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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-57 

DOSSIÊ 3 - A ESCOLA NOS DIAS ATUAIS: E AGORA?

Ensino de linguagens no contexto remoto: experiência em uma escola pública de Mato Grosso

La enseñanza de idiomas en el contexto remoto: experiencia en una escuela pública de Mato Grosso

Ana Graciela M. F. da Fonseca Voltolini1 
http://orcid.org/0000-0002-5918-5113

Elisangela Alves Sobrinho Arbex2 
http://orcid.org/0000-0002-7228-882X

Marcia de Souza Damasceno3 
http://orcid.org/0000-0001-8295-8690

1Pós-doutorado em Estudos de Cultura Contemporânea, Doutora em Comunicação Social. Universidade de Cuiabá, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: fonsecaanagraciela@gmail.com.

2Doutoranda em Estudos de Linguagem, Mestre em Ensino. Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT), Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: elisangela.sobrinho@gmail.com.

3Mestre em Ensino. Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT), Barra do Garças, Mato Grosso, Brasil. E-mail: marcinhadama@live.com.


RESUMO

Neste artigo apresentamos uma prática de ensino de linguagens em uma escola pública de Mato Grosso utilizando a Sequência Didática como metodologia aportada na teoria de Schneuwly e Dolz (2004). Objetivou-se utilizar práticas que assegurem a aprendizagem no contexto do ensino remoto, ao final, foi identificado que trabalhar de forma colaborativa utilizando ferramentas como o Google Documentos, Google Meet e WhatsApp é importante neste cenário, e que devemos também promover atividades voltadas aos letramentos digitais dos alunos das escolas públicas. Ainda que diante de um contexto desigual no que tange às tecnologias digitais, a experiência mostrou a importância em proporcionar aos alunos experiências com o uso das TDIC e de gêneros textuais pertencentes ao cotidiano, como a reportagem, produzida por meio da Sequência Didática.

PALAVRAS-CHAVE: Linguagens; Ensino; Sequência Didática; TDIC

RESUMEN

En este artículo presentamos una práctica de enseñanza de idiomas en una escuela pública de Mato Grosso utilizando la Secuencia Didáctica como metodología apoyada en la teoría de Schneuwly y Dolz (2004). El objetivo era utilizar prácticas que garanticen el aprendizaje en el contexto de la educación a distancia; al final, se identificó que el trabajo colaborativo utilizando herramientas como Google Documents, Google Meet y WhatsApp es importante en este escenario, y que también debemos promover actividades dirigidas a la alfabetización digital de los estudiantes en las escuelas públicas. A pesar de enfrentarse a un contexto desigual en cuanto a las tecnologías digitales, la experiencia demostró la importancia de proporcionar a los estudiantes experiencias utilizando las TDIC y géneros textuales relacionados con la vida cotidiana, como el informe, producido a través de la Secuencia Didáctica.

PALABRAS CLAVE: Idiomas; Enseñando; Secuencia Didáctica; TDIC

ABSTRACT

In this article we present a practice of language teaching in a public school in Mato Grosso using the Didactic Sequence as methodology supported by the theory of Schneuwly and Dolz (2004). The goal was to use practices that ensure learning in the context of remote teaching; in the end, it was identified that working collaboratively using tools such as Google Documents, Google Meet and WhatsApp is important in this scenario, and that we should also promote activities aimed at the digital literacy of students in public schools. Although facing an unequal context in terms of digital technologies, the experience showed the importance of providing students with experiences with the use of TDIC and textual genres belonging to everyday life, such as the news report, produced through the Didactic Sequence.

KEYWORDS: Languages; Teaching; Didactic Sequence; TDIC

Eu quero entrar na rede

Promover o debate

Juntar via Internet

Um grupo de tietes de Connecticut

De Connecticut acessar

O chefe da Mac-milícia de Milão

Um hacker mafioso acaba de soltar

Um vírus pra atacar programas no Japão

Gilberto Gil, 1997.

Introdução

Diante do quadro de distanciamento social decretado pelo governo do estado de Mato Grosso através da resolução normativa 003/2020-CEE/MT publicada em 19 de junho de 2020, estabeleceu-se para a educação no âmbito estadual, as Normas de Reorganização do Calendário para o Ano Letivo de 2020. A Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT) buscou alternativas para que os estudantes da rede pública estadual não perdessem o ano letivo de 2020, o uso das tecnologias digitais tornou-se um dos meios para a realização das aulas, em que professores e alunos faziam reuniões online (meetings), por uma plataforma disponibilizada pelo governo do estado. Àqueles que não tinham acesso à internet cabiam ter as aulas através de apostilas impressas e entregues aos alunos/responsáveis.

Todavia, esta prática não se mostrou muito eficiente, haja vista que tanto os professores quanto os pais e os próprios alunos não conseguiram usufruir das aulas virtuais por desconhecimento, falta de recurso ou acesso. Bonilla e Oliveira (2011, p. 24) trazem à discussão a importância de pensar sobre a desigualdade de acesso às tecnologias digitais de rede sem uma avaliação do público cliente, pois a premissa da educação pública é a equidade, mas, há uma disparidade nomeada genericamente como “exclusão digital”.

Em 2019, 71% dos brasileiros utilizaram a internet, sendo 99%, 95% e 80% das classes A, B e C, respectivamente, e 50% das classes D e E, o que torna bastante discutível o alcance de propostas e atividades educacionais mediadas por tecnologias digitais e conectadas (MARCON, 2020). Assim, quem tem mais recursos teria mais acesso à tecnologia, portanto, os alunos da rede pública são os que mais sofreram com o ensino remoto.

Neste artigo destacamos as dificuldades encontradas quando optamos pela construção de uma Sequência Didática (SD) aportada na teoria de Schneuwly e Dolz (2004). Ela foi aplicada em 4 etapas, de forma online, com alunos de 12 aos 16 anos de idade durante os meses de fevereiro e março de 2021, no Centro Municipal de Educação Básica Helena Esteves. Objetivou-se utilizar práticas de ensino de linguagem que assegurassem a aprendizagem dos estudantes, para isso a oficina de produção de reportagens utilizou o aplicativo Google Documentos, foram utilizados também para as interações o Google Meet e o WhatsApp.

Tratamos também sobre o ensino de linguagens nas escolas públicas e como ideologias antigas ainda permeiam a comunidade escolar ao relacionar a condição social dos alunos com sua aprendizagem, e ainda debatemos sob a luz de autores que tratam das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), sobre a importância em democratizar o acesso à educação durante a pandemia da Covid-19, já que é um direito adquirido por sujeitos sociais.

Posicionamo-nos em defesa da escola democrática que humanize e assegure a aprendizagem “Uma escola que veja o estudante em seu desenvolvimento, [...] em crescimento biopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 07).

Para tanto, recorremos a SD para a produção de textos do gênero reportagem, além de fomentar o uso dos recursos digitais durante a prática apresentada no presente artigo.

Ensino de linguagens em escolas públicas

O discurso sobre a democratização do ensino é antigo, ele é proferido antes mesmo durante os regimes autoritários e antidemocráticos como o Estado novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985). A sociedade vê a escola como um lócus que promove “a igualdade de oportunidades educacionais” e “educação como direito de todos", de acordo com Soares (2021, p. 14).

A própria autora já citada, discute em seu livro “Linguagem e escola” a derrota sofrida pelas camadas mais populares durante tantas décadas de luta pela democratização do saber. Ela também discute o fracasso escolar na escola pública apontando as três principais ideologias utilizadas para explicar tal derrota.

Soares (2021) começa apresentando a ideologia do dom, que se oculta no senso comum de tal forma que infelizmente faz parte de vertentes pedagógicas e psicológicas, nesta, as aptidões de cada indivíduo justificariam seu “rendimento escolar”, a escola não teria relação com este fracasso e sim a ausência de condições que tornariam alguns mais aptos, capazes, adequados e outros incapazes de se adaptarem e desenvolverem características e aptidões próprias. A escola não trataria de forma desigual os diferentes, pela ideologia do dom, eles que não eram capazes de aproveitar as oportunidades oferecidas.

Com pesquisas e análises de dados científicos, Soares (2021) afirma que tornou-se notório que os grupos sociais pobres, desfavorecidos, de camadas populares detinham a concentração maciça de fracasso escolar, evidenciando uma questão socioeconômica, que levou a uma segunda ideologia, a ideologia da deficiência cultural.

Essa ideologia surge na tentativa de se explicar a ideologia do dom, justificando o fracasso escolar e desconsiderando as desigualdades sociais enfrentadas pelos estudantes da escola pública, já que não era uma característica do indivíduo que poderia influenciar seus resultados e sim a estrutura social e as relações assimétricas vividas por eles que imporiam uma carência cultural a estas pessoas, o que de pronto já indica que, o contexto cultural dos privilegiados seria superior e não diferente das demais.

Seriam estas deficiências de caráter, afetiva, cognitiva e até linguísticas, e neste contexto a escola “trataria” dessa deficiência oferecendo a cultura das classes econômicas favorecidas aos alunos das camadas populares.

E finalmente a terceira ideologia, das diferenças culturais, que supera os termos “deficiência, falta, privação, carência” com uma visão mais antropológica sobre o que vem a ser cultura e nega assim a falta ou ausência da mesma indiferente da classe social dos grupos envolvidos, mas não se pode deixar de considerar que:

A escola, quando inserida em sociedades capitalistas, assume e valoriza a cultura das classes favorecidas; assim o aluno proveniente das camadas populares encontra nela padrões culturais que não são seus, e que são apresentados como “certos”, enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados como inexistentes, ou desprezados como “errados”. [...] Esse aluno sofre, dessa forma, um processo de marginalização cultural e fracassa, não por deficiências intelectuais ou culturais, como sugerem a ideologia do dom e a ideologia da deficiência cultural, mas porque é diferente, como afirma a ideologia das diferenças culturais. (SOARES, 2021, p. 26).

Assim, quando o foco é a linguagem e o ensino da mesma, não podemos desconsiderar os estudos sociolinguísticos que nos mostram que ainda segundo Soares (2021) a linguagem é o instrumento utilizado para transmitir e ao mesmo tempo o resultado da cultura de um grupo social e que a linguagem é utilizada para explicar o fracasso escolar de forma equivocada, uma vez que privilegiar uma linguagem socialmente em detrimento de outras gera a discriminação e por consequência isto contribui para o fracasso escolar. As variantes linguísticas estigmatizadas são um campo fértil para a propagação do preconceito e isto leva a dificuldades de aprendizagem.

Quando chegamos a este estágio, o da dificuldade de aprendizagem devemos como educadores parar para pensar sobre estas relações, sobre nosso papel na escola pública que abarca a linguagem, a educação, as classes sociais e a nossa função como prestadores de serviço para as camadas populares em meio à pandemia do Covid-19, sequer imaginada e que perdura a mais de um ano afetando diretamente a forma de ensinar e aprender dos professores e alunos durante o ensino remoto emergencial, híbrido e presencial.

O Ensino Remoto Emergencial pode ser considerado um programa de ensino compensatório?

Entre as décadas de 1970 e 1980 os programas de ensino “compensatórios” começam a ser implementados no Brasil visando a compensação das “deficiências” e carências que levam ao fracasso escolar, inicialmente eram programas preventivos introduzidos nos anos iniciais para reduzir ou eliminar as “deficiências”, “criar bons hábitos” e “comportamentos sociais adequados” ao que se definia como educação formal.

Somente em 1988 na Constituição Federal foi reconhecido como um direito à educação infantil, e posteriormente através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a educação infantil passou a ser a primeira etapa da educação básica.

Assim, inicia-se nas escolas públicas de todo o país medidas de natureza compensatória voltadas para os alunos inseridos no sistema educacional regular pertencentes às camadas sociais mais baixas. Já nos primeiros anos, alguns adotaram o sistema de turmas fortes, fracas, especiais, tempo de jornada ampliado para os alunos com “dificuldade de aprendizagem”, recuperação, monitoria de reforço, classes de aceleração e o sistema de ciclos. E infelizmente, mesmo com todas estas ações e projetos, os resultados não evidenciam melhor desempenho escolar.

Cada vez mais nos deparamos com pesquisas que tratam dessas dificuldades e da urgência em se criar uma alternativa que modifique os resultados obtidos. Justifica-se tal fracasso pelas intervenções tardias, outros responsabilizam a família e as crianças, atribuindo a elas falhas e desinteresse, e ainda há os que responsabilizam a sociedade e sua estrutura discriminatória. Segundo Soares (2021, p. 56) “[...] a educação compensatória fracassa porque atribui à escola um poder que ela não tem: o de compensar as desigualdades sociais que estão fora dela e que a escola não tem condição de fugir”.

A escola privilegia os padrões culturais, sociais e linguísticos das classes sociais privilegiadas, e assim, comete uma violência simbólica e atua mesmo que não intencionalmente na perpetuação das desigualdades sociais, determinados grupos permanecem marginalizados e determinados grupos exercem domínio sobre os demais. A igualdade inexiste e a discriminação é reforçada, pois um único saber linguístico é aceito e legitimado, o sistema até então imposto é mantido, qualquer manifestação cultural diferente é desvalorizada em detrimento da cultura legitimada (SOARES, 2021).

Não se pode dissociar a linguagem da estrutura social, Bourdieu (2008, p. 163) cita que procura a “reintrodução do mundo social na ciência da linguagem”, a comunicação não é somente expressão-compreensão, falar-ouvir, é uma relação de força, de força simbólica, que depende do grupo.

Sobre tecnologias digitais, desigualdades e ensino

Neste artigo os sujeitos de pesquisa são da periferia, alunos de uma escola pública situada em uma zona urbana limítrofe (fronteiriça com uma área sem ruas asfaltadas, com pequenos sítios e uma vegetação densa), as práticas culturais dessa periferia, tem marcas muito significativas de hibridização entre práticas cotidianas e as digitais.

Com relação ao uso das TDIC ou mídias digitais4 nas práticas de ensino de linguagens, devemos considerar o cenário pandêmico imposto pela Covid-19 e esclarecer que tudo foi novidade não só para os alunos mas também para os professores.

O barateamento de equipamentos e serviços foram fatores definitivos para a inserção dessas práticas no cotidiano, tanto das classes sociais privilegiadas (atendidas na vanguarda das TDIC) quanto dos grupos da periferia. A desterritorialização não é somente virtual neste momento, ela é física com a presença dos smartphones, tablets e laptops nos bairros de classe baixa (CANCLINI, 2008).

As TDIC permitiram que os alunos da escola pública entrassem em contato com “práticas de texto antes restritas aos grupos de poder, elas ainda possibilitam e potencializam a divulgação desses textos por meio de uma rede complexa, marcada por fluidez e mobilidade, que funciona paralelamente à mídia de massa” (ROJO, 2013, p. 08).

As práticas híbridas inseridas neste contexto de desterritorialização e reterritorialização provocadas pelo contato das TDIC com os grupos antes excluídos permitem a apropriação de uma nova mentalidade dos indivíduos que podemos considerar a partir desta mudança de mentalidade como letrados (MAIA, 2013).

Um bom e recente exemplo da relação TDIC e periferia é Raphael Vicente (@raphaelviicente). Raphael, 20 anos, é morador do Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, e vem ganhando projeção nas redes sociais (Instagram e TikTok) com vídeos bem-humorados que grava com a família, sobretudo durante a pandemia. Os vídeos curtos e de edição ágil fazem sucesso nas redes. Em um dos vídeos que foi amplamente compartilhado, Raphael fez uma campanha de conscientização sobre a Covid-19, de forma humorada, o conteúdo abordou a vacinação e as medidas de biossegurança.

Exemplos como o de Raphael só são possíveis, devido às características das mídias digitais. Martino (2014) destaca, apoiado em outros autores, conceitos-chaves para as mídias digitais, como cultura participatória, interatividade e velocidade. No exemplo mencionado, podemos perceber a ruptura com a estrutura tradicional e centralizada, característica dos meios de comunicação de massa, para a digitalização e descentralização do processo de comunicação via mídias digitais. O conceito de cultura participatória explica a possibilidade de qualquer indivíduo tornar-se um produtor de conteúdo.

O autor ainda explica que, nas mídias digitais, o suporte físico desaparece e os dados são convertidos em dígitos, sons, imagens, letras passam a ser sequências de números, é isso que torna possível o compartilhamento, armazenamento e conversão de dados. Nas mídias digitais, dados são transformados em sequências de números passíveis de serem interpretados por um computador e é justamente essa característica, ausente nos meios analógicos, que gera características específicas das mídias digitais.

Por outro lado, embora haja popularização e barateamento das TDIC e que as mesmas façam parte do cotidiano mediando diversas de nossas atividades e práticas, é preciso considerar a exclusão ainda existente no acesso a esses aparatos, conforme evidenciado durante a pandemia. Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2020, promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), embora aponte o crescimento de domicílios com acesso à internet (83%), no acesso por classe, o percentual das classes DE é de 64%.

A pesquisa destaca o crescimento de domicílios com acesso à internet nas classes C e DE, no entanto, a defasagem ainda persiste em comparação às classes A e B, com 100% e 99%, respectivamente. Outro fator que merece destaque é o preço da conexão, uma das principais barreiras no acesso. Sobre equipamentos, a pesquisa aponta o crescimento de domicílios com computador, contudo nos dados por classe, o computador está presente em 50% dos domicílios na classe C e apenas 13% na DE.

Considerando o contexto pandêmico que impôs a necessidade do chamado Ensino Remoto Emergencial (ERE), é preciso refletir sobre o acesso às tecnologias pelos estudantes, especialmente pelas condições socioeconômicas que afetam esse aspecto. De acordo com Hodges, Moore, Lockee, Trust e Bond (2020) o Ensino Remoto é uma solução alternativa devido à crise da Covid-19 que visa fornecer acesso temporário a conteúdos educacionais de maneira remota. Esse fornecimento pode ser por meio ou não de tecnologias digitais, como veremos nos dados a seguir, além do fator socioeconômico como determinante nesse período.

Sobre TDIC e ERE, o Painel TIC Covid-19 (3ª edição), também promovido pelo CGI.br, traz como destaques, o telefone celular como principal dispositivo para acompanhamento das aulas e atividades remotas, especialmente nas classes DE; 36% tiveram dificuldades para acompanhar as aulas pela falta ou baixa qualidade de conexão à internet e materiais impressos produzidos pela escola foi o segundo recurso mais citado em domicílios com alunos de 6 a 15 anos de escola pública. A respeito de falta ou qualidade de conexão, o exemplo que mencionamos aqui, Raphael Vicente, destaca esse ponto, como mostra Aragão (s.d):

Começou no Vine, antiga rede social para o formato. Aprendeu a editar na marra. Foram muitas horas acompanhando tutoriais de YouTube e lutando para fazer upload de suas produções domésticas com a internet instável da favela - problema que persiste até hoje, diz ele.

Apesar dos exemplos e pesquisas mencionadas demonstrarem desigualdade de acesso à internet e equipamentos nas classes baixas e a coexistência durante o ensino remoto de recursos digitais e impressos no acompanhamento das aulas e atividades, não podemos desconsiderar as mídias digitais e seu imbricamento com o ensino. Para Martino (2014) pensar o cotidiano e boa parte da vida humana sem a presença das mídias digitais é um exercício de imaginação, pois as mesmas estão desde as atividades mais simples às mais complexas.

No entanto, ainda que autores como Canclini (2008), Rojo (2013) e Maia (2013) apresentam perspectivas positivas na relação periferia, escolas públicas e tecnologias digitais, o cenário pandêmico evidenciou assimetrias no acesso e que impactam consideravelmente as atividades educacionais. Mesmo apontando a cultura participatória e a inteligência coletiva, por exemplo, como características das mídias digitais, Martino (2014) também elenca a barreira digital, que se refere às diferenças de acesso às tecnologias digitais e a cultura digital em razão de fatores socioeconômicos.

Diante de um cenário desigual e complexo, conforme relatamos aqui, é preciso reconhecer e incorporar as TDIC no ensino. Independente da necessidade imposta pela Covid-19 que culminou na medida temporária nomeada de ERE, devemos considerar a cultura digital e a urgência em preparar os estudantes para ler, escrever e participar da sociedade mediada por tecnologias digitais.

Dudeney, Hockly e Pegrum (2016) explicam que entre as habilidades necessárias para participar da sociedade digital e conectada está o envolvimento com as tecnologias digitais, o que requer o domínio dos letramentos digitais. Os autores definem os letramentos digitais como “habilidades individuais e sociais necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito crescente dos canais de comunicação digital” (2016, p. 17). A respeito da necessidade dos letramentos, da exclusão e pandemia, em sua obra mais recente, Ribeiro diz que:

Assim como ler, produzir textos, hoje, é uma experiência diversa daquela de tempos atrás. A razão mais evidente que pode sustentar essa afirmação diz respeito aos recursos tecnológicos de que dispomos contemporaneamente, seja em casa, seja na escola ou em outros espaços sociais que acessamos. Embora a pandemia nos tenha feito revisar essa noção de que o acesso é amplo, podemos dizer que, socialmente, as tecnologias digitais estão instaladas, o que nos coloca em um cenário de camadas de exclusão e tentativas de inserção ligadas aos letramentos (RIBEIRO, 2021, p. 13).

Para além do debate e políticas de acesso aos aparatos, devemos também realizar e propor na escola projetos e atividades que visam os letramentos relacionados às mídias digitais. Ribeiro (2021) salienta o quanto os modos de ler e escrever foram afetados pelos dispositivos com telas, teclados, programas de edição e publicação, e como isso também afeta a escola. A autora reitera que convivemos com os modos analógicos e digitais, e o desafio que isso representa nas práticas de ensino.

O trabalho com o gênero reportagem no contexto da Pandemia

Na ausência de tratamento e de vacinas, após resistências iniciais das agências do capital e, mesmo, da Organização Mundial de Saúde, chegaram ao consenso que a única forma de impedir uma imensa catástrofe humanitária de alcance mundial seriam as políticas de confinamento social (COLEMARX, 2020).

Desta forma, a partir de meados de março de 2020, escolas e universidades suspenderam suas atividades presenciais. O estado de Mato Grosso, ciente de suas responsabilidades com a educação, reorganizou suas atividades pedagógicas seguindo orientações dos Pareceres Nacionais CNE/CP nº 5/2020; CNE/CP nº 9/2020; CNE/CP nº 11/2020 e CNE/CP nº 15/2020 que discorrem sobre a reorganização do calendário escolar, considerando as possibilidades de atividades não presenciais para fim de cumprimento da carga horária mínima anual, faz orientações educacionais para a realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais e não presenciais no contexto da pandemia e estabelecem normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo (MT) nº 6, de 20 de março de 2020.

Através da resolução normativa 003/2020-CEE/MT publicada dia 19 de junho de 2020 estabeleceu-se para a educação no âmbito estadual, as Normas de Reorganização do Calendário para o Ano Letivo de 2020, a serem adotadas pelas instituições pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino Mato-Grossense, em razão da Pandemia da Covid-19. Logo, apresentou-se a obrigatoriedade de 800 horas no ano letivo de 2020, em cumprimento à medida provisória 934/2020, para a reorganização do calendário, o documento sugere que:

  • I - atividades pedagógicas não presenciais que podem acontecer por meios de Tecnologias de Informação e Comunicação: videoaulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs e outros;

  • II - atividades pedagógicas não presenciais que podem acontecer por veículos de comunicação: programas de televisão ou rádio;

  • III - atividades pedagógicas não presenciais que podem acontecer pela adoção de material didático impresso com orientações pedagógicas, distribuídos aos estudantes e seus pais ou responsáveis, contendo orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados nos materiais didáticos.

Diante dessa solução proposta e na tentativa de encontrar práticas que assegurassem a aprendizagem dos estudantes, realizamos por meio do aplicativo Google Documentos, uma oficina de produção de reportagens, para que o discurso dos estudantes pudesse ganhar visibilidade e para que assumissem o protagonismo tão apregoado nos documentos referenciais educacionais.

Para organização do trabalho, optamos pela construção de uma Sequência Didática (SD) aportadas na teoria de Schneuwly e Dolz (2004), pois ressaltam o “interacionismo social” do indivíduo com o contexto e o uso que ele faz da linguagem. A SD está dividida em quatro etapas, para facilitar o processo de aprendizagem do gênero reportagem. Segundo os autores uma SD precisa de:

[...] módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem. As sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa apropriação. Desse ponto de vista, elas buscam confrontar os estudantes com práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem. Essa reconstrução realiza-se graças à interação de três fatores: as especificidades das práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela sequência didática (SCHNEUWLY; DOLZ 2004, p. 43).

Uma SD é um conjunto de atividades organizadas em torno de gênero oral ou escrito, de maneira sistemática. Portanto, a SD tem a função de possibilitar aos estudantes o acesso a novas, ou pouco dominadas, práticas de linguagem. O desempenho dos aprendizes precisa ser objeto de análise, adaptando-se às sequências às necessidades dos estudantes para que sejam capazes de mobilizar o conteúdo temático, em razão do gênero, e organizá-lo de maneira adequada, em função das especificidades de cada gênero.

Schneuwly e Dolz (2004) apresentam um modelo comum para representar a SD. Nesse modelo, aparecem quatro etapas para o processo de aprendizagem de um dado gênero, sendo a apresentação inicial, a produção inicial, os módulos e a produção final. A sequência aqui explicitada foi planejada para ser executada com estudantes na faixa etária dos 12 aos 16 anos, na modalidade remota de forma on-line, segundo a estrutura apresentada acima, para ser desenvolvida em três módulos com cerca de seis aulas de uma hora cada uma, totalizando, aproximadamente, 20 horas, sendo consideradas atividades complementares. Todos os momentos da SD foram mediados ora Google Meet, ora WhatsApp e as atividade realizadas via Google Documentos.

1º Módulo: apresentação da situação e produção inicial

Nesse primeiro momento apresentamos a proposta do projeto de pesquisa e as etapas de realização da oficina. Iniciamos conhecendo o Google Documentos e as principais funções. Na sequência abrimos um novo documento para que os estudantes realizassem o primeiro contato com o aplicativo e, ao mesmo tempo, conhecessem as ferramentas disponibilizadas. Após o primeiro contato com o aplicativo, utilizamos a opção Explorar para que os estudantes conhecessem o gênero reportagem.

Um gênero textual que emprega uma linguagem comum, impessoal, objetiva e direta, o que facilita a interação com o interlocutor. É comum o escritor servir-se, muito mais do que na notícia, da intercalação do discurso indireto com o direto; faz isso com o objetivo de registrar as diferentes posições dos sujeitos envolvidos nos fatos de maneira mais atraente do que se apresentasse apenas a informação meramente técnica.

A reportagem possui uma estrutura flexível, pode apresentar alguns elementos, dentre eles o título, onde será anunciado o assunto a ser abordado no texto; o subtítulo, que busca atrair o interesse do leitor; o lead, primeiro parágrafo da reportagem que apresenta de sucinta os aspectos mais importantes do texto; o corpo, discussões em nível mais amplo, e ao final, a ideia-síntese, que retoma os aspectos essenciais do assunto relatado.

Compreendemos que o gênero reportagem é um expressivo instrumento que permite, de modo muito específico, que o estudante veja a realidade de outra forma, ou melhor, que desenvolva a capacidade de perceber detalhes no texto que o possibilite apreciar a informação de acordo com seus conhecimentos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), destacam que:

É preciso priorizar os gêneros que merecerão abordagem mais aprofundada. Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizem os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer à reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada (BRASIL, 1998. p. 24).

A reportagem emprega uma linguagem que busca distribuir a informação de forma mais atraente e menos tecnicista, logo, nos auxilia a fomentar o prazer pela escrita e leitura por meio do ato de ensinar a ler textos que buscam responder aos interesses sociais, visto que, o senso crítico se concretiza no contato do com seu cotidiano. Neste sentido, o gênero reportagem oferece uma série de opções para a prática pedagógica em sala de aula, como a rotação por estações, a sala de aula invertida, a gamificação, dentre outras.

2º Módulo: conhecendo o gênero reportagem

No segundo módulo, iniciamos com um levantamento de dados para a produção da reportagem. Aproveitamos a temática da Covid-19 que está sendo desenvolvida na unidade escolar pelos docentes que perceberam a necessidade dos estudantes em conhecer o contexto pandêmico e auxiliá-los com os cuidados de prevenção e também dirimir dúvidas.

A produção de texto com o gênero reportagem ocorreu de forma individual, cada estudante optou por desenvolver uma temática de sua escolha, no aplicativo Google Documentos, no qual poderiam selecionar imagens e gráficos. Após a pesquisa, os estudantes, sob mediação da pesquisadora, planejaram a escrita fornecendo as informações necessárias ao leitor, contextualizando o tema, as ocorrências atualizadas e suas possíveis derivações.

Dessas produções iniciais, os textos foram organizados, isto é, inserido título e, se necessário, subtítulo que auxiliou no desenvolvimento da produção escrita. Com isso, os estudantes compreenderam os elementos que compõem o gênero reportagem, de forma conexa. Contudo, ainda precisaram avançar a escrita com o uso do discurso direto ou indireto. Tomaram ciência de como deve ser colocado o depoimento em um texto, optando pelas marcas da oralidade ou adequando as normas padrões da língua. Do mesmo modo, discutimos a maneira correta de realizar uma citação dentro do texto e a utilização dos conectivos para escreverem com coesão e coerência.

3º Módulo: refacção da produção inicial

Seguindo o terceiro elemento de base da sequência didática, iniciamos o terceiro módulo, desta feita, os estudantes revisaram sua produção para melhorá-la, verificaram se o texto trazia os elementos do gênero reportagem, ou seja, se; articulavam partes, se a coesão entre diferentes partes e elementos menores e maiores foram estabelecidas, lembrando que elementos “menores” são frases ou parágrafos, e elementos “maiores”, a parte introdutória, o desenvolvimento e a conclusão.

Ao revisarem seus textos, foi importante que os estudantes identificaram os pontos em que as reportagens poderiam ser melhoradas e realizaram as mudanças necessárias. Do mesmo modo, percebemos a importância deste momento para os estudantes tomarem conhecimento que a correção não se trata de escrever um novo texto, mas de intervirem no que já está sendo escrito. Para isso, elas deslocaram algumas partes, eliminaram palavras e até trechos, substituíram partes por outras e completaram o texto com novas informações. Logo em seguida, iniciamos a revisão do ponto de vista gramatical e ortográfico, dando conclusão ao trabalho com o gênero.

A síntese dos conhecimentos sobre o gênero textual, elaborada anteriormente, auxiliou como critério para avaliar a produção escrita:

Revisar um texto é torná-lo objeto de nossa reflexão, é pensar sobre o que foi ou está sendo escrito e encontrar meios para melhor dizer o que se quer dizer, reelaborando e reescrevendo o já escrito. Nesse sentido, é preciso que aquele que escreve se desloque entre os papéis de escritor e possíveis leitores/interlocutores de seu texto, refletindo se seu escrito atende as suas intenções, bem como se está adequado à situação comunicativa em que ele se insere (BRANDÃO, 2007, p. 120).

Compreendemos que essa foi a fase em que os estudantes colocaram em prática as noções e os instrumentos preparados isoladamente nos módulos, possibilitando efetuar uma avaliação do trabalho realizado até o momento.

4º Módulo: produção final

Em nosso processo de reescrita, trabalhamos com os estudantes de forma colaborativa, editando o texto que produziram na oficina anterior, ajustamos o público-alvo e aprimoramos a estrutura composicional. Depois de reeditados, partimos ao quarto e último módulo da sequência, em que fizemos mais uma revisão do texto para garantir que o mesmo estivesse adequado à norma culta da língua portuguesa, assim como nos preocupamos com a diagramação, adaptando à programação visual característica de textos jornalísticos online (tipo, tamanho e cor das letras; alinhamento do texto e organização dos tópicos; inserção de imagens estáticas - fotos e ilustrações), para posterior compartilhamento dos textos.

De maneira geral, observamos que, durante o trabalho de produção textual, a maioria dos estudantes optou por escrever sobre conteúdos trágicos, com relatos de crimes, abusos, vulnerabilidade social, dentro do contexto de Pandemia da Covid-19. Essas opções dos estudantes podem estar relacionadas com seu contexto social, por já terem sofrido ou presenciado eventos similares. Outra preocupação presente foi a violência, que aparece nos textos como ‘abuso sexual de menores’, ‘institucionalização de idosos’ dentre outras tantas violências, como as ‘queimadas’, ‘desmatamento’, e ‘assassinatos’.

As denúncias de violência estão presentes nos textos, e a questão mais evidenciada por todas é situação financeira da população que sofre a violência, as marcas de pessoalidade estão presentes durante todo o texto, desde a escolha dos temas ao desenvolver do conteúdo a partir das leituras realizadas. Utilizaram o texto para dar voz ao sentimento de ‘injustiça’ e muitas vezes de impotência frente a realidade presenciada, ou vivenciada. De forma consciente realizaram a escolha das imagens que apresentaram em suas reportagens, sempre coerentes com o conteúdo.

Partilhamos com Antunes (2006, p. 168) a máxima de que escrever um texto consiste em “[...] uma atividade que supõe informação, conhecimento do objeto sobre o qual se vai discorrer, além, é claro, de outros conhecimentos de ordem textual-discursiva e linguística”. Portanto, durante toda a escrita, realizamos os apontamentos e orientações focando nos aspectos que os estudantes autores pudessem melhorar em seu texto, de modo particular, e sua capacidade de se expressar por escrito, de modo geral.

Finalizamos a SD certos de que estamos diante da necessidade de utilizar recursos digitais, proporcionando aos estudantes condições de manusear a avalanche de informação às quais estão expostos, para que interpretem e transformem em conhecimento relevante. Corrobora conosco, Pierry Lévy (2007), ao dizer que o novo papel do educador é ajudar os outros a aprender colaborativamente, não somente ensinar e transmitir conhecimento. As ferramentas digitais proporcionam ao educador realizar o ensino por meio da interação síncrona e assíncrona.

Contudo, não podemos deixar de ressaltar que durante a realização dos módulos da SD tivemos muitas dificuldades, dentre a econômica, pois grande parte dos estudantes das escolas públicas dependem da merenda escolar para se alimentar. Nesse sentido, “[...] é perverso imaginar que, sem renda, vivendo o estresse, o sofrimento, a dor, a humilhação de sequer lograr alimentos, as famílias tenham condições de assegurar, privadamente, espaços e tempos adequados à aprendizagem” (COLEMARX, 2020, p. 7).

Manusear as ferramentas do Google Documentos não foi problema, pois, adaptamos os horários dos encontros até chegar ao ponto de acontecerem de maneira individual para que nenhum estudante fosse prejudicado, visto que, muitos dividiam celular com irmãos, outros começaram a trabalhar para comporem renda, e por fim, alguns estudantes tiveram o aparelho celular vendido para custear água e energia.

Considerações finais

Uma pandemia que atingiu o mundo e de impactos sem precedentes, pessoas, setores e áreas da sociedade precisaram repensar e alterar planos, assim também aconteceu com a educação. O ensino remoto foi estabelecido como alternativa para o contexto pandêmico visando a manutenção das atividades educacionais. Contudo, a escola e a educação já são pressionadas há tempos, especialmente a escola pública, cobrada para ser um local de igualdade e oportunidades, como pontua Soares (2021).

Considerando, a pandemia de Covid-19, os desafios da escola, de ensinar e aprender, e as habilidades necessárias para o século XXI, há de se repensar a escola de maneira a adequá-la a este novo contexto. Além disso, os multiletramentos, multiculturalismo e as multissemioses devem fazer parte das formas de ensinar e aprender, dando fluidez aos conteúdos, e a possibilidade de uso de múltiplos formatos e representação (textos escritos, narrativas, imagens, imagens em movimento, sons, músicas, etc.).

Para isso, foi realizada uma prática no ensino de linguagens por meio da construção de uma Sequência Didática para trabalhar com o gênero textual reportagem. Atendendo as necessidades de distanciamento social e o contexto de ensino remoto, recorremos às TDIC para mediação e realização das atividades.

Apesar dos problemas enfrentados pela escola pública, como também o acesso desigual às TDIC, conforme destacamos ao longo deste artigo, as propostas de ensino remoto devem agir como um instrumento de inclusão de modo a estabelecer políticas de contingência para novos eventos que forcem o afastamento social, mas as mesmas não podem perder drasticamente a qualidade no processo de ensino e devem promover o acesso dos alunos do ensino público e conjuntamente fomentar os chamados letramentos digitais.

A prática aqui apresentada, revela que mesmo diante desse contexto, percebemos a consciência dos estudantes nos discursos apresentados em suas reportagens, iniciando pela escolha do tema e perpassando título, subtítulo, imagens, marcas de pessoalidade e visão ideológica levantadas. Apresentam ciência da crise social do país e conseguem tecer uma análise a respeito da dificuldade econômica e poder de compra relacionados a cesta básica e a medicamentos. Além disso, dão voz ao sentimento de injustiça e impotência perante ao sistema, apresentam dados da violência psicológica, física e abusos sofridos, principalmente pela parcela mais vulnerável da população brasileira.

Referências

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4Martino (2014) explica que, com base em Chandler e Munday (2010), o termo “mídias digitais” é intercambiado com “novas mídias”, “novas tecnologias”, por exemplo. As expressões procuram designar a diferença com os meios de comunicação de massa.

Recebido: 01 de Agosto de 2021; Aceito: 01 de Maio de 2022

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