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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.29  Uberlândia  2022  Epub 08-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v29a2022-39 

DEMANDA CONTÍNUA

Empatia no contexto educacional: relatos de estudantes jovens e adultos

La empatía en el contexto educativo: relatos de estudiantes jóvenes y adultos

Gerson Tavares do Carmo1 
http://orcid.org/0000-0002-2142-0229

Rozana Quintanilha Gomes Souza2 
http://orcid.org/0000-0002-7984-1640

1Doutor. Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. E-mail: gtavares33@gmail.com.

2Mestre.Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. E-mail: rozanaquintanilhags@gmail.com.


RESUMO

Este artigo discorre sobre a importância de valorizar a empatia no contexto educacional e, particularmente, na Educação de Jovens e Adultos. Como objetivo, pretende-se investigar como a empatia ou a falta dela na relação professor-aluno pode interferir no processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, aplicou-se um questionário a uma turma de estudantes jovens e adultos de um campus do Instituto Federal Fluminense, que foi elaborado com base na teoria de Carl Rogers sobre o construto multidimensional da empatia, no qual inclui três componentes: cognitivo, afetivo e comportamental. Os dados obtidos revelam que, em meio a um ambiente não propício à empatia, os alunos buscam, por iniciativa própria, estratégias para criar relações empáticas com os professores para continuarem vinculados à escola.

PALAVRAS-CHAVE: Empatia; Educação de Jovens e Adultos; Relação professor-aluno; Processo de ensino e aprendizagem

RESUMEN

Este artículo discurre sobre la importancia de valorar la empatía en el contexto educativo y, en particular, en la Educación de Jóvenes y Adultos. Como objetivo, se pretende investigar cómo la empatía o la falta de ella en la relación profesor-alumno puede interferir en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Por tanto, se aplicó un cuestionario a un grupo de estudiantes de jóvenes y adultos de un campus del Instituto Federal Fluminense, el cual fue elaborado a partir de la teoría de Carl Rogers sobre el constructo multidimensional de la empatía, que incluye tres componentes: cognitivo, afectivo y conductual. Los datos obtenidos revelan que, en un entorno poco propicio para la empatía, los estudiantes buscan, por iniciativa propia, estrategias para crear relaciones empáticas con los profesores para mantenerse vinculados a la escuela.

PALABRAS CLAVE: Empatía; Educación de jóvenes y adultos; Relación profesor-alumno; Proceso de enseñanza y aprendizaje

ABSTRACT

This article discusses the importance of valuing empathy in the educational context, particularly in Youth and Adult Education. It seeks to investigate how empathy, or the lack of it in the teacher-student relationship, can interfere in the teaching and learning process. Therefore, a questionnaire was applied to a class of young and adult students at the Federal Fluminense Institute. The questionnaire was created based on Carl Rogers' theory of the multidimensional construct of empathy, which includes three components: cognitive, affective, and behavioral. The data obtained reveal that in an environment that is not conducive to empathy, students seek, through their own initiatives, strategies to create empathic relationships with teachers in order to remain in the school.

KEYWORDS: Empathy; Youth and Adult Education; Teacher-student relationship; Teaching and learning process

Introdução

O conhecido provérbio árabe Quem não compreende um olhar, tampouco entenderá uma longa explicação sugere que a empatia nas relações interpessoais potencializa a capacidade de sentir e agir, estimula o autoconhecimento e representa a base das competências humanas. Nessa perspectiva, a empatia pode ser uma forte aliada na educação, visto que uma relação empática entre professor e estudante pode interferir nos aspectos social, psicológico e acadêmico da formação do indivíduo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCN), por exemplo, ressaltaram a importância de valorizar a empatia no contexto educacional, requerendo-a dos professores, mas não exclusivamente deles, o papel de “exercer competência didática, capacidade de comunicação, empatia e respeito à identidade do outro” (BRASIL, 2000, p. 128). Também as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN), no intento de contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática e solidária, destacaram a importância de “desenvolver empatia e respeito pelo outro, pelo que é diferente de nós, pelos alunos na sua diversidade” (BRASIL, 2013, p. 115).

Ainda o Parecer CNE/CEB 11 (BRASIL, 2000), que se ocupa das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, ao defender que o professor deve ter, além de uma formação básica para o magistério, um “preparo voltado para a EJA” (BRASIL, 2000, p. 56), destacou que o “profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo” (BRASIL, 2000, p. 56), visto que, sem empatia, “jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista” (BRASIL, 2000, p. 56) dará conta das especificidades que a habilitação do docente da EJA requer.

Tais orientações apoiam-se na perspectiva de que o espaço da escola esteja aberto ao diálogo entre pontos de vista diferentes, onde se espera que o indivíduo seja levado a sair da sua zona de conforto e a se colocar no lugar do outro, a fim de conhecer os motivos que alicerçam os preconceitos que alimentam as desigualdades, usando esses conhecimentos para guiar suas atitudes. Nesse sentido, a empatia pode promover um ambiente emocional apropriado, capaz de gerar um bom relacionamento na escola para a interação social e acadêmica.

O tema da empatia no ambiente escolar remete a muitas discussões em face da ocorrência de situações como agressões físicas, homofobia, bullying, pessoas com deficiência, diversidade étnica, regional, social, entre outras. Mas, uma questão despertou o interesse para o presente trabalho: a empatia na Educação de Jovens e Adultos, um público tão estigmatizado.

Na tentativa de adentrar nessa temática, o objetivo pretendido aqui é o de investigar como a empatia ou a falta dela na relação entre professores e estudantes jovens e adultos pode interferir no processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, capturou-se relatos de estudantes de uma turma da Educação Profissional na modalidade de jovens e adultos, buscando evidenciar as redes de empatia desenvolvidas no contexto escolar que contribuem para a formação humana e acadêmica.

Empatia: uma abordagem histórico-conceitual

Para a tarefa de investigar a empatia na relação professor-aluno, adere-se ao preceito metodológico proposto pelo filósofo alemão, Gadamer (1986), no que concerne à necessidade de compreender a historicidade na implicação dos conceitos com os quais se opera. Segundo este autor, não há como “empreender nada sem uma prestação de contas histórico-conceitual” (GADAMER, 1986, p. 88), porque o compreender não é isento nem parcial, o que orienta o olhar e a construção do objeto de pesquisa é o seu contexto de produção, que não pode ser compreendido indissociadamente do sujeito e das circunstâncias espaço-temporais do ato da própria produção do conhecimento. Assim, a pesquisa sobre empatia no campo educacional teria, como etapa preliminar, que reconstruir o processo empírico, pelo qual perpassa por apresentar um recorte do percurso conceitual de empatia, a fim de pensar este objeto em questão como campo de estudo voltado para a compreensão do que orienta ou pode orientar as relações interpessoais no processo de ensino e aprendizagem.

Adam Smith (1759), considerado um importante teórico da economia moderna, contribuiu para a trajetória de construção do conceito de empatia a partir da defesa da subjetividade do sujeito, da busca pelos interesses privados e da explicação sobre a ordem social do mercado em sua teoria da moralidade. Na obra Teoria dos Sentimentos Morais, Smith (1759) examinou a capacidade do indivíduo em formar sua consciência moral, cujo julgamento se faz através do observador imparcial, aquele que se imagina no lugar do outro para torná-lo consciente de si e da moralidade de seu comportamento. Para esse mecanismo de natureza humana que norteia e define todo e qualquer fenômeno moral, ele denominou de simpatia, termo usado, na época, para descrever o que, hoje, enquadra-se ao conceito de empatia, porquanto refere-se não apenas à consonância de sentimentos ou a contágio de sentimentos, vai além disso, descreve uma correspondência de sentimentos, pela qual se alcança a percepção subjetiva do outro ao se colocar no lugar dele através da imaginação. Nesse sentido, Smith (1759, p. 5-6) ilustrou bem seu pensamento ao afirmar:

Como não temos experiência imediata do que os outros homens sentem, somente podemos formar uma ideia da maneira como são afetados se imaginarmos o que nós mesmos sentiríamos numa situação semelhante. [...] Pois não podem, e jamais poderão levar-nos para além de nossa própria pessoa, e apenas pela imaginação nos é possível conceber em parte quais são as suas sensações.

Mas, coube a Theodor Lipps, filósofo alemão de base psicologista, o papel de precursor da noção de empatia. Ele criou a primeira teoria científica da Einfülung (sentir dentro, sentir em), na qual cunhou o conceito de empatia para denominar uma experiência estética, compreendida numa relação entre o artista e o espectador que projeta a si mesmo na obra de arte. Lipps (1906) acreditava que o ser humano tinha propensão a apreender e compreender sentimentos de outros seres, sejam eles animados ou inanimados, de objetos estéticos ou ainda fenômenos, quando os contemplava. Em outras palavras, ele descrevia um efeito de encantamento sobre os espectadores, como um tipo de imitação de sentimentos de modo automático e impensado, que se manifesta em relação ao que se observa.

Desse modo, surgiu a palavra alemã Einfühlung para denominar um mecanismo de percepções pelo qual o ser humano desenvolve ao contemplar uma obra de arte, uma espécie de captação de propriedades subjetivas por parte do observador, na qual ele se projeta para o interior do objeto de arte (CURTIS, 2009).

A partir dos estudos de Lipps (1906), a empatia foi concebida para além de um conceito estético, mas como uma categoria de natureza sociológica e psicológica, uma vez que essa abordagem refere-se não apenas às experiências estéticas, mas também às relações de intersubjetividade e interpessoalidade, que pressupõem uma mobilização de si para o outro.

Nos primeiros anos do século XX, a Einfülung ganhou destaque com Wilhelm Wundt (1904) e Edward Titchener (1909), fundadores da psicologia estruturalista, cujo objeto de estudo era a estrutura da mente. Eles foram os primeiros a se aprofundarem na Einfülung, cuja teoria serviu de base para as experiências sobre consciência através da introspecção e de parâmetro para a nova ciência da psicologia.

Até a década de 1940, poucas pesquisas contribuíram para melhor elucidar o conceito de empatia. Já no início da década de 1950, a empatia passou a ser investigada com maior aprofundamento e aplicada no campo da psicologia por Carl Rogers (1975; 1976), psicólogo norteamericano e desenvolvedor da Abordagem Centrada na Pessoa. Para ele, a empatia consiste em uma faculdade humana que vai além da expressão de uma reação decorrente do comportamento do outro, mas como uma habilidade que se desenvolve a partir de vínculos estabelecidos com o outro, que o autor os definiu como um construto multidimensional, que inclui três componentes: um cognitivo (perceber os sentimentos do outro), um afetivo (experimentar os sentimentos do outro) e um comportamental (fazer com que o outro se sinta compreendido).

Seguindo essa compreensão de que a empatia torna o sujeito mais sensível às perspectivas e aos sentimentos do outro, Rogers (1975; 1976) a defendeu como uma estratégia para restabelecer a comunicação, em primeiro lugar, do paciente com ele mesmo, que outrora foi rompida e, em segundo, a comunicação dele com os outros, que esteve prejudicada por consequência dessa ruptura. Assim, segundo o autor, a empatia torna-se um recurso para a psicanálise, visto que essa habilidade de perceber, compreender e validar os sentimentos do outro, faz com que o psicoterapeuta e seu paciente criem, entre eles, um vínculo que, por sua vez, resulta em uma maior adesão ao tratamento, sem abrir mão da objetividade necessária que requer a psicoterapia.

A partir da teoria de Carl Rogers, vários pesquisadores se aprofundaram nos estudos sobre a empatia e desenvolveram diversas teorias-metodológicas para auxiliar no tratamento psicoterapêutico. Na década de 1960, Feshbach e Roe (1968) desenvolveram um teste para avaliar a empatia em crianças de seis e sete anos de idade, que ainda é amplamente utilizado nos dias de hoje, o Feshbach Affective Situation Test for Empathy (FASTE). Nesse modelo de teste, seguindo uma escala de respostas, com base nos atributos de quem tem mais empatia e menos empatia, as crianças são questionadas se reconhecem e sentem as emoções dos outros e se a similaridade de idade ou sexo influenciam no grau de empatia.

Também nas décadas de 1970 e 1980, pesquisadores propuseram escalas para avaliar a empatia. Davis (1980), por exemplo, propôs uma escala de empatia denominada A Multidimensional Approach to Individual Differences in Empathy, que avalia a empatia cognitiva, afetiva e comportamental de adultos.

Na década de 1990, a empatia ganhou um caráter de gratuidade na ação de solidariedade humana. Batson (1991) representou bem essa perspectiva ao criar a hipótese empatia-altruísmo, segundo a qual o sujeito se mobiliza em direção ao outro, movido pela preocupação com o bem estar alheio e pela compaixão. A hipótese empatia-altruísmo supõe que o comportamento humano não é motivado pelo egoísmo, ao contrário, as relações são estabelecidas por demonstrarem um interesse pessoal e genuíno pelo querer bem do outro, ou seja, o sujeito vê o outro não como fontes de informações, estímulos, gratificações, recompensas e bem-estar de si próprio, mas como forma de respeito e valorização do outro.

O estudo sobre empatia ganhou também a adesão de Vigotski (1999), que utilizou este termo, na psicologia da arte, para referir-se a uma espécie de transferência de estados de espírito do observador para o interior de formas, objetos e fenômenos. Ele também o utilizou, no campo da teoria literária, para referir-se ao universo simbólico que é obtido pela literatura e pela conexão do leitor com os personagens, ou mesmo pela posição do leitor como coautor da obra que lê.

A partir da década de 1980 e 1990, o conceito de empatia apontou para outra direção - a inteligência interpessoal - conceito derivado da Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. Em sua teoria, Gardner (1995) desenvolveu o conceito de inteligência não mais como um fator exclusivo de habilidade lógico-matemática, mas como múltiplos fatores, dentre eles a inteligência interpessoal, que trata da capacidade para identificar e compreender os desejos, emoções e intenções das outras pessoas, a fim de permitir uma maior adaptação ao ambiente social e às interações sociais eficazes. Nessa perspectiva, os estudos sobre empatia contribuíram para compreender o conceito de inteligência interpessoal, campo de saber que reconheceu a empatia como um mobilizador da comunicação cognitiva, captando e decodificando informações nas relações sociais para apresentar estratégias comportamentais que visem atingir propósitos.

Segundo Daniel Goleman (1995), especialista nos estudos do cérebro e das ciências comportamentais, ter empatia é “perceber o que outras pessoas sentem sem que elas o digam” (GOLEMAN, 1995, p. 147), como uma espécie de radar social. Ele descreve a empatia como uma habilidade humana de explorar a mente de uma pessoa, captando seus sentimentos e pensamentos através da expressão facial, do tom de voz, da velocidade da fala, assim como as pausas e demais indícios que contribuem para inferir o que parece ocorrer na mente do outro. Ele ainda acrescenta que esse fenômeno exige aproximação entre as pessoas que, provocadas por atividades cerebrais de forma inconsciente, começam a falar e sincronizar movimentos e posturas. Segundo Goleman (2011), quando esse movimento de aproximação, que ele definiu como dança sutil, não ocorre, as pessoas se sentem desconfortáveis.

Assim, desde seu surgimento no contexto de filosofia da arte, o conceito de empatia foi sendo ampliado para os estudos da psicologia, da sociologia, da educação, das neurociências, da economia, dentre outras áreas. E, valendo-se deste conceito, as pesquisas atuais seguem a tendência de colocá-lo em um patamar mais abrangente, focando na formação do indivíduo e da educação integral. Assim, para os objetivos deste trabalho, o foco de interesse em relação ao potencial da empatia está centrado, sobretudo, no campo da educação, no qual pretende-se investigar tal fenômeno na relação entre aluno, professor e conhecimento.

Empatia na Educação de Jovens e Adultos

O interesse pelo tema da empatia, como um atributo necessário aos profissionais de educação, se deu não apenas pela grande relevância em torno dele, mas também por ganhar maior amplitude, quando ele envolve um público que carrega consigo o estigma do fracasso. Colocar-se no lugar do outro não é uma tarefa fácil, para algumas pessoas é praticamente impossível, mas pode tornar-se algo bem mais difícil, se esse outro pertencer a um contexto de exclusão como o é para o estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Ainda que a empatia esteja preconizada nas DCN para EJA, como forma de conhecer valores e crenças de “grupos sobre os quais os currículos se calaram durante uma centena de anos sob o manto da igualdade formal” (BRASIL, 2013, p. 115), romper com preconceitos e discriminações em relação a esse público de estudantes torna-se uma utopia social a contrapor-se à superação das desigualdades sociais e ao respeito aos direitos de todos na sua diversidade.

Para o docente atuar com o compromisso de tentar romper com a dualidade estrutural vigente e de responder aos anseios dos alunos, é preciso que ele adeque suas práticas às demandas de uma sociedade em constante transformação. Essa adequação das práticas perpassa por, dentre outras ações, dialogar com os alunos sobre as ações planejadas e flexibilizá-las a partir do diálogo; tomar os documentos curriculares como instrumentos norteadores, a fim de questioná-los para serem adaptados à realidade de seus alunos; e conceber a sala de aula como um espaço de pluralidade de saberes e valores. Entretanto, se não houver uma relação empática, uma sensibilização em relação ao outro, uma compreensão quanto à historicidade desse sujeito, não apenas como indivíduo, mas como parte integrante de um sistema conjuntural, pouco dessas ações serão efetivadas.

Nesse ínterim, a empatia pode contribuir para a superação do preconceito sobre ver o estudante jovem e adulto como um estudante de menor valor, de menor prestígio, visão esta que cria um círculo vicioso que não vincula os professores a esses alunos, e com a qual assumem turmas na EJA eventualmente, apenas para completar sua jornada de carga horária de trabalho ou por motivo outro que revela não ser sua preferência de atuação.

A empatia torna-se o elemento central na tarefa educativa, no sentido de exercitá-la tanto na formação docente quanto na discente. Para Goleman (2011), a empatia pode, de fato, ser exercitada, pois até mesmo as pessoas e animais que cresceram sem contato social, possuem o mecanismo da empatia, apesar de não saber utilizá-lo, justamente pelo fato de não ter convivido com os outros e, consequentemente, não ter tido a chance de desenvolver essa capacidade de apreender sentimentos e ler os sinais de emoção ao seu redor.

Trajetória metodológica

Em prol do objetivo supracitado, realizou-se uma pesquisa de natureza qualiquanti, com finalidade descritiva, adotando-se a pesquisa de campo por meio de uma aplicação de questionário aos alunos de uma turma do terceiro ano da Educação de Jovens e Adultos integrada à Educação Profissional de um campus do Instituto Federal Fluminense. A população entrevistada limitou-se aos alunos do terceiro ano pelo entendimento de que, nesta fase, os alunos já conheceram, senão todos, a maioria dos professores do curso e, por este motivo, teriam uma vivência mais significativa a respeito dos processos empáticos neste contexto.

O questionário foi elaborado com base na teoria de Carl Rogers sobre o construto multidimensional da empatia, que inclui três componentes: cognitivo, afetivo e comportamental. A partir da compreensão de que estes componentes se mobilizam de modo recíproco, elaborou-se o questionário com cinco perguntas fechadas e duas perguntas abertas.

A aplicação do questionário foi precedida de dois momentos distintos: no primeiro, foi enviado para o grupo de WhatsApp da referida turma uma mensagem contendo uma breve explanação acerca da aplicabilidade da ferramenta, assim como da importância que a fidedignidade das respostas teria para a pesquisa.

No segundo momento, foi enviado para esse mesmo grupo de WhatsApp um link referente ao formulário, composto por três seções: na primeira, os respondentes informaram seus dados pessoais, como, nome, e-mail e telefone, e, em seguida, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo o anonimato de suas identidades, assim como do período em que se encontravam matriculados; na segunda seção, eles responderam as questões fechadas, que envolviam diversos tipos de ocorrência que pudessem supor um processo empático entre professor e aluno; e na terceira e última seção, as questões abertas convidavam o respondente a relatar algum fato ocorrido em que a atitude de um professor possa ter facilitado e/ou prejudicado seu aprendizado ou o de um colega.

Tendo os sujeitos da pesquisa, um prazo determinado para o preenchimento do questionário, orientou-se que o fosse feito individualmente, para que não houvesse interferência nem influência sobre as questões abordadas, e que isso não viesse a comprometer a legitimidade dos resultados obtidos.

Relatos dos estudantes

O público respondente, conforme já mencionado, correspondeu a uma turma de estudantes concluintes de um curso na modalidade de jovens e adultos. Tal turma, quando cursava o primeiro ano do curso, totalizava 59 alunos matriculados; no segundo ano do curso, esse número diminuiu em 71%, totalizando 17 alunos; e no terceiro ano, período em que responderam ao questionário, restaram apenas 9 alunos, o que se verificou uma queda de 47% em relação ao segundo ano. Considerando o número de alunos no início do curso, estima-se que, no mínimo, apenas 15% dos alunos concluirão o curso, levando em conta que até o dia em que participaram desta pesquisa, 85% dos alunos já tinham evadido. Esses números vieram caindo significativamente ao longo dos três anos do curso, fato esse que confirma o histórico de exclusão dessa modalidade de estudantes.

Esta amostra da pesquisa, constituída de 9 sujeitos, apesar de ser pequena em relação ao universo quantitativo de alunos matriculados no início do curso, torna-se intrigante e, portanto, representativa, pelo fato de que os relatos desses alunos, que se pode chamá-los aqui de sobreviventes, podem elucidar sobre que tipo de estratégias eles encontraram, e não os outros, para conduzir as relações interpessoais no ambiente escolar, que requerem empatia no sentido de criar vínculos para continuarem vinculados até o fim do curso.

Percebeu-se que a queda no percentual de alunos matriculados foi bem representativa no primeiro ano, cujo período é considerado “crítico” por Vincent Tinto (2012, p. 3), pois ele considera que, nesse período inicial, “o sucesso dos estudantes está ainda tanto em questão e é ainda maleável à intervenção institucional”. Segundo o autor, o primeiro ano torna-se uma época importante em particular, porque os alunos precisam de bastante apoio para manter as grandes expectativas e, sobretudo, alcançá-las (TINTO, 2012).

Por ocasião dos resultados obtidos por meio dos questionários aplicados, passa-se, então, a analisar as respostas dos estudantes. Na segunda seção do questionário, ao ser perguntado aos alunos se seus professores percebem com clareza o que eles sentem (raiva, tristeza, mágoa, etc), mesmo que eles não revelem isso, buscou-se verificar a primeira dimensão comunicativa da empatia - a cognitiva -, a fim de revelar se os professores demonstram capacidade de perceber o que os alunos sentem.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 1: Dimensão cognitiva. 

Conforme o Gráfico 1 mostra, 22,2% dos respondentes afirmam que nenhum dos professores percebem o que seus alunos sentem e 55,6% afirmam que apenas a minoria dos professores percebe o que seus alunos sentem. Se forem somados esses percentuais, de alunos, representados no Gráfico 1, obtém-se um total de 78%. Este resultado revela que a maioria dos professores não estabelece uma relação empática com seus alunos, porque 78% dos professores não conseguem atingir nem o primeiro estágio do construto multidimensional da empatia, que corresponde a perceber o sentimento do outro (dimensão cognitiva), que antecede ao movimento de experimentar o sentimento do outro (dimensão afetiva) e que, por sua vez, antecede o fazer com que o outro se sinta compreendido (dimensão comportamental).

Segundo Goleman (1995), para o sujeito exercer empatia, é necessário estabelecer rapport, ou seja, aumento da capacidade de envolvimento numa relação de interação e, sobretudo, apartar-se da própria programação emocional, a fim de captar os sinais do outro.

O Gráfico 2 refere-se à segunda dimensão comunicativa da empatia - a afetiva. Quando perguntado aos alunos, se seus professores sofrem ao saberem que eles estão sofrendo física ou emocionalmente, buscou-se verificar se os professores são sensíveis aos problemas enfrentados pelos alunos.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 2: Dimensão afetiva. 

Por meio do Gráfico 2, ao somar os percentuais que afirmam que nenhum dos professores/a minoria dos professores sensibilizam-se com os problemas enfrentados pelos alunos, obtém-se um total de 56%. Portanto, verificou-se que a maioria dos professores não é sensível aos problemas enfrentados pelos alunos.

De acordo com Goleman (1995), o fato de todos possuírem o mecanismo da empatia, não significa que saibam utilizá-lo, ou seja, apesar desse mecanismo ser compreendido como um circuito inconsciente e automático, poucos foram os professores que demonstraram usar essa aptidão, pois não possuem um bom nível de autopercepção nem tampouco autoconhecimento, consideradas habilidades sociais fundamentais no exercício da empatia. Esse mesmo autor ainda complementa ao explicar que tais habilidades quando não manifestadas, ou seja, quando o professor não reconhece a importância e o valor do aluno, impedem a criação do vínculo e, além disso, causam no sujeito-professor um desconforto em relação ao aluno.

Considerando que os componentes do construto multidimensional da empatia mobilizam-se mutuamente, os Gráficos 3, 4 e 5 buscam verificar o componente comportamental, que é antecedido pelos componentes cognitivo e afetivo e, portanto, representa uma atitude empática propriamente dita.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 3: Dimensão comportamental (interesse). 

De acordo com os resultados apontados no Gráfico 3, 66,7% dos respondentes afirmam que a minoria dos professores procura se colocar no lugar deles, tentando compreendê-los. Esse dado revela que a maioria dos professores não compreende seu aluno, porque também não têm interesse ativo sobre aquilo que o aflige.

Pensando na importância de o professor ter um interesse ativo e genuíno sobre o que se passa com seu aluno, faz-se pertinente compreender o que é ter empatia. Há que se não confundir empatia com compaixão ou piedade, ainda que tais significados tenham em comum a ideia de tirar o sujeito da sua zona de conforto. Essa distorção no entendimento sobre empatia que venha, por ventura, ocorrer, pode provocar no professor uma iniciativa de querer satisfazer as necessidades emocionais do aluno, por um motivo outro que não seja exatamente o que uma situação empática requer, visto que ter empatia não é o mesmo que ter pena do outro ou preocupação em excesso ou, ainda, vê-lo como uma pessoa de menor valor. Isso, quando percebido pelo aluno, pode provocar uma ruptura no vínculo, se estabelecido, ou, do contrário, pode prejudicar a criar um. A empatia deve ser acompanhada de equilíbrio, temperância e integridade, e, se assim não o for, a relação entre professor-aluno vai gerar desconfiança, ou melhor, uma empatia artificial (GOLEMAN, 1995).

Quando perguntado aos alunos se os professores deles costumam dizer eu sei que isso é doloroso para você nos momentos em que estão angustiados, obteve-se as informações no Gráfico 4.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 4: Dimensão comportamental (diálogo). 

Observou-se que 22,2% dos respondentes afirmam que nenhum dos professores costuma dizer tal frase ou outra com um sentido semelhante e 33,3% afirmam que apenas a minoria dos professores costuma dizer tal frase ou outra com um sentido semelhante. Se forem somados esses percentuais representados no Gráfico 4, obtém-se um total de 56%.

Esse resultado revela que mais da metade dos professores têm dificuldade de estabelecer o diálogo com seu aluno, de ter uma escuta atenta e um trato singular, porque isso exige do professor autoconhecimento e autoaceitação. Por esse motivo, o diálogo pode ser custoso para o professor no sentido de poder desvelar uma face de si ainda desconhecida. Sobre essa questão, Olmos (2016, p. 28) pontua que “estar em relação com os alunos engendra a necessidade de o próprio educador se conhecer e se dar conta de sua capacidade de autotransformação e empatia”. A autora ainda adverte que “estar em diálogo exige a atitude de receptividade ao outro e a seu pensamento, não para transformá-lo em igual, mas sim, para poder conhecê-lo em sua plenitude” (OLMOS, 2016, p. 28).

Partindo da constatação de que as palavras não conseguem dizer o tanto que um olhar diz e do quanto a empatia está impregnada de corporeidade, o Gráfico 5 refere-se à importância da expressão corporal para a compreensão da dimensão comunicativa comportamental da empatia.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 5: Dimensão comportamental (expressão corporal). 

Quando perguntado aos alunos se, nos momentos em que se encontram tristes, eles são abraçados, tocados ou olhados pelos professores, 33,3% afirmam que nenhum dos professores tem esse comportamento e, igualmente, 33,3% afirmam que a minoria dos professores tem esse comportamento. Se somados esses percentuais, obtém-se 67%. Esses dados evidenciam que a maioria dos professores não tem empatia, porque o corpo pode demonstrar o que, às vezes, nem mesmo o sujeito sabe com clareza.

O professor, como profissional que interage com o aluno diariamente, deve estabelecer uma forma de contato que transcende os protocolos técnicos, a fim de buscar uma relação empática. A empatia pode ser manifestada pelo professor de várias maneiras, mas o toque proporciona conforto, calor humano e aproximação do aluno. Por meio do contato físico, o professor pode perceber as reações que provoca em seus alunos, além de ele mesmo poder refletir sobre elas, e isso altera a qualidade do vínculo e do grau de empatia (GOLEMAN, 1995).

A fim de avançar nas investigações sobre empatia, passa-se a analisar as respostas referentes as duas perguntas abertas. Na primeira questão aberta, os alunos foram convidados a relatar algum fato ocorrido em que a atitude de um professor possa ter facilitado seu aprendizado ou o de um colega. Ao coletar as respostas referentes a essa questão, constatou-se que apenas um dos respondentes não fez o relato.

Quando uma determinada professora usou dois tipos de explicação para que pudéssemos entender o conteúdo de química (relato 1).

Nunca desistir de um aluno (relato 2).

Quando o professor incentiva (relato 3).

Chegou perto para me ensinar (relato 4).

O professor explicou a matéria várias vezes para que nós pudéssemos aprender (relato 5).

Repetir o que foi dito em sua aula de uma forma que o aluno possa entender (relato 6)

As frases motivacionais sempre foram muito importantes (relato 7).

O professor [...] indicava vídeos, e ia na mesa dos alunos sempre que tinham dúvidas (relato 8).

A partir dos dados coletados, observou-se situações que envolviam metodologias alternativas para explicar o conteúdo, incentivo e motivação por parte do professor, interesse pela aprendizagem dos alunos e aproximação física do professor. Todas as situações relatadas nessa primeira questão aberta, sem exceção, foram relacionadas à empatia e, portanto, evidenciam-na como um comportamento fundamental por parte do professor para facilitar a aprendizagem dos alunos.

Enquanto na segunda questão aberta, os alunos foram convidados a relatar algum fato ocorrido em que a atitude de um professor possa ter prejudicado seu aprendizado ou o de um colega. Ao coletar as respostas referentes a essa questão, constatou-se também que apenas um dos respondentes não fez o relato.

Uma professora gritou com uma colega em sala de aula, porque ela não respondeu correto as questões que ela corrigia no quadro, intimidando assim a turma a participar da aula (relato 1).

Dizer que não consegue (relato 2).

Quando não se preocupou quando não entendemos a matéria (relato 3).

Pediu para estudar toda matéria, mas deu a mesma prova (relato 4).

O professor cobrou uma matéria na prova que ele não deu em aula (relato 5).

Ignorar quando um aluno faz uma pergunta sobre a aula (relato 6).

Um professor, no primeiro ano, lançou minhas notas erradas no acadêmico e desde então nenhum dos coordenadores e nem o professor conseguiu resolver meu problema até hoje. Continuo com uma nota baixa sem tê-la tido realmente (relato 7).

Falta de interesse em ensinar e ainda dizer ‘eu venho aqui para dar aula, mas, se vocês não aprendem, não é culpa minha. Preciso dar continuidade ao conteúdo e vocês tem YouTube em casa (relato 8).

A partir dos dados coletados, observou-se situações que envolvem: a) demonstração de falta de confiança, compromisso e respeito por parte do professor no planejamento e elaboração das avaliações, bem como no lançamento de notas; b) atitudes do professor que provocam desmotivação nos alunos; c) demonstração de falta de motivação do próprio professor para ensinar; d) demonstração de falta de interesse por parte do professor pela aprendizagem dos alunos; e) desrespeito e intimidação por parte do professor para que os alunos não façam perguntas sobre a matéria; f) atitudes dos professores que demonstram culpabilizar seus alunos para sentirem-se isentos da sua responsabilidade com a aprendizagem deles. Tais relatos sobre essa segunda questão, sem exceção, foram relacionados à falta de empatia e, portanto, evidenciam que a falta dela na relação professor-aluno prejudica o processo de ensino e aprendizagem.

Ainda sobre os relatos, identificou-se uma situação curiosa, uma mesma ocorrência foi narrada duas vezes por alunos diferentes, no entanto como respostas para diferentes perguntas. Uma narrativa correspondeu à pergunta sobre ocorrências em que a atitude de um professor possa ter prejudicado seu aprendizado ou o de um colega, que será chamada aqui de narrativa A; e a outra, sobre ocorrências em que a atitude de um professor possa ter facilitado seu aprendizado ou o de um colega, que será chamada de narrativa B. Ou seja, uma mesma ocorrência, contendo o mesmo teor, serviu para ilustrar tanto uma atitude positiva quanto negativa.

O trecho da narrativa A, um determinado professor, em seu primeiro dia de aula, lançou seus bordões: nada está tão difícil, que eu não possa piorar. Se vocês estiverem à beira do precipício, eu estarei lá para empurrá-los, evidencia um tom ameaçador e certo terrorismo na fala do professor, que foi considerada negativa na perspectiva deste respondente. Já o trecho de mesmo teor na narrativa B, Ele assustava alguns alunos com seu jeito durão de ser, mas eu o via com bons olhos e sabia que debaixo daquela aparência carrancuda, existe um ser humano incrível, revela que o respondente não reprova o professor pelo seu jeito durão de ser, pelo contrário, ele atenua o efeito negativo da aparência carrancuda ao afirmar que isso era apenas uma aparência, porque, na realidade, ele era um ser humano incrível. Assim, constatou-se que os sujeitos-respondentes, ao analisarem o objeto-professor, caracterizaram-no a partir de suas próprias subjetividades, que, por sua vez, foram influenciadas por suas ideologias e crenças pessoais.

No trecho da narrativa A, ele dizia que se você não tivesse condições de exercer determinada atividade ou trabalho que outras pessoas fazem, talvez você pudesse ser bem sucedido na vida de outras formas e citava pessoas que venceram na vida sem o uso da matemática ou da alfabetização, depreende-se que tal professor não acreditava no potencial dos seus alunos para estudar e usufruir de uma educação acadêmica, muito menos que conseguissem vencer na vida com um emprego que não fosse subalterno, que não fosse voltado para uma educação que o preparasse ou habilitasse para o trabalho. Ou seja, o discurso do professor, pela perspectiva deste aluno-respondente, revela uma discriminação com esse público de jovens e adultos, no sentido de que o professor já naturalizou que o sistema educacional reproduz esses espaços de luta de cunho social, no qual a classe dirigente é formada para continuar sendo dirigente e as classes populares para continuar populares, e que nada pode ser feito para que o destino destes alunos não se cumpra, além de se conformarem.

No trecho da narrativa B, ele dizia que nem a metade da turma iria chegar até o final, devido à falta de comprometimento de muitos, ele tinha uma visão ampla e sabia quais eram os alunos que realmente queriam alguma coisa séria com o curso, e eu concordo com ele, depreende-se que este aluno-respondente, assim como muitos outros, não culpabilizam os professores pelo fracasso escolar, preferem pensar que faltou comprometimento dos colegas. Para este aluno-respondente, reconhecer que o professor está errado, ou seja, que a culpa não é pela falta de comprometimento dos seus colegas, seria o mesmo que admitir que esta escola não é democrática, mas, sim, opressora e, nesse caso, seria admitir que esta escola também não é para ele. Ademais, ficar do lado do oprimido seria admitir também ser como ele, ao passo que é mais fácil ficar do lado do opressor para não ser a vítima e para, assim, não ter que lidar com essa opressão. Desse modo, esse trecho evidencia como é dialético o olhar subjetivo nas relações, e como a autoconsciência interfere na forma com a qual o sujeito interpreta a realidade.

De acordo com o trecho da narrativa A, com a diminuição considerável da turma, ele garantiu que os sobreviventes não seriam reprovados e assim foi, ninguém ficou de dependência ou de substitutiva, fomos todos aprovados mesmo sem entender a matéria, o fato de o professor ter aprovado todos os alunos, não o livrou de um mal julgamento, visto que a aprovação, em sua perspectiva, foi dada sem que os alunos tivessem tido o mérito para isso. Nesse caso, a aprovação unânime, que, em outra situação, poderia ser considerada positiva, gerou desconfiança, porque foi acompanhada de suspeita de manipulação e, também, de certa indignação, por sentir que a aprovação não teve validade de fato, visto que ficaram sem entender a matéria.

Porém, o trecho da narrativa B, além de ensinar, indicava vídeos, e ia à mesa dos alunos sempre que estes tinham dúvidas, fica evidente que o aluno-respondente defende a tese de que o professor cumpriu o seu papel de educador. Nesse caso, depreende-se que houve aprendizagem pelo fato de o professor ter ensinado, ter indicado vídeos como alternativas de estudo e, sobretudo, ter ido à mesa dos alunos para explicar individualmente e sanar dúvidas, o que demonstrou dedicação aos alunos.

As diferenças nas perspectivas entre as duas narrativas são compreendidas quando analisamos os dois tipos de relações estabelecidas entre os atores envolvidos. Fica evidente que a comunicação empática estabelecida pelo aluno-respondente da narrativa B resultou em uma maior compreensão e aceitação, por parte dele, do modo pelo qual esse professor desenvolveu sua atividade docente, diferentemente do aluno-respondente da narrativa A, que não estabeleceu essa comunicação empática e, por isso, não teve a mesma aceitação e compreensão que o aluno-respondente da narrativa B.

Por meio das narrativas, percebeu-se que a empatia observada na narrativa B e a falta dela na narrativa A foi fundamental para justificar o fato de esses relatos apresentarem-se como respostas a perguntas diferentes. Essas narrativas também revelaram que, quando se estabelece uma relação de empatia, como foi o caso desse aluno-respondente na narrativa B, as relações interpessoais entre professor e aluno, além de resgatar o ser humano, contribui com a aprendizagem.

De modo geral, a expectativa da empatia acaba sendo mais uma tarefa a ser realizada pelo professor, no sentido de que é ele quem deve comunicar aos alunos que estes são compreendidos em suas emoções e sentimentos. Porém, esses relatos mostraram que a empatia tomou uma nova direção, a de que a expectativa da empatia pode ser de iniciativa também do aluno, visto que foi ele quem comunicou ao professor que este foi compreendido em suas emoções e sentimentos e, assim, mostrou que, apesar da falta de empatia do professor, os estudantes buscam, por eles mesmos, caminhos, por meio da empatia, para permanecerem na escola.

Considerações finais

As reflexões sobre a empatia no contexto educacional que foram feitas a partir de relatos de estudantes da Educação de Jovens e Adultos indicam a existência de problemas de relacionamento e de comportamento que não podem ser ignorados nem tomados como ocorrências pontuais. Trabalhar a empatia na escola, convertendo a prerrogativa sobre ela que consta nos PCN e DCN em ações efetivas, deve estar no centro do processo educativo.

Através dos relatos, evidenciou-se que, em meio a um ambiente não propício à empatia, os alunos buscam novos caminhos de diálogos, mesmo que nesses caminhos tenham que colocar os professores, e não eles, no centro do processo educativo, como estratégia para criar relações empáticas para continuarem vinculados à escola. Diante dessa análise, observou-se que a empatia ou a falta dela interferiu no desenvolvimento de atitudes mais positivas ou negativas em relação a si mesmos e, consequentemente, em relação à aprendizagem. Por fim, a iniciativa de criar vínculos por parte do aluno aponta novos caminhos de comunicação empática, que mostraram esse sujeito como agente de transformação de sua própria vida e de seus territórios.

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Recebido: 01 de Junho de 2021; Aceito: 01 de Maio de 2022

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