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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-16 

DEMANDA CONTÍNUA

Aprender ensinando e a possibilidade de ativar os mecanismos de monitoramento e controle da própria compreensão: estudo envolvendo futuros professores

Aprendizaje mediante la enseñanza y la posibilidad de activar los mecanismos de seguimiento y control de la propia comprensión: un estudio con futuros docentes

Cleci Teresinha Werner da Rosa1 
http://orcid.org/0000-0001-9933-8834

Luiz Marcelo Darroz2 
http://orcid.org/0000-0003-0884-9554

Jean Carlos Nicolodi3 
http://orcid.org/0000-0002-4999-104X

1Doutora em Educação Científica e Tecnológica. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: cwerner@upf.br.

2Doutor em Educação em Ciências. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: ldarroz@upf.br.

3Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: 153754@upf.br.


RESUMO

Este trabalho se ocupa de analisar a atividade de aprender ensinando, particularmente relacionado à sua potencialidade para identificar incompreensões e incertezas do conhecimento. A partir de um estudo envolvendo participantes de um projeto de aulas de monitoria em uma universidade brasileira, a investigação analisou a tomada de consciência destes alunos em termos do favorecimento da estruturação das aulas para identificar lacunas de aprendizagem. A investigação recorreu a entrevistas para responder ao questionamento central: o ato de ensinar na forma de monitoria oportuniza ao seu executor uma reflexão metacognitiva? A metacognição foi entendida como a capacidade dos sujeitos de monitorar e controlar suas compreensões, o que pode ser associado à identificação de incompreensões e incertezas do conhecimento. Os resultados apontaram que os estudantes apoiadores veem na atividade a oportunidade de aprender, sobretudo, no momento em que estão explicando o conteúdo. Além disso, o estudo explicita a importância de identificar lacunas de compreensão como forma de qualificar a aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Incompreensões e incertezas do conhecimento; Metacognição; Aprendizagem em Física

RESUMEN

Este artículo analiza la actividad de aprendizaje mediante la enseñanza, particularmente en relación con su potencial para identificar el desconocimiento y la incomprensión. A partir de un estudio que involucró a participantes de un proyecto de clase de monitoreo en una universidad brasileña, la investigación analizó la conciencia de los estudiantes en términos de favorecer la estructuración de las clases para identificar brechas de aprendizaje. La investigación recurrió a entrevistas para responder a la pregunta central: ¿el acto de enseñar en forma de monitoreo proporciona a su intérprete una reflexión metacognitiva? La metacognición se entendía como la capacidad de los sujetos para monitorear y controlar sua comprensión del conhecimento, lo que puede asociarse con la identificación de desconocimiento y la incomprensión del conocimiento. Los resultados mostraron que los estudiantes de apoyo ven en la actividad la oportunidad de aprender, especialmente cuando explican el contenido. Además, el estudio hace explícita la importancia de identificar las brechas de comprensión como una forma de calificar el aprendizaje.

PALABRAS CLAVE: Desconocimiento y incomprensión del conocimiento; Metacognición; Aprendizaje de física

ABSTRACT

This study focuses on analyzing the activity of learning while teaching, particularly relating its potential for identifying knowledge misunderstandings and uncertainties. From a study involving the participants of a project of monitoring classes in a Brazilian university, the investigation analyzed the awareness of such students in terms of favoring a class structure directed to identify learning gaps. The investigation used interviews to answer the following main question: Does the act of teaching in the form of monitoring allow its executor a metacognitive reflection? Metacognition was understood as the ability of subjects to monitor and control their understandings, which may be associated with the identification of knowledge misunderstandings and uncertainties. The results indicate that supporting students consider the activity a learning opportunity, especially when they are explaining the content. Moreover, the study indicates the importance of identifying understanding gaps as a way to qualify learning.

KEYWORDS: Knowledge misunderstandings and uncertainties; Metacognition; Physics learning

Introdução

A busca por metodologias que evidenciem o papel ativo do aluno no processo de aprendizagem, promovendo a construção do conhecimento, é assunto recorrente nas pesquisas da área educacional (BERBEL, 2011). Dentre essas metodologias estão o Ensino Sob Medida, Instrução pelos Colegas, Aprendizagem Baseada em Times, Aprendizagem Baseada em Projetos e outras, como evidenciado por Mota e Rosa (2018). Somado a essas, têm-se as metodologias centradas na explicação aos pares ou aos colegas, das quais se destaca o Learning by teaching que, em uma tradução livre, seria “Aprendizagem pelo Ensino”. Nessa metodologia, a ênfase está em oportunizar que os alunos expliquem os conteúdos aos colegas e construam aprendizagens pelo ensino, reestruturando sua compreensão, inclusive podendo sanar possíveis equívocos ou lacunas de sua própria aprendizagem.

Aprender ensinando, como é o caso do Learning by teaching, não chega a representar uma novidade, uma vez que é de conhecimento comum que ao ensinar algo se está aprendendo. Ou, como mencionava Sêneca, um dos mais importantes filósofos e escritores do Império Romano: “Ensinar é aprender” (DURAN, 2016). Entretanto, sua utilização como estratégia de ensino tem ganhado força a partir das metodologias ativas, nas quais o aluno passa a ser protagonista no processo de construção do conhecimento e deve assumir a condição de produtor ativo e avaliador de sua própria aprendizagem. O autor ao realizar uma revisão em estudos vinculados a essa abordagem metodológica voltada a aprender ensinando, destaca que ela tem uma função dupla, oportunizando aprendizagem tanto para quem ensina, como para aquele que está sendo ensinado. E, ainda, ao focar nos benefícios para aquele que ensina, o autor acrescenta que “quanto mais complexa é a atividade de ensino, mais oportunidades existem para aprender ensinando” (DURAN, 2016, p. 1, tradução nossa).

Portanto, o ato de ensinar, de explicar algo ao outro, representa uma oportunidade de aprendizagem, justificando a relevância da incorporação dessa metodologia nas salas de aulas dos diversos níveis de ensino - do básico ao superior. Tal direcionamento oportuniza aos alunos aprenderem ensinando aos seus colegas, por meio de atividades como monitorias, tutorias, aulas de reforço ou apoio, dentre outras. O fato de estar ensinando algo pressupõe a ativação de um conjunto de estruturas cognitivas que podem favorecer o processo de tomada de consciência sobre o próprio conhecimento ou, alternativamente, a falta dele. Em outras palavras, ensinar possibilita avaliar o próprio conhecimento, regular e controlar o pensamento, e com isso surge a possibilidade de identificar incompreensões e incertezas (WERNER DA ROSA; OTERO, 2018).

A capacidade de identificar aquilo que se sabe e o que não se sabe está associada à capacidade de monitorar e controlar a própria compressão, como assinalado por Otero e Ishiwa (2014), o que tem se revelado particularmente interessante quando se trata de conhecimento que aparentemente já estaria compreendido pelo sujeito. Jaeger et al. (2001) mostram que a ignorância e o desconhecimento aumentam à medida que o conhecimento aumenta. Tal afirmação permite compreender que, embora alunos de graduação, por exemplo, tenham sido aprovados em disciplinas do seu curso, no momento em que forem explicar esse conteúdo a outros, poderão se dar conta de aspectos vinculados ao conteúdo que no decorrer da realização da disciplina não foi identificado. Portanto, realizar atividades como monitoria (aulas de apoio) pode ser uma oportunidade de avaliar os próprios conhecimentos.

A partir dessa identificação e estabelecendo como recorte a atividade de monitoria, típica nas instituições de ensino superior, o presente estudo foca sua problemática na análise de como o processo de ensinar por alunos da graduação pode representar uma oportunidade de aprender. Especificamente direcionando seu olhar para a possibilidade de identificar incompreensões e incertezas do conhecimento. Dess forma o âmago do estudo está na tomada de consciência dos estudantes que ensinam sobre a oportunidade de aprendizagem e o modo como refletem metacognitivamente.

De acordo com a metodologia do Learning by teaching o ato de ensinar é constituído por três momentos, envolvendo a preparação, a explicação e o feedback. O primeiro está relacionado à elaboração da atividade de ensino; o segundo à atividade em si; e, o terceiro, ao retorno dado pelos alunos com relação às explicações obtidas daquele responsável pela atividade de ensino. Estes momentos são apontados por Duran (2016, p. 2, tradução nossa) como “elementos que fazem parte do complexo processo de ensino” e podem ser identificados com as atividades de monitoria ou aulas de apoio estruturadas nas universidades. Particularmente, está se referindo a um projeto de aulas de apoio na forma de monitoria desenvolvido por uma instituição que é objeto de estudo desta pesquisa.

O referido trabalho, intitulado “Projeto Aluno Apoiador”, tem por objetivo auxiliar alunos com dificuldades de aprendizagem por meio de aulas de apoio individuais ou em grupos. Nele, alunos que já obtiveram aprovação em determinadas disciplinas curriculares desenvolvem aulas de apoio para alunos com dificuldades de aprendizagem. Tomando-se como recorte do projeto as atividades vinculadas às aulas de apoio para disciplinas da área de Física, identifica-se uma preparação dos alunos apoiadores, que se assemelha aos momentos que integram o Learning by teaching, embora não seja feito menção específica a essa metodologia no referido projeto.

A partir desta identificação e considerando a possibilidade de que ao ensinar esses alunos apoiadores também estejam aprendendo, surge o questionamento sobre existência da tomada de consciência destes acadêmicos em relação as suas incompreensões e inconsistências do conhecimento. Ou seja, o ato de ensinar na forma de monitoria oportuniza ao seu executor uma reflexão metacognitiva? A partir deste questionamento, a importância desse estudo justifica-se por trazer para o debate a possibilidade de aprender ensinando e ainda, de ativar mecanismos associados ao pensamento metacognitivo na forma de monitoramento e controle da compreensão, qualificando os processos de ensino-aprendizagem no ensino superior, de modo especial, na área da Física. Ainda, em termos da valorização das aulas de apoio, a justificativa pauta-se na premissa de que tais atividades representam uma alternativa de aprendizagem, não apenas para os alunos com dificuldades, mas também para os que estão com a incumbência de ensinar. Assim, essas atividades podem ter um alcance maior do que o tradicionalmente defendido nos projetos de aulas de apoio.

Discussões teóricas

Dentro dos estudos envolvendo o aprender ensinando, tem-se o trabalho de Bargh e Schul (1980) que comparou alunos que estudam com o objetivo de obter aprovação em um teste, com alunos que o fazem acreditando que terão de ensinar outra pessoa, embora a atividade não chegue a se concretizar de fato. Neste estudo, foi realizado um experimento no qual ambos os grupos estudaram um texto e em seguida responderam a algumas questões sobre ele. Os alunos que acreditavam ter que ensinar se saíram consideravelmente melhor que aqueles que estudaram para si, sem a preocupação ou o objetivo de repassar a alguém. Essa diferença de desempenho, segundo os autores, se deve ao fato de que a expectativa de ensinar modifica o processo de aprendizagem, fazendo com que o aluno selecione e organize elementos relevantes de sua aprendizagem.

Fiorella e Mayer (2014), por sua vez, realizaram testes similares, diferenciando-se apenas pelo fato de adicionar um grupo que efetivamente explicou o conteúdo estudado, sem contato direto com os alunos, apenas por meio da explicação do conteúdo para uma câmera. Os resultados desse estudo foram mais contundentes que os anteriores e mostraram que o grupo que efetivamente explica algo, se esforça mais e apresenta um desempenho superior ao de alunos que apenas se preparam para ensinar, mas não chegam a fazê-lo. A pesquisa sugere que ensinar pode ser uma estratégia de aprendizagem utilizada mesmo sem existir interação com outros estudantes.

Outros pesquisadores realizaram estudos nos quais quem está ensinando interage diretamente com o aprendiz. Um dos primeiros a fazer isso foi Webb (1989 apud DURAN, 2016) que, em seu trabalho, concluiu que explicar aos outros oferece mais oportunidades de aprender do que explanar para si mesmo. Isso, pois aqueles que recebem a explicação também podem identificar lacunas e inconsistências, solicitando esclarecimentos e questionando aquele que está com a função de explicar. Este, por sua vez, terá que procurar novas informações e avançar em seu conhecimento.

Nessa direção, Duran (2016) identifica que aprender para ensinar pode ser considerado como uma estratégia didática que ao longo dos anos vem se provando muito eficiente. Dentro desta abordagem, o autor destaca três etapas distintas em ordem crescente de melhoria na aprendizagem: A primeira é a “preparação para ensinar”, onde o aluno estuda e revisa os conceitos que terá que explicar. A segunda representa a “explicação”, onde o sujeito ensinante vai efetivamente verbalizar seu conhecimento buscando a interlocução com o aprendiz. E, por fim, a “interação com quem aprende”, onde quem explica recebe feedbacks que o ajudam a perceber lacunas no seu próprio aprendizado, possibilitando, assim, solucioná-las. Tais lacunas têm sido tratadas na literatura como oportunidades de aprendizado e guiado metodologias de ensino, especialmente as apoiadas na resolução de problemas (HMELO-SILVER, 2004) ou em indagações (LOYENS; RIKERS, 2011).

A capacidade de reconhecer as próprias incompreensões e incertezas de conhecimento está diretamente relacionada à realização de qualificadas perguntas. Chin e Osborne (2008) apontam que saber fazer perguntas constitui um dos mais significativos processos de aprendizagem, portanto, os professores deveriam em suas atividades educativas incentivar que seus alunos aprendessem a fazê-las. Todavia, não apenas perguntas, mas boas perguntas, caracterizadas por levarem a identificar a necessidade de superar incompreensões ou incertezas de conhecimento. Em suma, ser capaz de fazer boas perguntas a si mesmo sobre o conteúdo representa rever os níveis de compreensão, uma espécie de metacompreensão.

Compreende-se, desse modo, que independentemente do processo que gera a identificação do desconhecimento ou das incertezas em relação a este, identifica-se que sua ativação está associada ao pensamento metacognitivo. A metacognição representa um processo vinculado à tomada de consciência dos próprios conhecimentos e à capacidade de regular a ação na busca por lograr êxito em um empreendimento cognitivo (FLAVELL, 1976). No caso da identificação do desconhecimento ou da incerteza em relação a um determinado conhecimento, é o processo de verificação ou de monitoração do conhecimento (não sei algo). Isso, enquanto o aluno busca responder determinada indagação e desenvolver o consequente controle desta compreensão (o que preciso fazer para saber), que são reconhecidos como processos de natureza metacognitiva.

Tal entendimento está associado às discussões de Nelson e Narens (1994), ao identificarem que a monitoração da compreensão representa a capacidade de observar, refletir, analisar e experienciar os processos cognitivos. A monitoração representa o julgamento que pode ocorrer em distintas fases da ação cognitiva, seja antes, durante ou depois da explicação. Seguem os autores mencionando a segunda componente, o controle metacognitivo, que se refere às decisões que os sujeitos devem tomar frente à ação a ser desenvolvida, estando ligada às estratégias escolhidas para obter sucesso em sua empreitada cognitiva, ou seja, a autorregulação da ação. No caso da preparação de uma atividade para explicar a outros um conteúdo, o controle metacognitivo estaria presente no momento em que eles identificam o que precisam fazer para suprir as lacunas encontradas. Para eles a eficiência dos processos cognitivos depende do modo como são operados os metacognitivos. Ou seja, de como se dá o monitoramento da informação e a capacidade de controlá-lo.

Ainda segundo Nelson e Narens (1994), os processos metacognitivos se caracterizam pelo deslocamento entre esses dois componentes, pela busca constante entre monitorar e controlar a própria compreensão. Tal movimento pode ser considerado um dos aspectos a ser beneficiado quando os estudantes buscam aprender para explicar a alguém e, especialmente, quando essa explicação se concretiza. Ao perceber que para poder explicar o conteúdo a alguém seu conhecimento é insuficiente ou que há uma incompreensão, uma incerteza em relação a ele, os estudantes podem estar acionando mecanismos que os levem a preencher essas lacunas, controlando a sua própria compreensão.

A partir dessas reflexões e discussões, o presente estudo busca analisar se acadêmicos em processo de formação inicial percebem que a atividade de explicar a alguém pode ser entendida como um processo de aprendizagem, especificamente em termos de identificar suas incompreensões e incertezas do conhecimento. Para isso passa-se a relatar o processo metodológico que permeou o estudo e na continuidade discorrer sobre os resultados.

Metodologia

A metodologia desenvolvida caracterizou a presente pesquisa como qualitativa, considerando que “não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 31). Neste sentido, o estudo voltou-se a identificar a aprendizagem pelo ensino na percepção dos alunos apoiadores (graduandos em Física participantes do “Projeto Aluno Apoiador”, vinculado a uma instituição de ensino superior). Isso, levando em conta suas particularidades e sem esperar que essa situação represente mais do que a si própria, ou seja, não fazendo generalizações. Com tal delimitação, a pesquisa configura-se como estudo de caso, uma vez que buscou analisar a percepção de um grupo de sujeitos.

O projeto, conforme já mencionado, tem por objetivo auxiliar alunos com dificuldades de aprendizagem por meio de aulas de apoio individuais ou em grupos. Os apoios são destinados a graduandos que solicitam mediante a identificação da necessidade e são ministrados por alunos da universidade que possuíram êxito na disciplina solicitada (CORTEZ; DARROZ, 2017). No projeto há atividades de preparação que ficam a cargo de um professor que é o responsável pela supervisão das ações desenvolvidas. Nesta preparação os alunos apoiadores tomam conhecimento do conteúdo e organizam estratégias de ensino.

Esses alunos apoiadores representam a população a ser investigada neste estudo, tendo como recorte os que cursam licenciatura em Física e que estavam, no momento da realização da pesquisa, com matrícula ativa na instituição, facilitando o contato. Do universo de oito alunos que satisfizeram essa condição, todos se prontificaram a participar e são considerados os sujeitos deste estudo.

Assim, para atingir o objetivo pretendido, recorreu-se à utilização de dois instrumentos. Inicialmente e como forma de buscar elementos para reconhecer a ação desenvolvida no projeto, procedeu-se à observação simples, tanto das atividades de preparação com os alunos apoiadores (uma reunião), quanto da condução das aulas de apoio (três aulas com alunos apoiadores diferentes). A observação realizada teve por objetivo analisar a forma como esses apoiadores preparavam suas atividades e de que modo as operacionalizavam junto aos acadêmicos.

Num segundo momento recorreu-se, também, ao uso de entrevistas (gravadas em áudio e transcritas na íntegra) que permitiram identificar características e peculiaridades inerentes às atividades desenvolvidas e à população em estudo, em função de que os entrevistados dialogaram e expuseram livremente suas ideias. Sobre as entrevistas, Duarte (2004, p. 215) menciona que “se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios do modo como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade”. Desse modo, estas foram realizadas seguindo o protocolo de itens apresentado no Quadro 1 e foram.

QUADRO 1: Protocolo das entrevistas com a população de estudo 

1. Conte-nos um pouco sobre sua participação e envolvimento no projeto: de que forma passou a integrá-lo, como funciona o projeto e qual seu sentimento em relação a essas atividades.
2. Descreva a forma como você prepara as aulas/atividades: como você fica sabendo do conteúdo a ser abordado, como busca informações sobre os alunos que vai atender, que informações são essas, se você prepara as aulas/atividades com antecedência e que materiais você busca subsídio para essa preparação.
3. Com relação ao conteúdo a ser abordado, você já identificou lacunas de aprendizagem durante a preparação das aulas?
4. Enquanto você está explicando aos alunos já teve momentos em que verificou haver essas lacunas?
5. Durante o questionamento dos alunos você se deparou com aspectos do conteúdo que você não havia se dado conta ou que não tinha conhecimento?
6. Considerando as etapas de preparação das atividades, explicação do conteúdo e questionamentos dos alunos, em qual delas você considera poder enfrentar mais situações que levem a se deparar com limitações no seu domínio do conteúdo?
7. A participação no projeto em seus diferentes momentos (preparação, explicação e discussão) tem contribuído para ampliar seus conhecimentos sobre os conteúdos abordados? Em outras palavras, você julgar que explicar para outros favorece a identificação de incompreensões?
8. Como você procede ao identificar essas incompreensões?

Fonte: Os autores, 2018.

Após a leitura dos dados primários perscrutados foram identificadas categorias emergentes que subsidiaram a discussão apresentada na próxima seção. Nela, são utilizados fragmentos de fala dos sujeitos, cujos vícios de linguagem foram corrigidos segundo o proposto por Duarte (2004). Nestas falas os estudantes analisados são identificados pelas letras AA, indicando Aluno Apoiador, seguido de numeração que varia de 1 a 8. A escolha da ordem da numeração teve como referência a ordem das entrevistas. As falas transcritas e utilizadas nas citações a seguir estão destacadas em itálico, entre aspas e com recuo.

Resultados e discussão

A discussão que segue adota a utilização das categorias para agrupamento das respostas obtidas com a realização das entrevistas. Estas categorias foram estabelecidas considerando o conteúdo emergido das entrevistas em confronto com o objetivo do estudo. As análises, por sua vez, tomam como referencial o aporte teórico discutido e buscam por meio desse arcabouço inferir possibilidades de respostas à investigação em curso.

Engajamento com o projeto

A primeira categoria engloba as falas dos entrevistados em relação à sua participação e envolvimento no projeto que subsidia as atividades de monitoria realizadas nas disciplinas da área de Física. Inicialmente foi questionado aos entrevistados sobre a forma como eles se envolveram com o projeto, o modo como são organizadas as atividades desenvolvidas e, especialmente, como estas são preparadas.

Com relação ao primeiro quesito, identificou-se que cinco estudantes passaram a integrar o projeto por convite de professores do curso de Física e três por indicação de colegas que já participavam dele. Em termos da sua identificação com as atividades, os acadêmicos mencionaram que, enquanto alunos de um curso de licenciatura, a experiência de sala de aula proporcionada pelo “Projeto Aluno Apoiador” oferece diversas oportunidades de aprendizado e de crescimento pessoal, revelando que as atividades são de interesse deles. Ou seja, os alunos apoiadores participam do projeto por se identificarem com esse tipo de atividade e por acreditarem que ele contribui para sua formação, como revela o entrevistado AA4:

Eu comecei a participar do projeto e achei bem legal a iniciativa, porque na verdade são alunos que ajudam alunos. Isso é essencial, principalmente para nós da licenciatura, acredito que é uma coisa que agrega bastante você poder aprender e ter uma experiência de sala de aula, poder pegar os conhecimentos que tu tens e repassar para os outros.

Outro ponto evidenciado na fala dos estudantes foi o sentimento de gratidão em poder ajudar os outros, constituindo-se em mais um fator que os incentiva a ser um aluno apoiador. Segundo eles, a maioria dos estudantes que procura auxílio no projeto o faz como último recurso na esperança de obter aprovação em uma disciplina. Assim, confiam aos alunos apoiadores a tarefa de auxiliá-los na superação de suas dificuldades. Os entrevistados demonstraram grande satisfação em exercer tal atividade, como visto na fala de AA3: “Eu achei muito bom, senti que ajudei o pessoal. Eles ficaram gratos e eu mais ainda por ter a oportunidade de participar desse projeto que me realiza bastante”.

No que diz respeito à preparação das atividades, os entrevistados explicam que a primeira aula de cada turma tem por objetivo conhecer os alunos e identificar suas principais dificuldades para, a partir delas, desenvolverem as seguintes. Nas palavras de AA6:

Na primeira aula eu busco conhecer um pouco mais dos alunos, saber qual o material que eles estão usando, quem é o professor, tento conversar com o professor titular deles, tento saber quais as principais dificuldades, onde eles têm mais dificuldade, se é com a matemática básica, se é com interpretação de textos ou se é com o conteúdo de Física mesmo. A partir de então eu tento buscar questões do professor ou de antigas disciplinas nossas que trabalhem mais em cima dessa dificuldade deles.

Ressalta-se que nessas aulas, nem todos os sujeitos de pesquisa relataram grandes esforços na preparação de atividades, na escolha de metodologias diferenciadas ou específicas de ensino ou em relação ao conteúdo a ser explicado. Isso, justificado pelo fato de que os estudantes que solicitam apoio geralmente querem apenas auxílio para “resolver problemas” típicos da área da Física, já que estes se constituem na forma de avaliação utilizada por grande parte dos professores como mencionado por AA3. Assim, o intuito do aluno apoiador está em lograr êxito frente ao objetivo de que os acadêmicos que buscaram auxílio nas aulas de apoio obtenham aprovação na disciplina de Física, ou que se tornem bons resolvedores de exercícios.

Nessa direção, o mesmo entrevistado faz referência ao fato de as aulas de apoio não demandarem muitos estudos, uma vez que os conteúdos abordados já foram vistos por eles no curso de Física, o que torna a ação de explicar aos colegas uma tarefa mais “fácil”. Segue ele destacando que:

Para preparar as aulas eu pego algum material, às vezes eu busco vídeo na internet ou outro conteúdo para embasar melhor meu conhecimento antes de chegar na aula. Mas não costumo me preparar tanto, porque geralmente são matérias que eu fiz há pouco tempo, então já tenho domínio, mas mesmo assim não vou lá de mãos abanando, eu procuro ter um material e estudar antes.

Todavia, essa manifestação de AA3 não é compartilhada por todos, visto que cinco dos entrevistados relatam a importância das atividades de preparação como expresso por AA6 e AA1, respectivamente: “Temos que estudar e nos preparar, porque sempre pode ter uma pergunta que não sabemos responder”; “Eu reviso tudo, olho todos os exercícios e penso se sei o conteúdo antes de ir pra aulas”. A fala destes alunos apoiadores corrobora o observado no encontro de preparação e nos de atividades de monitoria em que os alunos apoiadores se mostravam interessados em preparar a atividade e ter domínio do conteúdo a ser abordado.

O apresentado nesta categoria aponta que os alunos apoiadores revelam ter uma identificação com o Projeto, vendo nele um potencial de aprendizagem, tanto de habilidades de docência, quanto de conteúdo. Dentre os aspectos identificados, está a presença da componente motivacional como responsável pelo engajamento dos alunos apoiadores em ações e processos educativos. Como destacado por Rosa (2014), é o desejo em realizar algo, ou seja, querer fazê-lo um dos elementos chave para se ter êxito em ações cognitivas. Sentimento que é também defendido pelos cognitivistas Ausubel, Novak e Hanesian (1983) ao destacarem que a aprendizagem está relacionada a uma pré-disposição para aprender. Autores vinculados à metacognição, como Flavell (1976), também ressaltam que a evocação dessa forma de pensamento está vinculada a um sentimento de querer, uma tomada de decisão em relação à ação a ser desenvolvida. Essa leva em consideração, entre outros fatores, as experiências vivenciadas pelo sujeito que permitem a ele identificar-se ou não com a ação a ser executada.

No caso deste estudo, o fato de que os estudantes compreendem os objetivos do Projeto e o seu papel frente a ele, bem como apresentam um envolvimento em relação às atividades a serem executadas, representa uma possibilidade de que a participação favoreça a aprendizagem dos conteúdos para além daquilo que eles julgavam saber. Isso é, o engajamento pode ser um indicativo de que o aluno ao ter que explicar o conteúdo a outros se sinta motivado a se preparar. Tal conduta o leva a avaliar sua própria compreensão, conforme será discutido nas próximas categorias.

Identificação de lacunas de conhecimento durante a atividade de ensino

Observam-se dentro das atividades de ensino do Projeto, as possibilidades de identificação de incompreensões e incertezas de conteúdo divididas em três momentos distintos: a preparação para ensinar, a explicação e a interação com o aluno, de acordo com a abordagem Learning by teaching. Assim, nessa segunda categoria encontram-se as falas dos entrevistados que representam sua percepção acerca de seu próprio conhecimento, ou seja, como cada sujeito vivenciou os momentos de exercer o pensamento metacognitivo. As falas concernentes a esta categoria permitiu identificar qual desses momentos era mais efetivo na busca por identificar incompreensões e incertezas do conhecimento, aspecto central desse artigo.

A identificação de incompreensões durante a etapa de preparação da aula foi percebida apenas por três dos oito entrevistados. Estes relataram perceber, nessa etapa, a existência de lacunas de aprendizagem em conteúdos que, a princípio, já dominavam. A explicação para tal fato foi de que ao estudar para ensinar outra pessoa eles buscavam por detalhes que passavam despercebidos no estudo para si. Relataram ainda esse novo direcionamento se dava para estarem preparados para auxiliar os alunos da melhor maneira possível e para responderem às perguntas que esses poderiam fazer, como relatam AA6 e AA2, respectivamente.

Eu acho que a gente se depara com muitas limitações na hora de preparar o conteúdo, pois você está se preparando, está pesquisando para quando os alunos te perguntam. Você já está preparada para certas perguntas, então você pesquisa antes, estuda antes, para poder auxiliar eles. A gente acaba estudando para auxiliar eles e na verdade quem aprende somos nós.

Normalmente gosto de ir preparada para aula, gosto de realmente estar com o que eu vou trabalhar pronto, porque daí chega na hora e eu consigo suprir as necessidades e as dúvidas dos alunos.

Dois dos entrevistados apontaram a etapa de preparação da aula como sendo a que mais contribui para a identificação de incompreensões e incertezas em relação ao conteúdo. Segundo eles, essa etapa exige que se pensem quais conhecimentos são necessários para que o aluno possa compreender a sua aula, exigindo maior atenção às especificidades do conteúdo e favorecendo a identificação de pontos importantes. Neste contexto, o aluno apoiador, em sua preparação, realiza um estudo do conteúdo que ensinará, percebendo detalhes que poderiam passar despercebidos se não houvesse a preocupação com seus alunos. Nas palavras de AA7:

Eu acredito que a parte de preparação é a que tem mais dificuldade. Porque aí você pensa: eu entendo por causa disso, mas se os alunos não souberem isso, como é que eles vão entender? O que eu vou fazer para explicar pra eles? Eu também penso e se eles me perguntarem isso ou aquilo, como eu respondo [..] nossa ai percebo que muitas vezes não tudo sobre o assunto e vou estudar.

Esta identificação de que não se tem completo domínio dos conteúdos e que poderão haver perguntas que ele não se saiba responder, ilustra situações como a descrita por Engle e Faith (2002) sobre a importância de problematizar como forma de encorajar a identificação das incertezas. Estudar na expectativa de ensinar aos outros, instiga que o apoiador se aprofunde mais no conteúdo, promovendo sua aproximação com o assunto, o que aumenta a confiança em si mesmo. Nas palavras de AA8:

Física II, por exemplo, foi uma das cadeiras que eu menos gostei e quando eu soube que daria apoio em Física II eu fiquei assustada porque eu não me sentia preparada nesse sentido, e estudando para dar o apoio eu acabei aprendendo muito mais e percebendo o quanto eu gostava dessa matéria de fato, o quanto era bom. Então nesse sentido de identificar as minhas lacunas, superar elas e aprender com isso foi muito útil [...] eu passei, mas não sabia que sabia os conteúdos, e também que não sabia, porque tinha coisa que eu achei que tinha entendido, mas agora vi que não.

Nesta fala, assim como nas de outros entrevistados, pode-se perceber que a etapa de preparação da aula foi efetiva em termos da identificação de incompreensões de conteúdo, possibilitando solucioná-las antes do momento de sua execução. Em contrapartida, dois dos entrevistados declararam não ter identificado lacunas significativas durante essa etapa, fato que pode ser justificado levando-se em conta que há alunos apoiadores que não despendem muitos esforços na preparação das aulas, como discutido anteriormente. Sendo assim, podem não estar aproveitando todo o potencial dessa atividade, deixando de realizar a avaliação de seu conhecimento e, consequentemente, de melhorar sua compreensão sobre os conteúdos.

Durante a explicação, a identificação de incompreensões foi percebida por seis dos entrevistados e, destes, três acreditavam ser essa a etapa que mais favorece tal reconhecimento. A etapa da explicação engloba todas as atividades realizadas pelo aluno apoiador no momento da aula: a contextualização do conteúdo, o uso de exemplos, a explicação de conceitos, a resolução de problemas, entre outros. Assim, exige do apoiador uma habilidade de organizar e adequar as informações de forma a facilitar a aprendizagem do aluno.

Ao fazer isso, ele também estará tomando consciência do seu próprio conhecimento, segundo Duran (2016, p. 2, tradução nossa), “explicar as coisas para os outros é uma maneira de testar como a nossa mente revê e reformula as informações para transformá-las em conhecimento”. Dessa forma, explicar algo a alguém favorece o pensamento metacognitivo, constituindo uma atividade de grande potencial na identificação de incompreensões e, consequentemente, na melhoria da aprendizagem.

Para que esse potencial seja aproveitado é necessário que o aluno apoiador se envolva ativamente com a atividade de ensino, não limitando suas explicações a meras reproduções de conceitos, mas sim, refletindo sobre seu conhecimento e sobre a qualidade de suas explicações. Esta atitude pode ser percebida nas falas de alguns dos entrevistados, como no caso de AA8 e AA6, respectivamente:

Às vezes, tu só reproduz o que está no livro e tu ainda não internalizou aquilo, não aprendeu, só reproduziu. E aí enquanto o está explicando, o vai verbalizando, cai a ficha e vai aprendendo ao longo das aulas e vendo que na verdade faltam conexões entre as ideias ou que precisa estudar mais alguma coisa.

Quando você vai explicar algo, você percebe que não compreendeu tão bem o conteúdo quando a sua explicação não é útil, isso você nota na expressão do sujeito. Eu tento explicar pelas minhas palavras e a outra pessoa não entende, então eu sei que o que eu aprendi, ou o que eu sei até então não é o suficiente para o outro aprender [...] me dou conta que preciso buscar mais coisas, mais conteúdos e informações, sabe, aprender mais.

Esses exemplos podem contribuir para a identificação das lacunas de conhecimentos, assim, representam momentos de tomada de consciência sobre os próprios conhecimentos e da percepção de que algo se revela inconsistente, necessitando de um complemento. Na fala do AA7 é possível identificar que, mesmo na etapa da explicação, o apoiador já está preocupado com as perguntas que seus alunos podem fazer e modifica inclusive seu modo de pensar na tentativa de facilitar a interação entre eles.

Eu sinto que quando se está explicando para os outros, você tem o dever de pensar no que eles podem vir a te perguntar e tentar explicar do jeito mais fácil, às vezes você explica de um jeito que não teria pensado se fosse só para você entender. Eu acredito que quando se está explicando para outro se busca maneiras diferentes de expor o conteúdo e aí pode se dar conta que não entendeu bem.

As perguntas feitas pelos alunos caracterizam a terceira etapa do processo de ensino, onde a construção do conhecimento se dá pela interação direta e bilateral entre o apoiador e o apoiado. É neste momento que o aluno faz questionamentos sobre partes do conteúdo que ele não compreende, ou que não ficaram claras durante a explicação. Com isto, o aluno apoiador deixa de estar no controle das atividades, estando vulnerável a perguntas para as quais não se preparou anteriormente e tendo que buscar em seus próprios conhecimentos uma resposta ao aluno. Desta forma, quanto maior o nível de dificuldade das perguntas, mais possibilidades de aprendizagem elas proporcionam. Segundo King (1998 apud DURAN, 2016, p. 4), tradução nossa), “o questionamento torna-se mais benéfico quando as perguntas são mais profundas e requerem a integração de conhecimentos prévios e novos, a reorganização dos modelos mentais, a criação de inferências e a autorregulação metacognitiva”.

Nas entrevistas, o questionamento foi destacado como um momento muito significativo para a identificação de lacunas de aprendizagem por quase todos os participantes e, para três deles, representou o mais importante. Apenas um entrevistado, AA3, disse nunca ter se deparado com incompreensões ao receber perguntas, porém, explicou que os alunos atendidos por ele geralmente não as faziam. Em suas palavras:

Não me deparei com lacunas de aprendizagem, mas não porque sou super preparado, foi porque na maior parte das vezes eles realmente não perguntam, então tem vezes que tu até se decepciona porque quer que eles demonstrem as dúvidas e eles não fazem. Mas de um aluno chegar e falar um negócio que eu não sabia ou ele me perguntar algo que eu não tinha me dado conta antes ou que eu não consegui responder não chegou acontecer.

Desta forma, fica evidente a necessidade da participação ativa de ambos os envolvidos na atividade de ensino, pois esta favorece a construção do conhecimento de forma mais plena e completa, não apenas a memorização e repetição de conceitos, tanto por quem aprende como para quem ensina. No entanto, cabe ao apoiador incentivar o questionamento dos alunos, visto que estes muitas vezes estão habituados a adotar uma postura passiva frente à aprendizagem. Neste sentido, percebeu-se nas entrevistas que os alunos apoiadores exercem bem esse papel e compreendem a importância dos questionamentos para o aprendizado de seus alunos e deles próprios, como vê-se na fala de AA2:

Eu acho que a parte mais importante da aula é a pergunta do aluno, e sempre instigo que realmente perguntem. Sempre depois que eu faço alguma explicação eu digo: vocês entenderam? Estão entendendo? Se vocês não entenderam perguntem. Então fico pedindo para que eles façam perguntas. Porque assim eu também consigo sair do meu ponto de vista. Porque às vezes é difícil isso, quando tu tá dando aula tu começa a sistematizar e depois de um tempo, começa sempre a fazer do mesmo jeito, então o fato do aluno perguntar já te faz pensar de uma maneira diferente, acho que isso agrega muito conhecimento para o aprendizado.

Outra potencialidade destacada pelos entrevistados, envolvendo as etapas de explicação e de questionamentos, foi a identificação das dificuldades de comunicação, como a dificuldade de verbalização de conceitos de forma simples e acessível ao aluno. Um dos fatores que contribuem para a existência desta dificuldade seria a falta de conhecimentos prévios nos alunos, o que exige a retomada de conceitos muito anteriores àqueles abordados na aula. Diante disto, o aluno apoiador precisa reformular sua explicação e reorganizar seus pensamentos, favorecendo o controle de sua própria compreensão.

Assim, nessa categoria fica evidenciado o potencial de identificação de incompreensões durante as atividades de ensino. Nas três etapas o aluno que ensina enfrenta situações que o levam a se deparar com limitações no seu domínio de conteúdo.

Contribuição das atividades para qualificar a aprendizagem

A terceira categoria abrange as falas dos entrevistados relacionadas à qualificação da aprendizagem decorrente das atividades de ensino. Nela busca-se identificar as potencialidades percebidas pelos alunos apoiadores de aprender ensinando, principalmente em termos da aprendizagem por meio da ativação do pensamento metacognitivo, associado neste estudo à monitoração e controle da compreensão.

No desenvolvimento das atividades de ensino, como já explorado anteriormente, os alunos apoiadores se depararam, por vezes, com a falta de conhecimento ou com dúvidas que podem ter origem em lacunas de sua aprendizagem. Esta identificação pode estar relacionada à ativação do pensamento metacognitivo, desde que o sujeito ao se deparar com elas exerça um mecanismo consciente de controle e monitoração sobre seu conhecimento. Ou seja, a análise das ações essencialmente cognitivas realizadas ao ensinar, conduzem a uma tomada de consciência do nível de entendimento que o sujeito possui, percebendo aquilo que ele sabe, ou não sabe para atingir seus objetivos, que neste caso se referem a auxiliar outra pessoa no entendimento de determinado conteúdo.

Ao identificar suas incompreensões, o aluno passa a exercer o controle metacognitivo de seu aprendizado, analisando e tomando decisões sobre as estratégias que terá de desenvolver para superar suas lacunas de aprendizagem. Deste modo, a autorregulação atua como um mecanismo de controle dos processos cognitivos, levando à reformulação de conceitos e à reorganização das representações mentais (ROSA, 2014). A qualificação da aprendizagem, frente a essa concepção, se dá pela regulação e controle da compreensão na medida em que o sujeito as ativa no desenvolvimento das atividades de ensino.

Nas falas dos entrevistados foi possível identificar elementos que remetem à utilização do pensamento metacognitivo, especialmente na identificação de lacunas de aprendizagem e, em seguida, na forma como foram resolvidas. Tal dinâmica pode ser observada na fala de AA3, que cita como exemplo uma situação ocorrida durante uma de suas aulas:

Já, teve uma vez que dei Física I para a engenharia e eles estavam com muita dificuldade na questão de notação científica e transformação de unidades. E aí na hora que eu fui ensinar para eles, percebi que também não estava com aquilo muito claro na minha mente, então eu cometi alguns erros, algumas confusões que eu consegui recuperar depois na aula. Consegui analisar e identificar o meu erro. Na hora que tu vai explicar algo que tu viu há pouco tempo, ou que há bastante tempo, obviamente além de reacender esse conceito na tua cabeça, tu provavelmente vai aprender e se dar conta de coisas que tu não tinha percebido antes, então ensinar é uma ótima forma de aprender e é um exercício muito bom para a docência e para o desenvolvimento pessoal.

Na fala é possível verificar que ele não apenas foi capaz de identificar a existência de lacunas de aprendizagem, como também pôde encontrar a sua causa e corrigi-la, sem precisar consultar material de estudos ou um professor. A capacidade de localizar, sozinho, as soluções para suas limitações, seja estudando e se preparando para a aula, ou mesmo durante a explicação, por meio da revisão e reestruturação das informações já existentes na estrutura cognitiva, se mostra como uma das habilidades desenvolvidas ao ensinar outra pessoa.

Ao fazer um comparativo entre o aprendizado ocorrido quando o aluno estuda para si, ou para um teste, com o aprendizado decorrente do ensino, os entrevistados foram unânimes ao ressaltar a superioridade desse último. O aspecto motivacional é tido como um dos fatores desta constatação, além disso, o contato com o outro, que pode trazer diferentes maneiras de pensar. Também foram citados os obstáculos enfrentados ao ter que adequar as explicações àquelas com as quais os alunos já estão habituados, como fator que contribui para o maior aprendizado quando se ensina o outrem, como descrito por AA1:

Ensinar com certeza amplia meus conhecimentos, porque é um momento em que você troca de posição com o professor. Teve certo momento em que o professor ensinou para você o conteúdo, mas a partir de agora você tem que pegar todo esse conteúdo, revisar e reformular ele numa linguagem que você saiba explicar e numa linguagem que seja adaptada ao professor titular da turma em que se realiza apoio. E a discussão é o que mais favorece, porque têm momentos em que eles questionam coisas que você não questionou para o seu professor, então é o momento que favorece muito.

Assim como evidenciado neste trecho, na interação com os alunos podem emergir questões para as quais o apoiador nunca se atentou, fazendo-o refletir sobre esse novo aspecto do conteúdo com possibilidades de aprendizado. De forma semelhante, AA4, em sua entrevista, destaca que, ao explicar, muitas vezes é necessário dar uma atenção maior a certos detalhes do conteúdo, relembrando conceitos e fixando aquele conhecimento. Com tal dinâmica, a aprendizagem ocorre de forma mais efetiva do que ocorreria no processo tradicional, por meio do estudo individual visando apenas à aprovação em um teste:

Eu acho que dar aula para outros alunos te faz aprender bem mais do que uma aula que tu estuda para você. Principalmente porque tem um contato com outra pessoa que você precisa explicar, às vezes detalhadamente, certas coisas e te faz fixar mais o conteúdo. Tu pega até um passo a passo assim, relembra alguns conceitos básicos e fixa bem porque quando você está estudando para si mesmo tem algumas coisas que já estão no teu subconsciente e você passa batido. Mas ali, dando aula, você reforça esses detalhes e cada vez que reforça isso, você grava mais esse conhecimento e pode ainda identificar falhas na tua aprendizagem.

A etapa de explicação discutida nessa última categoria, pode ser analisada pelos questionamentos que os alunos fazem aos apoiadores, possibilitando a liberdade de questionar, de fazer perguntas no decorrer das explicações. Tal conduta representa uma oportunidade de aprendizagem não apenas para os alunos apoiadores, foco desse estudo, mas também àqueles que procuraram essas aulas. Sobre isto, estudos como o de Phillips et al. (2017) mostram que a formulação de perguntas, via formulação de problemas em Física, por exemplo, envolve perceber uma lacuna de compreensão, identificando e articulando os conhecimentos já existentes e os que precisam ser incorporados a estrutura cognitivo do sujeito. Os mesmos autores em outro estudo (2018), apontam a problematização como o trabalho intelectual para identificar, articular e motivar a identificação de lacunas ou inconsistências no entendimento atual de uma comunidade (como a da Física, por exemplo) ou de alguém (como os alunos). Segundo os autores, realizar boas perguntas é uma atividade da ciência profissional, mas também é da sala de aula, pois em ambos os casos o que se está em jogo é a busca pelo conhecimento.

Essa capacidade de monitorar e controlar a própria compreensão envolvendo a formulação de questionamentos como mecanismo para ativar a identificação das incompreensões, como relatado anteriormente, tem sido investigada desde diferentes possibilidades. Werner da Rosa e Otero (2018), por exemplo, mostram que por meio da formulação de questionamentos os estudantes podem verificar suas próprias incompreensões e incertezas de conhecimento durante a leitura de textos científicos. Os resultados deste estudo mostraram que ao formular perguntas os estudantes podem ativar um conjunto de mecanismos capazes de monitorar suas compreensões e com isso identificar aquilo que não sabem, possibilitando qualificar suas leituras e os conhecimentos sobre o conteúdo em discussão.

Em suma, as atividades realizadas pelos alunos apoiadores tiveram contribuições para a sua aprendizagem, estando de acordo com trabalhos que mostram que ensinar a alguém representa uma estratégia de aprendizagem (BENWARE; DECI, 1984). Somado a isso, observou-se a utilização da metacognição na monitoração e controle da aprendizagem, retratada pela tomada de consciência de incompreensões do conhecimento.

Conclusão

O estudo buscou identificar a percepção de oito alunos, licenciandos em Física que atuam como monitores no “Projeto Aluno Apoiador” na instituição investigada, sobre as oportunidades de aprender ensinando. Esta iniciativa está voltada a oferecer aulas de apoio para estudantes com dificuldades de aprendizagem neste campo de conhecimento. Para o referido estudo, investigou-se as contribuições da participação nesse Projeto como forma de qualificar a própria aprendizagem do aluno monitor, por meio da identificação de incompreensões e incertezas do conhecimento durante as atividades de preparar a aula, explicar o conteúdo e interagir com o aluno. O foco estava em analisar se, ao explicar, os alunos apoiadores também aprendem e se isto é acompanhado pela tomada de consciência em relação aos próprios conhecimentos.

As falas dos alunos, guiadas por entrevistas semiestruturadas, revelaram que eles identificaram na prática do ensinar ao outro a existência de diversas oportunidades de aprendizagem. Ainda, que estas possibilitaram o desenvolvimento de habilidades de monitoramento e controle metacognitivo de seus conhecimentos, levando-os à identificação e superação de incompreensões e incertezas de conteúdo.

Isto posto, permite-se compreender que a aula de apoio constitui uma atividade rica em oportunidades de desenvolvimento pessoal e cognitivo, podendo ser implantada como metodologia de ensino na medida em que favorece a aprendizagem, tanto do estudante com dificuldades de aprendizagem, como daquele que se dedica a ministrar essas aulas. Desta forma, incentiva-se que os alunos se engajem em projetos similares ao relatado nesse trabalho e aproveitem todas as potencialidades da aprendizagem pelo ensino, uma vez que ela qualifica o processo de compreensão dos conceitos.

Por outro lado, o estudo também apontou outro aspecto basilar em relação a aprendizagem que é a importância de favorecer situações que possibilitem aos estudantes perceber lacunas e incertezas de compreensões. Estas são, como bem lembrado por Phillips et al. (2017; 2018) e Otero e Rosa (2018), o que guia os avanços da ciência e poderiam ser fomentadas na aprendizagem em Ciências.

De acordo com os autores, a capacidade de formular perguntas ou de problematização de uma situação pode ser uma alternativa para que os estudantes se aventurem na identificação dessas incompreensões. Todavia, salientam que o mais significativo disso é o momento antes da formulação de um problema, que está relacionado a uma sensação desconfortável de que algo está faltando ou está errado. Então, “o desafio é identificar a fonte do mal-estar, descobrir qual é a lacuna ou inconsistência no entendimento” (Phillips et al., 2017, p. 020107-2, tradução nossa). Possibilitar o debate em sala de aula poderia ser a fonte primeira e isso levaria à possibilidade de formular boas perguntas e problematizar situações a partir de incompreensões e não apenas para sua identificação.

Dessa forma e como encerramento desse trabalho investigativo menciona-se dois estudos futuros dos autores desse artigo, um voltado a analisar intervenções didáticas apoiado no Learning by teaching a partir da análise dos resultados do presente estudo em termos das atividades de monitoria; e, outro investigando a estruturação de abordagens metodológica que favoreçam aos estudantes identificar lacunas e inconsistência de conhecimento, como é feito na Ciência, levando-os a boas perguntas.

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Recebido: 01 de Novembro de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2021

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