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Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.30  Uberlândia  2023  Epub 01-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/er-v30a2023-3 

Artigos

Crenças docentes sobre Alfabetização Econômica: desafios e perspectivas no contexto da Educação Infantil

Creencias de los docentes sobre la alfabetización económica: desafíos y perspectivas en el contexto de la educación infantil

Núbia dos Santos Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0001-6501-7784

Irani Lauer Lellis2 
http://orcid.org/0000-0002-5688-9887

Maria Daniela Guzman Barillas3 
http://orcid.org/0000-0002-5106-363X

1Mestre em Educação, Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, Pará, Brasil. E-mail: nso.olyveira@gmail.com.

2Doutora em Psicologia, Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, Pará, Brasil. E-mail: iranilauer@gmail.com.

3Mestre em Educação, Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, Pará, Brasil. E-mail: madaniela_w1202@hotmail.com.


RESUMO

As crenças guiam as práticas docentes, inclusive no âmbito da alfabetização econômica. Este estudo objetivou compreender as crenças e práticas de docentes atuantes na educação infantil sobre alfabetização econômica-AE. Participaram duas docentes, que atendem crianças de 4 a 5 anos de um Centro Municipal de Educação Infantil, em Santarém - Pará. Utilizou-se roteiro de entrevista semiestruturada e analisou-se mediante a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC. Os resultados apontaram para um incipiente conhecimento sobre AE, pois, as crenças manifestadas sobre AE limitaram-se ao senso comum; evidenciaram-se práticas que se limitam ao diálogo sem ações intencionais e sistematizadas. Infere-se que uma das premissas do presente estudo reside na importância da inserção da temática AE no currículo escolar, contribuindo na ampla exploração das crenças e práticas docentes. Para tanto, o investimento na formação docente seria necessário, contribuindo, portanto, no desenvolvimento integral da criança.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização econômica; Educação; Crenças

RESUMEN

Las creencias guían las prácticas de enseñanza, incluso en el contexto de la alfabetización económica. Este estudio tuvo como objetivo comprender las creencias y prácticas de los docentes que trabajan en educación infantil en alfabetización económica-AE. Participaron dos maestros, que atienden a niños de entre 4 y 5 años en un Centro Municipal de Educación Infantil en Santarém - Pará. Se utilizó un guión de entrevista semiestructurado y se analizó mediante la técnica Discurso del sujeto colectivo - DSC. Los resultados apuntaban a un conocimiento incipiente sobre AE, porque las creencias expresadas sobre SE se limitaban ao sentido común; Se evidenciaron prácticas que se limitan al diálogo sin acciones intencionales y sistematizadas. Se concluye que la inserción del tema es necesaria en el currículo escolar; Es necesario invertir en la formación del profesorado, para que se construyan creencias para la tarea de la alfabetización económica, no solo pertenecientes a la familia, sino que reclamen sobre sí mismos la responsabilidad del trabajo integrado en el currículo, contribuyendo al desarrollo integral de la educación de los niños.

PALABRAS CLAVE: Alfabetización económica; Educación; Creencias

ABSTRACT

Beliefs guide teaching practices, including in the context of economic literacy. This study aimed to understand the beliefs and practices of teachers working in early childhood education on economic literacy - AE, its acronym in Portuguese. Two teachers, who teach children between 4 and 5 years old at a Municipal Child Education Unit in Santarém - Pará, participated in the research. A semi-structured interview script was used and analyzed using the method of the Discourse of the Collective Subject - DCS. The results indicated an incipient knowledge about AE, because the beliefs expressed about AE were limited to common sense; practices limited to dialogue without intentional and systematized actions were evidenced. It was concluded that the insertion of the theme is necessary into the school curriculum; it is needed to invest in teacher training, in order that beliefs can be built for the mission of economic literacy, not only pertaining to the family, but that they assert the professional responsibility of an integrated curriculum, contributing to the integral development of children.

KEYWORDS: Economic literacy; Education; Beliefs

Introdução

A escola tem como função social precípua preparar os alunos para atuarem objetivamente sobre a realidade, proporcionando-lhes uma formação cidadã que seja suficiente para fazê-los intervir de maneira ativa no meio social em que vivem. O ambiente escolar configura-se como um lugar propício à manifestação de um complexo conjunto de relações interpessoais, em que cada um de seus atores carrega sobre si um amplo espectro de representações, teorias, crenças e valores que influenciam diretamente na consecução das ações, planejadas ou não, que ocorrem nesse ambiente.

No presente estudo as crenças de docentes centralizam o ponto de reflexão. Discutindo as crenças docentes e as implicações para o processo ensino-aprendizagem, Paiva e Del Prette (2009, p. 76), as definiram, como “... ideias e convicções a respeito de temas relacionados à Educação que se revelam, conscientemente ou não, nas ações dos professores”. Segundo estes autores:

[...] as crenças influenciam o processo de ensino-aprendizagem ao mediarem as decisões pedagógicas e as interações que os professores estabelecem com seus alunos, funcionando como um filtro que os leva a interpretar, a valorizar, e a reagir de diferentes formas diante dos progressos e dificuldades dos seus alunos, podendo, inclusive, induzir o comportamento real destes alunos em direção às suas expectativas (PAIVA E DEL PRETTE, 2009, p. 76).

As crenças docentes, isto é, as ideias e convicções que os docentes têm a respeito de algum tema, exercem grande importância nas suas práticas e estas, por conseguinte, intervêm copiosamente na formação e no desenvolvimento dos alunos. Neste sentido, estudá-las de maneira sistemática e direcionada à atividade docente torna-se imprescindível para a promoção de ações que visem a formação cidadã e integral desse público.

O interesse nas crenças de professores, tem despertado pesquisadores à compreender o desenvolvimento humano, a partir da perspectiva das crenças e práticas docentes e sua relevância para a formação integral do educando nos seus aspectos sociais, emocionais, culturais e até mesmo econômicos. Dessa forma, há necessidade de uma concepção de ser humano que considere os aspectos culturais, psicológicos e práticos dos agentes envolvidos no processo de desenvolvimento da criança, pois ela irá receber influência direta para a constituição de sua própria formação e identidade.

A compreensão acerca das crenças e práticas docentes tem sido discutidas e pesquisadas levando-se em consideração o campo pedagógico. Nos últimos anos as pesquisas sobre as crenças foram tomadas como relevantes nos estudos sobre os paradigmas dos professores (SOARES; BEJARANO, 2008).

De acordo com Rockeach (1981), o número de crenças que um adulto possui é absolutamente incontável. Existe milhares de crenças relacionadas por exemplo, ao que é verdadeiro ou falso, bonito ou feio, bom ou ruim com respeito ao mundo social e físico em que a pessoa está. Para o autor, as crenças são organizadas em sistemas dentro das mentes humanas e possuem propriedades estruturais descritíveis, mensuráveis, sendo observáveis mediante o comportamento humano, não podendo existir assim fora de um sistema de crenças.

Rockeach (1981) entende que as crenças podem ser conscientes ou não e que não podem ser observadas diretamente, mas é possível inferi-las a partir do que as pessoas falam ou fazem. Elas podem ser adquiridas por meio da experiência direta ou de forma indireta. O autor aponta que todas as crenças são necessariamente formadas por três componentes: cognitivo, uma vez que avalia conhecimentos como verdadeiros ou não; afetivo, pois possuem a capacidade de evocar afetos de variadas intensidades; e por fim o componente comportamental, uma vez que as crenças predispõem respostas específicas. Elas podem ser entendidas como representações proposicionais sobre o mundo.

Soares e Bejarano (2008, p. 55) consideram que “conhecer, discutir e compreender as crenças contribui para ampliar as discussões no campo educacional”. Estes autores apontam que, pesquisas tem encontrado uma relação entre o fracasso escolar e a baixa expectativa do professor quanto ao desempenho acadêmico de seus alunos, especialmente quando estes são provenientes de classes sociais menos favorecidas. Entretanto, pesquisas abrangendo a alfabetização econômica de crianças e crenças de professores ainda são insipientes.

De acordo com Webley (1999), existe uma ampla literatura acerca da compreensão de crianças sobre o mundo econômico. Contudo, a grande maioria desses estudos são baseados numa interpretação cognitiva do desenvolvimento, que prevê quais as etapas que as crianças devem passar para que alcancem determinado nível do pensamento econômico.

De acordo com Lauer-Leite (2009), o estudo desses temas tem sido objeto de interesse tanto nas áreas da psicologia do desenvolvimento (BERTI, 1992; BERTI; BOMBI, 1988, 1990; BERTI; BOMBI; DE BENI, 1986; BERTI; MONACI, 1998; BOMBI, 1991; BERTI; BOMBI; LIS, 1982) e, mais recentemente, no âmbito da psicologia econômica (BONN et al., 1999; BONN; WEBLEY, 2000; FURNHAM, 1999; WEBLEY, 1983, WEBLEY; PUGH, 2000).

Dentro do conceito mais amplo de socialização econômica, o termo “alfabetização econômica” é definido como “um conjunto de conceitos, habilidades e atitudes que permitem ao indivíduo a compreensão do seu ambiente econômico local e global, e que o levam a tomar decisões eficientes, de acordo com seus recursos financeiros” (DENEGRI et al. 2005, p. 89).

De acordo com Denegri et al. (2005), a alfabetização econômica pode ser entendida como potencial ferramenta que visa proporcionar uma ampla participação pública no debate e na consolidação da política econômica, além de elucidar causas estruturais dos problemas econômicos e sociais, fomentando alternativas políticas e estimulando ações comunitárias. É nesse aspecto que o estudo de temas como este, além de fortalecer a ideia, se configura como um importante argumento em favor da implementação desta temática nas escolas

Conforme aponta Araújo (2009), é primordial traçar estratégias que propiciem, desde cedo, a construção de relações econômicas mais conscientes. Segunda a autora é importante compreender que a melhoria nas condições de vida das pessoas acontece por meio da inclusão social, da consciência política e financeira, bem como por meio de ações reflexivas que estimulem a maior participação social.

Compreender o mundo em seus sistemas econômicos e social não parece uma tarefa de fácil resolução. Numa sociedade marcada e alicerçada nos fundamentos da lógica capitalista, em que a discrepância existente entre a riqueza humana e a pobreza que caracteriza a vida de grande parte da população alcança níveis extremos e até insuportáveis, a compreensão e a atuação diante dessa conjectura constituem-se uma missão árdua nos seus mais distintos aspectos.

Contudo, para entender o mundo econômico, é importante que o indivíduo construa uma visão sistêmica de modelo social econômico no qual está inserido, e isso envolve o gerenciamento de uma série de informações, além de ser necessário o desenvolvimento de competências, atitudes, hábitos e comportamentos de consumo, racional e eficiente, conforme observam Denegri et al. (2005).

Para Ortiz (2009, p. 107), “trabalhar com a educação econômica representa uma importante abertura teórica que se prevê como algo muito fértil na formação do cidadão, que irá beneficiar não apenas o sujeito, mas a sociedade como um todo”. Ela ainda argumenta que, para a devida implementação de uma educação econômica nas escolas, se fazem necessárias intervenções educativas que tenham como objetivo ampliação e disseminação dos conhecimentos econômicos nas crianças, vislumbrando-se a aquisição de novas habilidades para aprenderem a lidar com o dinheiro, tornando-se adultos conscientes e preparados para administrarem seus próprios recursos.

É possível encontrar em alguns estudos (DE CASTRO, 2021; DE CASTRO; DE CASTRO, 2021; SILVA; POWELL, 2015) as terminologias “educação econômica” e “educação financeira” como sinônimas, sem haver distinção conceitual entre elas. Por outro lado, os termos aparecem separados em alguns estudos e organizações como a OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) (2005).

A OCDE (2005) utiliza o termo educação Financeira e a define como:

[...] o processo pelo qual consumidores e investidores melhoram seu entendimento sobre os conceitos e os produtos financeiros e, através da informação, instrução e/ou conselhos objetivos, desenvolvam as habilidades e a confiança para conhecer melhor os riscos e as oportunidades financeiras, e assim tomarem decisões fundamentadas que contribuem para melhorar seu bem-estar financeiro (OCDE, 2005, p.13).

Ainda segundo a OCDE, a educação financeira é responsável por auxiliar os consumidores a gerenciar sua renda, poupar e investir, evitando vítimas de fraude. A Educação financeira pode ser explicada como a de aprender a cuidar do dinheiro.

Em relação a educação econômica, Aragão e Lautert (2021) apontam que esta refere-se a:

[...] uma ação educativa que tem como objetivo desenvolver nas crianças e jovens as noções básicas sobre economia e consumo de forma a auxiliar no desenvolvimento de conscientização, criticidade, responsabilidade e solidariedade quando se trata de situações econômicas. Seu pressuposto é que a partir do ensino dessas noções básicas, os estudantes possam construir estratégias para a tomada de decisões pertinentes que os ajude a construir um posicionamento diante da sociedade de consumo como pessoas conscientes, críticas, responsáveis e solidárias (ARAGÃO E LAUTERT, 2021, p. 5).

Nota-se que, tanto a definição de educação financeira quanto, da educação econômica estão focadas na aprendizagem de como gastar, investir dinheiro, enfim, saber como o mundo funciona segundo seus recursos, a disponibilidade desses recursos e a interação sobre os recursos disponíveis. Nesse sentido, o limite conceitual entre a educação econômica e financeira segundo as definições de ODCE (2005) e Aragão e Lautert (2021), parecem tênues.

Pesquisadores de referência na área da Alfabetização econômica (ARAÚJO, 2009, 2009; CARVALHO, 2016; DENEGRI, 2010; DENEGRI et al., 2002; DENEGRI, 2004; LEITE et al., 2010; ORTIZ, 2009), tem se interessado em compreender como as crianças aprendem sobre conceito econômicos, estágios de desenvolvimento do pensamento econômico, como o dinheiro pode afetar o comportamento da criança e ainda identificar e compreender a existência de modelos que venham a explicar as experiências que o ser humano estabelece com a questões econômicas. Nota-se, que a discussão que mais tem interessado os pesquisadores da área, abarca aspectos da alfabetização econômica e que definições das terminologias “educação econômica” e “educação financeira” não tem tido atenção.

Sob tal complexidade, torna-se imprescindível estudos que discutam não apenas o papel da escola na perspectiva da educação econômica e ou financeira, mas também, que discutam conceitos e definições dos temos educação econômica e educação financeira.

Em relação ao termo educação econômica, nota-se que a psicologia econômica o utiliza, em contrapartida, o termo educação financeira aparece sendo usado por instituições e documentos oficiais como a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A falta de concordância e imprecisão conceitual quanto ao emprego dos termos, pode gerar confusão conceitual, afetando o exercício. Desta forma, o presente estudo objetivou caracterizar as crenças e práticas de docentes da educação infantil sobre a alfabetização econômica.

Caminho metodológico

Este estudo de caráter qualitativo e descritiva foi realizado com docentes da educação infantil na cidade de Santarém-Pará em uma Unidade Municipal de educação infantil que atende crianças com vulnerabilidades socioeconômicas. Pretendeu-se responder com o presente estudo quais seriam as crenças e práticas de docentes da educação infantil sobre alfabetização econômica.

Para tanto, o problema a ser investigado foi conhecer crenças e práticas docentes. Objetivou-se de forma geral: caracterizar as crenças e práticas de docentes da educação infantil sobre a alfabetização econômica e de maneira específica conhecer o que os docentes pensam do termo: alfabetização econômica e identificar práticas docentes voltadas para a alfabetização econômica.

A partir da literatura da área e conforme os objetivos do presente estudo, para coleta de dados, criou-se um Roteiro de entrevista denominado: crenças e práticas de Alfabetização Econômica composto por 6 perguntas. As entrevistas foram realizadas de forma individual e as perguntas do roteiro serviram como um guia para a entrevista e são apresentadas a seguir:

1 - O que vem à sua cabeça quando se fala em alfabetização econômica? O que você entende quando se fala sobre esse termo? 2 - Para você, o termo alfabetização econômica engloba que aspectos relacionados às questões financeiras? 3 - O que você acha sobre as crianças serem educadas a respeito de questões econômicas tais como: dinheiro, poupança? Por quê? 4 - Na sua opinião, quem deve assumir a tarefa de orientação econômica das crianças? Por quê? 5 - Fale o que você pensa sobre trabalhar temas referentes a alfabetização econômica nas aulas, 6 - De que maneira você acha que esse tema pode contribuir com o desenvolvimento pessoal e socioeconômico dos seus alunos?

O material da coleta de dados foi analisado mediante a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo- DSC, sendo esta uma proposta de “organização e tabulação e organização de dados qualitativos de natureza verbal, obtidos de depoimentos...”, desenvolvido por Lefèvre e Lefèvre (2005, p. 15-16). A escolha pela técnica deu-se por ser esta uma técnica que analisa um grupo profissional específico, descrevendo tanto as crenças quanto as práticas, visando a apreensão do pensamento dos participantes como nosso objeto de investigação.

O DSC se constitui a partir da utilização de figuras metodológicas que separam os discursos em expressões chaves (ECH), sendo estes pedaços, trechos ou transcrições literais do discurso, que revelam a essência do depoimento, e posteriormente em ideias centrais (IC). Estas, revelam e descrevem de maneira sintética, precisa e fidedigna, o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogêneo de ECH. Segundo os criadores desta técnica de análise, o pensamento coletivo é visto como um conjunto de discursos acerca de determinado tema, e o DSC é o farol que ilumina o conjunto de individualidades semânticas que compõem a expressão do imaginário social presente no discurso, ou seja, é uma forma ou um expediente destinado a fazer a coletividade falar diretamente (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p. 16).

Resultados e Discussão

As Ideias Centrais que emergiram a partir da análise das entrevistas demonstraram pontos de convergência, uma vez que as perguntas utilizadas no roteiro apresentavam algum ponto de interseção ou mesmo alguma conexão entre si, o que culminou na produção de respostas com contextos semânticos semelhantes, ou seja, respostas semelhantes sobre a mesma temática. Por meio do DSC 6 Ideias centrais foram geradas.

Dessa forma, optou-se pela categorização das IC’s em Eixos Temáticos, possibilitando uma melhor discussão e análise dos discursos. Nesse sentido, serão apresentados e discutidos 3 (três) eixos temáticos, conforme listado no quadro 1.

Fonte: elaboração própria (2019).

Quadro 1: Agrupamento de Ideias Centrais por Eixos Temáticos quanto às Crenças sobre Alfabetização Econômica 

O eixo temático 1 - crenças quanto à compreensão e caracterização da alfabetização econômica, conforme demonstrado no quadro acima, após a a análise do material por meio da técnica DSC, apontou 2 (dois) ideias centrais que tiveram discursos complementares, refletindo a crença docente acerca do que vem a ser o termo Alfabetização Econômica, conforme abaixo:

IDEIA CENTRAL 1: “Alfabetização econômica refere-se aos custos e gastos para trabalhar a metodologia”. É sobre custo, sobre o que trabalhar, o que trazer para sala de aula que possa ser proveitoso para as crianças, porque quando ouço ‘econômica’, na minha opinião, é sobre dinheiro, sobre o que vai ser gasto, mas é a parte do dinheiro que vai dar para trabalhar a metodologia. É investir no que vou trabalhar.

Este discurso demonstra a crença de docentes sobre alfabetização econômica e assemelha-se as proposições de Fermiano e Cantelli (2012), as quais sublinham que o processo de alfabetização econômica deve abarcar os mais básicos e diferentes conceitos econômicos e financeiros que existem na sociedade, como, por exemplo, consumo, gastos, poupança, leis de oferta e demanda, o valor do dinheiro e juros, conceitos esses que permitem compreender o mundo econômico e interpretar os acontecimentos que o afetam direta ou indiretamente, possibilitando tomar decisões racionais e possuir controle sobre seu futuro econômico, ou seja, tais conceitos são premissas basilares na compreensão do mundo econômico.

Levando em consideração as ponderações de Fermiano e Cantelli (2012), verifica-se que a IC 1 demonstra uma compreensão de algumas das premissas propostas pelas autoras, uma vez que ele ressalta uma certa preocupação com os gastos que devem ser realizados simplesmente para o cumprimento da tarefa de educar, utilizando-se de metodologia criativa e com recursos variados que precisam ser adquiridos para tal finalidade, conforme se verifica no trecho a seguir: “porque quando ouço ‘econômica’, na minha opinião, é sobre dinheiro, sobre o que vai ser gasto, mas é a parte do dinheiro que vai dar para trabalhar a metodologia. É investir no que vou trabalhar” (grifo nosso).

É válido salientar que da IC 1, ainda é possível inferir a existência de uma crença de que a Alfabetização Econômica apresenta relação com as metodologias de ensino utilizadas em sala de aula. Nesse sentido, verifica-se que a crença dos participantes sobre alfabetização econômica apresenta divergências no que tange ao processo de alfabetização econômica referenciado por Fermiano e Cantelli (2012).

Os discursos sobre o que os professores de educação infantil pensam a respeito da alfabetização econômica demonstrou serem típicos de conhecimentos que se baseiam apenas no senso comum, sem aproximação coerente com os preceitos teóricos-científicos relacionados ao tema aqui estudado.

Dentro dessa mesma linha de pensamento, verifica-se que a IC 2 demonstra uma intrínseca relação com a Ideia Central 1: IDEIA CENTRAL 1: “O termo alfabetização econômica engloba o reaproveitamento de gastos” Quando tenho a minha metodologia, às vezes não é preciso gastar tanto, consigo reaproveitar aquela parte que gastei e investir em outra coisa que eu possa aproveitar.

A tônica expressa nas IC’s 1 e 2 revelam que, no entendimento dos participantes, a Alfabetização Econômica abarca a utilização de recursos financeiros próprios a serem aplicados no desenvolvimento da prática de ensinar, aquisição de recursos materiais para o desenvolvimento da aula, além do reaproveitamento desses materiais e/ou recursos didáticos em diferentes momentos do fazer pedagógico e em atividades diversas.

Ao mencionar “quando tenho a minha metodologia”, a participante refere-se a prática de ensinar, com suas estratégias de ensino que, numa concepção tradicional de educação, é entendida como um conjunto padronizado de procedimentos destinados a transmitir conhecimentos universais e sistematizados (MANFREDI, 1993). Nesse sentido, importante destacar as proposições de Anastasiou (1997, p. 95), ao referir que o ato de ensinar engloba “uma tarefa que inclui um uso intencional (algo que alguém se destina a fazer, portanto, com meta explícita) e um uso de êxito (resultado bem-sucedido de ação)”.

Dessa maneira, para concretização do ensino, é importante que este ato inclua também um conjunto de esforços e decisões práticas que se refletem em caminhos propostos, isto é, nas opções metodológicas que são adotadas pelos professores no decorrer de sua atuação profissional.

Denegri et al. (2005, p. 89) nos ensina que a socialização econômica é um “processo de aprendizagem de interação com o mundo econômico através da internalização de conhecimentos, habilidades, estratégias, padrões de comportamento e atitudes sobre o uso do dinheiro e seu valor na sociedade”.

Num sentido mais amplo, como no caso da socialização econômica, pode-se inferir uma tímida relação dos discursos que emergiram dentro desse eixo com o conceito interposto por Denegri et al. (2005), uma vez que neles está manifesta uma certa preocupação com o uso do dinheiro e sua aplicação nas atividades a serem realizadas em sala de aula, momento este que se verifica a atribuição de um valor social ao dinheiro enquanto mecanismo útil na concretização do fazer docente.

Portanto, verifica-se que há uma aproximação mais íntima desses discursos com aspectos relativos ao processo de Alfabetização Econômica. Entretanto, é importante observar que a crença presente nos discursos que emergiram está voltada basicamente para a própria figura docente, ou seja, o mesmo apresenta-se no eixo central dentro da temática, revelando, a priori, um entendimento sobre o assunto que coloca a criança num ambiente secundário e aleatório dentro do processo de Alfabetização Econômica, sendo, portanto, afetada de forma um tanto quanto indireta nesse processo.

Em estudo de caráter interventivo que buscava caracterizar as diferenças entre os níveis de compreensão sobre alfabetização econômica em uma amostra de 167 estudantes do curso de Pedagogia, Silva (2008) encontrou diferenças significativas após a intervenção econômica pedagógica realizada com participantes, demonstrando a eficácia desse tipo de intervenção, uma vez que trouxe expressivas mudanças no nível de alfabetização destes estudantes, nos seus hábitos e condutas de consumo e nas suas atitudes frente ao endividamento, além de ter contribuído para um processo de tomada de consciência em relação a conhecimentos econômicos com os quais se relacionam cotidianamente.

O que se pode depreender do estudo acima e sua aproximação com os dados presentes nos discursos apresentados como DSC 1 e 2, é que existe a necessidade de se incluir no currículo dos cursos de formação de professores as premissas básicas acerca da alfabetização econômica, tanto para contribuir em sua própria formação pessoal quanto na formação profissional e nas futuras práticas enquanto profissionais da educação, uma vez que a falta de conhecimento mais formal e sistemático em relação ao tema ficou perceptível a partir do presente estudo, conforme visto nos Discursos aqui apresentados.

Assim, é importante considerar que é imprescindível implementar nos cursos de Pedagogia os preceitos da Educação Econômica, que segundo Araújo (2009) objetiva fornecer às crianças e aos jovens as noções básicas sobre economia e consumo, proporcionando-lhes estratégias que venham contribuir para o seu direcionamento em situações cotidianas diversas, de modo que possam posicionar-se de forma consciente, crítica, responsável e solidária diante dos dilemas e desafios que permeiam a diferentes nuances do modo de vida pós-moderno. Isto posto, é a partir de uma formação voltada para a promoção de educação econômica nos futuros educadores que se pode ampliar as perspectivas acerca da disseminação desses conceitos entre as crianças que irão passar pela vida destes profissionais.

Para encerrar as discussões acerca deste eixo temático, é importante mencionar que foi perceptível a existência de uma compreensão consideravelmente superficial quanto ao uso do termo “alfabetização econômica” por parte das participantes deste estudo. Diante disso, Denegri et al. (2005) define alfabetização econômica como sendo um conjunto de conceitos, habilidades e atitudes que proporcionarão ao indivíduo a compreensão de seu ambiente econômico, tanto local quanto global, e cujo conjunto de informações o levam a tomar decisões assertivas diante de suas necessidades, conforme os recursos financeiros dos quais dispõe. Portanto, a partir de tal definição, verifica-se que não há uma compreensão conceitual adequada por parte dos participantes acerca do que vem a ser, de fato, a alfabetização econômica.

O segundo Eixo Temático - Crenças acerca da sala de aula como espaço para o desenvolvimento da Alfabetização Econômica, sintetizou a compreensão de que a sala de aula é um espaço propício ao desenvolvimento da temática, através de “vivências em sala de aula” e do “estímulo à poupança por meio de exemplos práticos”, conforme se verifica nas IC’s apresentadas na sequência e seus respectivos DSC’s:

Ainda fazendo parte do eixo temático 2, a segunda ideia central foi: “Alfabetização econômica são as vivências em sala de aula”, do qual pode ser ilustrada pelo discurso a seguir: “Alfabetização Econômica é a vivência que a gente trabalha no dia a dia em sala de aula, e muitas das vezes até não sei se estou fazendo”.

O Discurso revela que a Alfabetização Econômica é entendida como a própria vivência em sala de aula, que se materializa ainda de forma intuitiva e despretensiosa por parte dos professores, como se percebe na fala “e muitas das vezes até não sei se estou fazendo”.

Diante desse entendimento, é válido recorrer às proposições de Sadalla, Saretta e Escher (2002) ao afirmarem que as crenças dos professores exercem influencias diretas em vários aspectos do processo ensino-aprendizagem. Elas afirmam ainda que todo e qualquer ato de ensino resulta de uma decisão que o professor toma após análise dos elementos disponíveis em sua formação e atuação, seja essa decisão consciente ou não.

De acordo com Sadalla et al. (2005), é válido ressaltar que é a partir dos valores individuais e das crenças pessoais e profissionais que os professores realizam as alterações necessárias na sua forma de ensinar, ou seja, que incluem ou excluem elementos de sua prática a partir de demandas que surgem durante o próprio processo de ensino. A autora ainda argumenta que os valores e as crenças dos professores representam importantes fatores do processo ensino-aprendizagem, uma vez que exercem influência quanto à seleção dos conteúdos que serão ensinados, nas decisões dos professores quanto à aprendizagem dos alunos e na forma de avaliar essa aprendizagem.

Diante disso, pode-se inferir do discurso que existe uma predisposição para uma compreensão mais próxima da teoria acerca da alfabetização econômica, uma vez que evidenciou-se por meio da fala, ainda que de forma involuntária, que a partir das atividades desenvolvidas na vivência em sala de aula existe a manifestação prática de se trabalhar temas inerentes à temática, conforme se pode constatar a partir da segunda ideia central deste eixo: “O estímulo à poupança por meio de exemplos práticos pode contribuir no desenvolvimento pessoal e socioeconômico dos alunos”, conforme DSC abaixo:

Na sala de aula acontecem situações não planejadas, então eu invento uma situação, aí desse acontecido que eu já faço meu plano de aula, já mudo o que eu tinha no caderno, e já faço outro, mediante aquilo que foi dado, que foi trabalhado. Utilizo o exemplo dos potinhos, que para mim é muito bom, porque qualquer moedinha eles já não jogam mais, já vai lá no cofrinho, tem aquele estímulo dele de guardar.”

Este discurso revela de forma clara que existe uma preocupação por parte dos professores participantes em relação ao desenvolvimento socioeconômico das crianças, uma vez que através das situações não planejadas que ocorrem em sala de aula, muitas vezes oriundas até da própria interação entre as crianças, a professora aproveita-se de tais situações para modificar aquilo que estava programado no seu plano de aula e aproveitar o evento para ensinar às crianças sobre estímulo à guarda de dinheiro.

Nesse sentido, no que se refere às habilidades sociais educativas destes professores, Del Prette e Del Prette (2014) destacam algumas habilidades consideradas relevantes na condução do processo de ensino-aprendizagem que mantém relação direta com os resultados mostrados no discurso. Dentre essas habilidades, tais autores enfatizam: a criatividade do professor em promover situações diversas de interações educativas, a própria modificação das práticas em decorrência do desempenho dos alunos, o olhar observador e analítico, sempre atento aos progressos obtidos, além de atuar como encorajador na busca por soluções de problemas bem como na apresentação de novos desafios aos seus alunos.

Verifica-se que os professores recorrem à recursos didático-pedagógicos como invenção de estórias que envolvem o ato de poupar, e até mesmo por meio de situações da própria rotina familiar da criança, uma vez que a professora relata incentivar os seus alunos a guardarem suas moedinhas nos potinhos recebidos de forma gratuita nas compra de gás de cozinha efetuada pelas famílias, conforme trecho extraído da transcrição da entrevista, a seguir destacado: “Aqui na sala, eu invento uma situação, eu digo que meu filho, a minha filha eles têm um cofrinho, desses de... “quem pediu o gás na sua casa, que o entregador trouxe um potinho assim que é pra colocar uma moedinha?”. Ai todo mundo: ‘eu, eu tenho!’.

Portanto, a partir de uma situação rotineira que ocorre na casa da maioria das famílias brasileiras (compra de gás de cozinha), ela relata criar situações hipotéticas que auxiliam as crianças na compreensão da importância de guardar dinheiro, demonstrando-se criativos no processo de condução de situações que propiciem um ambiente favorável ao desenvolvimento das crianças.

Nesse aspecto, tais discursos vão ao encontro das proposições de Araújo (2009), ao indicar que a alfabetização econômica inclui a interpretação de situações que podem afetar de forma direta ou indireta a vida financeira das pessoas, bem como pode auxiliar as famílias nas decisões financeiras que são tomadas diariamente, afetando suas vidas e daqueles que estão ao seu redor, e nesse aspecto as crianças também recebem influências que podem beneficiá-las ou contribuir negativamente no desenvolvimento do seu pensamento econômico.

Diante disso, parece-nos razoável afirmar que os professores estão exercendo papel de influenciadores no que tange ao desenvolvimento socioeconômico das crianças, contribuindo de forma direta no seu crescimento pessoal, ainda que de maneira incipiente e ainda volátil. Tal entendimento pode ser sumarizado de acordo com as proposições de Laroca (2002, p. 42), ao afirmar que o campo de trabalho no qual os professores atuam é repleto de dinamismo e heterogeneidade, e por conta disso as suas estratégias metodológicas não podem ser estáveis, muito pelo contrário, precisam estar constantemente em um movimento de criação e recriação, ainda que na forma de tímidos ou desesperados ensaios e tentativas diante de uma realidade bastante complexa, que muitas vezes nem o próprio docente consegue apreender com clareza, mas que estão à sua frente esperando por decisões sobre as quais deve assumir a total responsabilidade diante de sua atuação profissional.

Nota-se no posicionamento da autora uma forte sensibilidade ao desafio que os professores enfrentam diante das demandas que surgem diariamente em sua rotina, e sobre as quais precisar estar atento para agir de acordo com as necessidades que se apresentam no contexto que atua, levando em conta que seu papel é sempre crucial no desenvolvimento daqueles que assumiu como sujeitos de sua escolha profissional e sobre os quais exerce influência direta em seus comportamentos, conforme será discutido no eixo temático a seguir.

O Eixo Temático 3 - Alfabetização econômica engloba os valores e mudanças comportamentais organizou valores e mudanças comportamentais para o desenvolvimento pessoal e socioeconômico. Assim, emergiram discursos que demonstram uma compreensão bastante aproximada dos preceitos referentes à temática, conforme a IC 1 e 2.

A primeira ideia central deste eixo foi: “Alfabetização econômica envolve valores comportamentais”, inferida a partir do seguinte DSC: “O que engloba a educação econômica são os valores, é ensinar pro aluno, não o valor financeiro, do dinheiro em si, mas sim do valor do comportamento, de ser uma pessoa boa, de ser uma pessoa legal, e também saber o quanto custa o que o pai faz, qual é o tipo de trabalho que o pai consegue, de como é aquela maneira que o pai trouxe aquela comida, aquele sapato, aquela roupa, como foi o dia a dia do seu pai, é a criança dá o valor e entender, é a gente conseguir repassar para as crianças esses valores, do limite até onde posso e até onde não posso.”

Verifica-se no trecho destacado do Discurso acima, que no entendimento dos participantes a alfabetização econômica engloba “os valores, é ensinar pro aluno, não o valor financeiro, do dinheiro em si, mas sim do valor do comportamento” (grifo nosso). Pode-se inferir a partir deste discurso que as crenças dos professores sobre a Alfabetização Econômica vão ao encontro das premissas trazidas por Araújo (2009, p. 67) quando postula que a alfabetização econômica engloba “um conjunto de competências, atitudes e valores que permitem aos que por ela passam entender o mundo econômico mais próximo e suas relações com eventos mais globais por ele estabelecidas”.

A ideia expressa por meio deste Discurso é a de que o ensinamento sobre questões econômicas aos alunos perpassa o simples ato de uma educação financeira que se pauta somente na transmissão de conteúdos de cunho quantitativo aos alunos, abrindo espaço para uma interpretação de caráter qualitativo que envolve uma apreensão de conhecimentos voltados à aquisição de valores comportamentais que permitem às crianças uma percepção da realidade mais próxima de seu contexto, e no qual os professores buscam “repassar para as crianças esses valores, do limite até onde posso e até onde não posso”, conforme as palavras expressas por eles próprios (grifo nosso).

A segunda ideia central deste eixo demonstrou que: “A conversa com as crianças sobre o tema pode gerar mudança de comportamento”, conforme demonstra o Discurso que segue: “Vou falar como professora: a partir do momento que a gente conversa com o aluno, explica a situação, conta uma história de vivência sua, que você já passou, o aluno ele começa a entender que tudo que você tem em casa, que você come, tem um valor. A criança, a partir dos 5 anos, começa a ter a formação de caráter, de saber o que é certo, o que é errado, eu que posso ou não posso fazer. Então, fazer com que a criança entenda o que os pais passam para trazer aquele sustento para casa, de que forma o pai ganha o sustento, gera a mudança de comportamento.”

Nesse sentido, Laroca (2002, p. 39-40) enfatiza um interessante aspecto referente à prática pedagógica de um professor, a qual não se pode deduzir apenas a partir de atos pedagógicos isolados que se remetam tão somente ao processo de ensino-aprendizagem. Segundo ela, são diversas as perspectivas que constituem a prática de um professor, dentre as quais pode-se grifar a própria postura política desse profissional na sociedade, seu comprometimento com o trabalho que desenvolve na escola e pela escola, sua busca constante por qualificação profissional, além de outras arestas que se situam aquém das quatro paredes de uma sala de aula.

Ao contrastar as reflexões apontadas por Laroca (2002) com as impressões trazidas à tona por meio da discussão do Eixo Temático 3 e seus respectivos discursos, percebe-se que a crença destes reflete um forte posicionamento pessoal acerca da importância atribuída aos recursos financeiros que servem ao sustento das famílias, e que os professores procuram transmitir às crianças nas mais diversas situações que surgem na sala de aula, e que poderia ser visto como uma das muitas arestas suscitadas pela autora, quando nos ensina que a prática pedagógica compreende vários aspectos que estão situados para aquém dos muros da sala de aula.

A partir das evidências suscitadas nos discursos que se encaixam dentro do eixo temático 3, percebe-se que os conceitos de alfabetização econômica e desenvolvimento moral se confundem, uma vez que nota-se a presença marcante de crenças que se direcionam às práticas incongruentes com os preceitos conceituais inerentes aos aspectos que englobam a alfabetização econômica, à exemplo da utilização de relatos pessoais e verbais para trabalhar a temática, e também ao reducionismo de que a alfabetização econômica se restrinja à transmissão de valores comportamentais e do entendimento acerca das atividades laborais dos responsáveis pelo sustento da família, conforme verificado nos Discursos.

Considerações finais

Os resultados obtidos neste estudo, de maneira geral, demonstraram que: 1) ainda é bastante incipiente o conhecimento dos docentes sobre Alfabetização econômica- AE, sendo que as crenças manifestadas à respeito da temática limitavam-se a aproximações advindas do sendo comum; 2) evidenciaram-se práticas que se limitam ao diálogo entre as professoras e as crianças sobre alguns temas que se aproximam dos conceitos de AE, mas sem ações intencionais, efetivas e sistematizadas no contexto da pré-escola; 3) as crenças dos professores sobre AE se circunscrevem a concepções rasas e desprovidas de embasamento teórico, demonstrando que os mesmos não possuem clareza sobre os conceitos relacionados ao tema.

Dessa forma, não foi possível estabelecer uma rede ampla de relações entre os construtos, uma vez que não existe ainda uma compreensão mais acurada quanto aos preceitos da AE. Diante de tal constatação, reconhecendo sua imprescindibilidade no que tange à implantação de uma cultura escolar voltada para o desenvolvimento integral do ser humano no seu devir em sociedade, a inserção da educação econômica no sistema formal de ensino pode ser entendida como uma opção que se faz urgente e necessária.

A urgência reside na complexidade que é viver de forma plena no mundo moderno, que exigem do indivíduo o gerenciamento de seus recursos de forma responsável. É primordial traçar estratégias que propiciem, desde cedo, a construção de relações econômicas, compreendendo que a melhoria nas condições de vida das pessoas acontece por meio da inclusão social, da consciência política e financeira, bem como por meio de ações reflexivas que estimulem a maior participação social.

Assim, o presente estudo lançou olhares para uma faceta muito importante na atual conjuntura econômico-social que se vivencia no contexto local no qual a mesma se insere, ao mesmo tempo em que permitiu lançar luz a aspectos relativos ao conhecimento docente acerca de temas tão importantes para a formação integral do indivíduo em suas diferentes dimensões.

Com relação às principais contribuições desde estudo, pode-se mencionar a ampliação do conhecimento acerca das crenças e práticas docentes, tendo como foco os professores que atuam na educação infantil. É ainda possível a viabilidade de se estudar temas de diferentes ramificações, a partir de uma proposta interdisciplinar que vislumbra a análise das possíveis relações e influências mútuas entre eles, para o desenvolvimento do trabalho docente.

No âmbito acadêmico e social, este estudo trouxe contribuições no sentido de fornecer subsídios à elaboração de políticas educacionais que tenham como objetivo a criação de mecanismos práticos para implantação de ações de alfabetização econômica nas creches e pré-escolas do município. Os resultados aqui encontrados podem ainda corroborar para o planejamento de ações de capacitação e formação continuada para os docentes, sejam eles da educação infantil ou mesmo dos subsequentes níveis da educação básica.

Por meio das conclusões e inferências aqui produzidas, podem ser traçados objetivos e direcionamentos para ações, de modo que se possa refletir sobre os possíveis conteúdos a serem trabalhados nessas formações, que podem também ser ampliadas e direcionadas para outros públicos, como por exemplo, para os pais e até mesmo focalizadas diretamente às próprias crianças.

Depreende-se, então, que os resultados desta pesquisa podem ampliar as possibilidades didático-pedagógicas relacionadas à temática aqui evidenciadas, que podem proporcionar subsídios para tornar o espaço escolar um ambiente instigante e motivador, contribuindo para avaliações da prática educativa e dos comportamentos, tanto dos professores como dos alunos, uma vez que foi detectada pouca exploração na literatura sobre estudos a respeito da reflexão em torno da tríade teórica: Alfabetização Econômica - Crenças e Práticas Docentes - Habilidades Sociais Educativas.

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Recebido: 01 de Novembro de 2021; Aceito: 01 de Junho de 2022

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