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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-37 

DEMANDA CONTÍNUA

Currículo e tecnologias digitais na escolarização de jovens e adultos no Brasil: uma análise sistemática e integrativa

Currículo y tecnologías digitales en la educación de jóvenes y adultos en Brasil: un análisis sistemático e integrador

Elizandra Jackiw1 
http://orcid.org/0000-0003-3976-2486

Cristiane Dall’Agnol da Silva Benvenutti2 
http://orcid.org/0000-0003-1326-6855

Sonia Maria Chaves Haracemiv3 
http://orcid.org/0000-0001-9305-5227

1Doutoranda em Educação. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: elizandra.jackiw@gmail.com.

2Doutoranda em Educação. Universidade Federal do Paraná , Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: cristianesibenvenutti@gmail.com.

3Doutora em Educação.Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: sharacemic@gmail.com.


RESUMO

O artigo tem como objetivo contribuir para a sistematização de conhecimentos sobre currículo e tecnologias digitais no campo da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Apresenta um mapeamento de pesquisas que tratam sobre o tema e os principais fundamentos e autores recorrentes nas produções científicas da área. Metodologicamente, caracteriza-se como um estudo bibliográfico, de abordagem qualitativa, cujo percurso metodológico inclui revisões sistemáticas e integrativas de artigos selecionados no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, entre os anos de 2007 a 2017. Ao se analisar em profundidade os artigos selecionados, evidenciou-se que a inserção de recursos tecnológicos digitais na mediação do saber e do conhecimento para jovens e adultos deve ser pensada a partir da construção de um currículo que modifique a forma de ensino rígido, fragmentado e descontextualizado, tão presente na Educação de Jovens e Adultos.

PALAVRAS-CHAVE: Currículo; Educação de Jovens e Adultos; Tecnologias educacionais; Sociedade do conhecimento

RESUMEN

El artículo pretende contribuir a la sistematización del conocimiento sobre el currículo y las tecnologías digitales en el ámbito de la Educación de Personas Jóvenes y Adultas en Brasil. Presenta un mapeo de las investigaciones que abordan el tema y los principales fundamentos y autores recurrentes en las producciones científicas del área. Metodológicamente se caracteriza por ser un estudio bibliográfico, de enfoque cualitativo, cuyo recorrido metodológico incluye revisiones sistemáticas e integradoras de artículos seleccionados del portal de revistas de la Coordinación para el Perfeccionamiento del Personal de la Educación Superior, entre los años 2007 y 2017. Al analizar en profundidad los artículos seleccionados, se evidenció que la inserción de los recursos tecnológicos digitales en la mediación de saberes y conocimientos para jóvenes y adultos debe ser pensada a partir de la construcción de um currículo que modifique la forma rígida, fragmentada y descontextualizada de enseñar, tan presente en la Educación de Jóvenes y Adultos.

PALABRAS CLAVE: Curriculo; Educación de jóvenes y adultos; Tecnologías educativas; La sociedad del conocimiento

ABSTRACT

The article aims to contribute to the systematization of knowledge about curriculum and digital technologies in the field of Youth and Adult Education in Brazil. It presents a mapping of research on the subject and the main foundations and recurring authors in scientific productions in the area. Methodologically, it is characterized as a bibliographical study, of qualitative approach, whose methodological path includes systematic and integrative reviews of articles selected from the journals portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel, between the years 2007 and 2017. By analyzing in depth the selected articles, it became evident that the insertion of digital technological resources in the mediation of knowledge and knowledge for young people and adults should be thought from the construction of a curriculum that modifies the rigid, fragmented, and decontextualized way of teaching, so present in Youth and Adult Education.

KEYWORDS: Curriculum; Youth and Adult Education; Educational technologies; Knowledge society

Introdução

Na atualidade, muito se discute sobre o impacto das tecnologias digitais na vida das pessoas. Vários são os autores (ALMEIDA, 2014; KENSKI 2012; SANCHO, 2001) que há tempos discorrem sobre sua presença no campo educacional e sobre a necessidade de aproximar o mundo enciclopédico e fechado das escolas e o mundo dinâmico e sem fronteiras das tecnologias digitais. Todavia, quando se analisa a escolarização de jovens e adultos no Brasil, poucas são as experiências envolvendo a inserção das tecnologias digitais nas propostas curriculares e nas práticas pedagógicas para esta modalidade.

Com o intuito de contribuir para a sistematização de conhecimentos produzidos a partir de estudos no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), currículo e tecnologias digitais é que este artigo se apresenta. Para tanto, realizou-se uma revisão sistemática e integrativa da literatura (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014), a partir da análise das produções disponíveis no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no interstício de 2007 a 2017. Importante destacar que esta produção faz parte da trajetória do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos (EPEJA), desenvolvido em parceria entre duas instituições de Ensino Superior públicas do sul do país, para a elaboração de um glossário digital com os principais fundamentos e autores recorrentes nas produções científicas da área. Para alcançar o objetivo ora proposto, o artigo está organizado da seguinte maneira: primeiro, descreve o percurso metodológico adotado para o estudo. Em seguida, apresenta a sistematização dos artigos selecionados na base de dados pesquisada. Por último, evidencia os conceitos e autores recorrentes emergidos nas produções analisadas.

Trajetória da pesquisa

Os procedimentos metodológicos adotados ao longo da pesquisa se fundamentam em Costa e Zoltowski (2014), que propõe a revisão sistemática da literatura a partir de oito passos: delimitação da questão a ser pesquisada, escolha das fontes de dados, eleição das palavras-chave, busca e armazenamento dos resultados, seleção dos artigos, extração dos dados dos artigos selecionados, avaliação dos artigos, síntese e interpretação dos dados. Para estes autores, a revisão sistemática é um método que se refere ao processo de reunião e avaliação crítica e sintética de resultados de múltiplos estudos, constituindo um trabalho reflexivo, crítico e compreensivo a respeito do material analisado (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014, p.55-56).

Considerando as premissas acima, o processo de pesquisa se iniciou a partir da delimitação das três primeiras etapas descritas pelos autores supracitados. Assim, realizaram-se buscas no Portal de Periódicos da CAPES com os descritores e operador boleano “EJA and Tecnologia”, com temporalidade entre os anos de 2007 a 2017. Tais descritores foram definidos com base no Thesaurus Brasileiro da Educação. A primeira busca encontrou 70 publicações. Após leitura flutuante dos títulos, resumos e palavras-chave, 48 publicações foram selecionadas para compor o campo bibliográfico. Mediante o estado do conhecimento destas publicações selecionadas, os artigos foram organizados a partir de eixos temáticos, conforme o Quadro 1.

QUADRO 1: Mapeamento das produções selecionadas e eixo temático 

Eixo temático Objeto de estudo Frequência
Tecnologia e inclusão Tratam de questões pertinentes à inclusão sociodigital na EJA e Educação Permanente. 5
Tecnologia e formação docente Discutem os processos formativos, os dilemas, impasses e pontos de tensão na relação multifacetada entre formação docente e tecnologias. 10
Tecnologia e formação de profissionais em outros contextos educativos Contemplam como objeto de pesquisa a formação de profissionais em outros contextos educativos, educação não-formal e informal, que tenham relação com a EJA e/ou Educação Permanente e as tecnologias. 4
Tecnologia, currículo e avaliação Discutem as questões vinculadas à tecnologia e ao currículo, avaliação e metodologias de ensino na EJA, bem como na Educação Permanente. 29
Total 48

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2021)

Na etapa seguinte, dezoito pesquisadores-colaboradores que integram o grupo de pesquisa realizaram leituras dos materiais selecionados e perceberam a necessidade de categorizar as produções do eixo temático “Tecnologia, currículo e avaliação” em sub-eixos, tendo em vista a amplitude e variação das discussões apresentadas. Assim, os vinte e nove artigos que compunham esta temática foram subdivididos em sete sub-eixos, conforme se apresenta no Quadro 2.

QUADRO 2: Sub-eixos da temática “Tecnologias, currículo e avaliação” 

Sub-eixo temático Objeto de estudo Frequência
Práticas pedagógicas Pesquisas sobre as práticas pedagógicas na EJA que estejam relacionadas à utilização de tecnologias. 5
Educação Básica com foco em Ensino e Aprendizagem Artigos relacionados às tecnologias na EJA, com enfoque no ensino das disciplinas escolares. Discute a relação entre a Educação de Jovens e Adultos e as tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. 14
Educação Superior Relações entre a Educação Superior e as tecnologias no âmbito da Educação de Jovens e Adultos. 2
PROEJA Pesquisas relacionadas ao PROEJA, modalidade específica da Educação Profissional na EJA. 2
Evasão escolar Relação entre a EJA e as tecnologias e a evasão escolar na Educação de Jovens e Adultos. 1
Educação Profissional Relação entre a Educação Profissional e as tecnologias. 2
Currículo e Avaliação Discutem as questões vinculadas a currículo e avaliação na EJA 3
Total 29

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2021)

Para efeitos deste artigo, os materiais analisados referem-se às cinco publicações que pertencem ao sub-eixo de discussão “Práticas pedagógicas”. Tais artigos estão apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 Artigos que compõe o sub-eixo “Práticas pedagógicas” 

Título do artigo Autoria Periódico
Jovens e adultos em processo de escolarização e as tecnologias digitais.
BRITO, B.M.S.
Revista Eletrônica de Educação, v. 7, n. 2, 2013, p. 23-38.
Tecnologias educacionais na educação de jovens e adultos em escolas na Amazônia: potencializando as práticas docentes. GOMES, I.S.M;
PRAZERES, M.S

Revista Conexão UEPG, v. 13 n.2 - maio/ago, 2017, p.292-293.
Livros didáticos e apostilas: o currículo de Matemática e a dualidade do Ensino Médio. FONSECA, A.G;
VILELA, D.S.
Boletim da Educação Matemática, , v. 28, n. 49, abr. 2014, p. 557-579.
Crayon Sharks: um estudo de caso sobre o design e aplicação de um jogo digital para o ensino de Ciências SILVA, M.L.M;
ARAUJO, R.M.
Revista Holos, Ano 33, Vol. 07, 2017, p.328-343.
Possibilidades e desafios da Educação Física como componente curricular no processo de expansão regional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN BATISTA, A. P;
SOUZA FILHO, M;
OLIVEIRA, I. P. B;
SOUZA, H. A. G;
MELO, J. P.
Revista Holos, Ano 30, Vol. 4, 2014, p. 492-501.

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2021)

Tomando como ponto de partida os artigos indicados acima, apresenta-se a seguir uma análise pormenorizada realizada em cada um deles e suas articulações com os autores-referências da área de estudo para se delimitar os conceitos extraídos.

Tecnologia e currículo na educação de jovens e adultos: apontamentos e especificidades dos artigos

O artigo intitulado “Jovens e adultos em processo de escolarização e as tecnologias digitais” (BRITO, 2013) é fruto da dissertação de Mestrado da autora e aborda o uso das tecnologias digitais pelos estudantes da EJA e sua relação com o processo de escolarização e aprendizagens que vivenciam.

Neste artigo, Brito (2013) apresenta o resultado de entrevistas semiestruturadas realizadas com cinco estudantes de escolas públicas da região da Freguesia do Ó e da Brasilândia na zona noroeste de São Paulo, Brasil. Os entrevistados foram escolhidos a partir da aplicação de um questionário a trinta estudantes da EJA daquela região. Ao descrever as entrevistas, a autora relata o uso social das tecnologias digitais feita por aqueles estudantes, tais como: navegar em redes sociais, assistir a filmes, baixar músicas, fazer compras, jogar on-line e para o lazer, de modo geral. Também descreve as dificuldades apresentadas pelos estudantes em seus percursos escolares e a percepção sobre o uso das tecnologias digitais na escola como instrumentos que potencializam a aprendizagem formal e informal. Após análise em profundidade, caminho metodológico clarificado por Minayo (2001, p.59) como a compreensão da significação de crenças, comportamentos, interesses, motivações e valores os quais não se configuram ao reducionismo da mecanização de variáveis, Brito (2013) aponta que as entrevistas e questionários aplicados confirmam a opinião de que os estudantes reconhecem a escola como lócus essencial para a alfabetização. Outra ideia defendida é a de que a valorização dos saberes escolares em detrimento dos saberes acumulados fora da escola faz parte dos sujeitos da EJA. Os resultados da pesquisa apontam que prevalece a visão da escola enquanto espaço para apropriação de saberes enciclopédicos, conteudistas e não como um espaço de interações sociais e apropriação de saberes para a realização de reflexões e ações que possibilitem o desenvolvimento pessoal. Desta forma os participantes também não relacionam a escola com o uso de tecnologias. Para eles, tudo o que aprenderam ou sabem sobre o uso de tecnologias, em especial ao uso de computadores e internet, foi aprendido fora da escola, com familiares, amigos ou em lan-houses. Apesar da falta de relação que os sujeitos da EJA fazem entre suas aprendizagens escolares e o uso social das tecnologias da informação e comunicação, Brito (2013) percebe que a escolarização tem relação direta com a frequência de uso da internet: quanto mais escolarizados, mais os sujeitos da EJA estão conectados à internet. Uma hipótese levantada pela autora referente a esta relação é a de que o uso intensivo de buscadores e a comunicação por redes sociais pela maior parte dos sujeitos permitiria aos educandos da EJA praticar mais a leitura e a escrita do que faziam antes de se conectarem.

O segundo artigo, intitulado “Tecnologias educacionais na Educação de Jovens e Adultos em escolas na Amazônia: potencializando as práticas docentes”, Gomes e Prazeres (2017) relatam a experiência desenvolvida no âmbito de um projeto de extensão do qual os autores participam, vinculado à Universidade Federal do Pará (UFPA). Os autores descrevem e analisam as oficinas teórico-práticas ofertadas para professores de escolas ribeirinhas situadas na Vila de Porto Grande (PA) sobre o tema do uso das tecnologias educacionais em turmas de EJA. Para mapear as necessidades formativas dos docentes em relação à temática, Gomes e Prazeres (2017) aplicaram um questionário composto por questões de múltipla-escolha. As análises dos dados coletados indicaram que o acesso aos recursos tecnológicos nas escolas é limitado, falta política de formação de professores para o uso das tecnologias e a maioria dos entrevistados não utiliza as tecnologias como recurso didático. Os resultados da pesquisa apontaram ainda que os professores tinham maior interesse em conhecer e inserir em suas práticas pedagógicas a internet, o datashow e o computador. Ao refletir sobre os dados coletados, Gomes e Prazeres (2017) buscam em Cysneiros (1999) o conceito de “inovação conservadora” para afirmar que os dados indicam que as ferramentas tecnológicas utilizadas por estes profissionais se restringem a questões burocráticas e administrativas, se distanciando de metodologias inovadoras que contribuam para a melhoria na qualidade do ensino. A partir deste contexto, tais oficinas foram planejadas e realizadas. Em relação aos aspectos teóricos abordados, cita-se: os diferentes contextos históricos, concepções e configurações da oferta da EJA no Brasil, as principais problemáticas políticas, econômicas e pedagógicas que marcaram o atendimento educacional da população jovem e adulta e o conceito de tecnologia e tecnologia educacional. Em relação aos aspectos práticos, explorou-se o uso de diversas ferramentas, como a produção de slides, a internet, o uso do computador. Merece destaque a reflexão em relação ao uso de filmes como recursos didáticos, não somente no sentido de ampliar a compreensão sobre um determinado conteúdo, mas também de proporcionar a reflexão a respeito da influência das mídias na sociedade e, especificamente, na escola. Gomes e Prazeres (2017) encerram afirmando que o curso de formação docente contribuiu para que os docentes da EJA pudessem ser qualificados, não somente no uso e apropriação das tecnologias em suas práticas pedagógicas, mas construíssem subsídios para uma reflexão acerca dos limites e possibilidades da apropriação das tecnologias nas escolas ribeirinhas amazônicas.

O artigo intitulado “Livro didático e apostila: o currículo de Matemática e a dualidade do Ensino Médio” as autoras Fonseca e Vilela (2014) apresentam uma análise comparativa de alguns livros didáticos e apostilas datados de 2009, disponibilizados no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD e utilizados por estudantes do Ensino Médio do país e a justificativa da instituição de ensino sobre sua escolha. Para a análise comparativa observa-se que a pesquisa iniciou a partir de um roteiro pautado na teoria do currículo, análise de características gráficas, seleção e sequência de conteúdos e relação com as áreas do conhecimento, presença de exercícios de vestibular, análise do prefácio e metodologias de ensino. Em um primeiro momento, o artigo traz um breve histórico sobre a configuração política e social da educação brasileira e suas influências na distribuição do livro didático e da apostila. Naquele artigo, o material didático é visto como um recurso tecnológico impresso que avança e adentra o espaço das escolas públicas, principalmente pelo Estado de São Paulo. Neste sentido, Fonseca e Vilela (2014) apontam que os dados analisados evidenciam que o apostilamento no país tem crescido justamente para ampliar uma forma de ensino que reproduza o que está posto para toda sociedade, amenize o impacto das notas dos alunos nos processos de avaliações nacionais como a Prova Brasil, aumente o Índice de Desempenho da Educação Básica - IDEB e possa amenizar o impacto do não cumprimento das metas descritas no Plano Nacional de Educação - PNE. Os autores também afirmam que a apostila como material didático possibilita apontar e alcançar resultados mais precisos nas avaliações nacionais, pois cumpre com a sua função de condicionamento e reforço positivo, conforme a teoria Behaviorista e o resgate do tecnicismo da década de 70. Isso se reverbera também no material didático da Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio, já que se apresenta como materiais técnicos para a aprovação e obtenção do certificado de conclusão desta etapa escolar.

No quarto artigo analisado, “Crayon Sharks: um estudo de caso sobre o design e aplicação de um jogo digital para o ensino de Ciências”, Silva e Araujo (2017) apontam por meio de uma pesquisa participativa os resultados de um protótipo de jogo digital educativo para alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, voltado para os conteúdos da disciplina de Ciências, em uma escola pública de Macau/RN. Na pesquisa, os autores evidenciam que o uso de diferentes metodologias de ensino e recursos tecnológicos possibilita aos estudantes uma aprendizagem significativa e desperta a criatividade do aluno na disciplina de Ciências. Para Silva e Araujo (2017), considerando o cenário do mercado de jogos digitais e a disseminação das tecnologias entre jovens, se pode constatar que o uso de material midiático no ensino de Ciências aproxima os conteúdos de forma interativa e mais próxima da realidade atual. Por isso, o artigo defende a inserção de jogos digitais em sala de aula e lança uma prerrogativa sobre a formação do professor e a necessidade de se conhecer os processos de design e aplicação de jogos digitais voltados para o processo de ensino-aprendizagem. Após a análise dos dados, os autores constataram que durante o desenvolvimento e aplicação do protótipo do game digital Crayon Sharks, o objetivo foi alcançado pois os estudantes desenvolveram o jogo voltado para a resolução de um problema relacionado aos conteúdos de Ciências com muita facilidade e entusiasmo. Com o resultado e análise de um questionário semiestruturado, respondido pelos discentes participantes, ficou evidente que o Crayon Sharks é um jogo educativo que proporciona o desenvolvimento de atividades divertidas que facilitam e estimulam o aluno a apreender e compreender os conteúdos de uma disciplina.

Em “Possibilidades e desafios da Educação Física como componente curricular no processo de expansão regional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN”, Batista et al (2014) traz como proposta de pesquisa discutir a função social da Educação Física como componente curricular no processo de formação do Ensino Médio integrado. A pesquisa foi desenvolvida a partir das experiências vivenciadas nas aulas ministradas pelos autores, em turmas de Ensino Médio em catorze cidades circunvizinhas ao município de Pau dos Ferros (RN). Os estudantes participantes da pesquisa residiam na zona rural e viajavam aproximadamente duas horas para chegar aos estabelecimentos escolares. Batista et al (2014) iniciam os estudos com uma reflexão teórica motivada por seus estudos de pós-graduação e instigados a relacionar os conhecimentos acadêmicos junto ao fazer pedagógico institucional do professor de Educação Física. Para tanto, evidenciam a função da Educação Física no currículo dos estudantes do Ensino Médio integrado por meio da leitura de documentos do IFRN e do Projeto Político Pedagógico (PPP). A partir desse cenário, Batista et al (2014) destacam que a inserção da prática pedagógica dos professores de Educação Física do IFRN junto ao Ensino Médio integrado possibilitou tornar a Educação Física social não somente um documento, mas uma ação que interfere na formação integral do estudante dessa modalidade de ensino.

Conceitos e autores recorrentes nas produções analisadas: contribuições para (re) pensar a temática

Os autores dos artigos analisados adotam diferentes referenciais teóricos para fundamentar suas pesquisas. Isso ocorre em virtude da diversidade de contextos e áreas de atuação nas quais as pesquisas se situam. Neste sentido, os referenciais teóricos utilizados pelos autores foram organizados a partir de suas temáticas, recorrências e dos conceitos presentes nos artigos. Partindo desta análise, emergiram os seguintes conceitos: Sociedade do conhecimento - Tecnologias digitais - Processos de escolarização na EJA e Currículo, conforme se apresenta no Quadro 4.

Quadro 4 Conceitos e autores recorrentes nas produções analisadas 

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2021)

Evidencia-se a seguir reflexões integrativas entre os artigos analisados, com o intuito de estabelecer relações entre os conceitos emergidos e os posicionamentos teóricos necessários para a compreensão da temática estudada.

Brito (2013) opta por caracterizar a sociedade atual a partir dos conceitos de Castells (1999). De acordo com este autor, vive-se em uma sociedade em rede, pautada pela microeletrônica, cujas redes tecnológicas e de comunicação digital se tornam a espinha dorsal da sociedade. A lógica de utilização transcende fronteiras e se torna global, difundindo-se através do capital, bens, serviços, informação, ciência e tecnologia. Para ele, as tecnologias da informação não são apenas ferramentas para se aplicar, mas processos para se desenvolver. Brito (2013) explica que a perspectiva teórica deste autor é de que as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente dadas de produção, experiência e poder. No período industrial, a principal fonte de produtividade é a introdução de novas fontes de energia e a capacidade de descentralizar o uso da energia ao longo dos processos produtivos. Já no período informacional, a principal fonte de produtividade é a tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de informação e de comunicação de símbolos. Em vez da maximização da produção, o informacionalismo busca a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de complexidade no processamento da informação.

Em seu artigo, Brito (2013) utiliza-se de Harvey Brooks e Daniel Bell citados por Castells (1999, p. 49) para definir a tecnologia como “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de maneira reproduzível”. Historicamente, muito se utilizou o termo Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) para caracterizar os processos e produtos relacionados com os conhecimentos provenientes da eletrônica, da microeletrônica e das telecomunicações. Atualmente, as tecnologias digitais surgem como um conceito que se caracteriza por ter uma base imaterial, ou seja, não são tecnologias materializadas em máquinas e equipamentos. Seu principal espaço de ação é virtual e sua principal matéria-prima é a informação (KENSKI, 2012). Para Brito (2013, p.26), tecnologias de informação e comunicação ou tecnologias digitais são “o conjunto de tecnologias de computação (software e hardware) e telecomunicações (especificamente a internet, seja ela discada ou de banda larga)”.

A autora afirma que o uso das tecnologias digitais tem influenciado a maneira como as pessoas se relacionam entre si e com o mundo, remodelando aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais ― dos sentidos e interpretações a eles atribuídos. Também salienta que apropriar-se das tecnologias digitais torna-se, atualmente, uma necessidade básica de aprendizagem, tanto quanto a alfabetização e a escolarização. Todavia, destaca que mais que saber operar tais tecnologias, sua apropriação diz respeito aos diferentes usos das tecnologias digitais para a realização de projetos individuais ou coletivos.

Brito (2013) se utiliza de Pierre Lèvy (1999) para evidenciar as relações das tecnologias com o saber escolar, as facilidades e alterações experienciadas a partir da evolução das tecnologias da informação e da comunicação e como estas tecnologias modificam significativamente a lógica da produção e disseminação do saber. De acordo com este autor, vivencia-se uma economia baseada na gestão do conhecimento, independentemente de sua origem: sejam eles técnicos, científicos, da ordem da comunicação ou da relação ética com o outro. Diz ele que a sociedade deve se constituir em grupos humanos inteligentes, com sujeitos cognitivos, abertos, capazes de tomar iniciativas, criativos e reativos. Neste novo imperativo, cada indivíduo, grupo, organização, seria considerado como recursos potenciais de aprendizagens. Neste sentido, “a prosperidade das nações, das regiões, das empresas e dos indivíduos depende de sua capacidade de navegar no espaço do saber” (LÈVY, 1999, p. 19).

No atual contexto vivido e com o advento da globalização, a educação e a formação são tidas como os maiores recursos de que se dispõe nesta era do conhecimento. Se antes, o poder se encontrava e se concentrava em aspectos e recursos materiais, hoje essa força deslocou-se para o saber (conhecimento). A aprendizagem está no centro das sociedades do conhecimento.

De acordo com a UNESCO (2005), a sociedade do conhecimento pode ser definida como sociedades que se beneficiam de sua diversidade e de suas capacidades de incentivar o compartilhamento do conhecimento. Essas sociedades oferecem muitas oportunidades novas para o desenvolvimento com apoio de inovações tecnológicas e participação em larga escala na produção e no consumo de informação. Em seu relatório mundial intitulado “Rumo às sociedades do conhecimento” (2005, p.80), a entidade afirma que as sociedades do conhecimento dizem respeito “à capacidade de identificar, produzir, processar, transformar, disseminar e usar informação para acumular e aplicar conhecimento para o desenvolvimento humano”. O relatório também indica que o conhecimento é um meio de alcançar objetivos sociais e econômicos mundiais que além de essencial para a socialização cultural, participação política e integração entre mercados, é também o caminho para a emancipação individual e coletiva. Sobre isso, Brito (2013) conclui que a apropriação das tecnologias e a exploração de suas diversas possibilidades para a realização de projetos individuais ou coletivos depende de saberes aprendidos na escola. Sem estarem alfabetizados, por exemplo, a capacidade de navegação pela internet fica comprometida, e quanto mais escolarizados mais os sujeitos da EJA se apropriam das tecnologias digitais. Torna-se necessário, então, a formação na perspectiva de escolarização e ao longo da vida, para que o sujeito não fique à margem do processo produtivo e dos bens culturais e de consumo que a globalização potencializa.

De acordo com Sacristán (2013), a escolarização é fruto do pensamento moderno em que a escola ocupa lugar central na possibilidade de melhoria das condições de vida dos indivíduos. A escola se torna o espaço formal de propagação do conhecimento, transmissão da cultura, socialização e preparação para as atividades produtivas. Este autor aponta a escolarização universal como uma das criações culturais e realizações mais importantes do século XX.

Gomes e Prazeres (2017) apresentam de maneira sintética o percurso histórico da escolarização de jovens e adultos no Brasil. Afirmam que esta modalidade de ensino teve seu início no período colonial, com uma educação marcadamente catequética. A partir de 1930 passa por remodelações ao estilo escolanovista. Um pouco mais tarde, Paulo Freire (1921-1997) oferece duras críticas a este modelo e atua fortemente em uma prática libertadora de educação. Todavia, com o golpe militar de 1964, os “Círculos de Cultura” de Freire (1991) são banidos e implementa-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), cuja organização curricular e pedagógica estava atrelada aos ideais militaristas. Ainda durante o regime militar, surge o Ensino Supletivo, que se utiliza das tecnologias da informação e comunicação (rádio, televisão, correspondências e outros) para atingir o maior número de estudantes possível com o objetivo de diminuir o alto índice de pessoas jovens e adultas não alfabetizadas e qualificar a mão de obra para as indústrias.

No campo dos direitos legais, a Constituição brasileira de 1988 conferiu à população jovem e adulta o direito à educação escolar fundamental. De lá para cá, se observa que as políticas públicas avançaram lentamente sob a perspectiva de aprendizagem ao longo da vida e de desenvolvimento de habilidades e competências para o efetivo exercício da cidadania. Ainda imperam políticas assistencialistas e de cunho compensatório àqueles que não tiveram acesso e progressão escolar na infância e adolescência.

Gomes e Prazeres (2017) se utilizam de Arroyo (2006) para fundamentar o fato de que a Educação de Jovens e Adultos tem sua história muito mais tensa do que a história da educação básica, haja vista que as duas cruzam interesses menos consensuais do que na educação da infância e da adolescência, sobretudo quando os jovens e adultos são trabalhadores, pobres, negros, subempregados, oprimidos, excluídos. Além disso, os jovens e adultos pouco ou não escolarizados - oriundos, portanto, de uma cultura não escolar -, ao ingressarem na escola, terão que se inserir e interagir com os modos de funcionamento particulares da instituição. Entretanto, o aprendizado desses sujeitos inicia-se muito antes de frequentarem a escola, uma vez que eles aprendem a lidar com as situações, as necessidades e as exigências cotidianas da sociedade contemporânea. Portanto, quando começam a estudar, já tiveram experiência com medidas, cálculos matemáticos, materiais impressos, língua materna falada, ferramentas de trabalho e equipamentos elétricos e/ou eletrônicos. Ressalta-se, então, que ao ingressarem na escola, jovens e adultos que já adquiriram um aprendizado informal terão acesso ao aprendizado escolar que está direcionado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico de modo sistematizado.

Essas perspectivas levam a compreender os jovens e adultos analfabetos e/ou não escolarizados como sujeitos históricos, sociais e culturais, dotados de conhecimentos e experiências acumulados ao longo da vida, que necessitam da intervenção de instituições culturais para desencadear o desenvolvimento de suas potencialidades. São, portanto, não objetos depositários de conhecimentos, mas sujeitos protagonistas de sua história, capazes de construir conhecimento e aprendizado. Brito (2013) se utiliza de Torres (2002) para afirmar que a alfabetização e a Educação Básica são necessidades básicas de aprendizagem na sociedade letrada em que vivemos. Por isso, os conteúdos e as estratégias de ensino e aprendizagem também variam de acordo com cada contexto e momento, e devem estar em permanente revisão. Também busca fundamentação em Haddad (2007) para afirmar que a alfabetização e a escolarização básica são essenciais para a educação ao longo da vida e para a sociedade do conhecimento.

Muitas oportunidades de aprendizagem dependem de saber ler e escrever e de se ter acesso a uma Educação Básica de qualidade, que desenvolva habilidades, interesses, valores e atitudes essenciais para se aprender em diferentes contextos. Assim, no processo de escolarização de jovens e adultos, não se pode deixar de lado a inserção das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação. Todavia, para que elas tragam alterações significativas no processo educativo, faz-se necessário que sejam incorporadas pedagogicamente.

Gomes e Prazes (2017), valendo-se de Cysneiros (1999), destacam que geralmente as ferramentas tecnológicas são usadas como “inovação conservadora”, ou seja, quando os recursos tecnológicos servem tão somente para questões administrativas e burocráticas. A utilização das tecnologias como parte integrante de metodologias inovadoras, que contribuam para a melhoria da qualidade do ensino tem sido um grande desafio, tanto para docentes - que por limitações de infraestrutura, pessoais e institucionais não fazem a adequada utilização nas aulas -, quanto para os alunos, que perdem a oportunidade de acessar e utilizar as ferramentas tecnológicas. Gomes e Prazes (2017) afirmam que as reflexões acerca da importância e do papel que as tecnologias digitais representam atualmente permitem concluir que as tecnologias devem ser utilizadas a favor da transformação social, criando, assim, laços de solidariedade e propiciando o trabalho coletivo. Além disso, o uso de tecnologia educacional na Educação de Jovens e Adultos deve estar articulado com outras dimensões do processo educativo, como a existência, na escola, de um currículo fortalecido por uma tessitura coletiva, fruto do envolvimento das pessoas que o elaboram não só baseadas na dimensão técnica, mas também nas dimensões política, cultural e ética.

No contexto da Sociedade do Conhecimento e do processo de escolarização na EJA, a questão curricular deve incorporar uma discussão sobre a inserção de recursos tecnológicos como instrumentos que mobilizam a prática docente em um movimento espiral que articula os componentes curriculares. A construção epistemológica, pedagógica e social do currículo torna-se uma ocupação territorial dos saberes que dá sentido às culturas e contextos dos sujeitos curriculares envolvidos.

Fonseca e Vilela (2014) afirmam que o currículo deve explicitar os vínculos entre as esferas política e econômica, objetos da cultura escolar. Ainda segundo os autores, o currículo vem sofrendo alterações de acordo com os interesses políticos e econômicos envolvidos no contexto de determinada época e traz indícios desses interesses e de crenças que transitam entre os campos educacional, político e social. Sobre isso, Silva (2015) salienta que o sentido de currículo vai além de uma simples enumeração de conteúdos e diretrizes estabelecidas para que o professor desenvolva em sala de aula durante as diferentes fases da vida escolar de um estudante. O currículo é um plano de estudos apresentado em uma modalidade de ensino que abarca um conjunto de programas de ensino.

Barcelos (2010) considera que o currículo deve ser constituído por um conjunto de componentes tomados de forma articulada, orientados por uma ordem e concepções de educação e de mundo. As palavras ordem e concepções numa perspectiva resultante de um embate que ocorre permanentemente numa “arena em que estão em luta visões de mundo e onde se produzem, elegem e transmitem representações, narrativas, significados sobre as coisas e seres do mundo” (COSTA, 2005, p.41 apudBARCELOS, 2010, p.6).

Neste sentido, Batista et al (2014) assevera a importância dos documentos institucionais explicitarem as abordagens teóricas que os compõem. A construção de tais documentos devem envolver a ação coletiva dos docentes e depreender a construção democrática de objetivos, fundamentos, princípios e pressupostos norteadores das ações pedagógicas institucional, de tal forma que deixe claro no currículo a maneira como as concepções de cultura, educação, pessoa, sociedade, tecnologia e trabalho são entendidas. Todavia, enfatizam os autores, que tais documentos não devem ser entendidos como algo rígido e concluso. Torna-se necessário revisar periodicamente as bases filosóficas e epistemológicas de tais documentos e os pressupostos teóricos metodológicos das propostas dos diversos componentes curriculares. Nesse sentido, torna-se premente destacar que a proposta curricular dialoga com o inacabamento, “apresentando-se como uma diretriz que precisa ser experiementada e reelaborada de acordo com as modificações de visão de mundo e sociedade que queremos acessar aos nossos educandos” (BATISTA et al, 2014, p. 499).

O currículo na modalidade da EJA não pode ser entendido como um conjunto de conteúdos distribuídos em disciplinas, mas como uma plataforma que promova pesquisa, apropriação e expansão ao conhecimento científico, além da abordagem sobre temas abrangentes e contemporâneos inseridos na vida humana em escala global, regional e local, bem como na esfera individual. Neste interim, os recursos tecnológicos como recursos para estratégias do desenvolvimento de práticas pedagógicas trazem dinâmica à compreensão dos conteúdos dispostos nos componentes curriculares por parte dos estudantes.

Sobre isso, Batista et al (2014) propõe a construção de um documento norteador na perspectiva pluricurricular, cujos cursos sejam ofertados em sintonia com a função social que desempenha, visando a consolidação e o fortalecimento dos arranjos produtivos, culturais e sociais locais. Como forma de exemplificar tal proposição, os autores citam a construção curricular do IFRN, que apresenta um currículo organizado a partir de três eixos: ciência, trabalho, cultura e tecnologia, que atuam de modo entrelaçado e intercomplementar como princípios norteadores da prática educativa. Tal proposta compartilha o ideário de uma formação humana integral, como também a valorização da cultura enquanto elemento que perpassa as práticas escolares. Nesse sentido, as abordagens teóricas que fundamentam o referido documento possibilitam aos professores a trabalharem em uma perspectiva ampliada em que o arcabouço teórico e metodológico para a construção do conhecimento seja pautado em torno da cultura.

Quando se trata de integração das tecnologias digitais nos currículos, Almeida (2014) também chama a atenção para o fato de que seja necessário perceber qual é a concepção de currículo subjacente. Pois, se de um lado, essa integração pode se desenvolver centrada em métodos instrucionais, baseado na distribuição das informações (seja com o uso de softwares ou materiais digitalizados), por outro, pode permitir a reconstrução do currículo na prática pedagógica, constituindo-se naquilo que Levy (1999) chama de inteligência coletiva. Isso significa usar as tecnologias digitais para a leitura crítica do mundo, a escrita de palavras com o uso de recursos multimodais, o exercício da autoria e da coautoria, a dialogicidade para transformar a realidade.

No que tange as experiências sobre o uso das tecnologias nas escolas de EJA, o artigo de Silva e Araujo (2017) traz uma possibilidade do uso de tecnologia como recurso a partir de uma prática com jogos digitais. Para eles, uma aula não pode se valer apenas de uma metodologia repetida durante todo um período letivo. Da mesma forma, jogos digitais que utilizam fórmulas antigas, sem nenhuma inovação, tendem a fracassar por não despertarem o interesse em seu público. O professor, assim como o game designer, precisa se colocar no lugar do público, ou seja, dos estudantes, e se perguntar se o seu planejamento apresenta características atrativas para a experiência educativa proposta. Os jogos digitais, com característica de gênero educativo, apresentam ênfase no processo de ensino e aprendizagem aproximando o cotidiano do estudante com o objetivo de um determinado conteúdo e/ou conceito que será apreendido durante um determinado momento da aula.

Neste sentido, é imprescindível que o professor compreenda as tecnologias digitais como um instrumento pedagógico de mediação do conteúdo, em que o discente poderá experimentar diversas ações e analisar os resultados por intermédio da resolução e reflexão sobre os fatos e problemas daquela situação. Silva e Araujo (2017) se utilizam da metáfora de “rizoma” proposta por Deleuze e Guattari (1995) para explicar que a estrutura da linguagem utilizada em jogos digitais se distancia da lógica linear presente nas narrativas escritas, uam vez que a história se constrói a partir das ações do jogador e suas interações com os elementos do jogo.

Em uma perspectiva curricular, Batista et al (2014) salienta que as ações pedagógicas no currículo integrado precisa ter sentido e significado para os educando, pois uma educação integral não se faz apenas com inter ou transdisciplinaridade, pois essa é apenas uma das faces pedagógicas necessárias ao ambiente escolar para que se rompam com práticas pedagógicas tradicionais e compartimentalizadas.

Como se percebe, as mudanças nas perspectivas de currículo, no sentido de aprendizagem colaborativa e contextualizada, trazem em seu bojo a necessidade de se (re) pensar a intenção da educação, de novas aprendizagens e do currículo escolar para os jovens e adultos.

Conclusão

A partir das leituras e análises dos artigos aqui apresentados, pode-se observar linhas de convergência entre os trabalhos quando relacionados à temática das tecnologias em sala de aula de EJA.

Uma das expectativas que se entrelaçam nos artigos é o uso das tecnologias em sala de aula como potencializadoras da aprendizagem, especialmente quando o professor desenvolve práticas pedagógicas na tentativa de motivar, despertar a criatividade, o interesse e a atenção dos estudantes. Sobre este ponto de vista, Almeida (2014) destaca que as tecnologias são artefatos que estão presentes na interação social do ser humano e o professor deve considerá-la no cenário educacional para a mediação dos saberes nas diversas áreas do conhecimento.

Esta perspectiva de recurso tecnológico como mediação do saber e do conhecimento na prática pedagógica também deveria se tornar pauta de discussões mais aprofundadas na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, de maneira a modificar a forma de ensino rígida, fragmentada e descontextualizada que se vê cotidianamente.

Diante do exposto, os artigos evidenciam possiblidades do uso dos materiais e recursos tecnológicos voltados para uma parte da população inserida em idade e contexto regular de ensino. Ademais, os processos que envolvem a Educação Básica com foco nas disciplinas e o ensino e aprendizagem evidenciados nos artigos reforça a incidência da tecnologia no espaço da escola e na prática do professor, em virtude das tendências da sociedade e o perfil dos discentes.

Outra questão que merece destaque se relaciona ao processo de ensino e aprendizagem de Jovens e Adultos para o exercício da cidadania, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades e competências para a vida. Os autores alertam que o uso de tecnologia educacional na Educação de Jovens e Adultos deve estar articulado com outras dimensões do processo educativo, como a existência na escola de um currículo fortalecido por uma tessitura coletiva, fruto do envolvimento das pessoas que o elaboram não só baseadas na dimensão técnica, mas também nas dimensões política, cultural e ética.

Assim, pensar o currículo e o papel das tecnologias nos processos pedagógicos da EJA é pensar as tecnologias educacionais a favor de uma educação que seja emancipadora dos sujeitos, em que professores e estudantes sejam protagonistas e parceiros na/da aprendizagem.

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Recebido: 01 de Julho de 2021; Aceito: 01 de Maio de 2022

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