SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30El Laboratorio de Enseñanza como espacio formativo para los profesores de MatemáticasPrácticas sociales y significación del concepto de medidas índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Ensino em Re-Vista

versión On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.30  Uberlândia  2023  Epub 01-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/er-v30a2023-6 

Artigos

O lugar da ludicidade nas práticas alfabetizadoras: um olhar reflexivo a partir dos estágios obrigatórios

El lugar de la ludicidad em las prácticas de alfabetización: uma morada redlexiva de las etapas obligatorias

Laila Hamdan1 
http://orcid.org/0000-0003-2827-1593

Brenda Terezinha Pinheiro Benicio2 
http://orcid.org/0000-0001-6203-0991

Daniele Cristina Teixeira3 
http://orcid.org/0000-0002-7912-0974

1Pós-Doutora. Universidade do Estado de Minas Gerais. Divinópolis. MG. Brasil. E-mail: laila.alvim@uemg.br.

2Graduada em Pedagogia. Universidade do Estado de Minas Gerais. Divinópolis. MG. Brasil. E-mail: brendabenicio05@gmail.com.

3Graduada em Pedagogia. Universidade do Estado de Minas Gerais. Divinópolis. MG. Brasil. E-mail: daniteixeira1203@gmail.com.


RESUMO

As atividades lúdicas no Ensino Fundamental tornam-se propiciadoras do desenvolvimento infantil e, pelas vivências escolares a partir dos estágios supervisionados, nota-se que o ensino, nesta etapa, tem sido conduzido por ações mecânicas e artificiais. Diante dessa inquietação, este estudo tem como objetivo enfatizar a relação entre alfabetização e ludicidade, apresentando uma reflexão das práticas alfabetizadoras lúdicas, e o lugar que estas ações ocupam na prática dos professores que lidam com a docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Destacou-se, por meio da pesquisa bibliográfica, em uma abordagem qualitativa, a relevância do lúdico como uma estratégia metodológica no processo de alfabetização. Posteriormente, estes fundamentos teóricos foram considerados para análise dos relatórios de Estágios obrigatórios do curso de Pedagogia. Os resultados obtidos afirmaram a hipótese inicial de que o ensino conduzido nesta fase, notoriamente, não abarca ações lúdicas em prol da aprendizagem do educando.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização; Ensino Fundamental; Letramento; Ludicidade; Prática docente

RESUMEN

Las actividades lúdicas en la Educación Básica se vuelven propicias para el desarrollo del niño debido a las experiencias escolares a las que fuimos sometidos en las pasantías supervisadas, se ha realizado mediante acciones mecánicas y artificiales. Ante esta inquietud, el presente trabajo de conclusión del curso tiene como objetivo enfatizar la relación entre alfabetización y lúdico, presentando un reflejo de las prácticas alfabetización lúdica y el lugar que estas acciones ocupan en las prácticas de los docentes que se ocupan de la enseñanza en los primeros años de la enseñanza fundamental. Destacamos, a través de la investigación bibliográfica, en un enfoque cualitativo, la relevancia del lúdico como estrategia metodológica en el proceso de alfabetización. Posteriormente, estos fundamentos teóricos fueron considerados para el análisis de los informes de prácticas obligatorias del curso de pedagogía. Los resultados obtenidos afirmaron la hipótesis inicial de que la docencia realizada en esta fase, notoriamente no incluye acciones lúdicas a favor del aprendizaje del alumno.

PALABRAS CLAVE: Alfabetización; Escuela primaria; Alfabetismo; Ludicidad; Práctica docente

ABSTRACT

The ludic activities in elementary school become enablers of child development and, by the school experiences to which we were submitted in supervised internships, it is noted that teaching, at this stage, has been conducted by mechanical and artificial actions. In view of this concern, this study aims to emphasize the relationship between literacy and ludicity, presenting a reflection of ludic literacy practices, and the place that these actions take in the practice of teachers who deal with teaching in the early years of elementary school. We highlight, through bibliographical research, in a qualitative approach, the relevance of the ludic as a methodological strategy in the literacy process. Subsequently, these theoretical foundations were considered for analysis of the reports of mandatory internships of the Pedagogy course. The results obtained confirmed the initial hypothesis that the teaching conducted in this phase, notoriously, does not include ludic actions in favor of the student’s learning process.

KEYWORDS: Elementary School; Literacy; Ludicity; Teaching Practice

Introdução

Quando se pensa a ludicidade como instrumento pedagógico no processo de ensino/aprendizagem, comumente há associação do termo direta e frequentemente à Educação Infantil. A afirmação se faz presente em inúmeros trabalhos acadêmicos, pesquisas científicas e documentos que regem tal etapa de ensino. No entanto, é importante destacar que a ludicidade tem papel importante no desenvolvimento cognitivo e social das crianças também nos anos iniciais do Ensino Fundamental, principalmente, durante o processo de alfabetização. Apesar das contribuições e discussões teóricas acerca do tema, foi possível identificar, durante os estágios supervisionados do curso de Pedagogia, a diferença entre as metodologias adotadas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Então, a partir deste contexto, toma-se como problema a seguinte proposição: As práticas educativas nas escolas observadas, nas turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, inserem-se no contexto lúdico quando se trata do processo de alfabetização?

Logo, a pesquisa surge pela necessidade de não somente explicitar a importância destas abordagens, mas também de relacionar o lúdico no processo de construção da leitura e escrita pela criança e os aspectos que tangem o seu desenvolvimento global. O objetivo geral que norteou a pesquisa foi analisar o lugar da ludicidade na prática docente dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, especificamente, durante o processo de alfabetização.

Alfabetização: a questão metodológica

O processo de alfabetização tem sido alvo de muitas discussões, que trazem argumentos fundamentais acerca da urgência de se modificar a prática pedagógica dos professores alfabetizadores que, por vezes, ainda está muito arraigada ao modelo tradicional de ensino, ou seja, apoiado em métodos que valorizam a memorização, a repetição e a cópia de informações. Diante do atual contexto educacional e de suas implicações, busca-se destacar neste estudo a importância de práticas alfabetizadoras lúdicas, que contribuem para que o processo se torne mais prazeroso e eficaz.

Pensar as metodologias de ensino e suas implicações no processo de construção da aquisição do sistema alfabético representa uma questão desafiadora na área da educação, isso porque a escolha de um método em detrimento de outro pode definir o desenvolvimento ou não de competência fundamental para a consciente inserção dos sujeitos na sociedade. A discussão acerca de qual método é mais eficiente para promover a alfabetização não é um problema recente, porque muitos são os autores que apresentam e defendem suas concepções, perspectivas e teorias que embasam as práticas alfabetizadoras presentes nos estudos sobre alfabetização.

Ao contrário do que pode ser idealizado de forma equivocada por muitos professores alfabetizadores, não existe um modelo mágico e definitivo para alfabetizar. Tanto nas teorias da alfabetização quanto nas práticas observadas nos contextos das escolas, pode-se considerar que o processo de alfabetização se constrói a partir das particularidades individuais, não podendo ser resumido a uma única e exclusiva intervenção pedagógica, em um determinado intervalo de tempo pré-estabelecido. Cada criança se encontra em um determinado nível de desenvolvimento psíquico, físico, motor, emocional e social, exigindo assim, um olhar particular para necessidades específicas. Dessa forma, não é cabível que haja uma padronização de tempo e muito menos a adesão a um único método para promover e possibilitar a aquisição da escrita pela criança. Além disso, é importante salientar que, ao selecionar o método mais adequado para um determinado contexto, ainda que represente alternativas consistentes, inovadoras e eficientes, sua utilização não garante o sucesso no processo de alfabetização. A interação entre o código alfabético e a apropriação do sistema de escrita pela criança exige a intervenção e a mediação do professor, que pode ou não contribuir para que o processo aconteça de forma eficiente.

Essas considerações revelam a complexidade que consiste em alfabetizar. Demonstram que as práticas alfabetizadoras capazes de garantir que todas as crianças, sem distinção de raça, situação econômica, social e familiar, sejam plenamente alfabetizadas na idade certa, assim como é previsto pela Base Nacional Comum Curricular (2017), ainda é um grande desafio. No entanto, não se objetiva neste estudo abordar e diferenciar os métodos de alfabetização, mas é necessário que se tenha uma percepção de que algumas metodologias utilizadas ao longo do percurso educacional brasileiro podem-se caracterizar como alternativas mais acertadas para que seja atingida a meta de alfabetizar as crianças até o segundo ano do Ensino Fundamental.

Historicamente, identifica-se uma predominância do modelo tradicional de ensino e aprendizagem no contexto da educação brasileira e essa configuração se fez e se faz presente no momento da alfabetização das crianças. Situações que exigem a repetição mecânica, o decorar de forma descontextualizada, a mera cópia e a realização excessiva de exaustivos exercícios são alguns dos exemplos encontrados nessa perspectiva. Além disso, é característica da abordagem uma postura passiva dos alunos, que recebem todas as informações de forma pronta e acabada, transmitida pelo professor.

É possível balizar a ineficácia ou não dessa metodologia, contudo não se devem negar suas contribuições no processo educativo que fazem com que permaneça até os dias de hoje, nos mais diversos contextos escolares, promovendo a formação dos sujeitos. Sobre a questão do fracasso na aprendizagem e mais especificamente no contexto da alfabetização e as possíveis causas dessa realidade, Soares (2004, p.9) defende que

Certamente essa perda de especificidade da alfabetização é fator explicativo - evidentemente, não o único, mas talvez um dos mais relevantes - do atual fracasso na aprendizagem e, portanto, também no ensino da língua escrita nas escolas brasileiras, fracasso hoje tão reiterado e amplamente denunciado.

O cenário apresentado por Soares (2004) sinaliza a urgência de se construírem novas práticas de alfabetização, não somente para decifrar códigos, mas para proporcionar aos sujeitos a capacidade de “ler o mundo”, interpretando-o nos mais diversos contextos sociais. Isso porque “aprender a ler e escrever, em uma sociedade letrada, tem o significado de apropriação de poder, de instrumento que permite participar na sociedade como um cidadão pleno, e não como cidadão pela metade” (FERREIRO 1990, p. 69 apud FLORES, 2017 p.664). Assim, o que se defende aqui é que a abordagem lúdica, em processo tão complexo que é a alfabetização, possa ser um caminho metodológico possível para uma mudança nas taxas de analfabetismo no Brasil.

Alfabetizar ou letrar?

A alfabetização pode ser definida como a capacidade de apropriação do sistema alfabético, de codificar e decodificar os símbolos convencionais presentes no alfabeto, atribuindo-lhes sentidos. O que nas palavras de Rojo (2010, p. 23) significa “dominar um sistema bastante complexo de representações e de regras de correspondência entre letras (grafemas) e sons da fala (fonemas) numa dada língua; em nosso caso, o português do Brasil.” Em consonância, Soares (2008 apud OLIVEIRA, 2012) define que o ato de ler e escrever, “constitui-se no 'domínio' da 'mecânica' da língua escrita; nesta perspectiva, alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever) de decodificar a língua escrita em língua oral (ler).” Já o letramento representa uma atribuição prática para a escrita a partir das atividades sociais desenvolvidas, ou seja, é caracterizado como a capacidade de o sujeito interagir de forma significativa com as mais variadas situações em que a escrita esteja presente, interpretando a sua realidade a partir dos significados construídos continuamente, desde os seus primeiros dias de vida, pela sua interação com o mundo letrado. Sobre esse termo Rojo (2010, p.26) defende que

(...) o termo “letramento” busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados socialmente, locais (próprios de uma comunidade específica) ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), em grupos sociais e comunidades diversificadas culturalmente.

Outro ponto importante para se discutir é que o processo de alfabetização por si só não garante que o sujeito seja letrado, ou seja, ser capaz de codificar e decodificar o código alfabético não significa a competência de interagir socialmente com a leitura e a escrita nas práticas cotidianas. Assim, saber ler e escrever não são suficientes para que uma pessoa possa exercer sua plena e consciente função de sujeito na sociedade, o que pode ser garantido com as práticas de letramento.

Ainda que se apresente como termos distintos, com significados e atribuições próprias, a questão da alfabetização e do letramento na atualidade exige um trabalho pedagógico que contemple as duas modalidades. Para Soares (2004), a alternativa mais adequada é que os dois processos se desenvolvam conjuntamente e simultaneamente. Articular alfabetização e letramento proporciona à criança, que está sendo alfabetizada, uma maior consciência da função social da escrita, tornando a alfabetização mais significativa.

Conforme os documentos oficiais da educação, as práticas de alfabetização no ambiente escolar devem-se iniciar na Educação Infantil e, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, (BRASIL, 2017), as crianças devem estar plenamente alfabetizadas até o segundo ano do ensino fundamental, já que, no terceiro ano de escolaridade, as atividades desenvolvidas são voltadas para o estudo das questões ortográficas. Assim, o letramento é caracterizado como um aperfeiçoamento contínuo que precisa se manifestar também no ambiente escolar, possibilitando caminhos para que as crianças sejam capazes de interpretar a língua escrita nas práticas sociais que a exige.

Durante o processo de alfabetização, a criança passa por vários níveis de reconhecimento da escrita, o que, de acordo com Ferreiro (1999), vão do pré-silábico ao silábico-alfabético, quando a criança começa a criar hipóteses para interpretar a língua escrita até ser plenamente alfabetizada. Esse processo tende a ser construído pela criança, por meio das intervenções traçadas pelo educador, contudo é importante ressaltar que o processo de aquisição da língua escrita não é simples e pode ser um período complexo tanto para as crianças quanto para o docente alfabetizador.

Ainda sobre o processo alfabetizador, Soares (2004, p.11) traz argumentos de que a “aprendizagem se dá por uma progressiva construção do conhecimento na relação da criança com o objeto da língua escrita.” Ou seja, o aprendizado se dá pela interação, seja com o meio ou com o outro. É válido afirmar que um professor alfabetizador necessita conhecer previamente as etapas do desenvolvimento infantil, compreendendo que, em cada fase, a criança possui uma representação da língua, que, aos poucos, vai-se desenvolvendo e aprimorando, de acordo com seu nível psicológico e motor. Além disso, ele se deve atentar para as práticas que possibilitam resultados mais positivos para o processo de alfabetização, considerando o perfil histórico-social dos seus educandos. Nesse sentido, entende-se o quanto promissor é a ludicidade para tal contexto, independentemente das características observadas nas crianças, pois esse recurso agrega ao processo de alfabetização sentido, movimento, criação e construção do saber.

Para os ciclos de alfabetização, a ludicidade permite que a criança se movimente, crie, brinque e assim construa os requisitos importantes para a aquisição da escrita. E, para que o educando desperte o gosto por ler e aprender, é necessário que estas experiências saiam da mecanicidade, porque meras repetições e posturas tradicionais fazem com que o aluno assuma uma atitude essencialmente passiva e o professor atue mecanicamente, ofertando o conhecimento pronto e acabado. As práticas de alfabetização que utilizam recursos que não trazem a função social da língua para aprendizagem tornam-se insignificantes para as crianças. É necessário considerar todos os recursos em que circulam a língua escrita, todas as formas textuais, propiciando trabalhos diversos, abordagens dinâmicas, abrindo espaço para a criatividade, autonomia e proporcionando segurança. De acordo com Hamdan (2018), a lida com as palavras deve fazer com que elas se mostrem mais atraentes e não objetos de prisão do pensamento; e mais, devem fazer parte de um jogo instigante, passível da participação e construção de todos os envolvidos no processo.

Alfabetização e ludicidade

Em decorrência do contexto contemporâneo de sociedade, considera-se essencial repensar os rumos da educação levando em consideração o perfil sócio-histórico presente. Dessa forma, com o objetivo de bem articular as propostas educacionais às exigências do atual mundo, compete aos educadores garantir uma educação de qualidade aos estudantes e cumprir com as metas pré-estabelecidas pelos documentos oficiais da educação brasileira. No entanto, estudos evidenciam que, para além das questões metodológicas e pedagógicas, os professores têm que lidar com diversos fatores que influenciam direta ou indiretamente o desempenho escolar dos alunos, como as questões socioeconômicas, afetivas, familiares, culturais, dentre outras, as quais contribuem para a composição de um cenário educacional desafiador.

Diante da responsabilidade de oferecer um ensino que possibilite a formação integral do sujeito, contemplando os mais diversos aspectos que compõem o ser humano, tem sido fortemente defendida, há alguns anos, a importância da educação lúdica como ferramenta essencial na prática pedagógica. O grande acervo bibliográfico sobre a importância da ludicidade no ensino evidencia sua relevância no processo educativo, por isso, é necessário repensar e buscar identificar o seu lugar no cotidiano da sala de aula.

Diante das questões metodológicas de ensino, Almeida (1994) afirma que a educação lúdica é uma possiblidade de contribuição para um ensino que atenda as necessidades educacionais e que, sendo bem aplicada, poderá solucionar grandes problemas escolares como a evasão e o fracasso, além de possibilitar a formação crítica do educando e um melhor relacionamento dele com a sociedade.

Desse modo, o ensinar contemplando as mais variadas possibilidades lúdicas está cada vez mais associado ao sucesso escolar, porque, a partir das ferramentas lúdicas, os alunos acabam por ter mais prazer em aprender, mais interação com o conhecimento de forma ativa, criativa e autônoma. O posicionamento defendido é que o lúdico instaurado no pedagógico amplia a sensibilidade e a visão de mundo refletindo o manuseio habilidoso com as palavras em processo interativo, numa brincadeira que não se esgota. (HAMDAN, 2018)

A educação lúdica é historicamente voltada apenas para as crianças pequenas, o que pode justificar sua presença na Educação Infantil. Já nas salas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, há uma mudança significativa tanto na organização dos espaços escolares, incluindo a disposição das mesas, a disponibilização de brinquedos e jogos, como também, nas ações pedagógicas, o que denuncia certa ausência dos métodos lúdicos no processo de ensino. Entretanto, a ludicidade, como instrumento pedagógico exerce um papel fundamental para o desenvolvimento cognitivo, motor, social e também da criatividade.

Na mesma abordagem, Kishimoto (2005) destaca que as brincadeiras desenvolvem a inteligência facilitando assim o estudo, por esse motivo passou a fazer parte dos conteúdos escolares. Sobre a teoria de valorização dos aspectos lúdicos na prática de ensino, Rau (2011, p.25) relata que “muitos profissionais da área da educação utilizam a ludicidade como um recurso pedagógico, pois a utilização de recursos lúdicos, como os jogos e brincadeiras, auxilia a transposição dos conteúdos para o mundo do educando”. Diante disso, é preciso levar em consideração que o ensino lúdico deve permear não somente a fase inicial da educação, mas também as outras etapas como os anos iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que as crianças ainda estão em um processo biológico que as impede de ter uma capacidade abstrata bem definida.

Alfabetizar pela ludicidade possibilita um aprendizado mais prazeroso aos alunos, podendo facilitar o processo de apropriação da escrita. Assim, não cabe mais o discurso de que o trabalho pedagógico com práticas lúdicas é uma concepção ingênua destinada a ocupar o tempo livre, sem nenhum embasamento teórico e caracterizado como um momento puramente de diversão. Ao contrário, estudos já comprovam que o brincar, além de se caracterizar como uma ação prazerosa, contribui para a formação e construção do sujeito em todos os seus aspectos.

Nesse contexto, não mais cabe a ideia de que a educação lúdica é desprovida de intencionalidades pedagógicas e que não exerce papel importante no processo de ensino. Apesar de que, se utilizada de forma ineficiente e desconexa aos pressupostos teóricos que amparam a modalidade de ensino, seus resultados podem comprometer a formação escolar dos sujeitos.

Desse modo, a utilização de jogos e brincadeiras, para além de mediar o processo de ensino-aprendizagem, também irá possibilitar e favorecer as práticas coletivas essenciais no processo de formação das crianças, pois o brincar proporciona momentos de socialização e de troca de saberes entre as crianças. Entretanto, é necessário salientar que as práticas alfabetizadoras lúdicas carecem de fundamentação teórica e planejamento específico por parte dos educadores. Elas não podem ser utilizadas para ocupar o tempo livre ou para substituir um conteúdo específico da grade curricular; ao contrário, os jogos pedagógicos têm que ser planejados pelo professor cuidadosamente, fundamentados no objetivo da aula, nas competências a serem trabalhadas e no que se espera que os alunos aprendam a partir de intervenções lúdicas. Diante disso, a formação do profissional para uma educação lúdica é importante e, nesse sentido, Almeida (1994, p.43) defende que

É muito importante que o professor não se atire a uma prática com insegurança ou desconhecimento. É necessário que invista na própria formação, lendo, conversando, pesquisando, buscando alternativas, recriando. Quanto mais conhecimento tiver sobre o assunto, mais segurança terá na aplicação e execução do trabalho.

Ainda segundo o autor, o professor que pretende alfabetizar e educar de forma lúdica precisa conhecer bem a natureza do lúdico para que não caia no comodismo do brincar pelo brincar sem intenção pedagógica.

Metodologia

O presente estudo se organiza a partir de pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa de caráter descritivo, pois busca identificar e analisar a inserção ou a não inclusão das práticas lúdicas no processo de alfabetização, como ferramenta pedagógica nos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como evidenciar, a partir de fundamentos teóricos, a sua importância no processo de alfabetização. Para aprofundar o tema, foram utilizados autores que postularam estudos acerca do lúdico no ensino e os aspectos relacionados ao desenvolvimento da língua escrita, dentre eles enfatizam-se: SOARES (2004), FERREIRO (1999), ALMEIDA (2003), KISHIMOTO (2005), RAU (2011), HAMDAN (2018). Estes autores favoreceram a análise sobre a temática, correlacionando-a com os aspectos vivenciados nos estágios supervisionados da formação acadêmica em Pedagogia. As oito análises envolveram elencar criticamente dados sobre os relatórios de estágios supervisionados do curso descritos pelas autoras, salientando os aspectos lúdicos apresentados no decorrer de todas as experiências e contatos com as instituições públicas das cidades de Divinópolis e Nova Serrana - Minas Gerais, especialmente no que se relaciona à alfabetização de crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.

Os relatórios analisados tratam dos aspectos referentes às práticas educativas observadas em estágios realizados durante os 3º, 4º, 5º e 6º períodos do curso de Pedagogia, da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG - unidade de Divinópolis-MG, nas disciplinas de Estágio Supervisionado Obrigatório I, II, III e IV. Eles abrangem o olhar crítico acerca da alfabetização lúdica realizado em escolas públicas da rede municipal de ensino durante os anos de 2018 e 2019.

Para tratar do problema norteador da pesquisa, foram selecionados e analisados relatórios dos estágios, nos quais foram destacadas as experiências vivenciadas em turmas da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, de modo que se estabelecessem comparações pertinentes e relevantes em relação ao processo alfabetizador nestas fases do ensino, de acordo com o embasamento teórico considerado para suporte.

Análise de relatórios dos estágios obrigatórios

O objetivo principal das análises foi identificar o lugar do lúdico no processo de alfabetização das crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, como também trazer comparações pertinentes entre as práticas pedagógicas adotadas pelos professores e suas implicações na aprendizagem. Foram selecionadas 3 análises para apresentação neste estudo.

Turma 1

O presente relatório refere-se às observações registradas em uma turma de 1º ano, do Ensino Fundamental, composta por 24 alunos. O estágio foi desenvolvido durante o primeiro semestre do ano de 2018. Inicialmente, será apresentado o espaço da sala de aula, ressaltando aspectos importantes para o processo alfabetizador.

Assim como a maioria das escolas dos primeiros anos de escolaridade, o ambiente era composto por letras do alfabeto fixadas no alto da parede, alguns cartazes informativos com o nome completo das crianças, as vogais, o calendário, os aniversariantes do mês, as estações do ano, os combinados, o ajudante do dia e as atividades produzidas pelas crianças, como desenhos, colagens e outros. Havia também um painel indicando o “Cantinho da leitura”, no entanto, os livros não estavam presentes.

Em relação ao aspecto físico da sala de aula, vale ressaltar que se tratava de um ambiente precariamente adaptado, o que impossibilitava uma maior organização espacial. O local utilizado era um centro pastoral de uma igreja, pois a sede da escola não tinha condições estruturais para atender a todas as crianças. Essa realidade representa um grande impasse no processo educativo, pois as crianças não dispunham de algumas condições fundamentais para uma educação de qualidade, o que exerce impacto direto no percurso alfabetizador. Isso porque, “(...) as crianças que vivem em ambientes ricos em experiências de leitura e escrita se motivam para ler e escrever.” (MORAES e ALBUQUERQUE, 2004, p. 168 apud FLORES, 2017, p. 665). No entanto, se o ambiente não dispõe de instrumentos que proporcionam o incentivo à leitura e à escrita, como será possível trabalhar com a alfabetização? E como se aperfeiçoará o letramento?

A professora regente utilizava, na maior parte do tempo, atividades xerocadas como material para a alfabetização. Ainda que o instrumento utilizado possa apresentar algumas limitações, a forma como as aulas eram ministradas, principalmente nos momentos em que o processo de alfabetização estava mais presente, mostrava uma dinâmica dialogada que possibilitava a interação entre os alunos, que, em grupos, construíam algumas hipóteses fundamentais para a aquisição e apropriação da escrita. A organização favorecia a troca de conhecimento entre os alunos, e as crianças que se encontravam aparentemente em estágios mais avançados da escrita poderiam auxiliar as que se encontravam nos estágios anteriores.

Além dessas atividades, em alguns dias, as crianças eram organizadas em pequenos grupos para participarem de um jogo de quebra-cabeças em que tinham que associar uma imagem à sua escrita. No entanto, esses momentos aconteciam muitas vezes de forma descontextualizada e sem a mediação da professora. Nesse sentido, apesar de o próprio jogo em si oferecer momentos de aprendizagens, as crianças se dispersavam e a atividade perdia o objetivo. Assim, fica visível que o jogo é frequentemente utilizado sem uma intenção pedagógica previamente elaborada e apenas ocupa um tempo livre durante a aula. O fato representa contradições em relação ao que deve ser o objetivo do jogo lúdico na alfabetização, porque

O educador deve definir previamente, o espaço de tempo que a atividade lúdica vai ocupar no dia a dia de sua prática pedagógica, os espaços onde essas atividades se desenvolverão, os objetos e brinquedos a serem utilizados, bem como, respeitar as singularidades das crianças, promovendo a inclusão de modo que todos participam das atividades ao mesmo tempo. (BARBOSA 2003, p.19 apud SANTOS, 2014 p.13).

Na escola, havia um projeto de leitura denominado “Sacola viajante”, que tinha como objetivo incentivar a leitura e proporcionar um momento de interação entre os responsáveis e as crianças por meio do livro infantil. Cada criança possuía a sua própria sacola que continha o seu nome completo, um livro de literatura infantil e um caderno de registros. Toda sexta-feira, a sacola era entregue às crianças para que pudessem realizar a leitura junto de seus familiares durante o fim de semana e fazer algum registro da parte do livro que mais lhes chamou a atenção, seja com desenhos ou reescrita de trechos da história. Durante o período de estágio, observou-se que poucas crianças traziam o retorno da atividade solicitada e, muitas vezes, o livro não era lido ou sequer retirado da mochila. Além disso, não havia, durante as aulas, um momento específico destinado à socialização das experiências de leitura vivenciadas pelas crianças.

Era comum ouvir queixas dos professores quanto à falta de tempo para preparar as atividades e o excesso de trabalho que tinham, pois, muitas vezes, trabalhavam em duas escolas diferentes no mesmo dia. Sendo assim, o livro didático era majoritariamente o norteador de todo planejamento pedagógico e as aulas seguiam quase sempre o mesmo formato expositivo. Em diálogo com a professora regente, bem como com os gestores da escola, percebeu-se que a ludicidade é vista como um elemento importante para o processo de aprendizagem como um todo, no entanto, na prática, pouco se observou a presença dos instrumentos lúdicos ou uma metodologia que propiciasse a ludicidade.

Turma 2

O segundo relatório corresponde a uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental, composta por 30 alunos. O tempo de observação na turma foi de, aproximadamente, dois meses, sendo que as duas últimas semanas foram destinadas à aplicação do projeto de intervenção pedagógica, cujo material recolhido será relevante para a discussão aqui apresentada.

Diferentemente da organização tempo e espaço das salas de aula da Educação Infantil e dos três primeiros anos do Ensino Fundamental existentes na mesma escola, na sala, havia pouco material exposto nas paredes e as atividades eram desenvolvidas em um pequeno intervalo de tempo, isso porque, segundo a professora regente, eram muitos os conteúdos a serem trabalhados durante as aulas. O ambiente era composto por muitas carteiras para comportar todos os alunos e, consequentemente, havia pouco espaço para possíveis brincadeiras e atividades lúdicas. Observando a dinâmica das aulas, notou-se que a metodologia de ensino utilizada pela professora mais se aproximava do modelo caracterizado por tradicional, em que há a predominância de aulas expositivas, cópias do quadro, memorização e realização mecânica de atividades xerocadas ou em livros didáticos. Em diálogo com a professora, ela relatou dificuldades em preparar uma aula mais dinâmica e utilizar outros recursos didáticos diferentes do livro-quadro-giz.

Tratando-se de uma turma de quarto ano do ensino fundamental, espera-se que o processo de alfabetização já esteja concluído, assim como propõe a BNCC, e que nessa etapa sejam trabalhadas as questões relativas à ortografia e à gramática. Pressupõe-se que todos os alunos foram devidamente alfabetizados até o segundo ano do Ensino Fundamental e que eles sejam capazes de “conhecer diferentes gêneros e portadores textuais, demonstrando compreensão da função social da escrita e reconhecendo a leitura como fonte de prazer e informação” (BRASIL, 2017, p.55). No entanto, duas crianças dessa turma não conseguiam sequer identificar algumas letras do alfabeto e apenas reconheciam as que eram presentes em seu nome. Esses alunos tinham muitas dificuldades para executar as atividades propostas para a turma e, frequentemente, realizavam outras tarefas trazidas pela professora, que buscava auxiliá-los, ainda que de forma muito precária, no processo de alfabetização. A regente relatou que, às vezes, a escola dispunha de uma pessoa para trabalhar com essas crianças outras atividades voltadas especificamente para o processo de alfabetização. No entanto, as aulas de “reforço” aconteciam no mesmo turno, o que trazia prejuízos aos alunos, uma vez que se ausentavam das aulas para realizar as atividades dos anos anteriores.

Nesse estágio, foi proposta uma atividade de construção de um varal literário. Para a tarefa, as crianças iriam escrever poemas, cartas, bilhetes, dentre outros gêneros textuais, demonstrando sentimento de amizade a um amigo. Após a atividade, a estagiária pode ler todo o material produzido e observar a grande dificuldade dos alunos para elaborar um texto. Havia muitos problemas ortográficos, de concordância, de grafia e alguns textos não puderam ser lidos e/ou compreendidos. Além disso, durante a escrita dos textos, os alunos sempre solicitavam a ajuda da estagiária bem como da professora regente para escrever no quadro algumas frases que não sabiam como eram escritas. Essas questões, demonstram e revelam a precariedade do ensino, que ainda não é capaz de garantir que todas as crianças sejam plenamente alfabetizadas na idade certa.

De modo geral, o aspecto lúdico não fazia parte do contexto educativo da turma. As possíveis causas da ausência da ludicidade podem estar associadas à falta de formação profissional continuada da professora, porque ela destacava o desejo de modificar a sua prática metodológica e se queixava de não conseguir preparar uma aula lúdica; ou também pelo excesso de conteúdo disciplinar desenvolvido diariamente, o que exigia que as atividades acontecessem de forma acelerada, dentre outros possíveis motivos.

Assim, ainda que se trate de uma turma de 4º ano do Ensino Fundamental, a ludicidade se faz importante para que se dê continuidade ao processo alfabetizador e, principalmente, para que se proporcione um ambiente mais prazeroso, mais dinâmico e mais significativo para as crianças. Isso porque, a ação lúdica pode ser um instrumento capaz de atender as necessidades daqueles que não atingiram com êxito os níveis de leitura e escrita esperados para o ano de escolaridade em que se encontram.

Turma 3

O terceiro relatório de observação apresenta as experiências de uma turma do 2º ano do Ensino Fundamental com 23 crianças. Assim como os demais estágios, o tempo de observação do espaço escolar, e mais especificamente, da sala de aula, corresponde a, aproximadamente, dois meses, sendo realizado durante o segundo semestre do ano de 2019.

O ambiente físico era composto por diversos cartazes informativos e produções das crianças. Além disso, havia na sala um pequeno armário com alguns materiais pedagógicos, que eram utilizados principalmente durante as aulas de Língua Portuguesa e Matemática. A professora regente informou que todos esses objetos foram providenciados e até mesmo confeccionados por ela, ou seja, não era um recurso didático disponibilizado pela escola, portanto, nem todos os alunos da escola tinham acesso. Observando a prática pedagógica da professora, foi possível identificar que as aulas seguiam o formato expositivo-dialogado, com a efetiva participação das crianças.

As atividades, geralmente, eram desenvolvidas em duplas ou em pequenos grupos, o que possibilitava uma maior interação entre os estudantes. No que se refere às atividades de leitura e escrita, pode-se dizer que o lúdico estava bastante presente no contexto alfabetizador, uma vez que a professora possibilitava dinâmicas que se distanciavam do modelo tradicional comumente encontrado nas escolas. Sendo assim, ela desenvolvia atividades como a “sorveteria das sílabas”, em que as crianças deveriam construir palavras utilizando os picolés silábicos e o teatro das histórias infantis com uso de fantoches, dentre outras atividades.

Além disso, na turma, era desenvolvido um projeto de Literatura denominado “O Carteiro Chegou”, que possibilitava uma aproximação da escrita às situações sociais que ela exige. Dessa forma, o processo de letramento, fundamental durante a alfabetização, estava fortemente presente.

Para a execução das atividades do projeto, as crianças tinham um primeiro contato com a leitura do livro, que era realizada pela docente responsável pela disciplina e, posteriormente, realizavam tarefas orientadas pela professora regente. Como a história do livro se dá por meio de cartas entregues pelo carteiro, o projeto teve início com a visita de um carteiro na sala de aula para que as crianças pudessem entrevistá-lo e conhecer sobre a sua profissão. Além do exemplo, outras práticas que revelam a função social da língua escrita puderam ser encontradas em diversas atividades como assistir ao filme “Deu a Louca na Branca de Neve” e, logo após, criar a possível receita utilizada pela bruxa para envenenar a maçã que a Branca de Neve comeu e a criação de convites solicitando a presença das outras turmas para assistir a uma apresentação de teatro organizada pela turma.

A partir das observações, pode-se afirmar que o lúdico era elemento presente na sala de aula, caracterizando-se como um recurso fundamental para a prática pedagógica da professora regente. Devido ao grande investimento de tempo em atividades lúdicas, notaram-se alguns conflitos entre a professora e a gestão escolar, uma vez que a turma não estava acompanhando o conteúdo programado para a utilização do livro didático. No entanto, apesar do não cumprimento das atividades programáticas estabelecidas pela gestão pedagógica para o uso do livro didático, a turma de 2º ano era a única da escola em que praticamente todos os alunos estavam alfabetizados. Os dados revelaram algumas informações interessantes para que se reflita sobre o lugar do lúdico na sala de aula e suas implicações no processo alfabetizador.

Resultado e discussão

Os resultados obtidos por meio da pesquisa evidenciaram que os docentes necessitam se amparar em estudos e práticas que se voltam para uma formação lúdica, pois as observações realizadas nos estágios supervisionados da graduação em Pedagogia remetem a dados que diferem das orientações e concepções teóricas abarcadas sobre a temática. As análises chamam a atenção para o fato de que a discussão acerca da importância da ludicidade no processo de ensino é reconhecida e defendida pelos educadores, no entanto, as práticas lúdicas ainda não estão, na maioria dos casos observados, presentes no contexto educativo, como também, no processo alfabetizador.

A investigação confirma a hipótese de que as manifestações lúdicas são comumente destinadas ao público da Educação Infantil e que, nos anos escolares posteriores, a ludicidade é pouco utilizada como recurso pedagógico. Uma das possíveis justificativas, identificadas nos diálogos realizados com os professores, pode estar associada à quantidade de conteúdos curriculares que devem ser trabalhados durante o ano letivo.

Os desafios para a inserção da ludicidade no contexto alfabetizador são diversos e vão desde as questões relativas às estruturas físicas da sala de aula até o despreparo profissional dos educadores. Pelas observações, ficou visível que as salas de aula são, frequentemente, pequenas e dispõem de pouco espaço para desenvolver as atividades de forma dinâmica e lúdica, bem como para armazenar os materiais necessários para o desenvolvimento das aulas. Outro ponto analisado é que, ainda que a instituição escolar reconheça os benefícios da educação lúdica para a aprendizagem, nota-se que não há um investimento em recursos pedagógicos que possam auxiliar o trabalho do professor. Concluindo, fica a cargo do docente confeccionar ou até mesmo comprar os materiais necessários para as suas aulas. Assim, nem todos os alunos têm acesso a esse formato de ensino, o que pode apresentar diferentes resultados no desempenho escolar das crianças de um mesmo período de escolaridade.

De modo geral, a ludicidade não tem lugar garantido no contexto escolar. A metodologia lúdica é destinada a alguns eventos esporádicos, não sendo utilizada cotidianamente. Os educadores poderiam, além de reconhecer os benefícios das práticas lúdicas, evidenciar meios em que se possibilite a aquisição da língua escrita, com a introdução de métodos e estratégias que proporcionem o desenvolvimento dos estudantes a partir de contexto significativo e de intencionalidades pedagógicas bem definidas. É urgente que o educando seja reconhecido não como um “receptor de conteúdos, mas como produtor de conhecimentos e transformador de sua própria realidade e a daqueles que o cercam.” (ANDRADE, 2019, p.398).

Os pressupostos lúdicos estabelecidos nesta pesquisa alertam que, no ensino, devam ser utilizados diversos aspectos que levam a criança a se desenvolver integralmente. Tais estratégias tendem a ampliar o envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem e enriquecer sua formação, ao contrário do que é observado nas abordagens mecanicistas. Em suma, há evidências de que os professores carecem de adotar uma prática reflexiva, que propicie os estudantes estarem envoltos por práticas lúdicas que os levem ao entusiasmo e maior interesse frente à sua aprendizagem, principalmente, no que tange à alfabetização. A contribuição que o lúdico representa para a infância, em relação ao seu desenvolvimento e às particularidades que a aquisição da língua escrita abrange, exige que este deva ser garantido principalmente na educação dos anos inicias do Ensino Fundamental, levando as abordagens pedagógicas para um caminho mais significativo e agradável.

Considerações finais

A partir deste estudo, compreendeu-se que alfabetizar ludicamente não é uma tarefa fácil, no entanto, é primordial para a qualidade do ensino. Viu-se que é preciso utilizar a brincadeira, os jogos, para despertar o interesse e a concentração do alfabetizando.

Para tanto, é também necessário que os profissionais se comprometam com sua responsabilidade de ensinar a partir de métodos que possibilitem e favoreçam a interação conhecimento-aluno. Consequentemente, não basta apenas proporcionar momentos de brincadeiras isoladas ou de destinar um dia específico para a utilização de brinquedos e jogos. Torna-se indispensável um planejamento pedagógico que contemple as mais variadas manifestações sociais da escrita aliadas à ludicidade, como o teatro, a contação de história, os jogos de alfabetização, as brincadeiras, as músicas, dentre outras diversas possiblidades.

Para além disso, espera-se que se voltem atenções para a qualidade do ambiente educacional quanto às suas potencialidades de prazer e de ludicidade, com materiais adequados às necessidades dos educandos. Da mesma forma, que sejam utilizadas estratégias criativas para tornar o espaço educativo apropriado à infância, em ações com objetivos específicos da alfabetização, cujo processo é fruto de construção contínua, desenvolvida dentro e fora da sala de aula, com intenções coerentes conectadas às teorias pedagógicas. Em ampliação, o aproveitamento com qualidade do espaço disponível, como o mobiliário ou mesmo as paredes, deve acontecer. Registre-se que é limitado o acesso a materiais e os professores também têm restrições de toda ordem relativas ao seu processo de formação, tanto básica quanto continuada.

Apesar das questões metodologicas apontadas no estudo em sua maioria serem incompatíveis com as necessidades das crianças, compreende-se que existam outros entraves que também contribuem para a ausência de um proposta educativa lúdica, como a precariedade do espaço escolar, a ausência de propostas brincantes em momentos diversos e não só na hora da recreação, ou mesmo, reiterando, a formação inadequada de profissionais do magistério. Nesse sentido, é preciso que os educadores se conscientizem acerca da formação contínua para a atuação pedagógica, função fundamental da formação universitária, uma vez que essa consciência da necessidade de atualização constante deve caminhar junto com a formação profissional básica.

Assume-se, então, que as metodologias alfabetizadoras devem estar associadas aos estudos atuais desenvolvidos na área, e que os educadores precisam ampliar as percepções acerca desse pressuposto modificando o contexto em que se está alfabetizando. Propõe-se a utilização de recursos, estratégias e materiais que levem a ações prazerosas e divertidas para o alcance das metas de alfabetização e de letramento propostas pelos documentos oficiais da educação, comprovadamente, distantes da realidade da maior parte das escolas.

Assim, espera-se que a presente pesquisa contribua para que os professores, especificamente, os que atuam no processo de alfabetização, tenham maior compreensão da importância da ludicidade ao longo do percurso alfabetizador. Dessa forma, por meio dos pontos de concordância entre os autores no levantamento teórico abordado, bem como da análise crítica do lugar do lúdico na prática docente, é possível traçar caminhos mais assertivos, com o objetivo de garantir um processo de alfabetização amplo, capaz de promover nos estudantes a autonomia e o exercício crítico de reflexão e postura cidadã em constante letramento. No entanto, as práticas observadas acabavam por ocupar um lugar divergente das que orientam os referenciais e os teóricos como Soares (2004), a qual assinala que não devemos nos contentar em ensinar a ler e a escrever somente, ressaltando que é preciso inserir os alunos em um ambiente de acesso à função social da leitura e da escrita, tornando as experiências e aprendizagens necessidades e formas de prazer.

Destaca-se, portanto, a importância da organização de uma proposta de trabalho capaz de proporcionar aos alunos a vivência de atividades ricas e lúdicas, em que os docentes possam ter possibilidade de organizarem previamente as atividades lúdicas a serem realizadas com seus alunos, contribuindo verdadeiramente para uma alfabetização rica em experiências e trazendo a ludicidade como pré-requisito para a aprendizagem.

Os resultados obtidos na pesquisa revelam a necessidade de maiores estudos na área, maiores investimentos na formação de professores, e não somente em relação à importância da ludicidade, mas, especificamente, na identificação de obstáculos, sejam eles estruturais, metodológicos ou curriculares, e na proposição de soluções para que esse elemento esteja presente no ambiente escolar, bem como, nas práticas de alfabetização. Diante disso, será possível uma educação mais significativa e eficiente na vida das crianças, que, ao se apropriarem dos conhecimentos linguísticos, poderão agir e intervir na sociedade de maneira consciente, exercendo seus direitos e deveres como sujeitos livres e autônomos - como cidadãos.

Referências

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica. São Paulo: Edições Loyola, 1994. [ Links ]

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. [ Links ]

ANDRADE, Fábio Santos de. Desafios da prática docente: diálogos com a Educação Social. Revista de Educação Pública, v. 28, n. 68, p. 393-401, 2019. [ Links ]

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. [ Links ]

Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v. [ Links ]

FERREIRO, Emília. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes médicas,1999. [ Links ]

FLORES, Gelvânia Mailde. Desenvolvimento da leitura e escrita de alunos com dificuldades/Development of Reading and writing of students with difficulties. Brazilian Journal of Development, v. 3, n. 4, p. 661-668, 2017. [ Links ]

HAMDAN, Laila. Ludismo Verbal e Literariedade: percursos de letramento. Divinópolis: Adelante, 2018. [ Links ]

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo brincadeira e educação. 8º ed. São Paulo: Cortez, 2005. [ Links ]

MILITÃO, Giselda Morais de Alencar. Alfabetização e letramento: as práticas de leitura como recurso para alfabetização. 2013. p, 235-249. [ Links ]

OLIVEIRA, Adrielly Silva. As contribuições pedagógicas no processo de oralidade, alfabetização e letramento. Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012. [ Links ]

RAU, Maria Cristina Trois Dorneles. A ludicidade na educação: uma atitude pedagógica. 2 ed. Curitiba: Ibpex, 2011. [ Links ]

ROJO, Roxane. Alfabetização e letramentos múltiplos: como alfabetizar letrando. Coleção explorando o ensino: Língua Portuguesa: ensino fundamental. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Brasília: vol, v. 19, p. 15-36, 2010. [ Links ]

SANTOS, Fernanda Cristina Ribeiro dos. A ludicidade na alfabetização: perspectivas e possibilidades de novas aprendizagens. 2014. [ Links ]

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004. [ Links ]

Recebido: 01 de Junho de 2021; Aceito: 01 de Junho de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons