INTRODUÇÃO
Ao definir como objeto de estudo a aprendizagem e o desenvolvimento profissional para a docência, o campo de pesquisa Formação de Professores tem adotado como uma de suas linhas de investigação as concepções e representações que subjazem a prática pedagógica dos professores e que provocam repercussões no processo de ensino e aprendizagem.
Carvalho e Gil-Pérez (2011) consideram que o desempenho de uma prática docente mais eficiente, com a implementação de metodologias inovadoras no ensino de ciências, muitas vezes esbarra nos saberes e práticas tradicionalmente estabelecidas no contexto escolar. Em outras palavras, licenciandos e professores em serviço compartilham informações, opiniões e imagens de condutas sobre a atividade docente constituídas desde quando eram alunos da Educação Básica, e que podem resultar em obstáculos à renovação do ensino de ciências.
Tratam-se de formas de pensamento de senso comum, que consideram o ensino das ciências uma atividade muito simples, bastando conhecer bem a matéria e apresentar alguma capacidade de comunicação para desenvolvê-la. Como consequência, concebe-se o ensino, a aprendizagem dos alunos e “a formação do professor como uma transmissão de conhecimentos e de destrezas” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p.15). Estas ideias empiristas são reforçadas pela concepção indutivista, presente no positivismo lógico, de que o conhecimento produzido pela ciência é proveniente do método científico, a partir da observação e da experimentação (PINEDA; LÓPEZ Y MOTA, 2006; RIVERO; WAMBA, 2011).
Pesquisas acerca da epistemologia do professor (BECKER, 1993) revelaram que o empirismo, muitas vezes, encontra-se mesclado por condutas e formas de pensamento racionalistas, que absolutizam o sujeito, concebendo a capacidade de conhecer como algo inato do ser humano, de modo que o “bom aluno”, o “bom professor” e o “cientista genial” nascem como tal. De acordo com esses estudos, esta mescla de concepções e condutas são manifestadas nas práticas pedagógicas de muitos professores que se consideram construtivistas.
Alguns autores, como Brandão et al. (2011), Rivero e Wamba (2011) e Moura (2014), consideram que a influência do empirismo e o racionalismo nas aulas de ciências deve ser superada por meio de um ensino sobre a ciência. Isso significa possibilitar o entendimento da natureza dinâmica, mutável e contextualizada da ciência; de seus métodos de construção de conhecimento, de modo a viabilizar a aprendizagem não apenas de conceitos, mas também “do fazer” ciências.
Em consonância com esses argumentos, Pineda, Lópes y Mota (2006), ao observarem as aulas de professores de ciências, após investigarem suas concepções acerca da aprendizagem e da natureza da ciência, concluíram que, quando há coerência entre as concepções psicológicas e epistemológicas, estas definem o perfil e a práxis do professor. Em outras palavras, a pesquisa revelou que ao conceber, por exemplo, a ciência e a aprendizagem como uma construção, o professor organiza e desenvolve o ensino de acordo com esta concepção. Os autores sinalizam, ainda que esses resultados trazem implicações sobre a formação de professores, provocando questionamentos acerca de modelos que orientam os currículos dos cursos de licenciatura.
De um modo geral, os saberes e práticas dos professores são reforçados por uma formação docente fundamentada no paradigma da racionalidade técnica, no qual os professores são considerados técnicos, cuja função é aplicar os conhecimentos científicos e habilidades pedagógicas teoricamente apreendidas na universidade (OLIVEIRA, 2011; BRETONES; COMPIANI, 2014). Esse modelo, que tem influenciado por longos anos a elaboração dos currículos dos cursos de formação de professores, apresenta uma estrutura linear, separando a apropriação dos conhecimentos científicos dos conteúdos e práticas didático-pedagógicas. Ao dificultar a articulação entre esses dois domínios e, também, entre a universidade e a escola, essa perspectiva de formação conduziu à ideia de que qualquer especialista em conteúdos científicos pode ser professor da sua especialidade, sendo que sua função reside essencialmente na simples transmissão de informações científicas.
Segundo Diniz-Pereira (2014), modelos alternativos de formação de professores, baseados na racionalidade prática ou na racionalidade crítica, têm possibilitado a proposição de outras orientações de práticas e políticas públicas de formação docente no Brasil e em outros países. Ao considerar o ensino uma atividade complexa e instável, que se desenvolve em ambientes singulares, determinados pelo contexto, os modelos de formação orientados pela racionalidade prática valorizam as experiências como fonte de conhecimento sobre o ensino e o aprender a ensinar. Nesses modelos, os professores são considerados profissionais que realizam reflexões e questionamentos, problematizando sua própria prática pedagógica. Mizukami (2005-2006) considera que os modelos orientados pela racionalidade prática favorecem a integração entre a universidade e a escola, de modo que teoria e prática se entrelaçam nos diferentes momentos da formação inicial e continuada de professores.
De modo a complementar a racionalidade prática, os modelos orientados pela racionalidade crítica visam “a transformação da sociedade e a luta incessante dos educadores por justiça social” (DINIZ-PEREIRA, 2014, p.41).
Nas perspectivas das racionalidades prática e crítica, tem-se que considerar os trabalhos de Shulman (1986; 1987), ao propor um conjunto de conhecimentos que passam pelo conteúdo, práticas pedagógicas, contexto e alunos. Esses saberes se inter-relacionam, formando o que o autor denomina como Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC) e tornam possível ao docente estruturar um ambiente de aprendizagem potencialmente significativo.
Os conhecimentos elencados, nos trabalhos de Shulman (1986;1987), não podem ser compreendidos como conceitos genéricos, uma vez que apresentam características e particularidades que reforçam o trabalho docente como uma profissão. Partindo desse pressuposto podem ser organizadas três dimensões do conhecimento que podem influenciar a formação e o trabalho docente dos professores de ciências: (i)dimensão epistemológica da ciência; (ii)ensino e aprendizagem, e(iii)formação e atividades docentes.
i) Epistemologia da Ciência: para Shulman (1986; 1987), conhecer o conteúdo vai além de compreender teorias, leis e modelos, pois contempla também a forma como esses conhecimentos se originam, como os cientistas tratam os problemas, critérios de validação e aceitação de teorias científicas, interações entre ciência, tecnologia e sociedade, o desenvolvimento científico atual e suas implicações.
ii) Ensino e aprendizagem: assim como conhecimentos de epistemologia da ciência, as teorias epistemológicas, pedagógicas e psicológicas relativas ao conhecimento influenciam a forma como os docentes aprendem e ensinam o conteúdo.
Esses paradigmas comportam diferentes teorias de aprendizagem, sejam elas comportamentalistas, humanistas ou construtivistas. De acordo com Moreira e Veit (2010), essas teorias caracterizam e dão coerência à compreensão docente acerca de como se aprende e como avaliar essa aprendizagem.
Dessa forma, as concepções referentes ao ensino e a aprendizagem colaboram com a construção da base de conhecimentos e com a caracterização de prática docente.
iii) formação e atividades docentes: essa dimensão se vincula às anteriores e contempla as concepções docentes acerca dos modelos de formação e a respeito do “ser professor”. Como apresentados anteriormente, Shulman (1986; 1987) propôs uma base de conhecimentos que caracteriza o ensino como profissão. Para tanto, os docentes não podem ser divididos entre aqueles que “sabem o conteúdo, mas não tem didática” e aqueles que “tem uma boa didática, mas não sabem o conteúdo”.
Diante do exposto, conhecer as concepções e representações sociais dos licenciandos em relação à profissão docente pode indicar novos caminhos para o planejamento e intervenção no processo de formação da identidade profissional docente, já que estas influenciam o processo de ensino e aprendizagem na formação docente (NEGRI et al., 2015). De acordo com Clément (2010), para conhecer as concepções de uma pessoa sobre um dado tema é necessário inquiri-la com diversas perguntas, cujas respostas (concepções situadas) no seu conjunto constituem as concepções dessa pessoa sobre o assunto investigado. Por sua vez, quando os indivíduos de um grupo social (por exemplo, licenciandos de Biologia) compartilham concepções fundamentadas no senso comum, estas são designadas como representações sociais (MOSCOVICI, 2003; CLÉMENT, 2010).
Os licenciandos estão constantemente formando concepções sobre o ensino e aprendizagem durante sua formação inicial, sendo essas intensamente influenciadas por representações formadas e compartilhadas antes e durante o curso de graduação (MARGUTTI; MAGALHÃES JÚNIOR; CARVALHO, 2016).
O presente estudo teve o objetivo de construir e validar um questionário de raiz para ser utilizado como instrumento de coleta de dados em investigações que visam identificar concepções e representações de estudantes de diferentes cursos de licenciatura, que constituem distintos grupos sociais, sobre aspectos da formação docente elencados nas dimensões epistemológicas da ciência, ensino e aprendizagem, formação e atuação profissional docente.
METODOLOGIA
Construção do Questionário
O questionário foi construído em sua totalidade pela equipe de pesquisa e foi estruturado em três partes:
Evocação Livre de Palavras e Redação, cujo termo indutor foi “Ser professor de Ciências”;
Dados Pessoais;
84 assertivas com opções de respostas de escala tipo Likert (POLYDORO et al., 2001; BZUNECK; GUIMARÃES, 2003) de quatro pontos: concordo plenamente, concordo, discordo e discordo plenamente.
As 84 assertivas foram elaboradas seguindo três dimensões:
Os três núcleos pretenderam investigar os componentes: Conhecimento-K (“Knowledge” em inglês), Valores-V e Práticas sociais-P, que constituem a sigla KVP (CLÉMENT, 2004; CARVALHO; CLÉMENT, 2007). As assertivas foram aleatorizadas para desconcentrar as dimensões.
Nos Quadros 1, 2 e 3 estão descritos os objetivos e ideias centrais de cada dimensão para análise das concepções/representações sociais dos licenciandos. Em cada dimensão são descritos indicadores para a análise das principais ideias que se espera das respostas às assertivas.

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 1 Dimensão Epistemológica da Ciência e descrição dos indicadores de análise

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 2 Dimensão ensino e aprendizagem e descrição dos indicadores de análise

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 3 Dimensão da formação e das atividades docentes e descrição dos indicadores de análise
Após essa construção, o instrumento passou por duas formas de validação, seguindo critérios adotados por Schneider (2015): a validação semântica e a validação estatística.
Validação semântica do Questionário
Para a validação semântica, o instrumento foi enviado a seis pesquisadores doutores das áreas de Ensino: dois do Ensino de Biologia, sendo um da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e outro da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); dois do Ensino de Física, sendo um da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e outro da Universidade Federal do ABC (UFABC); e, por fim, dois do Ensino de Química, um da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e outro da Universidade de São Paulo (USP). Para cada uma das três partes do questionário foi destinado um campo para o avaliador inserir observações gerais e tecer comentários. Na terceira parte, que apresentava 84 assertivas, os avaliadores foram convidados a analisá-las conforme as três dimensões (ver acima), como o exemplo apresentado no Quadro 4.

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 4 Parte do quadro de avaliação utilizado pelos pesquisadores para avaliar as assertivas propostas
Na avaliação semântica, os seis pesquisadores doutores que participaram do processo de análise teceram seus comentários e ponderações e validaram 82 das 84 assertivas que lhes foram apresentadas. O teste piloto realizado com licenciandos do curso de Ciências Biológicas, possibilitou a visualização de falhas e acertos, reduzindo para 81 o número de assertivas.
Ainda no âmbito da avaliação semântica, o questionário também foi submetido a um teste piloto com 58 alunos do segundo ano (matutino e noturno) do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá. No final do questionário os alunos tinham um espaço para relatar dúvidas ou indicar problemas de interpretação e outras colocações que considerassem pertinentes.
Validação estatística do questionário
Para a validação estatística (análise de fidedignidade) do questionário, a amostra foi constituída por 316 licenciandos do primeiro ano e do último ano dos cinco cursos de Licenciatura em Ciências, Ciências Biológicas, Física, Química e Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Os quatro primeiros cursos formam professores em ciências, por disciplina, para o Ensino Fundamental (séries finais) ou Médio, enquanto o último forma professores de Ciências que lecionam nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Para efeito de estudo comparativo, foram ainda coletados dados de outras universidades brasileiras (UNIJUÍ/Ijuí, IFPR/Foz do Iguaçu, UTFPR/Campo Mourão) e de Portugal (UMINHO, Braga). O Quadro 5 apresenta os cursos e as instituições em que se realizou a constituição dos dados.

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 5 Relação de Cursos de Licenciatura e IES dos Licenciandos questionados
A validade interna do instrumento foi determinada pelo teste Alpha de Cronbach, com utilização do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences). A realização do teste indicou a possibilidade de agregação das assertivas que compõem as distintas dimensões, de modo que a concentração de informações em um indicador permite a realização de análises estatísticas mais robustas (MARÔCO, 2011).
Ademais, para determinação dos componentes KVP, foi aplicada também a técnica de Análise Fatorial, a qual demandou a aplicação dos testes de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e esfericidade de Bartlett (SCHNEIDER, 2015), com vistas a verificar de que maneira as assertivas que compõem as diferentes dimensões se relacionam sob a perspectiva dos respondentes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em primeiro momento foi realizada a validação semântica do questionário. Esse tipo de validação tem como objetivo buscar problemas e dificuldades na compreensão, relevância dos itens e possíveis adaptações do instrumento (SILVA et al., 2015; FUZISSAKI et al., 2016).
Nesta primeira etapa da validação semântica, de posse dos questionários analisados pelos seis avaliadores, foi efetuada a compilação das respostas pelo grupo de autores deste artigo que, por critérios baseados nos aspectos semânticos, conduziu a modificação do questionário (Anexo 1).
Na parte 1 do instrumento não houve indicação de melhorias. Em relação à parte 2, houve indicação de aperfeiçoamento na redação da pergunta P12. Ainda na parte 2, um dos avaliadores indicou a inclusão das religiões africanas na P16, mas entendemos que elas poderiam ser indicadas no item h desta mesma pergunta. No que tange à parte 3, tivemos mais intervenções dos avaliadores, os quais sugeriram adequações na redação de algumas assertivas e a sugestão da exclusão de outras, das quais modificamos a estrutura da frase de 16 assertivas e a exclusão de duas.
Das 84 assertivas enviadas aos avaliadores, o instrumento foi ajustado, ficando com 82. Diante das críticas e apontamentos de possíveis falhas na interpretação das redações, a avaliação realizada pelos pesquisadores doutores possibilitou uma readequação qualitativa no questionário.
Na segunda etapa semântica, a do teste piloto, após ser aplicada aos alunos, suprimiu-se uma terceira assertiva, uma vez que apresentava duplicidade no conteúdo avaliado. O questionário final comportou 81 assertivas. Nenhum aluno apontou alguma dificuldade no preenchimento do instrumento.
Com relação à validação de natureza estatística, ou seja, quantitativa, foram utilizados os dados de 316 questionários, no qual por meio do programa SPSS aplicamos os testes Alpha de Cronbach, KMO e esfericidade de Bartlett.
O teste Alpha de Cronbach inicialmente indicou uma correlação insatisfatória entre as 81 assertivas, o que foi resolvido após a análise fatorial, que reduziu a quantidade de assertivas para 51, separadas em três grupos. Com esses dados, foi possível encontrar um valor de Alpha adequado e, consequentemente, correlações existentes entre as afirmativas.
Com isso, o instrumento de análise que inicialmente contava com 81 assertivas, sendo 26 pertencentes à dimensão conhecimento (K), 30 a Valores (V) e 25 a Práticas sociais (P), foi reorganizado, com 5 assertivas em K, 34 em V e 12 em P, totalizando 51 assertivas que compõem um instrumento a ser utilizado para analisar concepções e representações sociais de estudantes acerca da formação inicial de professores de ciências.
Para a validação estatística aplicou-se o teste Alpha de Cronbach ao questionário de 81 assertivas para avaliar sua confiabilidade. Este teste mensura a correlação média entre as respostas obtidas em que os valores de Alpha podem variar entre 0 e 1, podendo a confiabilidade do instrumento ser aceita quando o valor é igual ou superior a 0,70, ou 0,60 em alguns casos das Ciências Sociais, nos quais se consideram métricas exigentes (MAROCO; GARCIA-MARQUES, 2006).
Ao ser realizada a análise estatística, foi verificado que dos 316 licenciandos inquiridos, 63 (20%) não responderam a muitas assertivas constantes no questionário (missings), pelo que o cálculo da fidedignidade foi realizado para os 253 respondentes restantes.
O Alpha de Cronbach encontrado foi baixo, com o valor de 0,4, considerado não satisfatório (MAROCO; GARCIA-MARQUES, 2006), o que significa que a totalidade do conjunto de afirmativas não poderia ser reduzida a um único indicador ou a grupos robustos de variáveis.
Foi então necessário reduzir o número de assertivas, a fim de considerar nos testes apenas aquelas passíveis de agrupamento. Para identificar as assertivas com possibilidade de serem excluídas, com vistas a obter um Alpha satisfatório, decidiu-se utilizar a análise fatorial com três componentes. De acordo com Alencar Filho e Abreu (2005), o objetivo da análise fatorial é reduzir a quantidade de variáveis para melhor explicar o fenômeno.
Para realizar a análise fatorial, dois testes devem ser realizados. Um é o teste de KMO, com variação entre 0 e 1 e valor considerado aceitável quando igual ou acima de 0,7. O outro é o teste de Esfericidade de Bartlett, cujo resultado é aceitável quando estatisticamente significativo (p<0,05) (FIGUEIREDO FILHO; SILVA JUNIOR, 2010; SCHNEIDER, 2015).
No teste de KMO, foi obtido o valor de 0,7 e para o teste de Esfericidade de Bartlett um valor de p<0,000, que é estatisticamente significante. Assim, os dois testes indicaram que a análise fatorial era adequada para os dados desta investigação.
Ao realizar a análise fatorial obteve-se um quadro com três componentes e a carga fatorial para cada uma das 81 assertivas. De acordo com Figueiredo Filho e Silva Junior (2010), o coeficiente de correlação da carga fatorial deve ser igual ou superior a 0,3.
Desta forma, e tal como realizado por Schneider (2015), foi necessário eliminar entre as 81 assertivas, 30 (37%) que obtiveram cargas fatoriais inferior a 0,3 (05, 06, 11, 13, 16, 21, 23, 25, 29, 32, 35, 37, 38, 42, 43, 45, 48, 51, 53, 54, 57, 59, 60, 63, 66, 68, 71, 74, 76 e 79), restando 51 assertivas para análise.
Ao determinar-se novamente o Alpha de Cronbach, com 51 assertivas para 253 respondentes foi encontrado o valor de 0,7, considerado satisfatório (MAROCO; GARCIA-MARQUES, 2006), o que significa o atendimento ao pressuposto de que haveria homogeneidade nos dados no sentido de permitir o avanço das análises, em conformidade com a afirmação dos referidos autores de que “[...] quanto mais elevadas forem as covariâncias (ou correlações entre os itens) maior é a homogeneidade dos itens e maior é a consistência com que medem a mesma dimensão ou construto teórico” (p. 73).
O valor do KMO pode ser também utilizado para determinar se a dimensão da amostra está adequada, sendo que um KMO superior a 0,5 expressa valor aceitável (HOSS; CATEN, 2010). No presente estudo, como o valor do KMO para esta amostra de 253 respondentes foi de 0,7, pode-se considerar que o resultado foi satisfatório.
A Análise dos Componentes Principais (ACP), permitiu separar as assertivas nos três componentes, determinadas pelas cargas fatoriais mais altas, como mostra o Quadro 6.

Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Quadro 6 Análise dos Componentes Principais (ACP) de acordo com suas cargas fatoriais
Analisando as cargas fatoriais e comparando com as assertivas classificadas no modelo KVP (CLÉMENT, 2004; 2010) no início da construção do questionário, foi possível redistribui-las segundo os componentes Conhecimentos (K), Valores (V) e Práticas (P), como apontado no Quadro 7, e desse modo validar um instrumento que possa ser utilizado em pesquisas futuras para a análise de concepções/representações sociais acerca da formação de professores de ciências.
O questionário, que inicialmente contava com 81 assertivas (26 na área do conhecimento (K), 30 na dos Valores (V) e 25 na área das Práticas sociais (P), foi reorganizado, contando agora na sua versão final com 51 assertivas, sendo 5 em Conhecimento, 34 em Valores e 12 em Práticas. Também chamamos atenção para o fato que após a validação estatística, nenhuma das assertivas referentes ao indicador 14 (I14) se mantiveram presentes no questionário.
Destacamos que o objetivo deste questionário não era avaliar os conhecimentos dos inquiridos, mas especialmente analisar suas concepções na perspectiva das dimensões epistemológica da ciência, do ensino e aprendizagem e da formação e atuação profissional docente.
A construção de um questionário requer um imenso e fastidioso trabalho, baseado na teoria, para a criação das assertivas, cujo conjunto precisa depois ser validado semântica e estatisticamente para futura aplicação correta do questionário. Assim, este estudo permitiu obter um questionário original e validado que pode ser aplicado para conhecer as concepções e representações sociais que os professores ou futuros professores de ciências têm a respeito da prática docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo da relevância e impacto que as concepções e representações sociais podem apresentar na prática docente, consideramos relevante investigar esses elementos entre futuros professores de ciências (aqui considerados os cursos de Ciências, Biologia, Física, Química e Pedagogia). Para tanto se fez necessário a validação do instrumento de constituição dos dados que foi construído para tal fim, sendo realizado em duas etapas, uma semântica e outra estatística.
Após a validação e aplicação do questionário foi possível perceber a pertinência de seu uso para avaliar as concepções sobre a prática docente dos futuros professores.