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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-38 

DEMANDA CONTÍNUA

A Base Nacional Comum Curricular e as mudanças para o ensino de História no Ensino Médio

La Base Nacional Común Curricular y los cambios en la enseñanza de la Historia

Crislane Barbosa de Azevedo1 
http://orcid.org/0000-0003-3456-0025

Débora Quezia Brito da Cunha Castro2 
http://orcid.org/0000-0003-3108-609X

1Pós-Doutora em Educação. Professora Associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail:crislaneazevedo@yahoo.com.br.

2Doutoranda em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: deboraquezia.bc@gmail.com.


RESUMO

A Base Nacional Comum Curricular, de 2018, normatiza mudanças curriculares, principalmente, para o Ensino Médio. Analisamos as implicações da nova estrutura curricular proposta pela Base para o ensino de História nesse segmento. Embasamo-nos na teoria crítica do currículo proposta por Apple (1982). Seguimos metodologia de cunho qualitativo e pautamo-nos em análise documental. As propostas presentes na BNCC vêm causando discussões e críticas. Acreditamos que o lugar de “não obrigatoriedade” destinado ao ensino de História implicará gradativamente na ausência dessa disciplina nos currículos de Ensino Médio em tempo integral, e dessa forma, prejudicará tanto o desenvolvimento crítico, reflexivo e identitário dos discentes quanto a formação de professores de História.

PALAVRAS-CHAVE: Base Nacional Comum Curricular; Ensino de História; Currículo; Ensino Médio

RESUMEN

La Base Curricular Nacional Común, de 2018, regula los cambios curriculares, principalmente para la escuela secundaria. Analizamos las implicaciones de la nueva estructura curricular propuesta por Base para la enseñanza de la Historia en este segmento. Nos basamos en la teoría crítica del currículum propuesta por Apple (1982). Seguimos una metodología cualitativa y nos basamos en el análisis de documentos. Las propuestas presentadas en el BNCC han provocado discusiones y críticas. Creemos que el lugar de "no obligatoriedad" para la enseñanza de la Historia implicará paulatinamente la ausencia de esta disciplina en los planes de estudio del bachillerato de tiempo completo y, por tanto, perjudicará tanto el desarrollo crítico, reflexivo e identitario de los estudiantes como la formación. de profesores de Historia.

PALABRAS CLAVE: Base de currículo nacional común; Enseñanza de la historia; Plan de estudios; Escuela secundaria

ABSTRACT

The Common National Curriculum Base, from 2018, regulates curricular changes, mainly for high school. We analyze the implications of the new curricular structure proposed by Base for the teaching of History in this segment. We are based on the critical theory of curriculum proposed by Apple (1982). We follow a qualitative methodology and are based on document analysis. The proposals presented at the BNCC have been causing discussions and criticism. We believe that the place of "non-mandatory" for the teaching of History will gradually imply the absence of this discipline in full-time high school curricula, and thus, will harm both the critical, reflective and identity development of students and the training of teachers of History.

KEYWORDS: Common National Curriculum Base; History teaching; curriculum; High school

Introdução

Ao pensarmos no ensino de História, somos levados a refletir sobre as relações de poder que constituem as políticas educacionais e as propostas didáticas para a disciplina. Na Educação Brasileira ora ela estava reduzida a questões nacionalistas, ora estava sem identidade e diluída em meio a contradições. A formação autônoma e integral do sujeito foi pensada a partir da Lei de Diretrizes e Base (LDB), de 1996, e aprofundada durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), entre 2003 a 2010, com a criação das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e da reforma das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2012). (BITTENCOURT, 2009; FONSECA. 2009).

Entretanto, esse ciclo foi rompido com o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Seu sucessor, Michael Temer do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), introduziu uma série de reformas que modificou o Ensino Médio e, consequentemente, o ensino de História, dentre às quais destacamos: a Base Nacional Comum Curricular. (ARAÚJO, 2018; CARDOZO, LIMA, 2018)

A BNCC se configura como um documento normativo para a Educação Básica. A sua escrita possui relação com: grupos empresariais, organismos internacionais, além de documentos oficiais como a Constituição Federal de 1988, a LDB de 1996 e o PNE. As alterações presentes na versão homologada da Base chegam a redirecionar a perspectiva formativa dos sujeitos, principalmente no Ensino Médio. (FERRETTI, 2018; MENDES, 2020).

Para compreender essa nova perspectiva formativa levantamos o seguinte problema de pesquisa: como a nova orientação curricular presente na BNCC afeta o ensino de História no Ensino Médio? Para contemplar esse questionamento traçamos como objetivo: analisar as implicações da nova estrutura curricular, presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para o ensino de História no Ensino Médio.

O enfoque de nossa pesquisa sustentou-se na análise da Base Nacional Comum Curricular (2018) a partir da pesquisa qualitativa, com foco na análise documental nos pressupostos de Triviños (1987). Para a análise do documento, dialogamos com Apple (1982) e a sua perspectiva crítica de currículo. A compreensão de currículo, assim, é aquela que o considera um território de conflitos e contradições por estar envolto em questões econômicas, políticas e sociais.

Para apresentar nossa análise, estruturamos o texto em duas seções. Na primeira trabalhamos com a visão geral do contexto de formulação da Base e as diferenças entre as três versões do documento. Por fim, analisamos a proposta curricular da BNCC destinada ao ensino de História no Ensino Médio.

Os fundamentos históricos da BNCC

A proposição de uma orientação curricular pautada na indicação de conteúdos mínimos data da Constituição de 1988 e foi ratificada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, ainda que não se determine ser essa uma prerrogativa da União. A essa estaria conferida apenas “a normatização de competências, diretrizes e bases reguladoras da Educação Básica” (LIMA VERDE, 2015, p. 83). Ou seja, mantem-se a autonomia das escolas na elaboração de seus respectivos currículos e propostas pedagógicas respeitando as normas legais comuns e as do seu sistema de ensino.

Em 1997, como bases orientadoras de currículo, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Apesar de não obrigatórios, portanto, sem caráter normativo, são exemplos de um ensaio do Estado pela busca de uniformização do currículo em escala nacional para as escolas de Ensino Fundamental e Médio. O assunto permeou as Conferências Nacionais de Educação (CONAE, 2010; 2014) e terminou figurando no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, por exemplo. Um ano após, via I Seminário Interinstitucional para a construção da BNCC, os trabalhos foram iniciados com a participação de comissões de especialistas (Portaria n. 592, de 17/06/2015) e acompanhados de consulta pública para a elaboração da primeira versão da Base.

Após revisão, em maio de 2016, foi disponibilizada a segunda versão do documento, período de efervescência política em decorrência do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff concluído em agosto de 2016. As críticas tanto a primeira quanto a segunda versão do documento por parte dos opositores ao governo, encontraram meio de articulação na que seria a terceira versão da Base, finalmente homologada em dezembro de 2017. Mas, ainda, sem a inserção do Ensino Médio, o que ocorreu em abril de 2018. Consolidava-se a intenção centralizadora das decisões curriculares em âmbito nacional.

No entanto, a consideração das versões da Base não significa uma continuidade ou aprofundamento da proposta. A terceira versão do documento pode ser considerada a primeira versão de um novo documento em decorrência das muitas diferenças e divergências em relação ao que se propunha nas versões anteriores. Isso é compreendido pela mudança de orientação político-administrativa do governo federal após a posse do vice-presidente Michel Temer (2016-2018). A partir de então, agentes de setores privados adentraram no cenário da educação influenciando o processo de construção das políticas públicas, visando um maior controle dos currículos. Entre esses, destacamos as fundações ligadas a Roberto Marinho, Victor Civita, Airton Senna e Paulo Lemann, empresas como Natura, Gerdau e Volkswagen assim como o movimento Todos pela Educação (MACEDO, 2014). Esse é um exemplo da articulação entre órgãos governamentais e associações de dirigentes educacionais. Além dessas entidades, vale salientarmos as “instâncias acadêmicas como e de pesquisa educacional como a Anped, Anfope, ABdC e Anpae, órgãos governamentais a exemplo do MEC, Consed e Undime3, além de grupos como o Escola Sem Partido” (ROCHA; PEREIRA, 2019, p. 207).

O campo do currículo é, portanto, um território de disputas relacionadas a políticas públicas e no qual não apenas os teóricos do currículo se pronunciam, de alguma maneira, sociedade civil e o setor empresarial e industrial também participam do debate. “Contudo, uma configuração revela-se cada vez mais nítida: a influência da iniciativa privada nos processos decisórios de políticas públicas” (LIMA VERDE, 2015, p. 79). Trata-se da onda neoliberal, a partir da década de 1990, na qual ganham espaço os reformadores empresariais, como afirma Freitas (2014). Assim é que falar de currículo é tratar de interesses distintos e conflitantes.

Especificamente sobre o movimento Todos pela Educação (TPE), criado em 2006, com foco em uma espécie de pedagogia dos resultados, intencionava “modernizar” a nação brasileira, deixando-a mais “eficiente” para atender às necessidades do capital. O movimento atenta para aspectos quantitativos medidos por organismos internacionais e que afetam o professor, a gestão escolar e o currículo. Assim é que, desde 2010, defendem a necessidade de um currículo nacional com descrição de habilidades específicas para os alunos por série bem como a importância de que as avaliações fossem capazes de mesurar a qualidade da educação e servissem como parâmetro para a orientação das políticas educacionais e das práticas pedagógicas. Além disso, o TPE defende a responsabilização dos gestores pelo desempenho dos alunos e o aumento das horas de ensino utilizando o contra turno para o reforço escolar (TPE, 2008). A prescrição curricular serve, assim, para transferir competências e responsabilidades para os níveis locais de administração do sistema escolar. Dessa forma, “os sistemas de avaliação são utilizados como um governo a distância, por meio de uma gestão de resultados” (HYPOLITO, 2019, p. 189).

Um currículo voltado para o “saber fazer”, como indicado pelo TPE, foi defendido, igualmente, pelo Movimento pela Base (MPB), criado em 2013. Conforme Moreno (2016, p. 10), o MPB “foi formado por fundações e institutos mantidos pela iniciativa privada, ligados a ideais voltadas à criatividade, tecnologia, empreendedorismo e, pelo menos no âmbito do discurso, da educação como ciência aplicada mais do que como práxis política”. Assim como o TPE, o MPB reafirma a necessidade de interferência na administração pública, responsável pela crise de qualidade e gerenciamento das escolas.

Ter ciência sobre esses Movimentos é condição para compreendermos a descontinuidade da atual Base com as propostas apresentadas nas versões anteriores do documento. Na primeira versão da Base, por exemplo, os componentes curriculares eram acompanhados pelos seus respectivos “objetivos de aprendizagem”, definidos “(...) pela articulação entre a singularidade das áreas do conhecimento e de seus componentes e as especificidades dos estudantes ao longo da educação básica” (BRASIL, 2015, p. 10). Assim, o documento relacionava-se a princípios de uma escola inclusiva, atenta a questões de diversidade, como sinalizavam as muitas diretrizes curriculares nacionais em vigor no País e, especificamente em relação à História, com atenção à descentralização de um currículo eurocêntrico. De acordo com a primeira versão da Base, “a heterogeneidade de visões de mundo e a convivência com as diferenças favorece, o exercício da sensibilidade, da autocrítica e da criatividade nas produções escolares”. (BRASIL, 2015, p. 240).

A segunda versão do documento, disponibilizada em maio de 2016, apresentava-se articulada a quatro políticas: Política Nacional de Formação de Professores, Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais, Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e Política Nacional de Infraestrutura Escolar. Percebemos influência de orientações do TPE (2010), sobretudo relacionadas à importância das avaliações que deveriam mesurar a qualidade da educação. Ainda sutil, a influência é demonstrativa do cenário de mudanças políticas com reflexos na definição das políticas educacionais.

Fato é que, três meses depois, com visão sobre a educação diversa da apresentada pelo governo anterior, a gestão de Michel Temer coordenou o processo final de construção da Base e a partir de novas perspectivas, inclusive, no que diz respeito a participação pública no processo de elaboração via recebimento de contribuições. Após a disponibilização pública da segunda versão da BNCC, ocorreram 27 audiências públicas. Nove mil contribuições foram apresentadas para essa versão4. Situação muito diferente daquela quando o Ministério da Educação recebeu cerca de 12 milhões de contribuições relativas a primeira versão do documento.

Em abril de 2017 foi disponibilizada a terceira versão da Base. A participação pública para contribuições foi quase nula. Entre julho e agosto de 2017, previram-se cinco audiências com representantes de cada região do país, as quais, além de diminutas quantitativamente, tiveram limites nas suas realizações. Mesmo assim, em dezembro do mesmo ano, a Base foi homologada pelo Ministério da Educação, ainda que não contemplasse o Ensino Médio. Esse só foi incluído em 20185.

Diferente das versões anteriores, cujo ensino era orientado por direitos e objetivos de aprendizagem, esse passou a ser tomado como meio para a promoção de “competências” e “habilidades”, modelo mundialmente criticado por secundarizar o conhecimento como eixo da formação, como núcleo do currículo voltado para o desenvolvimento da capacidade intelectual dos alunos. Promovia-se, assim, um rompimento com a orientação das propostas dos governos Lula (2003/2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) voltadas para a formação do sujeito autônomo e reflexivo. A Base homologada remonta propostas do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), ao propor o ensino por “competências e habilidades”, direcionado ao “saber fazer”, a apropriação de conhecimentos a serem aplicados na resolução de problema superficiais e/ou passíveis de utilização imediata no mercado de trabalho. A diversidade e as desigualdades no país são desconsideradas o que, em última instância, termina por atribuir a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso do aluno ao próprio aluno.

Limitações referem-se, também, aos professores. A Base como está posta, sobretudo, para os anos finais do Ensino Fundamental e Médio, segmentos nos quais atuam os docentes de História, promove o não reconhecimento dos professores como profissionais autônomos e atores do processo formativo escolar. Passam a ser considerados como transmissores de conteúdos e executores de tarefas em prol do desenvolvimento de habilidades dos alunos, portanto, deprecia seu caráter intelectual e promove a desqualificação do seu papel social. Como salientam Rocha e Pereira (2019, p. 212), ao determinar e legitimar determinados saberes, competências e habilidades em vez de outros, “essas normatividades curriculares buscam controlar o trabalho docente através de mecanismos de monitoramento e responsabilização”.

A Base foi organizada, inicialmente, por meio de um processo conjunto uma vez que houve formação de equipes de trabalho, reuniões de estudo, discussão por área em escolas e universidades bem como a partir dos diferentes segmentos ou disciplinas específicas. Ao final, o que vimos foi uma descontinuidade entre as versões. A terceira, sobretudo no que se refere ao Ensino Médio, pode ser mesmo considerada uma nova Base e não uma terceira versão de qualquer que seja o documento.

A terceira versão da BNCC foi elaborada sob uma orientação conservadora, de gestores e legisladores públicos, claramente contrários ao tratamento de temas relacionados a diversidade, por exemplo. Sem base científica e pedagógica e alegando-se uma defesa da moral e suposta preservação da instituição família, desvirtuaram, por exemplo, discussões sobre relações de gênero e educação sexual, que findaram sendo retiradas da versão final, algo que vem sendo aprofundado pela atual gestão do governo federal (2019-2022). Assim é que a escola, hoje, como bem registra Hypolito (2019, p. 196), “está crivada por políticas que pretendem submetê-la cada vez mais ao mercado e ao neoconservadorismo”.

A educação brasileira seguiu, assim, como ponto de conflito, de um lado, a necessidade de promover sociabilidade garantindo a formação dos estudantes e, de outro, a chamada para que os alunos fossem formados na perspectiva de competências e habilidades a fim mesmo de atender ao precário mercado de trabalho. Por ser pública, a educação se torna alvo de ataques. “Os atuais e aparentemente incessantes ataques realizados pelas forças conservadoras sobre qualquer coisa que seja ‘pública’ em nossa sociedade documentam o quanto o processo se tornou politizado” (APPLE, 1982, p. 7).

Precisamos considerar, ainda, que a BNCC do Ensino Médio ficou vinculada à lei de reforma do segmento (Lei. 13.415/2017) que, entre outros aspectos, muda o Ensino Médio público de oferta pública para um Ensino Médio público de oferta privada, em decorrência dos vínculos que estimula para a articulação dos sistemas de ensino com a iniciativa privada. Dessa vinculação resulta o fato de que a Base corresponde a 1.800 horas (das 3.000) do Ensino Médio. Aquilo que deveria ser considerado direitos de aprendizagem ficou reduzido a 60% do currículo e ainda transformado em competências e habilidades. Se somados a isso o fato de que parte do Ensino Médio pode ser cursado a distância ou com professores sem a devida formação em decorrência da restauração do “notório saber”, a Base pode vir a representar um golpe fatal para a juventude brasileira e as futuras gerações das camadas menos favorecidas economicamente que terão impacto no desenvolvimento da sua capacidade de intelecção, criatividade e autonomia de pensamento. A preocupação aumenta ainda mais quando pensamos na História como disciplina escolar não obrigatória como estabelecido a partir de então.

O fato é que a BNCC é o que temos hoje em termos de política pública normativa para a educação, alardeada como aquela orientação que permitiria que todos os estudantes do País tivessem acesso aos mesmos conteúdos escolares na educação básica, levando a população de modo geral, e mesmo parte de professores, a pressupor acriticamente ser isso uma igualdade de oportunidades. É preciso discernimento para percebermos que isso não é sinônimo de escola de igual qualidade para todos. Currículo não pode ser confundido com simples exposição de conteúdos, transmissão de conhecimentos. Da influência dos reformadores empresariais na Base, como salienta Freitas (2014), resulta a formação restrita a dimensão do cognitivo. As demais dimensões da formação são camufladas sob o título de “habilidades socioemocionais”, portanto, reduzidas a um conjunto de comportamentos adaptativos.

O que se torna importante é orientar a educação escolar pelas avaliações em larga escala. Como salienta Süssekind (2019), a Base consiste em uma relação de prescrição e controle de significados a partir de uma codificação arbitrária de conhecimentos cobrados em testagens externas padronizadas. Trata-se de um documento normativo desvinculado dos múltiplos sujeitos escolares e suas vivências curriculares reais. Prescreve trajetórias e itinerários. Além disso, “produz injustiças, invisibilidades e inexistências, coisificando os conhecimentos, ferindo a autonomia, desumanizando o trabalho docente e, ainda, descaracterizando o estudante na sua condição de diferente, de outro legítimo” (SÜSSEKIND, 2019, p. 92). É importante não se perder de vista que currículos prescritivos ameaçam a diversidade como valor social, mas não anulam a diferença.

Construir currículo trata-se de uma ação social, pedagógica e política. Por isso que, ao falarmos de escola de qualidade para todos significa que esta precisa garantir o respeito a diversidade, o direito a diferença e a importância da construção positiva das identidades dos sujeitos em formação como elemento básico para a formação de uma sociedade democrática. Diante da orientação de dar conta de um currículo pautado em competências e habilidades, estabelece-se, via BNCC, limites às discussões sobre diversidade, diferença, construção de identidades, desigualdades sociais, afastando os jovens da problematização da realidade e, consequente, fragilizando a perspectiva da escola contextualizada, promotora de justiça curricular, mudanças culturais e transformação social.

A BNCC e o ensino de História no Ensino Médio

Organizadas em área de conhecimento, as disciplinas Geografia, História, Ensino Religioso, Filosofia e Sociologia compõem, na BNCC, a chamada Ciências Humanas e Sociais. Entretanto, em associação com a Lei 13415/2017 (reforma do Ensino Médio) possibilita que o aluno não tenha acesso ao ensino de História em cerca de 40% do currículo, caso ele curse um itinerário formativo voltado para as ciências da natureza, por exemplo. Os itinerários são definições da Lei de reforma do Ensino Médio, regulamentada pela BNCC do segmento. O que temos diante disso, é uma ruptura do caráter formativo do Ensino Médio apregoado desde a Constituição de 1988 e ratificada pela LDB de 1996 que definia o segmento como parte integrante da Educação Básica, retirando o caráter de terminalidade dos estudos que possuía até então, em decorrência da legislação do período militar que formatou o ensino de 2º grau como etapa de profissionalização compulsória.

Em que pese a propaganda oficial alardear que o aluno tem a opção de escolha do itinerário a cursar, o texto da Lei é claro quando afirma no Art. 4 que “(...) itinerários formativos, (...) deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino”. A possível escolha dos estudantes é, assim, condicionada a uma predefinição do sistema de ensino, não restando dúvidas de que o resultado disso em longo prazo será o aumento das desigualdades sociais e escolares.

Também devemos nos atentar que, apesar de o documento associar a História a uma construção, como algo produzido pelo enfrentamento de forças, e citar a existência do “outro” como necessária para a compreensão do mundo e si mesmo (BRASIL, 2018, p. 397-398), a nova versão do documento homogeneíza os valores e culturas ao afirmar que a “comparação em história faz ver melhor o Outro”, o qual seria, de acordo com o documento, melhor interpretado a partir da comparação e não dele mesmo em suas especificidades. Além disso, o suposto propósito da Base de enfrentar as desigualdades e melhorar a qualidade da educação esvazia-se se sentido quando propõe uma formação pautada em um conjunto extremamente detalhado de competências e habilidades, desqualificando a formação geral do jovem. Essa se afasta, por exemplo, de discussões sobre temas como diversidade e solidariedade que deveriam marcar a formação na Educação Básica conforme diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 2004, 2012).

Há muito se discute sobre a renovação do ensino de História (AZEVEDO, 2010). Esse não deve mais se concentrar na história dos “heróis” ou estar ligado à legitimação do discurso político e do Estado. Deve expressar, de fato, a relação que se estabelece e se constrói entre os povos e suas nações. Contudo a Base retrocede nessa orientação, primeiro, por adotar a cronologia linear como orientadora dos conteúdos, limitando-se ao quadripartismo francês; segundo, por reforçar o eurocentrismo, algo desaconselhado desde os PCN-História do século passado (BRASIL, 1998).

Na BNCC, o pensamento histórico, denominado de “atitude historiadora” resume-se aos processos de: identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise. A contextualização, por exemplo, resume-se à atitude de saber localizar momentos e lugares específicos de um evento para evitar o anacronismo. (BRASIL, 2018, p. 399). Compreendemos que contextualizar vai muito além, implica na inter-relação entre a compreensão dos conhecimentos expostos na aula com o contexto vivenciado pelos alunos. (AZEVEDO, 2013). O professor de História necessita estabelecer condições para que seus alunos reflitam criticamente sobre suas próprias experiências e estabeleçam relações entre o presente e os acontecimentos históricos de diferentes sujeitos, em seus variados tempos e espaços.

Fragilidades e contradições que afetam o ensino de História são aquelas, ainda, ligadas as avaliações em larga escala, que propõem metas a serem alcançadas e medidas quantitativamente com atenção a componentes curriculares como Língua Portuguesa e Matemática (MACEDO, 2014; PEREIRA; OLIVEIRA, 2014; SOUSA, 2015; LIMA VERDE, 2015). O resultado disso é a secundarização da importância da História. Como falar de educação de qualidade sem que o sujeito em formação desenvolva a capacidade de análise e reflexão crítica da sua própria realidade que, por sua vez, requer leitura e interpretação do mundo? Experiência essa a ser desenvolvida em aulas de História. Portanto, em que pese afirmações de que “a Educação Básica deve visar a formação e ao desenvolvimento humano global (...).” (BRASIL, 2018, p. 14), os propositores da Base retiram o caráter de obrigatoriedade de componentes curriculares fundamentais para o desenvolvimento integral dos alunos. O fato de Língua Portuguesa apresentar 54 habilidades e, Matemática, 43 habilidades a serem desenvolvidas, enquanto que, em conjunto, as disciplinas História, Geografia, Filosofia e Sociologia somam um total de 32, é demonstrativo do quão diminuto é o espaço destinado a formação integral dos jovens que, de sujeito integral deve contentar-se em ser “empreendedor” responsável por suas escolhas, êxitos e fracassos.

É nítido o recuo da formação teórico-crítica da juventude brasileira (KRAWCZYK; FERRETTI, 2017; HERNANDES, 2019). Os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade são minimizados em função de um saber fazer considerado supostamente como sinônimo de modernização curricular. A Base afastava-se das DCNEM (BRASIL, 2012) em sua defesa de escolas com base unitária e formação dos alunos para a formação integral, humana, articulada ao trabalho, a ciência, a cultura e as tecnologias.

Vejamos como a BNCC estrutura suas habilidades para a História. Propõe, por exemplo, a habilidade de:

(EM13CHS203) Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas (civilização/barbárie nomadismo/sedentarismo, esclarecimento / obscurantismo cidade/campo, entre outras).

Nessa habilidade podemos destacar, no mínimo, sete conteúdos: território, fronteira e vazio na perspectiva espacial, temporal e cultural; atividade complexa inclusive para graduandos em História; além disso, os alunos têm que contextualizar e relativizar conceitos como os de civilização, barbárie, nomadismo, sedentarismo, esclarecimento, obscurantismo, cidade e campo. Todos esses conceitos/conteúdos para serem compreendidos precisam ser analisados, discutidos e observados em suas especificidades. Ao apresentar conteúdos distantes da realidade dos alunos e ligados a uma concepção de História tradicional, positivista e linear, a Base direciona para uma aprendizagem marcada pela memorização de conceitos e conteúdo. Assim, padroniza-se e controla-se o processo de ensino-aprendizagem sem levar em consideração as circunstâncias sociais e culturais dos estudantes.

O conhecimento histórico não está limitado a apresentar fatos no tempo e no espaço ainda que ligados a uma vasta documentação que comprova sua existência (BITTENCOURT, 2009). É necessário relacionar os fatos a temas e sujeitos que o produziram a fim de que a explicação histórica torne-os inteligíveis. Nesse processo é necessário problematização. O exercício de “identificar”, “compreender”, “elaborar”, “produzir”, “utilizar” e “analisar”, a que faz referência a Base, pode excluir a problematização, necessária ao aprofundamento da leitura e compreensão do mundo. Não sendo “tábula rasa”, na qual o conhecimento pode ser simplesmente depositado ou, ainda, um fazedor de coisas materializadas via supostas habilidades, o aluno precisa de formação geral básica, o que inclui ler, interpretar e escrever historicamente. O processo é muito mais qualitativo do que quantitativo. Contudo, em vez de pensar sobre a multiplicidade das experiências humanas e na pluralidade que as envolve, o aluno é levado a desenvolver supostas habilidades que, na verdade, consistem na memorização de uma vasta listagem de conteúdos que, apesar de considerados mínimos, pelo alto quantitativo, podem mesmo ser considerados definitivos.

A partir das competências específicas da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas para o Ensino Médio (BRASIL, 2018, p.571), deparamo-nos com uma vasta gama de possibilidades de temas de estudo e com atenção à necessidade de que os alunos desenvolvam condições de posicionarem-se crítica e cientificamente em relação a todos eles bem como participarem do debate público de forma crítica. Como, no entanto, formar o sujeito crítico e propositivo a partir de uma estrutura curricular pautada em uma extensa listagem de conteúdos fixos, entendidos como mínimos ou obrigatórios? Os questionamentos são frutos da preocupação com um possível esvaziamento da escola amanhã. A escola que deve formar para a vida e para o trabalho, conforme LDB de 1996, não deve ser confundida como instância de profissionalização ou orientação vocacional.

Adolescentes não estão neuro-biologicamente preparados para a “escolha” tão propalada nas propagandas governamentais. Definições com repercussões profissionais para a vida adulta precisam ser tomadas na vida adulta e a partir das suas diferentes vivências e apropriação de conhecimentos variados. Isso inexiste na própria organização dos itinerários formativos que segmentam e excluem conhecimentos básicos necessários para a formação global do sujeito. Em uma sociedade na qual o governo limita o teto dos gastos públicos com educação6 e que autoriza a flexibilização (ou fim) dos direitos trabalhistas7, precarizando as relações de trabalho, em uma vivência que em nada tem de colaborativa, para que serve a História?

Desde o final do século passado, ao ensinarmos História, buscamos desenvolver conceitos e situações problema; cooperar no processo de interpretação, desenvolvimento da capacidade de raciocínio e construção de argumentos que auxiliam na explicação de si e do outro, potencializando a apreensão da situação histórica, como bem registra Karnal (2007). Mas, via BNCC, como documento normativo, o currículo das escolas pode ser engessado. Além da intervenção nas próprias práticas docentes em sala de aula por meio da produção de livros didáticos alinhados estritamente a Base assim como a associação do trabalho docente com exigências das avaliações em larga escala, há os mecanismos governamentais criados especificamente para a efetivação da Base, a exemplo do Pró-BNCC8, o qual vincula liberação de recursos financeiros e avaliação da Educação a implantação da Base. Os códigos alfanuméricos que aparecem no início de cada uma das 155 habilidades, de certo, orientarão a construção de questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em um futuro muito próximo. Assim, estará atendido o intento do TPE de que as avaliações mensurem a qualidade da educação no País.

Apesar de afirmar que professores e alunos devem assumir uma “atitude historiadora” diante dos conteúdos proposto (BRASIL, 2018, p. 398), mencionar a importância do professor estimular o debate e a postura crítica dos alunos, a partir da problematização do passado e do presente, citar a necessidade de se apresentar diversas fontes em sala de aula para que no contato com elas os alunos possam interpretar as informações. Todavia, quando analisamos a Base percebemos que suas diretrizes são contrárias ao discurso exposto no seu corpus. As habilidades elencadas no documento não suscitam problemáticas que estimulem a produção de conhecimentos pelos alunos. A Base propõe habilidades visivelmente extensas e, assim, denunciam o envolvimento de diferentes ações. Vejamos mais um exemplo:

(EM13CHS204) Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.

Percebemos que há uma tentativa de dar conta de “toda a História”, apesar de a Base ser proposta como normalizadora de conteúdos mínimos. Assim, limita sobremaneira as possibilidades de seleção de conteúdos pelos professores. O que é denominado no documento como “habilidade” não o é de fato. Habilidade consiste em uma série de procedimentos mentais que o indivíduo aciona para resolver uma situação real, onde ele precise tomar uma decisão. (PERRENOUD, 1999), ou seja, algo prático e pontual.

A Pedagogia por competências e habilidades pauta-se em uma abordagem de transmissão de conteúdos, portanto, de cunho tradicional, a qual passou por um processo de renovação desde o final do século XX. Por meio de tal Pedagogia “os sujeitos aprendem por meio de informações sistematizadas, memorizando e repetindo exercícios, textos ou comportamentos e procedimentos”, sendo que “as atitudes dos alunos e dos professores (Competências) para isto são determinantes” (AZEVEDO; STAMATTO, 2010, p. 72). A partir dessa perspectiva, na aula de História, o docente não partiria de um conjunto de conteúdos definidos como mais relevantes para a formação global dos alunos. Em vez disso, partiria de situações concretas voltando-se para a disciplina de acordo com as necessidades exigidas pelas tais situações. O êxito do processo ensino-aprendizagem, assim, estaria atrelado ao desenvolvimento da capacidade do aluno de resolver problemas simples da vida cotidiana, desconsiderando-se, dessa maneira, diferentes variáveis, como questões de formação profissional e condições de trabalho.

Via pedagogia das competências e habilidades há um direcionamento para a instrumentação e desqualificação da docência. Ao professor não cabe a discussão de ideologias políticas, de pensamentos divergentes, mas ensinar somente o que posto no documento. Os alunos devem aprender o que lhe seria “útil” para a vida, porque quanto mais habilidade os jovens tiverem, mais possibilidades teriam na disputa acirrada por um trabalho. Defender a formação por competências e habilidades é considerar que as mudanças na sociedade, sobretudo, em termos econômicos, requerem a construção de um novo sujeito, capaz de conviver de modo adaptativo diante das mudanças, oferecendo o que supostamente teria de melhor e sem questionar as injustas e limitantes estruturas sociais.

Apesar da BNCC (2018, p. 470) afirmar que a sua organização não exclui as disciplinas, mas as fortalece através das relações e da contextualização, observamos, ao analisar a área de Ciências Humanas e Sociais, que há uma diluição dos conhecimentos em diversas habilidades não disciplinares e com isso a perda do aprofundamento dos conceitos, informações e método que fazem parte de cada componente curricular. Atentando para esse tipo de abordagem, frisamos que ao unir as disciplinas como está proposto na Base, motivamos a desprofissionalização, uma vez que, um professor formado em qualquer disciplina da área de humanas poderá lecionar todas as disciplinas que fazem parte da área.

Também observamos que não há distinção do que será trabalhado em cada ano do Ensino Médio. A Base apenas apresenta para a área de Ciências Humanas e Socias, por exemplo, seis competências específicas que deverão ser adquiridas durante todo o Ensino Médio. Destacamos que na competência específica nº 1, a Base afirma que os alunos irão: “Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial” (BRASIL, 2018, p. 571), mas nas habilidades não menciona nem estabelece relação com os povos indígenas e africanos, como previsto na Lei 10.639/03. O conceito de tempo é mencionado nas competências específicas nº 1 e nº 2, mas não é destrinchado nas habilidades sendo apresentado de forma vaga e sem aprofundamento e o conceito de espaço é utilizado apenas como sinônimo de território.

Outro problema presente na Base está relacionado a competência específica nº 5: “Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos”. (BRASIL, 2018, p. 577). Ao nos atentarmos para as habilidades a serem desenvolvidas a partir dessa competência, percebemos que os termos são tratados de forma vaga e sem fundamentos históricos, não há a indicação de quem são esses sujeitos; como eles se constituíram; quais as suas especificidades culturais; como a desigualdade e o preconceito se constituiu historicamente. Observamos que o trabalho com temas transversais, orientados pelos PCNs (2000), foi desconsiderado na Base e expressões como “orientação sexual e gênero” foram generalizadas e renomeadas de “dimensões da sexualidade humana” no documento.

Em termos de ensino de História precisamos ter ciência de que ele é sempre fruto de uma seleção, de um recorte espaço-temporal, histórico. Ele deriva de diferentes interpretações de sujeitos históricos situados socialmente. Ensinar História, sobretudo, em pleno século XXI, não deve se limitar à transmissão de conteúdos. Precisa estar intimamente relacionado a: reflexão, problematização da realidade, ressignificação de representações e conceitos, além, obviamente, de construção de conhecimentos. Sem isso, não podemos falar de ensino de História (e educação) de qualidade.

Via problematização, os temas de estudo ganham sentido, significados, tornam-se viabilizadores de transformação dos sujeitos. Azevedo e Stamatto (2010, p. 719), ao tratarem de ensino de História a partir de questões-problema, afirmam que essas devem ser “(...) extraídas da realidade social dos alunos, busque-se respostas no passado, em diferentes épocas e lugares, sempre orientados por dúvidas e indagações reais, do tempo presente”. Trabalharmos com problematização da realidade em perspectiva histórica, estimula os alunos a indagações reais e a busca de respostas concretas e contextualizadas, o que gera uma aprendizagem significativa, e não a busca pela memorização de eventos e datas como aponta a BNCC (BRASIL, 2018).

Conclusão

Nenhum problema no estabelecimento de conteúdos mínimos para as escolas de todo o País, desde que isso não representasse um limite a ação dos profissionais da Educação na definição do que e como ensinar ao longo de todo o ano letivo. A diversidade do público escolar brasileiro, a amplitude das muitas diretrizes curriculares nacionais em vigor e o grau de amadurecimento das discussões sobre currículo a que se chegou no País não combinam com uma proposta formativa oficial pautada em competências e habilidades, sobretudo, pelo nível de detalhamento extremo que apresenta. A construção da BNCC ancora-se nessa intenção, compreensível em decorrência da interferência empresarial em questões educacionais via, por exemplo, movimentos como TPE e MPB.

Os reflexos da proposta formativa da Base para o Ensino Médio afetam mais diretamente a esfera pública9, sobre a qual os reformadores empresariais (FREITAS, 2014) têm claro interesse de atuação. Sem dúvidas, o esgotamento da parte tecnológica criada por grandes organizações de ensino superior para atender a alta demanda por educação a distância na primeira década do século XXI, com a chegada ao limite da sua capacidade de geração de lucros, faz com que os seus empresários visem à sua inserção em outra esfera educacional. O foco é evidente no segmento Ensino Médio e na formação de professores (de acordo com a Base).

Em termos de ensino de História, a BNCC desconsidera a sua função formativa de preparação para a vida e a partir da qual relações de diversidade, solidariedade, equidade, conscientização, colaboração, ressignificação e construção de conceitos e conhecimentos teriam lugar. São todos aspectos silenciados na BNCC do Ensino Médio. Nesse, os alunos devem ter aprimoradas a sua capacidade de memorização de “verdades”.

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3Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), Associação Brasileira de Currículo (ABdC), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

4Informações retiradas do Relatório de Posicionamento do CONSED e da UNDIME. Disponívelem: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/relatorios-analiticos/Posicionamento%20Consed%20e%20Undime.pdf. Acessado em 06 de maio de 2021.

5Informações disponibilizadas pelo MEC no site http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base.

6Proposta de Emenda Constitucional nº 241 (PEC), de 2016, ficou conhecida como PEC do Teto dos Gastos públicos. Propôs o congelamento das despesas do Governo Federal por um prazo de 20 anos. As contenções de gastos são relativas: à educação e à saúde e impede novos investimentos, gastos sociais e reajustes de salário.

7Lei 13.467, de 13 de julho de 2017 - Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

8O Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC) foi estabelecido pela Portaria MEC nº 331/2018. A Portaria MEC nº 756, de 3 de abril de 2019, atualizou o programa para incluir os aspectos da BNCC para o Ensino Médio.

9De acordo com o MEC, aproximadamente, 87,2% das escolas de Ensino Médio no Brasil são públicas. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/ibge. Acesso em: 13 de maio de 2021.

Recebido: 01 de Julho de 2021; Aceito: 01 de Maio de 2022

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