionais diferenciadas, de forma síncrona e assíncrona. Assim, partindo do diagnóstico da realidade construído a partir da busca ativa organizou-se em toda a rede de ensino uma divisão de tarefas entre os docentes, numa perspectiva colaborativa. A expectativa com essa partilha de responsabilidades era facilitar o fazer pedagógico. Nesse sentido, as aulas foram divididas por todos os docentes que ficavam responsáveis pela gravação, edição e uploud de vídeoaulas na plataforma do youtube; confecção de apostilas com questões trabalhadas nas aulas; elaboração de formulários eletrônicos e planilhas compartilhadas com os estudantes, no intuito de receber as atividades desenvolvidas por esses. Outro aspecto importante a ser destacado nesse período foi a preocupação dos docentes em diversificar suas atividades para atingir a maior quantidade de estudantes. Assim, as atividades desenvolvidas vêm sendo partilhadas em grupos de whatsapp, e-mails, e plataformas de ensino contratadas para facilitar o processo de ensino-aprendizado além de impressão de atividades para os discentes que não dispõe de meios para conexão à rede mundial de computadores. As formações deixaram de lado a preocupação execessiva com os resultados e passaram a considerar os desafios cotidianos vividos por professores e alunos, valorizando o diálogo e a construção coletiva de estratégias de ação a serem desenvolvidas na escola.

A narrativa de Euclides anuncia uma importante mudança no contexto dos processos de formação contínua voltado aos professores, que sai do eixo da performatividade e da qualidade total e se volta para a garantia da permanência dos estudantes no contexto escolar, configurado como um elementos constituintes do tripé da democratização do acesso da população à escola, quais sejam: o acesso, a permanência e o sucesso.

A leitura do contexto; a compreensão da educação como uma prática social atravessada por determinantes diversos; a relação entre teoria e prática na perspectiva da práxis; o reconhecimento dos educandos como sujeitos de direitos; a valorização da dimensão coletiva do trabalho desenvolvido na escola e a articulação entre as dimensões política e pedagógica do projeto pedagógico são alguns dos elementos presentes na realidade expressa pelo entrevistado que se alinham à perspectiva da racionalidade crítica de formação (DINIZ-PEREIRA, 2014). Nela, professores são reconhecidos como portadores e produtores de conhecimentos (FREIRE, 2016), como sujeitos capazes de ler criticamente a realdiade e enfrentar, coletiva e colaborativamente, os desafios nela presentes (FRANCO, 2016; ALARCÃO, 2011).

Em tempos de Pandemia, tão marcados pelo aprofundamento das desigualdades sociais e pelo avanço da necropolítica, os professores e escolas anunciam possibilidades de um esperançar, na perspectiva freireana (FREIRE, 1987), de ter esperança e de se mover em busca da superação das situações-limites que freiam a nossa capacidade de Ser-Mais, através da construção de inéditos viáveis.

Considerações Finais

Ao longo do presente estudo refletimos sobre as articulações que se estabelecem entre a formação contínua e os desafios vividos pelos professores no exercício de sua profissão no contexto da educação básica.

Inicialmente situamos a formação e o trabalho docente no cenário da sociedade contemporânea, verificando as complexas relações que se estabelecem entre a globalização e o neoliberalismo e seus reflexos no processo de construção identitária dos sujeitos, nas demandas formativas que buscam ajustá-los ao mercado de trabalho e ao modelo de sociedade hegemonicamente vigente onde se fazem presentes princípios como performatividade, produtividade e competitividade. Tais elementos chegam à educação através das políticas educacionais que vêm, ao longo das últimas décadas assimilando os valores neoliberais, alinhando currículo, avaliação e formação de professores à busca incessante por resultados.

A leitura crítica da realidade nos permite visualizar nos contextos de formação e exercício profissional docente, embates entre diferentes perspectivas, que podem ser sistematizadas em três modelos distintos de racionalidade - a técnica, a prática e a crítica - que se sustentam em diferentes concepções de professor e em diferentes níveis de relação destes sujeitos com o conhecimento sobre a profissão.

O contato com a trajetória de vida, formação e profissão dos docentes que atuam nas redes públicas de ensino revela a prevalência, no atual contexto, da racionalidade técnica, traduzida em encontros que têm em sua centralidade o debate sobre as matrizes de referência das avaliações externas e o controle do trabalho docente, através da recorrente aplicação de simulados e diagnósticos que produzem relatórios quantitativos de proficiência, indicando aproximações e distanciamentos das metas estabelecidadas para as instituições de ensino.

As narrativas produzidas pelo sujeito entrevistado na presente pesquisa revelam a vivência de uma perspectiva reducionista de formação continua ao longo de sua trajetória, mas também indicam movimentos de deslocamento e ressignificação das relações estabelecidas entre o coletivo de professores; os conhecimentos, reflexões e desafios por eles trazidos; as características dos contextos onde desenvolvem o seu trabalho. Curiosamente, o período pandêmico e a falta de referencias de natureza técnica para lidar com o ensino remoto emergencial permitiram aos sujeitos o exercício do protagonismo em suas profissões.

Assim, compreendemos que os processos de formação continua, mesmo atravessados pelas tensões e contradições da sociedade contemporânea, podem, através do reconhecimento dos professores como intelectuais, comprometidos politicamente com uma educação de natureza emancipatória, superar a lógica neoliberal produtivista e coloborar com processos de valorização da docência e da escola pública.

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Recebido: 01 de Agosto de 2021; Aceito: 01 de Março de 2022

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