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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-19 

DEMANDA CONTÍNUA

Considerações sobre a interação entre professores e pesquisadores no desenvolvimento do Projeto PREMa - EB

Consideraciones sobre la interacción entre profesores e investigadores en el desarrollo del proyecto PREMa - EB

Sonia Barbosa Camargo Igliori1 
http://orcid.org/0000-0002-6354-3032

Celina Aparecida Almeida Pereira Abar2 
http://orcid.org/0000-0002-6685-9956

Chrystian Bastos de Almeida3 
http://orcid.org/0000-0002-5062-0836

1Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenadora do Projeto PREMa-EB. E-mail: sigliori@pucsp.br.

2Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: abarcaap@gmail.com.

3Doutorando em Educação Matemática: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: chrystian.bastos.irara@gmail.com.


RESUMO

Este artigo visa a apresentar a contribuição da Gênese Documental, em especial da noção de esquema, no trabalho colaborativo de professores do projeto de pesquisa Pensar os Recursos para o Ensino de Matemática no Ensino Básico - PREMa - EB e seus impactos. O projeto foi desenvolvido tendo como alicerce a metodologia da pesquisa-ação-formação, enquadrando-se na proposta de um caminho de pesquisa que favorece a articulação entre pesquisadores de universidades e grupos de professores da educação básica. O referencial teórico da pesquisa é a Gênese Documental, elaborada por Gueudet e Trouche (2009), a qual tem como pilar a noção de documento (recursos combinados a seus esquemas de utilização). Pode-se perceber no desenvolvimento do trabalho colaborativo os impactos da noção de esquema indicando a transformação dos recursos em acordo com os elementos trazidos pelos professores, os quais são advindos de suas concepções e suas práticas de sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE: Gênese Documental; Esquema; Trabalho colaborativo; Pesquisa-ação-formação

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar la contribución de la Génesis Documental, especialmente la noción de esquema, en el trabajo colaborativo de los profesores del proyecto de investigación Pensar os Recursos para o Ensino de Matemática no Ensino Básico - PREMa - EB y sus impactos. El proyecto se desarrolló sobre la base de la metodología de investigación-acción-formación, ajustando la propuesta de una ruta de investigación que favorece la articulación entre investigadores de universidades y grupos de profesores de educación básica. El marco teórico de la investigación es el Génesis Documental, elaborado por Gueudet y Trouche (2009), que tiene como pilar la noción de documento (recursos combinados con sus esquemas de uso). Se puede percibir en el desarrollo del trabajo colaborativo los impactos de la noción de esquema que indica la transformación de los recursos de acuerdo con los elementos aportados por los profesores, que se derivan de sus concepciones y sus prácticas en el aula.

PALABRAS CLAVE: Génesis Documental; Esquema; Trabajo colaborativo; Investigación-acción-formación

ABSTRACT

This paper aims to present the contribution of Documentational Genesis, especially the idea of scheme, to the collaborative work of teachers belonging to the research project Considering Resources for Teaching Mathematics in Basic Education (PREMa-EB) and its impacts. The project is based on the research-action-training methodology, in accordance with a research pathway that favors articulation between researchers from universities and groups of basic education teachers. The theoretical framework of the research is Documentational Genesis by Gueudet and Trouche (2009), which is based on the notion of a document (combined resources + schemes of utilization). The impacts of the notion of scheme can be observed in the collaborative work, indicating transformation of resources in accordance with the elements presented by teachers, all derived from their conceptions and their classroom practices.

KEYWORDS: Documentational Genesis; Scheme; Collaborative work; Research-action-training

Introdução

Com este artigo, buscamos apresentar a contribuição da Gênese Documental, em especial os impactos da noção de esquema no trabalho colaborativo de professores relizado no âmbito do projeto Pensar os Recursos para o Ensino de Matemática no Ensino Básico - PREMa - EB, um projeto de pesquisa colaborativa. Neste artigo, as ações descritas envolveram professores de uma escola particular e de algumas escolas públicas do município de São Paulo, pesquisadores em educação matemática, estudantes de pós-graduação e um engenheiro pedagógico francês convidado4 para orientar a organização metodológica das incubações, que aconteceram uma vez por semana durante o desenvolvimento dessa pesquisa-formação-ação. Um dos autores deste trabalho participou do projeto na condição de doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP e, os demais, participaram na condição de pesquisadores do mesmo programa.

Nesse contexto, buscamos desenvolver este trabalho direcionado pela seguinte questão: “De que forma a Gênese Documental, em especial a noção de esquema, contribuiu com o trabalho colaborativo de professores do projeto PREMa - EB e seus impactos?”.

O PREMa - EB, coordenado por um dos autores, foi desenvolvido tendo como alicerce a pesquisa-ação-formação, discutida por Vandercleyen et al. (2019), enquadrando-se na proposta de um caminho de pesquisa que favorece a articulação entre pesquisadores de universidades e grupos de professores da educação básica, sendo que toda investigação é realizada com o docente e não para ele, promovendo a formulação coletiva de saberes e interferência sobre o contexto analisado. As considerações realizadas neste trabalho sobre interações entre professores e pesquisadores do PREMa - EB têm como base o referencial teórico da Gênese Documental, discutida por Gueudet e Trouche (2009), o qual tem como pilar a noção de documento (recursos combinados e os esquemas de utilização).

Este artigo está organizado em quatro partes: na primeira parte, discutimos a importância da conexão entre pesquisa e prática com suporte no referencial teórico do trabalho, a Gênese Documental. Na segunda parte, apresentamos o detalhamento do projeto PREMa-EB, enfatizando as atividades desenvolvidas em uma das escolas participantes. Na terceira parte, discorremos sobre a análise do projeto com base na Gênese Documental e, finalmente, na quarta parte, ponderamos sobre as reflexões finais do desenvolvimento da pesquisa realizada.

Conexão entre pesquisa e prática

Segundo Cai et al. (2019), há uma combinação de razões inter-relacionadas para a desconexão entre pesquisa e prática : desatenção aos problemas instrucionais reais dos professores; ignorância do tamanho da informação que os professores precisam para melhorar sua prática; compreensão insuficiente da influência dos contextos sobre a implementação e eficácia de métodos particulares de ensino; ausência de um mecanismo para construir uma base de conhecimento compartilhável para ensino; restrições institucionais que desincentivam pesquisadores e professores da construção de parcerias produtivas e sustentáveis; e uma cultura que define os papéis profissionais de professores e pesquisadores, pressionando-os a adotar o caminho tradicional de pesquisa e desencorajando-os de explorar outros.

Por essas razões, consideramos importante a adoção de caminhos de pesquisa que aumentem os vínculos entre escola e universidade, trazendo consequências vantajosas ligadas diretamente ao trabalho do professor, favorecendo a formulação de novos entendimentos sobre as atividades desenvolvidas na escola, criando uma responsabilidade da universidade de também se envolver na procura de respostas aos questionamentos aí manifestados. Com isso, ocorre a articulação entre pesquisador externo e professor ou grupo de professores, sendo que toda investigação é realizada com o docente e não para ele, promovendo a formulação coletiva de saberes e interferência sobre o contexto analisado. O projeto PREMa - EB detalhado na próxima seção enquadra-se nessa proposta.

As reflexões pontuadas neste trabalho sobre interações entre professores e pesquisadores do PREMa - EB têm como base o referencial teórico da Gênese Documental, discutida por Gueudet e Trouche (2009). De acordo com Gueudet e Trouche (2009), de forma periódica, os recursos de um professor sofrem atualização, incorporando outros sentidos e outros modos de aplicação. Novos recursos passam a fazer parte da sua coletânea e as articulações com os alunos no ambiente de sala de aula alteram e influenciam a escolha e formulação de atividades, além de modificar seu planejamento em razão da interação com outros docentes. A esse conjunto de ações em que os docentes modificam de forma significativa seus recursos para a sala de aula preparados periodicamente, acoplados com os esquemas de utilização obtendo como produto um documento, denomina-se trabalho documental do professor.

Verificando a Figura 1, percebe-se que, com o processamento da Gênese Documental, os recursos norteiam a ação do docente (instrumentação) e, por outro lado, o professor passa a dominá-los, ajustando-os e modificando-os no decorrer de seu uso (instrumentalização).

Fonte: Gueudet e Trouche (2015, p. 8)

FIGURA 1 Esquema da Gênese Documental 

Em relação a esse processo, Abar (2019) comenta que:

A gênese documental é um processo contínuo e ocorre quando os recursos passam ao status de documento diante dos esquemas de utilização adotados e da experiência do professor, que envolve conhecimentos prévios do ponto de vista matemático e didático do presencial. (ABAR, 2019, p. 222).

A expressão recurso, nesse contexto, é entendida no sentido amplo, designando tudo o que nutre a ação do professor e seu melhoramento pedagógico, como um texto, as bases legais da educação, um notebook, um software, assim como a produção dos estudantes ou uma atividade realizada por outro professor. Como as análises realizadas neste trabalho aplicam-se a um projeto que envolve um grupo de professores trabalhando de forma colaborativa, consideraremos o processo de gênese documental da comunidade. Sobre esse processo, comenta Teixeira (2014):

[...] Gueudet e Trouche (2012) propõem a expressão: génese documental da comunidade para descrever o processo de seleção, criação e partilha de recursos para alcançar os objetivos de ensino da comunidade. O resultado deste processo, a documentação da comunidade, é composto pelo repertório dos recursos partilhados e a partilha associada ao conhecimento (o que os professores aprendem a partir da concepção, implementação e discussão dos recursos). Além disso, esses recursos e esse conhecimento evoluem juntos ao longo do tempo. Os autores caracterizam a dualidade entre participação e documentação: por um lado, a documentação é um resultado da participação e, por outro lado, o repertório partilhado é o conhecimento associado que apoia a participação de cada membro no objetivo partilhado. A interpretação desses processos em termos de génese aponta para a dualidade entre duas gêneses: a génese da comunidade (o surgimento do contrato mútuo e empreendimento conjunto), e a génese documental da comunidade (a criação de um repertório partilhado e a construção de conhecimento partilhado). (TEIXEIRA, 2014, p. 52).

Existem interações profundas entre um membro de uma comunidade e a gênese documental. O recurso de uma comunidade é um elemento essencial de um sistema de recursos. Além disso, há uma intensa relação entre o saber de cada membro da comunidade e o saber compartilhado integrado na documentação da comunidade: cada indivíduo adquire conhecimento a partir da sua comunidade e o saber compartilhado é elaborado pela gênese documental da comunidade. Não se pode confundir a documentação da comunidade com a junção da documentação dos seus membros.

O projeto Pensar os Recursos do Ensino de Matemática Ensino Básico- PREMa - EB é descrito como:

[...] um projeto de pesquisa que objetiva a investigar em conjunto com os professores, recursos para o ensino de matemática da escola básica. Trata-se, portanto de um projeto de pesquisa colaborativo envolvendo professores de escolas públicas, pesquisadores em educação matemática, estudantes de pós-graduação e um engenheiro pedagógico francês convidado. O objetivo do projeto é conceber e elaborar recursos para o ensino da matemática ou outros da escola básica conforme demandas, preferencialmente, dos professores. O projeto se desenvolve a partir de trabalhos coletivos, colaborativos e participativos, organizados em reuniões semanais nas quais são realizadas as incubações (Spérano e al., 2019; Alturkmani e al., 2019) de recursos e demais tarefas, sob a co-orientação do engenheiro pedagógico. O projeto tem por referência teórica a abordagem documental e instrumental do didático de autoria de Gueudet e Trouche (2010) e como referência metodológica Design Pedagógico e de Pesquisa (Altutkmani et al., 2019). O projeto está proposto para ser desenvolvido em novembro de 2019 com publicações científicas previstas para o primeiro semestre de 2020. Esse projeto é assemelhado ao PREMaTT (http://ife.ens-lyon.fr/ife/recherche/groupes-de-travail/prematt) desenvolvido no IFE da École Normale de Lyon na França, instituição na qual Sonia Igliori, proponente do PREMaEB desenvolveu pós-doutorado no período de 7 meses sob a supervisão de Luc Trouche, em 2018. Pierre Bénech, nosso convidado, foi o coordenador metodológico do PREMaTT. Seus conhecimentos e experiência são essenciais ao desenvolvimento do PREMaEB. Além dele, a Profa. Cibelle Assis, da UFPB, se dispõe a participar desse projeto colaborando com sua expertise na área de formação de professores e seus recursos de ensino devido a sua participação nos estudos do IFE. Esse projeto é apoiado pela PUC-SP no âmbito do PEPG-Ex de 2019. (IGLIORI, 2019)

Convém destacar que, em projetos como o PREMa - EB, considera-se no diálogo entre o investigador e o docente, a diminuição das incoerências entre o objetivo pretendido e o trabalho pedagógico realmente executado. Isso ocorre através de acertos que levam à reelaboração da ação docente, com vistas a uma melhor adequação entre o objetivo e a execução, considerando um modelo de ensino-aprendizagem que valoriza a formulação compartilhada de saberes.

O percurso do PREMa - EB

O PREMa - EB foi desenvolvido tendo como alicerce a pesquisa-ação-formação, através da qual, de acordo com Vandercleyen et al. (2019), pode-se permitir articulações entre investigadores especializados com o conhecimento teórico de uma determinada área e profissionais que constroem conhecimento a partir de sua prática em uma área profissional. A pesquisa-ação-formação se insere num conjunto de práticas de pesquisa que expressam especificidades dos que consideram a participação de professores nas investigações como fator primordial para a evolução de saberes ligados à prática e, também, à evolução da própria prática.

Em relação à metodologia empregada no PREMa - EB, destacam Assis e Bénech (2019):

Na execução do PREMa-EB realizamos reuniões semanais de planejamento (coordenadora, engenheiro pedagógico, pesquisadores e estudantes da pós graduação) e, além dessas reuniões, também ocorreram encontros semanais com os professores das escolas. Cada encontro com os professores teve duração de 4 horas. Entre uma incubação e outra, a equipe de planejamento elaborava recursos para o encontro seguinte e registrava em um diário de bordo, fatos e observações do trabalho realizado com os professores. Os encontros eram todos registrados por vídeo gravação, áudio gravação e fotografias. Também organizamos uma pasta compartilhada entre a equipe de planejamento na qual todo esse material foi disponibilizado e arquivado. (ASSIS e BÉNECH, 2019, p. 6).

O desenvolvimento dos trabalhos nos grupos formados em cada escola foi direcionado por problematizações feitas pelos próprios professores, logo no primeiro encontro, e incentivados pelos pesquisadores. Por exemplo, no caso do grupo de professores da escola particular participante do projeto (Colégio São Domingos), uma das problematizações foi a seguinte: “Como realizar o acompanhamento da aprendizagem de alunos pelo uso do portfólio durante a realização de um projeto escolar (Volta ao mundo em 80 dias)?”

No decorrer dos encontros, foram organizados 4 ateliês de trabalho. No Quadro 1, ilustramos o ateliê 1:

QUADRO 1 Ateliê 1: Conceito, analogia e experimentações 

Objetivo Proposta de atividade
Promover a reflexão dos professores sobre seus problemas conceituais, o uso de analogias e o valor da experiência. A proposta de atividade foi que cada professor apresentasse um texto em que: explicasse o que seria uma boa analogia; tratasse do uso de analogias no ensino destacando pontos positivos e negativos; apresentasse possibilidades de uso no ensino; apresentasse exemplos e discutisse a analogia feita pelo grupo, a relação com o conceito em questão e o valor da experiência, quando possível.

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores do PREMa-EB.

Nesse ateliê, enfatizou-se a relação de cada professor com o que seria considerado como objeto de observação. Os pesquisadores relançaram perguntas com o objetivo de melhorar a prática do professor, sem fazer julgamento, levando o professor a pensar de uma outra maneira.

Segundo Coll et al. (1998), quanto mais distante estiver a questão do contexto social ou da percepção dos participantes, com mais regularidade deve-se utilizar o raciocínio analógico, a fim de associá-lo com os saberes já dominados por eles. No caso do grupo de professores do Colégio São Domingos, foi discutida, por exemplo, a analogia entre o objeto “densidade populacional” (trabalhado por alguns professores no projeto da escola “Volta ao mundo em 80 dias”) e conceitos físicos como “densidade de soluções”, “diluição”, “concentração molar” etc. Apresentou-se um experimento com suco, no qual foi feita a demonstração do processo de diluição de soluções: inicialmente, o pó (soluto) é dissolvido em água (solvente), deixando a solução muito concentrada; depois, adiciona-se mais água à solução, deixando a solução menos concentrada.

Outro exemplo interessante, discutido na mesma escola, refere-se a um experimento físico aplicado na sala de aula por um professor, no contexto do projeto escolar “Volta ao mundo em 80 dias”. Fizeram-se furos ao longo de uma garrafa plástica cheia de água, em três pontos, a diferentes níveis. Fechando-se a garrafa, não houve escoamento da água por nenhum dos furos, mas, com a garrafa aberta, verificou-se o vazamento da água nos três furos. Isso ocorre porque, com a garrafa fechada, a pressão atmosférica não permite a passagem de água, pois é maior que a pressão interna; mantendo-se a garrafa aberta, a pressão atmosférica não altera o fluxo do líquido, o qual está condicionado apenas à pressão da coluna de água. Quanto menor o nível do furo, maior será a pressão aplicada pela coluna de água e, logicamente, mais longe será ejetada a água.

A partir desse experimento, discutiram-se analogias, por exemplo, entre os conceitos de pressão trabalhados no experimento e o conceito de pressão arterial. Nesse sentido, abordou-se que a consequência da pulsação cardíaca é o movimento de um determinado volume de sangue por meio da artéria aorta. No momento em que este volume de sangue atravessa as artérias, ocorre uma contração delas, de forma que o sangue é comprimido e impulsionado adiante. Com essa pressão, o sangue atinge pontos mais afastados, como os dedos dos pés.

No ateliê 2, os pesquisadores conduziram os professores a refletirem sobre os aspectos do projeto entre eles: a forma como a ideia de densidade populacional vai ser descoberta pelos alunos (através de fotos de aglomerado de pessoas, de simulação na sala distribuindo alunos por m2, registros em tabelas da simulação, usando internet, etc.) ; não se faz necessário o uso de fórmulas neste momento; os alunos podem durante a pesquisa encontrar mapas demográficos ou ainda os valores da densidade (habitantes/km2) de alguns países; o importante é dar significado ao número; os alunos trabalharão em duplas.

No Quadro 2, ilustramos o ateliê 2:

QUADRO 2 Ateliê 2: Objetivos de ensino, escolhas didáticas, competências e habilidades 

Objetivo Proposta de atividade
Promover a reflexão dos professores sobre o cenário construído por eles, comparando com um outro onde apresentamos outras escolhas didáticas. No caso do Colégio São Domingos, a proposta de atividade foi que os professores (organizados em equipes) apresentassem um mapa da experiência para ser analisado, propondo uma situação (ação) a partir do problema geral: Em qual país, entre os visitados no projeto "Volta ao mundo em 80 dias", você moraria se conhecesse a densidade populacional deste país? Você moraria no Brasil?

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores do PREMa-EB.

Em seguida, na situação de formulação, a proposta foi incentivar o levantamento de hipóteses conceituais dos alunos sobre densidade, pedindo que façam suas anotações das informações. Na situação de validação, foi proposta a busca por densidades demográficas de países, do Brasil ou mesmo de São Paulo (valores ou mapas demográficos). Numa situação de institucionalização do conceito, foi proposta a busca da fórmula (através da experiência e registro aluno/m2) e sua comparação. Também foi proposta a realização de uma discussão (com todos os alunos e o professor) sobre os efeitos de uma alta ou baixa densidade populacional para um país, como: urbanização, terras para plantios, trabalho.

Combinou-se que o professor, no final da atividade com os alunos, retomaria a questão proposta inicialmente, pedindo que os alunos fizessem uma apresentação da resposta (registro reflexivo crítico), justificando a partir das informações que foram obtidas. O registro seria feito através do Diário de Bordo, entregue pelo professor antes da tarefa, e seria acompanhado por ele. A viabilização desse cenário em sala de aula foi realizada por um dos professores do grupo e registrada por recursos audiovisuais, de forma que, posteriormente, o grupo fizesse suas reflexões com base nesses registros.

No final desse ateliê, foi feito o registro, através de recursos audiovisuais, de uma reflexão comparativa do cenário apresentado pelo grupo e o cenário apresentado pelos pesquisadores, quanto aos seguintes elementos: objetivos de aprendizagem; papéis do professor e papéis do aluno nos dois cenários.

No Quadro 3, ilustramos o ateliê 3:

QUADRO 3 Ateliê 3: Portfólio e escrita reflexiva 

Objetivo Proposta de atividade
Promover a reflexão dos professores sobre o uso do Diário de Bordo/Portfólio no que diz respeito às análises do processo de acompanhamento da aprendizagem. A proposta de atividade foi: a partir de todos os recursos produzidos pelo professor (mapas de experiência, mapa conceitual, questionários e registros dos ateliês 1 e 2), elaborar questões que permitam a reflexão do Portfólio/Diário de Bordo sobre: concepção de Portfólio; dificuldades de utilização; novas ideias e novas perspectivas de uso; ideias antigas que mantém.

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores do PREMa-EB.

No ateliê 3, a reflexão foi feita em duplas de professores, com a intermediação de um pesquisador. Para ilustrar a proposta desse ateliê, seguem trechos de uma discussão, que foi gravada, entre um pesquisador e dois professores do Colégio São Domingos.

Professor A: O diário de bordo não entrou como instrumento de análise de aprendizagem, mas como um caderno de registro da experiência daquele país. É um registro livre; ele vai saber, pelo menos, um aspecto de cada país.

Professor B: Não se consegue avaliar isso. Na Bélgica, ele anotou sobre chocolate; na França, sobre perfume; em outro país, sobre relevo. Com isso, não dá para saber se ele aprendeu ou não.

Professor A: Ele é avaliado, mas não se ele aprendeu uma fração ou divisão a partir do Diário de Bordo.

Pesquisador: Se você faz um passeio pelo país, você quer aprender alguma coisa.

Professor A: As diferenças entre eles.

Pesquisador: Isso não é avaliado? Como medir se aprendeu as diferenças entre eles?

Professor B: Eu não consigo pegar todos os diários e comparar: essa criança aprendeu, a outra não. Mas, eu vejo todos os registros deles.

Professor A: Tem um olhar avaliativo, mas não é o principal.

No ateliê 4, o objetivo e a proposta de atividade foram os mesmos do ateliê 3. No entanto, a reflexão foi feita de forma individual com a mediação de um pesquisador. Para ilustrar a proposta desse ateliê, seguem trechos de um diálogo entre um pesquisador e um professor do Colégio São Domingos, relativo ao quesito “novas ideias e novas perspectivas de uso do Portfólio/Diário de Bordo”. De acordo com o professor, os alunos vão preenchendo o Diário de Bordo na construção do conceito do objeto matemático Números Complexos, seguindo as etapas descritas no diálogo gravado:

Professor: Entre o saber e o professor, há uma região nebulosa. Começo discutindo a origem, a história, mas antes vou apresentar um problema de Girolano Cardano (dividir uma reta de comprimento 10 cm em dois segmentos, cujo produto seja igual a 40 cm). Calculando-se, chega-se a uma equação do 2° grau em que o valor de delta é negativo. Por que escrever que não existe solução em ℜ?

Pesquisador: Para os meus alunos, digo que só existe solução no conjunto dos números complexos, o qual vão estudar mais adiante.

Professor: Isso é nebuloso. Digo aos alunos para eles tentarem ir adiante nos cálculos, mas eles questionam a utilidade disso, a razão de continuar. A partir disso, apresento a história, a concepção, a nomenclatura, a ideia de imaginário. Explico o significado da letra i, usando analogia. Sugiro que pensem como matemáticos, façam os cálculos só na imaginação. Não pensem como alguém que está resolvendo um problema prático.

Pesquisador: Destaco que nem sempre o quadrado de um número é positivo, quando se fala de i2.

Professor: Se o aluno disser que não vai dar certo, digo para utilizar a propriedade distributiva, fatoração, simplificação. Ocorre, então, mediação, discussão, múltiplas ideias, questionamentos sobre a utilidade. Explico que é uma entidade chamada números complexos (não definindo o conjunto), há um número (real) que você mede e outro que você não mede. Problematizo o significado da junção dos dois.

Na próxima seção apresentamos aspectos das análises realizadas de acordo com o que foi abordado anteriormente.

Análise do PREMa-EB com base na Gênese Documental

A questão que orientou o nosso trabalho foi: De que forma a Gênese Documental, em especial a noção de esquema, contribui com o trabalho colaborativo de professores do projeto PREMa-EB e seus impactos?. Na Gênese Documental, a noção de esquema é fundamental para essa compreensão, de maneira que possamos destacar documentos individuais e coletivos resultantes desse projeto.

Conforme abordado anteriormente, na Gênese Documental, temos uma diferença entre recurso e documento. Nesse processo, consideramos que um certo sujeito, envolvido em uma atividade orientada por objetivos, constrói um documento a partir de uma coletânea de recursos, fazendo a associação entre recursos recombinados e um esquema de uso para esses recursos. Como destacamos as articulações entre professores e recursos dentro de um coletivo ou ainda algumas delas sendo coletivas, podemos considerá-las como gêneses.

A Gênese Documental se baseia na abordagem instrumental desenvolvida por Rabardel (2002), o qual define um esquema de utilização como uma estrutura que organiza a atividade de um sujeito com um artefato para um determinado objetivo, sendo que os esquemas têm um aspecto individual, como esquemas de um determinado assunto ou área de tópico, mas também uma dimensão social essencial. Nesse sentido, podemos dizer que a ocorrência de esquemas é, basicamente, um processo coletivo, abarcando os usuários e os desenvolvedores do artefato e sua repercussão é um processo social.

De acordo com Pepin e Gueudet (2020), no contexto do uso de recursos, o esquema de utilização inclui esquemas de procedimentos (por exemplo: como usar recursos específicos) e esquemas mentais/cognitivos (por exemplo: estratégia de uso global; conhecimento sobre os meios que o recurso oferece; concepções de uma maneira de usar o recurso para uma determinada classe de tarefas). Nesse aspecto, essa concepção de esquemas nos permite um melhor entendimento das articulações entre professores e os recursos e dos impactos dessas articulações.

Conforme Vergnaud (1998), um esquema apresenta os seguintes componentes: O objetivo da atividade, sub-objetivos e expectativas; regras de ação, gerando o comportamento de acordo com as características da situação; invariantes operacionais ( conceitos em ação e teoremas em ação) e possibilidades de inferências. Os conceitos em ação são conceitos considerados relevantes (por exemplo, diferenciação do ensino) e teoremas em ação são proposições consideradas verdadeiras (por exemplo: se os alunos apresentam baixo desempenho, então eles precisam de mais ajuda do professor). Como exemplo de possibilidades de inferências, temos: “nesta classe, preciso adaptar meu esquema para diferenciação, porque existem alunos com muito bom desempenho”.

Conforme Pepin e Gueudet (2020), professores diferentes podem desenvolver esquemas diferentes para o mesmo tipo de tarefa. Nesse sentido, os professores podem desenvolver determinados esquemas no ambiente de trabalho colaborativo e desenvolver outros no contexto da sala de aula.

Em relação ao trabalho desenvolvido nos ateliês 1 e 2 do PREMa - EB, houve o cenário (construído pelo grupo do Colégio São Domingos de forma colaborativa) referente ao ensino de densidade populacional, cuja viabilização em sala de aula foi realizada por um dos professores do grupo e registrada por recursos audiovisuais. Nesse caso, em razão das invariantes operacionais comuns, os professores puderam desenvolver um documento compartilhado (ou parcialmente compartilhado). A ocorrência de invariantes operacionais compartilhados provavelmente estabeleceu um trabalho comum.

Este documento envolveu diversos recursos, em particular o Diário de Bordo, e esquemas de uso compartilhados para esses recursos. Os professores do grupo desenvolveram juntos teoremas em ato, como: é preciso incentivar o levantamento de hipóteses conceituais dos alunos sobre densidade, pedindo que façam suas anotações das informações. Foram desenvolvidos, então, documentos comuns, referentes ao ensino de densidade populacional. Certamente, suas utilizações de recursos em sala de aula seriam diferentes, em razão de seus esquemas pré-existentes. Porém, na atividade de criar um cenário, eles desenvolveram documentos novos e comuns, em particular esquemas comuns.

Em relação aos ateliês 3 e 4 do PREMa - EB, destacamos as reflexões do professor do Colégio São Domigos (mediadas por um pesquisador) relativas ao quesito: novas ideias e novas perspectivas de uso do Portfólio/Diário de Bordo. De acordo com o professor, os alunos vão preenchendo o Diário de Bordo na construção do conceito do objeto matemático “Números Complexos”, seguindo as etapas descritas no diálogo apresentado. Percebe-se que a intenção do professor era desenvolver habilidades de aprendizado nos alunos, fundamentadas em problematizações e perguntas, tendo como regra geral de ação "escutar atentamente os alunos" e desenvolver suas atividades em função do raciocínio dos alunos.

No âmbito do PREMa - EB, o professor mostrou ter desenvolvido habilidades de questionamento e melhorado seu entendimento do raciocínio do aluno. As ações implementadas no projeto apresentaram ao professor, e ao grupo, procedimentos relevantes para ampliar suas habilidades de questionamento, como exemplo o uso de analogias.

Fazendo a adequação das ações do projeto às suas aulas, o professor desenvolveu formas flexíveis de questionar, de modo a guiar o raciocínio dos alunos e auxiliá-los na compreensão das tarefas. O professor também enfatizou que, em relação às possibilidades de inferências, ele havia considerado diferentes atividades para categorias diferenciadas de alunos e com outros recursos. Esse elemento já estava presente nos esquemas do professor que foram incrementados por sua participação no projeto.

Considerações finais

Constatamos que a Gênese Documental, em especial a noção de esquema, contribuiu com o trabalho colaborativo de professores do projeto PREMa-EB, mostrando-nos que invariantes operacionais compartilhados provocam impacto no envolvimento em um trabalho colaborativo e favorecem esse trabalho; que o trabalho colaborativo pode provocar desenvolvimentos de esquemas individuais (ou de partes desses esquemas). Verificando documentos comuns gerados pelo trabalho colaborativo, constatamos que a participação dos professores por meio desse trabalho pode incrementar os seus esquemas individuais.

Constatamos, também, a partir do PREMa-EB, que o trabalho colaborativo expressa a forma de racionar de uma comunidade, seu esquema coletivo. Nesse sentido, existiria algum impacto dos esquemas individuais no desenvolvimento do esquema coletivo e, em contrapartida, os novos esquemas individuais teriam sofrido algum impacto e adaptação por esse esquema coletivo.

Concluindo, destacamos a importância do PREMa-EB no tocante ao processo de formação continuada de um coletivo de professores que desejavam desenvolver recursos para novas práticas de ensino, tomando decisões, de forma colaborativa, para atingir determinadas metas. As trocas foram acontecendo durante o trabalho, indicando aos pesquisadores os acertos e inadequações das incubações, contribuindo com outras investigações. Com isso, os pesquisadores do projeto contribuíram com os grupos de professores da educação básica, auxiliando-os cuidadosamente nas suas reflexões e reforçando os elos entre escola e universidades.

Por outro lado, os pesquisadores foram favorecidos pelo trabalho realizado com os professores, pois houve oportunidade para que problemas de pesquisas particulares fossem mais adequadamente formulados ou discutidos, percebendo-se, inclusive, novas estratégias metodológicas e instrumentos de coleta de dados.

Com este artigo procuramos favorecer a compreensão dos assuntos abordados, servindo de estímulo para que outros pesquisadores e estudantes na área de Educação Matemática possam utilizá-lo como referência no desenvolvimento de outros trabalhos na área.

Referências

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4Pierre Bénech- IFE de l´Ecole Normale de Lyon

Recebido: 01 de Maio de 2020; Aceito: 01 de Outubro de 2021

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