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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-15 

DEMANDA CONTÍNUA

Análise comparativa dos programas de Matemática: cursos técnicos industriais versus colégio (1942-1965)

Análisis comparativo de programas matemáticos: cursos técnicos industriales versus escuela secundaria (1942-1965)

Paulo Roberto Castor Maciel1 
http://orcid.org/0000-0001-5558-8874

1Doutorado em Ciência, Tecnologia e Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: prcastor@hotmail.com.


RESUMO

A partir de estudos históricos sobre a disciplina de Matemática no ensino secundário, verificou-se uma lacuna com relação à disciplina no ensino industrial. O objetivo do artigo é comparar matemática nos cursos técnicos da Escola Técnica Nacional com a disciplina do 2ºciclo do ensino secundário da época. Para realização da investigação, utilizou-se a história comparada e história das disciplinas escolares. As fontes de pesquisa foram os programas de Matemática, legislação e manuais didáticos. Podemos concluir que, entre as similaridades, temos a forma de ensinar e a nomenclatura de alguns dos conteúdos, e entre as diferenças, a distribuição da disciplina, a carga horária, as finalidades e os manuais.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Industrial; ETN; Estudo Comparativo

RESUMEN

A partir de estudios históricos sobre el tema de las matemáticas en la educación secundaria, se encontró una brecha en relación con la disciplina en la educación industrial. El propósito del artículo es comparar la matemática en los cursos técnicos de la Escuela Técnica Nacional con la disciplina del 2º ciclo de educación secundaria en ese momento. Para llevar a cabo la investigación, se utilizó la historia comparativa y la historia de las asignaturas escolares. Las fuentes de investigación fueron programas de matemáticas, legislación y libros de texto. Podemos concluir que, entre las similitudes, tenemos la forma de enseñar y la nomenclatura de algunos de los contenidos, y entre las diferencias, la distribución de la disciplina, la carga de trabajo, los propósitos y los manuales.

PALABRAS CLAVE: Educación industrial; ETN; Estudio comparativo

ABSTRACT

From historical studies on the subject of Mathematics in secondary education, a gap was found concerning the discipline in industrial education. The purpose of the article is to compare mathematics in the technical courses of the National Technical School with the discipline of the high school at the time. To carry out the investigation, the comparative history and history of school subjects were used. The research sources were Mathematics programs, legislation and textbooks. We can conclude that, among the similarities, we have the way of teaching and the nomenclature of some of the contents, and among the differences, the distribution of the discipline, the workload, the purposes and the textbooks.

KEYWORDS: Industrial Education; ETN; Comparative Study

Introdução

Valente (2007) investigou historicamente como a matemática se escolarizou no país durante os anos de 1730 a 1930. Para ele, desenvolveu-se no período uma matemática escolar clássica. A disciplina sofreu um processo de consolidação de um saber técnico, que estava atrelado ao conhecimento de engenheiros, para um saber da escola ligado à cultura geral. Nessa época, a disciplina de Matemática era lecionada divida em Aritmética, Álgebra e Geometria. Valente (2007) constata que foi constituída uma nova matemática escolar, fundamentada nas ideias escolanovistas, depois da década de 1930.

Com a primeira reforma educacional realizada no início da Era Vargas, as três áreas da matemática foram unificadas em uma disciplina no ensino secundário. Iniciou-se com a reforma um processo que organizou no país o ensino secundário. O curso secundário tinha dois ciclos: o primeiro era o Fundamental, com duração de cinco anos, e o curso complementar com duração de dois anos e relacionados com área que o aluno desejava entrar no ensino superior. Em 1942, a Reforma Capanema alterou algumas características no ensino secundário, dentre elas a nomenclatura dos dois ciclos e a duração. O curso do primeiro ciclo passou a se chamar ginásio e tinha quatro anos de duração. O curso do segundo ciclo ficou dividido em clássico e científico e tinha duração de três anos, e, além disso, perdeu o caráter preparatório.

O processo histórico de constituição da disciplina de Matemática no ensino secundário brasileiro, de acordo com Valente (2011), teve processos distintos, o que resultou em duas disciplinas: a Matemática do ginásio e a Matemática do colégio. A primeira disciplina “[...] tem origem na apropriação do 1º Movimento Internacional de Modernização do Ensino de Matemática , feita a partir da herança de mais de um século deixada pelos exames parcelados de aritmética, álgebra e geometria” (VALENTE, 2004, p. 16). Já a segunda disciplina teve seu processo de constituição a partir dos chamados Cursos Complementares da Reforma Francisco Campos.

A Reforma Capanema institui o ensino industrial no país por meio da Lei Orgânica do Ensino Industrial , e se propunha a formar profissionais para atuar na indústria, promover qualificação profissional aos jovens e adultos não diplomados ou habilitados, aperfeiçoar ou especializar os trabalhadores diplomados e divulgar conhecimentos de atualidades técnicas (BRASIL, 1942).

O ensino industrial adotava a mesma divisão em dois ciclos do ensino secundário. O 1º ciclo oferecia os cursos industriais básicos, com duração de quatro anos, e se articulava com o ginásio; o 2º ciclo oferecia o curso técnico, com duração de três anos, sendo equivalente ao colégio (cursos científico e clássico).

Nesta pesquisa, estamos interessados na disciplina de Matemática do colégio e do curso técnico. Como esses cursos eram oferecidos por modalidades diferentes, mas com essa disciplina em comum, levantamos a questão se tais disciplinas eram iguais ou diferentes. Para isso, pesquisamos trabalhos acadêmicos que pudessem nos auxiliar nesse primeiro levantamento. Os estudos de Alvarez (2004), Dassie (2001), Marques (2005), Otone (2011) e Oliveira Filho (2013), Pires (2004), Ribeiro (2006; 2011) e Valente (2004; 2007; 2011) nos auxiliam no processo de caracterização das disciplinas de Matemática do ensino secundário. Além desse, existem outros trabalhos que nos auxiliam nesse processo. Por outro lado, Maciel (2018) constatou que os estudos sobre a matemática no ensino industrial eram limitados a seis trabalhos acadêmicos no período que realizou sua investigação. Tais estudos apresentavam os primeiros esforços para identificar a disciplina em algumas escolas profissionalizantes ligadas ao ensino industrial.

Dessa forma, verificamos que há uma lacuna sobre a disciplina de Matemática nos cursos industriais, especialmente dos cursos técnicos. Assim, identificar quais eram os conteúdos ensinados e quais manuais didáticos eram utilizados podem contribuir para entender como a disciplina se constitui numa perspectiva histórica. Diferentemente do que ocorreu no ensino secundário os programas das escolas industriais não foram divulgados pelo governo, e, com isso, é importante compreender como tal currículo se constituiu a partir de uma escola dessa rede de ensino. Assim, identificamos programas numa escola que atualmente é o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Tal instituição sofreu diversas transformações até chegar à atual nomenclatura e na época da Reforma Capanema era conhecido como Escola Técnica Nacional (ETN) e os programas a serem analisados neste trabalho são dessa época.

Adotamos a pesquisa histórica, inserida dentro do campo da História da Educação Matemática. Pretendemos, neste artigo, analisar e comparar os conteúdos dos programas do colégio (ensino secundário) com o curso técnico (ensino industrial). Nenhuma investigação histórica deveria dispensar a ação de confrontar informações, uma vez que “[...] a introdução de novos elementos em um terreno qualquer do conhecimento sem compará-los com os já conhecidos” (CARDOSO; BRIGNOLI, 1981, p. 410).

Para realizar o método comparativo, deve se conhecer bem a temática que se pretende comparar antes de contrapor características comuns de uma determinada estrutura social com outras, ou distintas delas uma vez que é importante valorizar a individualidade e características específicas (CARDOSO; BRIGNOLI, 1981).

Chervel (1990) considera as disciplinas como criações espontâneas da escola, e não uma simples vulgarização de um saber científico. E o saber escolar é o ponto central do campo de pesquisa por ele desenvolvido. Assim, a História das Disciplinas Escolares (HDE) está inserida na História Cultural, que “[...] tem como objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 2002, p. 6).

Chervel (1990, p. 184) contribuiu para demonstrar que não há neutralidade com relação ao estudo da HDE e que “[...] ela se dedica a encontrar na própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica”. Em conformidade com essa visão da não neutralidade, entendemos que as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 2002, p. 16-17).

O conceito de disciplina inicialmente remete-nos aos conteúdos ou matérias. Chervel (1990, p. 180) caracteriza essa palavra como “[...] um modo de disciplinar o espírito e dar os métodos e regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”.

A disciplina, em uma análise histórica, acontece por meio de um processo de constituição que possui etapas que podem deflagrar a criação de uma nova disciplina, pois tal processo se dá pela análise de mudanças de conteúdos, metodologia de ensino, atividades até o momento em que essas práticas se tornam mais uniformes e em conformidade com os objetivos definidos, seja pela legislação, ou pela ação pedagógica.

A história do ensino se confronta também com o problema das finalidades da escola, em virtude de ser complexo e sutil (CHERVEL, 1990), e o estudo desse problema depende, em parte, da chamada história das disciplinas. Para o referido autor a escola em cada época recebe demandas da sociedade e isso reflete nas finalidades dessa instituição. O ensino escolar ocorre por colocar em prática os objetivos impostos e, com isso, provocar a aculturação conveniente (CHERVEL, 1990).

Os conteúdos estão presentes nos programas de ensino e nos materiais didáticos e outros recursos utilizados pelo professor. Tem-se que esses conteúdos para o referido autor são como “ entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa certa medida, de toda a realidade cultural exterior à escola” (CHERVEL, 1990, p. 180).

Goodson (1997) afirma ser necessário empreender investigações sobre currículo escolar numa perspectiva comparada. Além disso, de acordo com ele, temos que:

[...] aquilo que é necessário para compreender a estabilidade e mudanças curriculares são formas de análise que procuram examinar os assuntos internos em paralelo com as relações externas, como um modo de desenvolver pontos de vista sobre a mudança organizacional e sobre as mudanças em categorias institucionais mais amplas (GOODSON, 1997, p. 30).

Ou seja, ao realizarmos estudos sobre currículo, precisamos compreender as questões internas junto às questões externas. No caso de programas definidos para as escolas, podem ser considerados como um exemplo de interferência externa, dessa forma, podemos destacar a questão dos governos e as legislações que eram pensadas para o ambiente escolar, e a questão interna podemos colocar como professores, programas instituídos, direção, materiais didáticos.

A história da ETN

O decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, do presidente da República Nilo Peçanha, estabeleceu a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, vinculadas ao Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria.

A Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás foi criada em 1917 por meio do decreto da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. A finalidade da Escola era capacitação de mestres e contramestres para trabalharem com educação profissional e formação docente para escola primária que ensinavam trabalhos manuais para seus alunos (MACIEL, 2018). No ano de 1937, a Escola Normal teve decretado o fechamento da instituição para demolir o antigo prédio e dar lugar a instalações de um liceu. No entanto, com demora do término da construção foi instituída uma diretriz que culminou com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Industrial, em 1942. A Escola Técnica Nacional (ETN), então, foi criada a partir do Decreto nº 4127, de 25 de fevereiro de 1942, que definiu as bases de organização das instituições de ensino industrial da rede federal. O objetivo das escolas técnicas era formação para a indústria.

Em 1965, aconteceu mudança da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília e, com isso, houve mudança no nome da escola para Escola Técnica Federal da Guanabara (ETFGB). Em 1967, com o falecimento do seu diretor a instituição prestou uma homenagem modificando o nome para Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca (ETFCSF).

No ano de 1978, as novas diretrizes do ensino técnico transformaram a ETFCSF em Centro de Educação Tecnológica Federal Celso Suckow da Fonseca. Essa lei teve o intuito de verticalizar e promover a continuidade da formação industrial do nível médio ao nível superior.

Programas do Colégio

A Reforma Francisco Campos criou o Curso Complementar, segundo ciclo do ensino secundário. Tais cursos deveriam ser realizados em dois anos, com estudo intensivo e com exercícios e trabalhos práticos individuais (BRASIL, 1931). Os cursos do 2º ciclo deveriam preparar para o ingresso nos cursos de Direito, Odontologia, Farmácia e Medicina e, Engenharia e Arquitetura. Assim, consideramos que havia três tipos de Cursos Complementares: Pré-médico, Pré-Jurídico e Pré-Politécnico. Cada um desses cursos tinha uma grade de disciplinas, posto que eram voltados para o ingresso específico de determinado curso. As instituições que poderiam oferecer o curso eram as que ofereciam o ensino secundário, sob regime, de inspeção do governo. Valente (2011) afirma que, a partir de uma análise dos programas dos Cursos Complementares, foi possível perceber que os conteúdos Matemáticos eram das seguintes áreas: Álgebra, Álgebra Superior, Cálculo Vetorial, Geometria Analítica e Trigonometria.

Os conteúdos ensinados nesses cursos deram origem aos textos didáticos utilizados. Os livros didáticos produzidos nesses períodos eram escritos em duas modalidades: a primeira concebia o programa como pontos ou lições e, assim, os temas eram reunidos em um único livro; e a segunda modalidade realçava a independência dos temas. Assim, os livros cobriam um único tema.

A Reforma Capanema foi responsável por uma nova formatação do ensino secundário. A Lei Orgânica do Ensino Secundário tinha como finalidades: formação de personalidade integral do adolescente, consciência patriótica e humanística e a preparação para o ensino superior. Os cursos complementares transformaram-se no colégio, que estava dividido entre curso clássico e curso científico com duração de três anos cada um. O curso clássico dava ênfase maior à formação intelectual em Filosofia e Letras Antigas. Já o curso científico dava ênfase ao ensino de ciências.

Ao analisarmos a estrutura do curso clássico, percebemos que as disciplinas da área de humanas estavam presentes em todas as séries e que disciplinas da área científica estavam presentes a partir da 2ª série. A Matemática estava presente em todas as séries. No entanto, a carga horária da disciplina era de três horas para a 1ª e 2ª série e de duas horas para a 3ª série.

Já no curso científico, o foco estava nas disciplinas de Ciências e Matemática, e as disciplinas de humanas tinham uma carga horária menor. No curso científico, a Matemática também aparece nas três séries, e a carga horária semanal para cada uma delas era de quatro horas.

Para Romanelli (2013), é indisfarçável o caráter de cultura geral e humanístico dado aos dois cursos a partir de suas grades curriculares. Apesar de a Matemática ser considerada uma disciplina de cultura geral, notamos que havia dois programas diferentes para cada curso, com o intuito de atender às demandas específicas, tal diferença se dava pela inclusão de assuntos nos cursos científicos em comparação com o clássico.

Os programas de Matemática do colégio foram expedidos pela Portaria de nº 177, de 16 de março de 1943. Iremos apresentar a seguir os programas de Matemática do curso clássico por série e, como os dois cursos têm simetrias nos conteúdos a serem ensinados e ao final vamos indicar quais são os assuntos que tem extras no curso científico. Apresentaremos os programas das três séries nos Quadros 1, 2 e 3.

Quadro 1 Programa de Matemática da 1ª série do curso clássico 

Aritmética Teórica
Unidade I - A divisibilidade numérica: 1. Teoremas Gerais sobre divisibilidade. 2. Caracteres de divisibilidade. 3. Teorias do m.m.c. e do m.d.c. 4. Teoria dos números primos; aplicações.
Álgebra
Unidade II - Os polinômios: 1. Operações algébricas sobre polinômios. 2. Teoria da divisão de polinômio inteiro em x por x±a; regra e dispositivo prático de Briot Ruffini.
Unidade III - O trinômio do 2º grau: 1. Decomposição em fatores do 1º grau; sinais do trinômio; desigualdades do 2º grau. 2. Noção de variável e de função; variação do trinômio do 2º grau; representação gráfica.
Geometria
Unidade IV - O plano e a reta no espaço: 1. Determinação de um plano. 2. Intersecção de planos e retas. 3. Paralelismo de retas e planos. 4. Reta e plano perpendiculares. 5. Perpendiculares e oblíquas de um ponto a um plano. 6. Diedros; planos perpendiculares entre si. 7. Noções sobre ângulos poliédricos.
Unidade V - Os poliedros: 1. Noções gerais. 2. Estudo dos prismas e pirâmides e respectivos troncos; áreas e volumes desses sólidos.

Fonte: Brasil (1943).

O programa da 1ª série do clássico estava dividido em: Aritmética Teórica, Álgebra e Geometria. O programa do curso científico tinha os mesmos conteúdos do Quadro 1, mas havia uma diferença dos assuntos na parte referente à Aritmética Teórica, pois havia a inserção dos assuntos: Operações Aritméticas Fundamentais e Números Fracionários. A carga horária dos dois cursos era a mesma.

Quadro 2 Programa de Matemática da 2ª série do curso clássico 

Álgebra
Unidade I - Progressões e logaritmos: 1. Estudo das progressões aritméticas e geométricas. 2. Teoria dos logaritmos; uso das tábuas aplicações. 3. Resolução de algumas equações exponenciais simples.
Unidade II - Binômio de Newton: 1. Noções sobre análise combinatória. 2. Binômio de Newton.
Geometria
Unidade III - Os corpos redondos: 1. Noções sobre geração e classificação das superfícies. 2. Estudo do cilindro e do cone: áreas e volumes desses sólidos. 3. Estudo da esfera; área da esfera, da zona e do fuso esférico; volume da esfera.
Trigonometria
Unidade IV - Vetor: 1. Grandezas escalares e vetoriais. 2. Noção de vetor; equipolência.3. Resultante ou soma geométrica de vetores. 4. Vetores deslizantes sobre um eixo; medida algébrica; Teorema de Chasles.
Unidade V - Projeções: 1. Projeção ortogonal de um vetor sobre um eixo. 2. Teoremas de Carnot. 3. Valor da projeção de um vetor.
Unidade VI - Funções Circulares 1. Generalização das noções de arco e de ângulo; arcos côngruos; arcos de mesma origem e extremidade associadas. 2. Funções Circulares ou trigonométricas: definições, variação, redução ao primeiro quadrante. 3. Relações entre as funções circulares de um mesmo arco. 4. Cálculo das funções circulares de um mesmo arco. 4. Cálculo das funções circulares dos arcos de 30°, 45° e 60°.
Unidade VII - Resolução de triângulos: 1. Relações entre os elementos de um triângulo. 2. Uso das tábuas trigonométricas 3 Resolução de triângulos retângulos.

Fonte: Brasil (1943).

O programa da 2ª série do curso clássico possuía assuntos de: Álgebra, Geometria e Trigonometria. O programa do curso científico dava ênfase dos assuntos matemáticos. Havia presença de assuntos que não estavam no curso clássico, dentre os quais função exponencial, determinantes e transformações trigonométricas. A carga horária para os dois cursos fixada por lei também era a mesma nessa série.

Quadro 3 Programa de Matemática da 3ª série do curso clássico 

Álgebra
Unidade I - Funções: 1. Noção de função de variável real. 2. Representação cartesiana. 3. Noção de limite e de continuidade.
Unidade II - Derivadas; 1. Definição; interpretação geométrica e cinemática. 2. Cálculo das derivadas 3. Derivação das funções elementares. 4. Aplicação à determinação dos máximos e mínimos e ao estudo da variação de algumas funções simples.
Geometria
Unidade III - Curvas usuais: 1. Definição e propriedades fundamentais da elipse, da hipérbole e da parábola. 2. As secções cônicas. 3. Definição e propriedades fundamentais da hélice cilíndrica.
Geometria Analítica
Unidade IV - Noções fundamentais: 1. Concepção de Descartes. 2. Coordenadas; abscissas sobre a reta; coordenadas retilínea no plano. 3. Distância de dois pontos; ponto que divide um segmento numa razão dada. 4. Determinação de uma direção; ângulo de duas direções.
Unidade V - Lugares Geométricos: 1. Equação natural de um lugar geométrico; sua interpretação. 2. Passagem da equação natural para a equação retilínea retangular. 3. Equação da reta. 4. Equação do círculo. 5. Equações reduzidas da elipse, da hipérbole e da parábola.

Fonte: Brasil (1943).

O programa da 3ª série do curso clássico estava estruturado em: Álgebra, Geometria e Geometria Analítica. Entre os conteúdos estudados, destacavam-se os ligados ao estudo de funções, derivadas, cônicas e as equações de retas e das cônicas em que há uma ligação forte entre a Álgebra e Geometria. Nessa série, o estudo mais aprofundado de funções deveria ser realizado. Além disso, a Geometria Analítica estava presente, assim como a Equação de Retas e Círculos.

O programa da 3ª série do curso científico estava estruturado da mesma forma que o clássico. No entanto, nessa modalidade de curso, havia cinco unidades a mais, com a inserção dos seguintes conteúdos: Séries, Números Complexos, Equações Algébricas, Transformações de Equações e Relações Métricas. A carga horária prevista para essa série do curso científico era o dobro do curso clássico.

Ao analisarmos os programas de Matemática dos dois cursos, percebemos que a estrutura de ambos era muito parecida, apesar de algumas inserções de conteúdos no curso científico, tanto que os livros didáticos da época eram os mesmos para os dois tipos de cursos.

Em 1951, com a instituição dos Programas Mínimos realizados pelo Ministro Simões Filho, os cursos clássico e científico sofreram uma reorganização de conteúdos, assim como já mencionamos a respeito do curso ginasial.

A Portaria de nº 966, de 2 de outubro de 1951, estabeleceu os conteúdos para os dois cursos, indicou instruções metodológicas e redefiniu a carga horária da disciplina de Matemática, que passou a ser de 3 horas semanais para os dois cursos em todas as séries. Poucas foram as diferenças mantidas na disciplina dos cursos e, com isso, os programas eram quase similares.

Os dois cursos ficaram estruturados da seguinte forma: 1ª Série: Aritmética, Álgebra e Geometria; 2ª Série: Álgebra e Trigonometria e 3ª Série: Álgebra (OTONE, 2011). Em cada série, os conteúdos dos dois cursos apareciam num único programa, diferente do que aconteceu com a Reforma Capanema. Havia, assim, uma única distribuição. Segundo Otone (2011), verificou-se que os conteúdos estavam dispostos de maneira a serem ensinados com uma única série, passando a Matemática a ser mais homogênea em nível de proposta curricular para os dois cursos. Tal conformação se aproximava da prática que estava sendo realizada no final da década de 1940. A partir do programa mínimo, os livros didáticos foram reeditados para atender a essas demandas.

Programa de Matemática nos cursos técnicos

Os cursos técnicos foram constituídos por disciplinas: de cultura geral e de cultura técnica, além das práticas educativas. Durante dos anos de 1942 até 1959, a distribuição da grade curricular seguia as orientações dadas pela Lei Orgânica do Ensino Industrial e das Portarias nº 162, de 1º de março de 1943, e nº 163, de 13 de março de 1943. Em 1959, com a mudança da legislação as instituições do ensino industrial ganharam maior autonomia.

A matemática nos cursos técnicos tinha duas disciplinas de cultura diferente. A primeira disciplina chamada de Matemática era ofertada apenas na 1ª série, com uma carga horária de cinco horas semanais. A outra disciplina era chamada de Complementos de Matemática e que era oferecida apenas em alguns cursos técnicos. Esse fato nos permite abrir uma discussão sobre a disciplina como um conhecimento que estava ligado à cultura geral e à cultura técnica no Ensino Industrial. Tal fato remete-nos à temática da tese, que tem como investigação analisar se a Matemática era a mesma disciplina presente nos cursos secundários ou uma disciplina diferente. Essa discussão nos permite questionar o papel da matemática nos cursos industriais e se ela seguia um padrão mais voltado para a prática nas oficinas. E, com isso, questionamo-nos como seriam pensados os programas dos cursos técnicos, uma vez que teríamos duas situações: curso que só tinha a disciplina de Matemática e curso que tinha a disciplina de Matemática e a disciplina de Complementos de Matemática.

Encontramos programas para tais cursos em dois documentos. O primeiro documento foi o Relatório da ETN de 1946, e o outro documento foi o programa do Curso Industrial Técnico de Máquinas e Motores de 1964.

No relatório de 1946, encontramos três programas: um programa da disciplina de Matemática, um programa de complementos de Matemática e um programa para Matemática e Complementos de Matemática do Curso Técnico de Aeronáutica. De acordo com o documento, como não havia sido enviada nenhuma proposta da Divisão de Ensino Industrial (DEI) para esse tipo de curso, foram os professores da instituição que os organizaram. Um ofício encaminhado da DEI para ETN por Francisco Montojos menciona que o programa enviado pela Escola seria apresentado às outras escolas técnicas em caráter experimental. Não foi possível localizar a proposta curricular enviada da DEI para as escolas técnicas.

Os cursos técnicos de Eletrotécnica, Desenho Técnico, Edificações e Decoração de Interiores tinham o mesmo programa de Matemática na ETN. A seguir, apresentamos o programa desta disciplina.

Quadro 4 Programa de Matemática dos cursos técnicos 

Álgebra
1. Trinômio do 2º grau; determinação das suas raízes; variação dos sinais e do trinômio; representação gráfica. 2. Trinômio biquadrado. 3. Equações Irracionais. 4. Sistemas de equações do segundo grau. 5. Progressões aritméticas e geométricas. 6. Teoria dos logaritmos; juros compostos e anuidades.
Trigonometria
1. Circunferência orientada; grau, grado e radiano. 2. Funções Trigonométricas: definições, variação dos sinais e dos valores; representação gráfica. 3. Determinação dos valores das funções de arcos simples. 4. Redução ao primeiro quadrantes. 5. Fórmulas fundamentais. 6. Determinação das funções de qualquer arco. 7. Operações sobre arcos. 8. Transformações logarítmicas. 9. Resolução de triângulos retângulos. 10. Resolução de triângulos obliquângulos.
Análise Algébrica
1. Análise combinatória; binômio de Newton. 2. Noções sobre limites; funções contínuas. Teoria das derivadas; derivadas das funções elementares. 3. Funções Crescentes e decrescentes; máximos e mínimos. 4. Noções de integral: conceito de integral, primitivas imediatas; integração por decomposição, por substituição e por partes. 5. Integrais definidas; cálculo das áreas.

Fonte: Relatório (1946, p. 73-74).

Identificamos o programa estruturado com três áreas: Álgebra, Trigonometria e Análise Algébrica. Os conteúdos dessas áreas eram comuns a todos os cursos técnicos oferecido pela instituição. Além disso, é fácil observar que, para tais cursos, havia conteúdos de Cálculo Diferencial e Integral.

A disciplina de Complementos de Matemática era oferecida nos seguintes cursos da ETN: os cursos de eletrotécnica, edificações e construções de máquinas e motores. Vale ressaltar que tal disciplina estava inserida no rol de disciplinas de cultura específica. A seguir, apresentamos o programa:

Quadro 5 Programa de Complementos de Matemática 1946 

Cálculo Vetorial
1. Grandezas escalares e vetoriais; vetor; natureza dos vetores.
2. Soma de um vetor com um ponto; adição e subtração de vetores.
3. Produto de um número real por um vetor; versor de um vetor; projeção de um vetor.
Representação de um vetor mediante dois outros; representação de um vetor por três outros; triedros de referência.
6. Produto escalar; propriedades e expressão analítica do produto; ângulo de dois vetores.
7. Produto vetorial de dois vetores; construção do produto vetorial; propriedades do produto e expressão analítica do produto; ângulo de dois vetores.
Noções De Geometria Analítica
1. Sistemas de eixos, determinação de um ponto e de uma direção.
2. Distância entre dois pontos; divisão de um segmento numa razão dada.
3. Linha reta: representação da reta; diversas formas da equação da reta; interseção de retas; distância de um ponto a uma reta; centro de gravidade de um triângulo; equação das retas que passa por dois pontos.
4. Circunferência: equação da circunferência; interseção de uma circunferência com uma reta e com outra circunferência.
5. Elipse: equação da elipse; interseção com uma reta e com os eixos; equação da tangente.
6. Hipérbole: equação da hipérbole; interseção com uma reta e com os eixos; equação da tangente.
7. Parábola: equação da parábola: interseção com uma reta e com os eixos; equação da tangente.

Fonte: Relatório (1946, p. 74).

Esse programa está dividido em duas áreas: Cálculo Vetorial e Geometria Analítica. Ao analisar os conteúdos, verificamos que eles fazem parte de uma cultura geral da Matemática. Não vemos informações que nos remetam a questões específicas de profissões do curso técnico, pelo menos não aparentemente. A organização dos dois programas foi realizada pelo professor da ETN João Dias dos Santos Júnior.

O programa de Matemática e de Complementos de Matemática do curso de Construção Aeronáutica era apresentado como um único programa para as duas disciplinas. Dessa forma, verificamos a diferença entre a estrutura do programa com os demais cursos. Além disso, inicialmente, o corpo docente desse curso não fazia parte da instituição. A seguir, apresentamos o programa unificado (Quadro 6).

Quadro 6 Programa de Matemática e Complementos de Matemática do curso técnico de Construção Aeronáutica (1946) 

Revisão De Aritmética E Álgebra.
a) Operações fundamentais. Potências e raízes. Divisibilidade. Múltiplos e submúltiplos. Números primos. M.D.C. e M.M.C. b) Frações. Operações sobre frações; c) Números complexos. Sistema métrico e sistema inglês de pesos e medidas. Razões e proporções. Grandezas proporcionais. d) Álgebra. Conceitos, definições. Expressões algébricas. Operações algébricas: adição, subtração e multiplicação de polinômios. Produtos notáveis: potências de monômios e polinômios. Raízes de monômios. e) Divisão por um monômio e por x±a, Fatoração. Max. Divisor comum e mínimo múltiplo comum. Frações algébricas. f) Equações do 1º grau com uma incógnita. Desigualdades. Inequações. Equações lineares com duas incógnitas. Sistemas de equações.
Álgebra
a) Equações lineares com três e mais incógnitas. Determinantes. b) Representação gráfica das equações. Equações do 2º grau. Números complexos. c) Progressões aritméticas. Progressões geométricas e harmônicas. d) Decomposição de frações (primeiro caso). e) Binômio de Newton- Análise combinatória. Termo geral do binômio de Newton. f) Limites. Noções sobre séries. Séries: convergente, divergente e alternada- Critérios de convergência. g) Logaritmos: introdução, definição, operações, propriedades. Diferentes sistemas de logaritmos; mudança de base. Logaritmos decimais. Uso de tábuas. Noção sobre equações exponenciais.
Geometria Plana
a) Introdução; definições. Reta e ângulos. b) Relações métricas dos triângulos (retângulos e obliquângulos). c) Relações métricas no círculo. d) Polígonos Regulares. Retificação da circunferência. Áreas.
Geometria No Espaço
a) Intersecção de retas e planos. Reta e plano perpendiculares. Ângulos diedros. Planos perpendiculares. b) Projeção de uma reta sobre um plano. Projeção de uma área plana. c) Ângulos poliédricos. Poliedros: noções gerais, definições. Prisma: área lateral, volume. Paralelepípedo. Pirâmide: área lateral das pirâmides regulares, volume. Tronco de pirâmide; tronco de prisma; volumes. d) Corpos redondos: noções gerais, definições. Superfícies cilíndricas, cônicas e de revolução. Cilindro. Cilindro de base circular: superfície lateral, volume. Cone de revolução: superfície lateral; volume. Tronco de cone de revolução: superfície lateral; volume. Esfera: generalidades; superfície e volume. e) Simetria, homotetia e semelhança.
Régua De Cálculo
a) Teoria. b) Escalas comuns. Multiplicação, divisão, potências (quadrado, cubo), raízes logaritmos. c) Escalas especiais e particularidades de alguns tipos de réguas. Escalas LL1-LL2 - LL3 - LL0 - LL00. Operações combinadas.
Trigonometria
a) Introdução, arcos e ângulos, Medida de ângulos; medida em radianos. Conversões. b) Funções trigonométricas. Funções de ângulos importantes. Ângulos quaisquer. Redução ao 1º quadrante. c) Tábuas: em radianos, das funções trigonométricas, logarítmicas (disposição e emprego) d) Relações entre as funções. Relações fundamentais. Adição e subtração de arcos. Funções da soma e diferença de ângulos. Multiplicação e divisão de arcos. e) Transformação de somas em produtos. Funções de ângulos em termos de funções da metade e do dobro do ângulo. f) Relações pitagóricas. Identidades. Equações trigonométricas. g) Resolução de triângulos retângulos. Introdução. Fórmulas. Casos clássicos. Solução de triângulos usando a régua de cálculo. h) Uso da régua de cálculo para determinação de ângulos pequenos e em problemas sobre vetores. i) Resolução de triângulos quaisquer. Fórmulas. Leis dos senos e dos cossenos. Fórmula geral para o cálculo da área de um triângulo. Casos clássicos de resolução dos triângulos obliquângulos. j) Noções sobre representações geométricas e trigonométricas dos imaginários e sobre a fórmula de Moivre

Fonte: Relatório (1946, pp. 110-111).

O programa do Quadro 6 está dividido em seis áreas: Revisão de Aritmética e Álgebra, Álgebra, Geometria Plana, Geometria no Espaço, Regra de Cálculo e Trigonometria. Reparamos que tal programa não é a junção dos programas dos outros cursos técnicos da ETN (Quadro 4 e Quadro 5). Ele possui uma quantidade maior de conteúdos e de detalhamento. O curso para o qual ele foi destinado exigia uma grande demanda.

Esse curso foi ofertado, inicialmente, em convênio com o Escritório Técnico de Aeronáutica dirigido pelo engenheiro Luiz Felipe Marques (Relatório da ETN, 1946). O contrato assinado pelo escritório e pelo MEC garantia que fosse paga uma quantia pela hora aula, sendo estabelecida a carga horária de 840 horas das disciplinas de cultura técnica no 1º ano, 1.000 horas pela 2º série, e 1.040 horas pela 3ª séria, com total de 2.880 horas. Identificamos que a disciplina de Matemática também foi dada pelo escritório, e as outras disciplinas de cultura geral foram lecionadas por docentes da ETN.

A grade curricular desse curso foi estruturada por períodos trimestrais, e, a fim de facilitar a comparação com os cursos norte-americanos, a quantidade de aulas de cada disciplina também seguia o padrão norte-americano. O curso da Escola seguia o padrão do curso de Bachelor of Science de Engenharia Aeronáutica oferecido nos Estados Unidos da América (EUA), ofertado depois do ensino secundário (RELATÓRIO da ETN, 1946; ABRANCHES, 1958). Contudo, as disciplinas lecionadas na ETN não tiveram a mesma eficiência devido à falta de materiais e laboratórios próprios.

O curso teve uma baixa procura, formando apenas 25 técnicos nos dez anos (1946-1956) em que foi oferecido. Abranches (1958) identifica duas razões para esse resultado: o primeiro fator foi o alto grau de aproveitamento exigido no curso, tendo várias desistências; o segundo foi que a indústria aeronáutica não absorvia esse número de técnicos formados. A Fábrica Nacional de Motores (FNM) foi inaugurada em 1942, mas não logrou êxito na sua proposta de construção de motores para avião e, posteriormente, com a manutenção de aeronaves, que, segundo Abranches (1958), eram modelos projetados e ensaiados fora do país. Logo depois, a fábrica começou a atuar em outras áreas.

Em 1959, a ETN ganhou maior autonomia com o decreto nº 47038 de 1959. Por conseguinte, a disciplina teve também maior liberdade e parte dessas decisões passou pelo Conselho de Representantes e Conselho de Professores. No entanto, identificamos no arquivo do CEFET/RJ uma proposta de programa sugerindo que a disciplina de Matemática fosse oferecida em duas séries (ATA, 1963).

Após 1964, notamos que não havia mais distinção da disciplina de matemática entre os cursos técnicos da ETN e existia apenas um único programa. O programa dessa nova formatação foi encontrado no documento Programas do Curso Industrial Técnico de Máquinas e Motores.

Apresentamos, a seguir, o programa de Matemática da 1ª série dos cursos técnicos de 1964.

Quadro 7 Programa de Matemática da 1ª série dos cursos técnicos (1964) 

Algebra
1.1 Progressões Aritméticas. 1.2 Progressões Geométricas. 1.3 Função Exponencial. 1.4 Função Logarítmica. 1.5 Teoria dos Logaritmos. Uso de Tábuas. 1.6 Equações Exponenciais. 1.7 Juros Compostos, Capitalização e amortização. 1.8 Régua de Cálculo e seu manejo.
Geometria No Espaço
2.1 Prisma. 2.2 Pirâmide. 2.3 Cilindro. 2.4 Cone. 2.5 Esfera e suas partes.
Trigonometria
3.1 Noções rudimentares sobre cálculo vetorial. 3.2 Circunferência orientada, grau, grado e radiano.
3.3 Arcos de extremidades associadas. 3.4 Funções Trigonométricas; definições, variação em sinal e valor, representação gráfica. Arcos de mesma função. 3.5 Determinação dos valores das funções de arco simples. 3.6 Redução ao primeiro quadrante. 3.7 Fórmulas fundamentais, fórmulas decorrentes.
3.8 Determinação das função de qualquer arco. 3.9 Operações sobre arcos. 3.10 Transformações logarítmicas. 3.11 Resolução de triângulos retângulos. 3.12 Resolução de triângulos quaisquer.3.13 Equações trigonométricas simples.

Fonte: Programas (1964, p. 13).

Esse programa estava estrutura em três áreas: Álgebra, Geometria no Espaço e Trigonometria. Ele apresenta um novidade no currículo da Escola que é a inserção da geometria espacial. Na área de Álgebra, foram inseridos os conteúdos de Função Exponencial e Equação Exponencial.

Segue o programa da 2ª série (Quadro 8) dos cursos técnicos da ETN:

Quadro 8 Programa de Matemática dos cursos técnicos da 2ª série (1964) 

Análise Algébrica
1.1 Análise Combinatória. Binômio de Newton.1.2 Teoria elementar dos determinantes. 1.3 Números complexos. 1.4 Noções sobre limites. Funções contínuas. 1.5 Derivadas. Derivadas das funções elementares. 1.6 Funções Crescentes e decrescentes. Máximos e Mínimos. Estudo gráfico de funções.
1.7 Noção de integral; conceito de integral; primitivas imediatas; integração por decomposição, por substituição e por partes.
Geometria Analítica
2.1 Concepção de Descartes. 2.2 Noções gerais de sistemas de coordenadas. 2.3 Relação entre coordenadas cartesianas, retangulares e polares. 2.4 Distância entre dois pontos. 2.5 Coordenadas do ponto que divide uma reta numa razão dada. Baricentro do triângulo. 2.6 Determinação de uma direção.
2.7 ângulo de duas direções. 2.8 Área do Triângulo. 2.9 Reta. 2.10 Transformação de coordenadas.
2.11 Circunferência. 2.12 Elipse. 2,13 Hipérbole. 2.14 Parábola. 2.15 Interseções.

Fonte: Programas (1964, p. 13).

O programa da segunda série tem conteúdos do programa de Matemática e de Complementos (Quadros 4 e 5). Aparentemente, quase todos os conteúdos foram assimilados pela nova disciplina de Matemática, com exceção de Cálculo Vetorial.

O ensino da disciplina na ETN dos cursos técnicos ocorreu utilizando apostilas produzidas pela instituição. Encontramos no Arquivo do CEFET/RJ apenas a apostila de Trigonometria. Posteriormente, a escola publicou uma coleção de livros do professor Arlindo Clemente, chamada de Matemática para Cursos Técnicos Industriais (Maciel, 2018). Tal coleção foi uma compilação do material produzido pelo professor na ETN, uma vez que no livro o conteúdo de Trigonometria era idêntico ao da apostila. Além disso, o autor produziu outros livros de Matemática, que não conseguimos localizar, mas que indicavam os outros conteúdos da coleção e que podem ter sido idênticos, como no caso da apostila citada.

No que diz respeito à forma de apresentação dos conteúdos, havia uma introdução dos conteúdos por meio de definições, explicações ou teoremas, seguidos por exemplos e depois por exercícios diretos e no mesmo formato dos exemplos e explicações (MACIEL & FACHADA, 2019).

Comparando os programas

Para realizarmos a comparação dos programas, consideramos importante a consideração de Cardoso e Brignoli (1981), que afirma ser necessário conhecer aquilo que se compara. Dessa forma, consideramos importante, além da análise dos programas, conhecer a estrutura de cada curso definida pela legislação, os conteúdos e os programas de cada e os livros e práticas pedagógicas.

Começamos nossa análise a partir da estrutura de cada curso. De acordo com a Lei Orgânica do Ensino Secundário, as finalidades dessa modalidade eram: formar a personalidade integral dos adolescentes, acentuar a elevar formação espiritual, consciência patriótica e consciência humanista, e dar preparação intelectual para seguir em estudos superiores (BRASIL, 1942b). Por outro lado, a Lei Orgânica do ensino industrial tinha como finalidades: formar profissionais para exercício de atividades industriais, dar formação para jovens e adultos trabalhadores da indústria, aperfeiçoamento dos trabalhadores e divulgação de conhecimentos de atualidades técnicas (BRASIL, 1942a). Nesse item, verificamos que a formação de um era voltada para formação mais humanística e preparatória para o nível superior. já a segunda era voltada para profissionalização na indústria.

Com relação à distribuição da disciplina na grade curricular do colégio, estava distribuída pelas três séries e com uma carga horária de três horas semanais. Já a distribuição da disciplina no currículo do curso técnico estava concentrada inicialmente no primeiro ano, e que havia duas disciplinas uma de cultura geral e a outra de cultura técnica.

Com relação aos programas, o do ensino secundário foi determinado pela Portaria nº 177, de 16 de março de 1943; já o programa do curso técnico pela lei deveria ter seguido o mesmo esquema, mas, consultando a documentação da ETN, verificamos que não foi enviado nenhum programa por parte do setor responsável. Dessa forma, os professores dessa instituição tiveram de fazer o programa que foi encontrado no Relatório de 1946 da instituição, e que foi divulgado e possivelmente pode ter sido modelo para as outras instituições.

Ao compararmos o programa de Matemática dos cursos técnicos (Quadro 4) com os programas apresentados para os cursos científico e clássico, tanto da Reforma Capanema quanto o programa mínimo de 1951, percebemos grandes diferenças. Especialmente por uma grande quantidade de conteúdos que não eram contemplados no programa da ETN. As áreas que sequer apresentavam quaisquer conteúdos eram a de Aritmética Teórica, Geometria Plana, Geometria Espacial e Geometria Analítica. Alguns outros conteúdos explícitos como Polinômios e Cônicas não faziam parte da grade.

Os conteúdos do programa da disciplina de Complementos de Matemática (Quadro 5), estavam inseridos nos programas do colégio de 1943 e 1951, no entanto, como já mencionamos, essa disciplina não era oferecida para todos os cursos técnicos, não existindo, assim, uma uniformidade entre os próprios cursos técnicos no que tange aos conteúdos matemáticos ensinados. A disciplina era cultura técnica. Ainda que somássemos os conteúdos da disciplina de Matemática e Complementos, não teríamos os mesmos conteúdos explícitos do colégio. Percebemos que a ênfase da disciplina era em Cálculo Vetorial e em Geometria Analítica.

O programa do curso de construção aeronáutica (Quadro 6) possuía conteúdos mais próximos aos dos cursos científico e clássico do que o programa dos outros cursos técnicos. Todavia, notamos que o programa não contemplava todos os conteúdos do ensino secundário. Assuntos como Secções Cônicas não apareciam nesse programa da Escola, por exemplo os conteúdos estavam divididos em Revisão de Aritmética e Álgebra, Álgebra, Geometria Plana, Geometria Espacial, Régua de Cálculo e Trigonometria. Não encontramos outras informações, além dessas sobre essa disciplina no âmbito dos arquivos da ETN, devido ao fato de a disciplina ter sido oferecida pelo Escritório Técnico de Aeronáutica contratado para lecionar as aulas.

Já os programas do curso técnico de 1964 (Quadros 7 e 8) tinham os conteúdos inseridos no programa do colégio, porém não representavam a totalidade de assuntos abordados nos programas do clássico e científico. Havia os que não estavam inseridos nesse programa, como alguns de Geometria Plana e Geometria Espacial, por exemplo Retas e Planos.

A proposta apresentada nesses programas de 1964 (Quadros 6 e 7) entra um pouco em conformidade com que Cunha (1990) afirma em relação aos cursos secundários e técnicos que se aproximaram na constituição de um único ensino secundário. Contudo, no programa da ETN, percebemos que a Matemática ainda não estava presente nas três séries e a quantidade de aulas também acabava por ser diferente.

Analisando os conteúdos apresentados nos programas da ETN, verificamos que eles não são iguais aos dos cursos secundários com os quais deveriam se articulavam, de acordo com a legislação vigente na época. Constatamos uma série de assimetrias, como disciplinas de naturezas diferentes, cursos que tinham duas disciplinas de Matemática e outros que tinham uma única, além de programas diferentes para determinado curso. Não existia uniformidade de conteúdos dentro da própria escola, e havia indícios de que era uma disciplina diferente da Matemática do colégio.

De acordo com Maciel (2018), a forma de exposição dos conteúdos é basicamente a mesma: introdução, exemplos e exercícios. Além disso, verificou-se que o número de páginas dos livros do curso técnico comparado com os do curso secundário era bem menor. Além disso, os tipos de exercícios para os temas similares também eram diferentes. Geralmente, nos manuais do secundário, havia uma diversidade de exercícios com atividades diretas e problemas. Já nos manuais do ensino industrial, havia uma ênfase em algum tipo de exercício.

Considerações Finais

Ao realizarmos a comparação dos programas dos cursos técnicos e do colégio, percebemos a necessidade de comparar a legislação e manuais didáticos, para fazer uma compreensão da disciplina. Assim, percebemos que havia similaridades e diferenças.

Entre as similaridades, destacamos que os conteúdos comuns tinham a mesma nomenclatura e forma de exposição dos conteúdos.

No que se refere às diferenças, podemos citar: a distribuição nas séries de cada curso, a quantidade de conteúdos não é a mesma, as finalidades previstas na lei identificam propostas diferentes, utilização de manuais didáticos próprios para cada uma das modalidades.

Assim, constatamos que a disciplina de Matemática na ETN se deu por apropriações da disciplina do ensino secundário, mas notamos a construção de uma representação própria para a modalidade à qual ela estava atrelada.

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Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

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