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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versão impressa ISSN 1415-2150versão On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.22  Belo Horizonte  2020  Epub 07-Abr-2020

https://doi.org/10.1590/1983-21172020210106 

Artigos

AVALIAÇÃO ADEQUADA AO CURRÍCULO? O QUE DIZEM OS CONTEÚDOS SOLICITADOS NAS PROVAS DE BIOLOGIA DOS EXAMES NACIONAIS EM PORTUGAL E NO BRASIL

¿EVALUACIÓN ADECUADA AL PLAN DE ESTUDIOS? LOS CONTENIDOS SOLICITADOS EN LAS PRUEBAS DE BIOLOGÍA DE EXÁMENES NACIONALES EN PORTUGAL Y BRASIL

IInstituto Federal Catarinense, Blumenau, SC- Brasil.

IIUniversidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra- Portugal.

IIIUniversidade de Coimbra, Departamento de Ciências da Vida, Coimbra- Portugal.


RESUMO:

Analisar a correspondência entre os princípios orientadores do currículo da disciplina de Biologia e o Exame Nacional em Portugal e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no Brasil foi o objetivo desta pesquisa. Para tanto se desenvolveu um estudo empírico documental de análise das questões das provas de Biologia dos Exames supracitados. Constatou-se que ambos os Exames têm um número reduzido de questões de Biologia para testar os diversos conteúdos indicados pelos documentos oficiais, bem como privilegiaram determinados conteúdos. Em se tratando de testar os saberes científicos, Portugal supera o Brasil, pois, apresenta na estrutura de seu Exame questões dissertativas. Os Exames Nacionais podem vir a padronizar, em termos de conhecimento, o que será ensinado ao exigirem mais questões relativas a determinado tema.

Palavras-chave: Exame Nacional; Avaliação; Currículo

RESUMEN:

El objetivo de esta investigación fue analizar la correspondencia entre los principios rectores del plan de estudios de Biología y el Examen Nacional en Portugal y el Examen Nacional de Enseñanza Media (ENEM) en Brasil. Con este fin, se desarrolló un estudio documental empírico para analizar las preguntas de los exámenes de Biología mencionados anteriormente. Se constató que ambos exámenes tienen un número reducido de preguntas de Biología para probar los diversos contenidos indicados en los documentos oficiales, así como tienen contenidos privilegiados. Cuando se trata de probar el conocimiento científico, Portugal supera a Brasil, ya que presenta preguntas desarrollo en la estructura de su examen. Los exámenes nacionales pueden estandarizar, en términos de conocimiento, lo que se enseñará al requerir más preguntas relacionadas con un tema dado.

Palabras clave: Examen Nacional; Evaluación; Plan de estúdios

ABSTRACT:

The objective of this research was to analyze the correspondence between the guiding principles of the Biology curriculum and the National Examination in Portugal and the National High School Examination (ENEM) in Brazil. To this end, an empirical documentary study was developed to analyze the questions of the Biology of the above-mentioned examinations. It was found that both Exams have a reduced number of Biology questions to test the various contents indicated by the official documents, as well as favoring certain contents. When testing scientific knowledge, Portugal surpasses Brazil, as it presents essay questions in the structure of the Examination. National Examinations may standardize, in terms of knowledge, what will be taught by requiring more questions on a given topic.

Keywords: National Examination; Evaluation; Curriculum

INTRODUÇÃO

A avaliação das aprendizagens tem sido confundida com a avaliação do sistema de ensino. Avaliar a aprendizagem significa utilizar diversas ferramentas para diagnosticar o quanto os alunos aprenderam (ou não) e assim fazer correções de rumo do processo de ensino-aprendizagem, se necessário. Por seu lado, avaliar o sistema educativo é muito mais que analisar as notas dos alunos de determinado nível de escolaridade. A avaliação tem que ser sistêmica e levar em consideração fatores como infraestrutura das escolas (equipamentos de apoio didático, laboratórios, bibliotecas e seus acervos, etc.), as oportunidades de formação continuada oferecida aos docentes, além das características socioeconômicas e culturais dos alunos.

De acordo com Santos, “cada vez mais se torna fundamental saber utilizar e analisar os dados da avaliação externa para obter informação credível que nos permita melhorar o currículo, a avaliação e as didáticas, tendo em consideração todas as especificidades e diversidades que caracterizam o nosso sistema educativo” (SANTOS, 2014, p.151). É necessária a intervenção dos Ministérios de Educação dos países para garantir a concretização das políticas educacionais como um todo. Portanto, entender as concepções de avaliação da perspectiva da escola e do sistema educativo presente nos documentos oficiais é fundamental.

Ilude-se quem acha que a educação e a economia estão totalmente separadas, desvinculadas. A importância da educação para a economia é tão evidente que sua relação é explícita em diferentes documentos oficiais, de diferentes países e organismos.

De acordo com Marcon (2015), vários organismos multilaterais como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), criados, desde o fim da segunda guerra, com objetivos políticos e econômicos, passaram a atuar de modo sistemático no campo da educação, em sentido mais amplo e, nas políticas educacionais, de modo particular. Somada a essas atuações, houve uma propagação crescente de uma ideologia que liga fortemente educação e desenvolvimento econômico dos países.

Chega-se assim aos dias atuais, onde o fenômeno da globalização tomou corpo e impõe, aos futuros empregados, a necessidade de dominar as Tecnologias de informação e Comunicações (TIC), saber falar um segundo idioma, sem deixar de lado o domínio da língua materna (leitura e escrita), da matemática e das ciências.

Isso tudo sem esquecer a aquisição de competências transversais - profissionais cada vez mais bem informados, com ênfase no trabalho de grupo, interação entre colegas e avaliação do desempenho grupal, capazes de desempenhar tarefas múltiplas com conhecimentos multidisciplinares (SILVA, 2009).

Na disciplina Biologia, o desenvolvimento da literacia científica (competência) está diretamente relacionado à capacidade do aluno “explicar fenômenos científicos e elaborar conclusões fundamentadas sobre questões relacionadas com Ciência” (PINTO-FERREIRA, SERRÃO e PADINHA, 2006, p.6).

Nesse ponto, chega-se a duas perguntas básicas - Como se chega à padronização de competências? Como ocorre o processo decisório sobre o que ensinar? A resposta de ambas as perguntas está interligada, pois, constata-se facilmente que através da reformulação dos currículos se chega a padronizações, sendo aqueles influenciados por políticas públicas na área educacional. Dois exemplos de padronização dos currículos para alcançar tais competências tão propagadas e, assim, obter o tão sonhado desenvolvimento econômico e melhorar a competitividade, foram implementados em Portugal: Processo de Bolonha (1999); reorganização do Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais (2001) e, no Brasil - Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN e PCN+ (BRASIL, 2000; 2002).

A inter-relação entre Políticas Públicas e Currículos nos faz voltar ao contexto da economia versus educação, onde a condução destas políticas é produto de articulações no âmbito mundial, como podemos verificar na página da Comissão Europeia destinada à Educação, através da descrição do “Papel da UE no domínio da educação e da formação”:

[…] A política da UE tem por objetivo apoiar a ação nacional e contribuir para resolver problemas comuns, como o envelhecimento das sociedades, as lacunas de qualificação da mão de obra, a evolução tecnológica e a concorrência mundial (UNIÃO EUROPEIA - EU, [s.d]).

Ainda nesta mesma página é possível encontrar:

[…] Embora os sistemas de ensino e de formação sejam da responsabilidade dos países membros, a UE desempenha um papel fundamental ao apoiar e complementar os esforços de melhoria e modernização dos sistemas de educação nacionais (UNIÃO EUROPEIA - EU, [s.d]).

A própria UNESCO, no prefácio do seu relatório de Monitoramento Global de Educação Para Todos (EPT), de 2015, menciona que “Os relatórios de Monitoramento Global de EPT tiveram papel de destaque no percurso até 2015 para apoiar os países, oferecer avaliações e análises sólidas para sustentar o desenvolvimento de novas políticas” (UNESCO, 2015, p.4).

Esses relatórios são apresentados numa configuração que envolve a avaliação da aprendizagem dos alunos associada à qualidade dos sistemas educacionais e têm como pressupostos “diagnosticar para corrigir os desvios, realinhando as agendas educacionais locais em função dos ajustes propostos pelas agências que as patrocinam e, apresentar legitimações que reafirmem suas proposições, não apenas como sendo as melhores, mas também as mais justas” (CAMPOS, 2005, p.2).

Coloca-se então a questão: como se diagnostica e legitima para intervir? Na educação tem sido, em parte, através dos Exames. Chegamos assim a uma quantidade enorme de Exames de aferição (promovidos internamente pelas escolas), Exames Nacionais (ex. ENEM) e internacionais (ex. TIMSS e PISA).

EXAMES NACIONAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NO SISTEMA EDUCACIONAL

A princípio, os Exames Nacionais, também chamados de Exames em Larga Escala (National Large-Scale Assessment), foram introduzidos em muitos países com o objetivo de diagnosticar e melhorar o sistema educativo.

Anderson (2005) menciona que países como a China, França, Hong Kong e Japão começaram a empregar avaliações nacionais para medir o desempenho dos alunos e consequentemente, tomar decisões sobre o progresso escolar dos mesmos. Entretanto, como já mencionado no início deste artigo, os Exames passaram a ser utilizados numa abordagem de prestação de contas, pelos formuladores de políticas educativas do mundo todo. Esta prestação de contas, por seu lado, tem tido grandes reflexos nas escolas, ou seja, nos gestores, nos professores e nos alunos.

Autores como Looney (2011), Nichols e Berliner (2007) reportam que quando o sistema avaliativo coloca uma importância, um peso muito grande nas avaliações externas, estas são percebidas, pelos professores e diretores, como uma ameaça.

Klieger (2016) fez uma pesquisa em Israel, na qual constatou que apenas 6 diretores (de 30) e 13 professores (de 92) viam os Exames Nacionais e internacionais de grande escala como uma ferramenta de trabalho. Scherer e Cruz (2015) destacam que as políticas de avaliação em larga escala, além de marcar/rotular alguns alunos, e/ou escolas, responsabilizam os atores envolvidos no processo de aprendizagem (pais, professores e os próprios alunos), sem fazer a reflexão necessária sobre as causas destes resultados. Outros, como Gesser e DiBello (2016), referem-se ao privilegiar áreas e Ventura (2014), a disciplinas em detrimento de outras, conforme verificamos nos textos abaixo:

[…] Por isso nas escolas, e em particular nos grupos disciplinares, há uma grande preocupação pela gestão do currículo das disciplinas dos anos com Exames Nacionais, o que nem sempre acontece com as dos restantes anos de escolaridade. (VENTURA, 2014, p. 90).

[…] O nível de alinhamento e de padronização que percebemos impactam o currículo escolar no que se refere ao que deverá ser ensinado e com quais materiais (livros, ideologias, lógicas, e outros recursos) os estudantes serão ensinados. Adicionalmente, afetará a prática dos professores no que se refere ao como ensinar e para que ensinar determinados assuntos em detrimento de outros disponíveis e de outras formas de aprender e conhecer. (GESSER e DIBELLO, 2016, p.89).

A relação direta entre Exames Nacionais e os conteúdos preconizados nos currículos é recorrente em muitos artigos Ventura (2014); Caria e Oliveira (2015); Gesser e DiBello (2016). No mesmo sentido, a transmissão dos conteúdos continua sendo uma preocupação recorrente dos professores.

Percebe-se que muitos são os enfoques passíveis de análise quando se refere o assunto. Nesta pesquisa, o olhar recaiu sobre o instrumento prova e sobre o que é solicitado aí ao aluno, com o intuito de contribuir de algum modo para que a sua elaboração seja feita de molde a produzir os efeitos desejados quando da sua aplicação.

METODOLOGIA

Objetivo e tipo de estudo

Tendo por objetivo analisar a correspondência entre os princípios orientadores do currículo da disciplina de Biologia e o Exame Nacional em Portugal e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no Brasil, desenvolveu-se um estudo empírico de natureza documental. A análise incidiu sobre as questões das provas de Biologia de ambos os países no intuito de: 1) caracterizar as provas dos Exames Nacionais de Portugal com foco na Biologia; 2) caracterizar as provas do ENEM no Brasil com foco na Biologia; 3) analisar os conteúdos do Programa e Metas curriculares da disciplina de Biologia-Geologia do curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias (Decreto-Lei Nº 139/2012) presentes nas questões dos Exames Nacionais e 4) analisar os conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN+) da disciplina de Biologia presentes nas questões do ENEM.

Bases documentais

As bases documentais consideradas nesta pesquisa foram constituídas pelas questões das provas de Biologia do Exame Nacional de Portugal, do 10º e 11º anos de escolaridade do ensino secundário, no período decorrente de 2010 a 2016, das 1ª e 2ª fases, e também, no caso do Brasil, pelas questões das provas do mesmo período de tempo, da disciplina Biologia, a qual se insere na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias.

As provas de Portugal foram obtidas através do livro publicado pela Editoria do Ministério da Educação de Portugal, denominada EME, que contém questões e resoluções de Exames. O acesso à prova de 2016 foi realizado através da base de dados oficial do Instituto de Avaliação Educacional (IAVE.I.P 2013). No livro “Biologia e Geologia, 10º e 11º anos: Exames nacionais, 2010-2015: 1ª fase, 2ª fase e épocas especiais” as questões dos Exames Nacionais são classificadas por unidade de ensino, grau de dificuldade e necessidade do conhecimento experimental para a sua resolução. Estes critérios foram estabelecidos pelos professores da Associação de Professores de Biologia e Geologia - APPBG já que o livro é resultado da parceria entre a APPBG e a Editora do Ministério da Educação e Ciência. Encontram-se também no livro as resoluções completas e comentadas tanto para os itens de construção (dissertativos) como para os itens de seleção (escolha múltipla) constantes das provas.

Além das provas dos Exames Nacionais, no site da Direção Geral de Ensino (DGE) do Ministério da Educação (MEC) obteve-se o Programa da disciplina Biologia para os 10º e 11º anos. Estes documentos foram de extrema importância, pois, constituíram o marco referencial das competências a serem desenvolvidas nos alunos e dos conteúdos ministrados na disciplina, bem como as suas respetivas horas-aula.

Obtiveram-se também informações através dos relatórios do Instituto de Avaliação Educativa, I.P. (IAVE), bem como na Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA), organizada e desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Além do site Infoescola do Ministério da Educação.

No Brasil, as provas do ENEM foram obtidas no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Como referencial de conteúdos a serem estudados pelos alunos, utilizaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN+). Em relação a informações complementares relativas ao Brasil, foram consultados os sites do Inep (instituição responsável pelo ENEM) e do Ministério da Educação (MEC).

Análise exploratória das provas dos exames

Para identificar, registrar e analisar as características, fatores ou variáveis que se relacionam com o estudo em questão, considerou-se lógico conhecer a priori as principais características dos Exames Nacionais de Brasil e Portugal. Para tanto foram selecionadas apenas as questões de Biologia dos Exames Nacionais de Portugal e elaboradas tabelas onde se registrou a presença/ausência do conteúdo, por fase de aplicação da prova, no respetivo ano da mesma, obtendo-se assim a frequência com que cada conteúdo apareceu nas provas do período analisado nesta pesquisa. Nestas tabelas, as questões foram identificadas com o grupo a que pertence (GII ou GIV) e o número da questão. Cumpre destacar que esta análise foi realizada tendo em conta que, em Portugal, a prova pode ser feita em mais de uma fase e que a disciplina Biologia é bianual, ou seja, é oferecida em dois dos três anos de ensino secundário. Assim, foram analisadas as provas da fase 1 e 2 dos Exames referentes aos anos de 2010 a 2016.

Posteriormente a esse procedimento foram feitas as somas do número de vezes que cada conteúdo foi solicitado nas provas e calculado os percentis. Com base nestes resultados, foram elaborados gráficos e tabelas para sintetizar os dados obtidos.

Em relação ao ENEM, o primeiro processo foi o de selecionar, dentre as 45 questões de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, as exclusivamente de Biologia. Este processo é possível através da classificação das questões por habilidades, feita pelo próprio Inep e disponibilizada na base de dados (microdados em formato csv) no site da instituição, associada ao conteúdo das questões. Feita esta seleção, passou-se a identificação das questões por conteúdo. Para tanto, utilizou-se como referencial os conteúdos cobrados na prova, descritos num edital próprio do ENEM que recebe o nome de “Objetos de conhecimento associados às Matrizes de Referência”. A partir desta primeira análise, as orientadoras analisaram a classificação feita para reduzir possíveis enviesamentos. As questões foram identificadas com a letra “Q” e o número da questão na prova. Cabe ressaltar que todas as questões analisadas referem-se ao “caderno amarelo” de provas de 2010 a 2016.

RESULTADOS

Estrutura do exame nacional de Biologia-Geologia - Portugal

Compreender como é a estrutura da prova de Biologia-Geologia do Exame Nacional em Portugal é o primeiro passo para analisar os demais resultados obtidos em relação a esta prova. Neste contexto, a prova, que recebe a numeração 702, tem por referência os Programas de Biologia e Geologia do 10.º e do 11.º anos de escolaridade e está estruturada em quatro grupos: I e III para questões de Geologia e II e IV para as questões de Biologia. Ambas as disciplinas (i.e. Biologia e Geologia) têm a mesma ponderação (valor de 100 pontos para cada disciplina). Cada grupo é precedido por um suporte (texto, tabelas, esquemas, gráficos, figuras, mapas). A prova é composta de questões de itens de seleção (escolha múltipla, ordenação ou associação) e itens de construção (resposta curta ou resposta restrita - discursivas). A prova tem a duração de 120 minutos, com 30 minutos de tolerância.

Na tabela 1, apresentam-se as distribuições das perguntas pelas duas áreas disciplinares (Biologia e Geologia), ao longo dos anos avaliados. Constata-se que as questões de Biologia e Geologia foram distribuídas de forma irregular, tendo o número de questões de Biologia superado as de Geologia nos anos de 2010 em 51,72%, em 55% no ano de 2011 em 51,61% no ano de 2013. A partir do ano de 2014, as questões de Biologia e Geologia passaram a ser em igual quantidade.

Tabela 1 Questões de Biologia e Geologia, por fase, nas provas da série cronológica em estudo 

Biologia Geologia
Anos Total Questões Fase 1 Total Questões Fase 2 Total Questões Total Questões Fase 1 Total Questões Fase 2 Total Questões % Questões Biologia
2010 15 15 30 14 14 28 51,72
2011 16 17 33 15 14 29 55,00
2012 16 15 31 16 15 31 50,00
2013 16 16 32 16 15 31 51,61
2014 15 15 30 15 15 30 50,00
2015 16 16 32 16 16 32 50,00
2016 17 17 34 17 17 34 50,00
Total 111 111 222 109 106 215 -

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Num segundo momento, a análise incidiu na caracterização do tipo de item nos Exames Nacionais de Biologia. A tabela 2 evidencia que os itens de seleção são predominantes em todos os anos de aplicação dos Exames Nacionais. Também é possível verificar que 2011 foi o ano com o menor número de questões relativas a itens de construção (resposta curta ou resposta restrita - discursiva).

Tabela 2 Questões de Biologia, por tipo de item, nas provas da série cronológica em estudo 

Anos Total de questões Tipos de Questões e suas Percentagens
Itens de seleção % Itens de Construção %
2010 30 26 86,7 4 13,33
2011 33 29 87,9 3 9,09
2012 31 27 87,1 4 12,90
2013 31 26 83,9 5 16,13
2014 30 26 86,7 4 13,33
2015 32 28 87,5 4 12,50
2016 34 28 82,4 6 17,65

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Estrutura do ENEM - Brasil

No ENEM não há uma prova específica de Biologia. Esta disciplina está contemplada na prova de Ciências da Natureza e suas Tecnologias associada a Química e Física. Todas as questões (também denominadas de itens) têm como padrão três partes constitutivas: texto base (afirmação), enunciado (comando dado ao aluno) e (alternativas). Geralmente o texto-base traz uma situação-problema e os itens são contextualizados com assuntos e temas hipotéticos ou reais do dia a dia dos participantes. A prova é de escolha múltipla; aplicada em dois dias, sendo que no dia de aplicação da prova de Ciências da Natureza e suas Tecnologias também é aplicada a prova de Matemática e a duração da prova é de cinco horas.

Na tabela 3 apresentam-se a quantificação das questões que solicitam aos alunos conhecimentos de Biologia, ao longo dos anos avaliados. Nota-se que as questões de Biologia são bem representativas, principalmente nos anos de 2011 e 2012. Ao longo dos 7 anos avaliados, foram 114 questões que demandaram conhecimentos de Biologia.

Tabela 3 Questões que demandam dos alunos conhecimentos de Biologia, nas provas do ENEM da série cronológica em estudo 

Ano Total de Questões Questões de Biologia % Biologia
2010 45 17 37,7%
2011 45 20 44,4%
2012 45 18 40%
2013 45 14 31,1%
2014 45 14 31,1%
2015 45 16 35,5%
2016 45 15 33,3%
Total 114

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Para finalizar, uma visão geral dos Exames aplicados no Brasil e em Portugal apresentada no quadro 1. A diferença mais marcante entre os dois Exames está na obrigatoriedade do Exame Nacional de Portugal, pois, a nota do exame contribuir para a nota final da respectiva disciplina (as avaliações compõem 30% das notas finais dos alunos).

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Quadro 1 Características dos Exames Nacionais no Brasil e Portugal 

A isenção da taxa de inscrições do ENEM é válida para todos os estudantes da rede pública e aos participantes que declararem ser membros de família de baixa renda ou estar em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Em relação aos Exames Nacionais de Portugal, a inscrição e nas provas de equivalência à frequência por alunos autopropostos1 é obrigatória em qualquer uma das duas fases dos Exames ou provas, estando sujeita ao pagamento de €3 (três euros) por disciplina, em cada fase. Os alunos internos e autopropostos que se inscrevam em Exames finais nacionais ou provas de equivalência à frequência, para melhoria de classificação, estão sujeitos ao pagamento de €10 (dez euros) por disciplina, em cada uma das fases, não se aplicando o pagamento referido no parágrafo anterior.

CONTEÚDOS PRESENTES NAS QUESTÕES DE BIOLOGIA DO EXAME NACIONAL - PORTUGAL

Os resultados relativos aos conteúdos programáticos de Biologia, presentes nas questões do Exame Nacional, são apresentados nas figuras 1, 2e 3.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Figura 1 Conteúdos de Biologia do 10º ano, por unidade de ensino, presentes nas questões do Exame Nacional (2010-2016) 

Como pode ser observado no gráfico da figura 1, dos temas estruturais do Programa da disciplina Biologia, a unidade 1 - obtenção de matéria pelos seres heterotróficos nos processos de auto e heterotrofia em seres com diferente grau de complexidade ocupa o primeiro lugar quantitativamente em todas as edições dos Exames com 25 questões (somatório das edições avaliadas), seguida da unidade 3 - processos de transformação de energia, nomeadamente na utilização das vias aeróbia e anaeróbia pelos seres vivos, com 16 questões. A unidade 4 - aspetos relacionados com a manutenção das condições do meio interno dos organismos face às flutuações do meio externo, através do estudo dos casos de termorregulação e osmorregulação nos animais e fito-hormônio em plantas vêm logo em seguida, com 14 questões. Entre os temas que menos apareceram nos Exames Nacionais estão as unidades 2, que incide sobre a distribuição de matéria e a obtenção da mesma pelos seres com diferentes níveis de organização, com 12 questões e a unidade 0, que se refere à concepção da Biosfera (sua diversidade, organização, extinção e conservação) e à célula como unidade estrutural e funcional (o grau de complexidade dos organismos), com apenas 6 questões ao longo dos últimos 7 anos.

Relativamente aos temas considerados nos Exames Nacionais, além da sua diferença numérica, constatou-se que em determinados anos alguns temas nem sequer apareceram, sendo eles: os relativos à unidade 0 nos anos de 2010 e 2015, da unidade 2 em 2012 e 2015, da unidade 3 em 2016 e da unidade 4 em 2014. Assim, tendo em conta os dados relativos aos conteúdos do 10º ano, verifica-se que a sua distribuição nos Exames não é uniforme, tanto em relação às unidades do Programa como ao longo dos anos de aplicação dos Exames Nacionais.

Os dados relativos aos conteúdos do 11º ano (Figura 2) mostram que há uma maior uniformidade no aparecimento de questões relativas às diferentes unidades de ensino - conteúdos de todas as unidades aparecem nos Exames Nacionais de todos os anos considerados.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Figura 2 Conteúdos de Biologia do 11º ano, por unidade de ensino, presentes nas questões do Exame Nacional (2010-2016) 

Dentre as unidades com maior número de questões, a unidade 5 - renovação celular e o crescimento - explicitando o papel da mitose, do DNA e da síntese proteica é, sem dúvida, a mais solicitada com 41 questões ao longo dos últimos 7 anos de aplicação dos Exames Nacionais. Segue-se a unidade 6, que trata da reprodução, entendida como um processo de transferência de informação, com 21 questões. Já a unidade 8 - níveis de organização biológica, que e aborda a sistemática dos seres vivos foi solicitada em 20 questões. Por último ficou a unidade 7 - que explicita a evolução biológica, com 19 questões.

Quando analisados os dados relativos ao total de conteúdos programáticos constantes das provas dos Exames Nacionais (Figura 3), constata-se que os conteúdos do 10º ano aparecem menos vezes que os conteúdos do 11º ano. Em relação aos conteúdos, também se verifica que há discrepâncias também dentro dos conteúdos do 10º ano de escolaridade. Constata-se também que as unidades 1 (10º ano) e 5 (11ºano) foram as mais exigidas nos 7 anos de Exames Nacionais analisados, o que sugere privilegiar conteúdos que compõem o currículo educacional.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Figura 3 Total de conteúdos de Biologia do 10º e 11º ano, por unidade de ensino, presentes nas questões do Exame Nacional (2010-2016) 

Analisando a carga horária - número de aulas de 45 min sugeridas pelo Programa - observou-se que alguns conteúdos com uma atribuição prevista de carga horária superior ou equivalente a outros, não foram contempladas em muitas edições do Exame. Um bom exemplo é a unidade 0 do 10º ano com 8 aulas sugeridas: nas edições dos Exames Nacionais de 2011 e 2015 não apareceu nenhuma questão relativa ao tema. Já a unidade 1 do mesmo ano, que aparece em primeiro lugar, quantitativamente, em todas as edições dos Exames com 25 questões (somatório das edições avaliadas), tem como sugestão ser ministrada em 9 aulas. No caso do 11º ano de escolaridade, apesar de ocorrer uma maior uniformidade no aparecimento de questões referentes às diferentes unidades de ensino, e um maior número de aulas previstas no Programa da disciplina, há também um maior número de aulas previstas no Programa da disciplina para conteúdos menos solicitados. Um exemplo são as 13 aulas previstas para a unidade 6, que apresentou 21 questões, enquanto a unidade 5 tem como sugestão ser ministrada em 10 aulas, mas seu conteúdo foi exigido em 41 questões ao longo dos 7 anos de aplicação do Exame Nacional.

Perante estes resultados, cabe ressaltar que, ao longo dos anos analisados, o tempo sugerido para ministrar as várias unidades didáticas, e eventualmente de aprofundamento cognitivo dos temas, não é semelhante, havendo discrepância entre o que é sugerido em número de unidades letivas pelos Programas da disciplina e a proporção de questões que lhes corresponde nos Exames Nacionais. Corroborando com esses resultados, estudos realizados por Ventura (2014); demonstrou que há uma grande preocupação na gestão do currículo das disciplinas dos anos com Exames Nacionais, o que nem sempre acontece com as dos restantes anos de escolaridade.

A dificuldade em testar os diversos conteúdos indicados no Programa da disciplina de Biologia-Geologia (curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias) para o 10ºe 11º anos de escolaridade, em Portugal, pode estar relacionada com o número de questões - apenas 30 questões em média. Há, portanto, um impedimento em requerer aos alunos um grande número de conteúdos num reduzido número de questões. É, portanto, uma amostra não representativa dos conteúdos.

Corroborando esta hipótese, é possível encontrar no relatório dos Exames Nacionais do ensino secundário (período 2010-2016), elaborado pelo Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE) a menção de que [...] “Em todas as provas são objeto da avaliação conteúdos de todos os temas aglutinadores, mas não de todos os temas/unidades do programa” (IAVE, 2017, p.51). Este mesmo relatório faz a seguinte referência:

No âmbito da componente de Biologia, o Módulo inicial (Unidade zero), Diversidade na Biosfera, foi objeto explícito de avaliação apenas em 2010 e em 2015. Esta unidade é sucessivamente revisitada na lecionação e avaliação das restantes unidades. Por sua vez, a Unidade 5, Crescimento e renovação celular, foi objeto explícito de avaliação em todos os anos em apreço. (IAVE, 2017, p.51)

CONTEÚDOS PRESENTES NAS QUESTÕES DE BIOLOGIA DO ENEM - BRASIL

De forma contrastante com Portugal, os conteúdos presentes nas questões de Biologia no ENEM não estão distribuídos por unidade de ensino, mas sim, por “conteúdos e temáticas normalmente abordadas em toda a Educação Básica” (BRASIL/INEP, 2015, p.62).

Quando analisados os dados da figura 4verifica-se que as questões associadas ao tema estruturador “ecologia e ciências ambientais” foram as mais solicitadas no ENEM no período estudado, com 39 questões. Seguidamente, com 24 questões, aparecem as questões referentes ao tema estruturador “moléculas, células e tecidos”. Com um total de 20 questões encontra-se o tema estruturador “hereditariedade e diversidade da vida” e, dentre os mais solicitados também se encontram a “qualidade de vida das populações humanas” com 16 questões. “Origem e evolução da vida” foi o tema estruturador menos solicitado, com um total de 7 questões distribuídas nos anos de 2010, 2012, 2014 e 2016.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Figura 4 Temas estruturadores de Biologia presentes no ENEM (2010-2016) 

O maior número de questões associadas ao tema estruturador “ecologia e ciências ambientais” ao longo do período analisado, pode estar associado ao fato deste tema ser mais facilmente inserido dentro de situações-problema e contextualizado em termos de relevância social e econômica. Assim, há uma facilidade na construção dos enunciados das questões (itens) e, aproximação do cotidiano do aluno.

O tema “Moléculas, células e tecidos”, segundo mais abordado nos anos avaliados, traz conteúdos importantes, com base conceitual científica da Biologia. Assim, é de se esperar que uma quantidade representativa de questões destes conteúdos seja elaborada, pois, a resposta correta das mesmas indica a apropriação de conceitos científicos por parte do aluno (uma das competências preconizadas no ENEM e no PCNEM).

“Hereditariedade e diversidade da vida” é um tema estruturador considerado controverso (envolve debates éticos, políticos, econômicos e sociais), pois, abordam questões com foco em melhoramento genético, transgênicos, Projeto Genoma Humano, tratamento de doenças neurodegenerativas, entre outros. Assim, há também uma facilidade em abordar o tema de forma contextualizada e através de situações-problema. Essa também é a provável causa do número relativamente alto de questões envolvendo o tema “qualidade de vida das populações humanas”, já que o mesmo se refere a inúmeras questões sociais como vacinação, saneamento básico, recursos hídricos, etc.

Apesar de ser um conteúdo importantíssimo, “um tema de importância central no ensino de Biologia” e que deve “constituir uma linha orientadora das discussões de todos os outros temas” segundo o PCNEM (BRASIL/MEC, 2006, p. 22), o tema estruturador “Origem e evolução da vida” foi muito pouco abordado nas provas do ENEM: apenas sete questões ao longo dos seis anos de análise. Um provável motivo para essa constatação é o fato do tema ser polêmico por envolver religião e ciência (muitos alunos já têm uma ideia preconcebida sobre o assunto, que lhes foi infundida em suas casas e igrejas). Associado a este fato, no documento “Guia para elaboração e Revisão de itens” do Inep existir a recomendação “Evite abordagens de temas que suscitem polêmicas” (BRASIL/INEP, 2010). Assim, ficam evidentes, os diferentes posicionamentos dos documentos oficiais (o da elaboração da prova do ENEM e o Parâmetro Curricular).

Os resultados referentes à frequência de aparecimento dos temas estruturadores ao longo dos anos analisados são apresentados na tabela 4. Destaca-se que, tanto em termos absolutos quanto em percentagem, dominam quatro temas estruturadores: “Ecologia e ciências ambientais”, “Moléculas, células e tecidos”, “Hereditariedade e diversidade da vida” e “Qualidade de vida das populações humanas”.

Tabela 4 Percentagem de questões por tema estruturador do ENEM 

Tema Estruturador ENEM 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 % questões por tema estruturador
Moléculas, células e tecidos 5 1 2 4 2 5 5 20,7%
Hereditariedade e diversidade da vida 3 2 3 5 6 1 17,2%
Identidade dos seres vivos 2 2 2 2 1 1 8,6%
Ecologia e ciências ambientais 6 8 8 3 5 2 7 33,6%
Origem e evolução da vida 2 2 2 1 6,0%
Qualidade de vida das populações humanas 2 6 2 2 1 3 13,8%
Total de questões por ano 17 20 18 14 15 17 15

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Uma análise temporal dos dados dispostos na tabela 4 revela que alguns temas são favorecidos com grande número de questões (itens) por prova, enquanto outros são relegados a um papel secundário ou nem são solicitados aos alunos. Isso revela que no período o exame priorizou os conteúdos referentes à Biologia Celular, Ecologia e Hereditariedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários autores como Stecher (2002), Koretz (2008), Gesser e DiBello (2016), Cária e Oliveira (2015) mencionam a interferência dos Exames Nacionais nos currículos. É através do currículo que se estabelece o que será ensinado nas escolas. Assim, ao definir o que será ensinado nas escolas também está se definindo qual o perfil de cidadão que a escola está formando.

O currículo também é um instrumento que orienta a prática pedagógica quando define o que ensinar, quando ensinar, de que forma ensinar e como avaliar. Tudo isso condicionado aos conhecimentos que o currículo privilegia ou secundariza.

Em relação ao ensino das ciências, Krasilchik, ainda em 1988, já mencionava duas vertentes existentes em relação aos seus objetivos. Uma delas visava à formação de cientistas para atender a necessidade de predomínio científico e tecnológico das nações; a outra considerava a necessidade de formar cidadãos capazes de adquirir, compreender e obter informações científicas e com capacidade para opinar acerca das mesmas.

Essa polarização acaba por criar expectativas sobre o ensino e a aprendizagem da ciência. Há os que mencionam que “O processo de investigação na ciência merece especial atenção em sua abordagem no ensino, por se tratar do processo de construção da própria ciência.” (MAIA e JUSTI, 2008, p. 432).

Nessa perspectiva, importa referir que questões relacionadas aos processos de investigação têm um papel importante nos Exames, pois, é um dos meios de se averiguar se o aluno adquiriu conhecimentos científicos, ou seja, entendendo como e porque alegações científicas são validadas, explicando e racionalizando com modelos. Desenvolver questões para testar conhecimentos e critérios específicos de saberes científicos é um grande desafio.

Concomitantemente com a preocupação pela formação científica, o papel do ensino de ciências na formação do cidadão também foi postulado. Kolstoe (2000) menciona a necessidade de promover a ciência para a cidadania e, neste contexto, a capacidade do docente de desenvolver nos futuros cidadãos a dimensão da atitude é ponto crucial.

Por sua vez, as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade vêm tendo destaque no ensino das ciências. Acerca deste assunto, Magalhães e Tenreiro-Vieira, (2006, p. 86) salientam que “Efetivamente, é hoje amplamente defendido um ensino das Ciências com uma orientação CTS com o propósito de ensinar acerca dos fenômenos de uma maneira que ligue a Ciência com o mundo tecnológico e social do aluno”. No que diz respeito às práticas pedagógicas promotoras dos pressupostos supracitados, os mesmos autores mencionam “a atuação dos professores na sala de aula tende a não contemplar, pelo menos de forma intencional e sistemática, atividades/estratégias de cariz CTS/PC”.

Abranger todas essas perspectivas, ou seja, proporcionar aos alunos conhecimentos sólidos para uma educação científica cidadã e numa abordagem pautada na CTS, que lhe permita seguir a carreira científica, se assim o desejar é o dever da escola.

Tratando-se de avaliação, na prática, o papel da avaliação é apoiar e incentivar a aprendizagem dos alunos. Assim, o tipo de avaliação tem que estar em consonância com a forma do docente ensinar e o grau da avaliação deve respeitar a profundidade com que o conteúdo foi abordado em aula. Urge também ligar o currículo da escola com as matrizes de avaliação dos sistemas de ensino.

Com essas compreensões, ao retomarmos os objetivos deste estudo, foi possível averiguar, através da caracterização das provas, que ambas (Exame Nacional de Portugal e ENEM no Brasil) têm um número reduzido de questões de Biologia para testar os diversos conteúdos indicados pelos documentos oficiais de referência de cada país. A finalidade de testar saberes científicos fica prejudicada em questões objetivas. Nesta situação, o Exame Nacional em Portugal supera o ENEM, pois, apresenta em sua estrutura, questões dissertativas, já o ENEM apresenta questões exclusivamente objetivas.

Em termos de conteúdos, além de restringir os conhecimentos testados, as provas tanto do ENEM quanto do Exame Nacional privilegiaram determinados conteúdos. Em tais circunstâncias, ficou evidente que, em ambos os países, os Exames Nacionais podem vir a padronizar, em termos de conhecimento, o que os alunos têm que aprender ao exigirem mais questões relativas a determinado tema.

Tendo em conta as informações obtidas nesta pesquisa e levando em consideração a questão levantada por este artigo - A avaliação externa está adequada ao currículo proposto em Portugal e no Brasil? Constatou-se haver discrepância entre os Programas da Disciplina Biologia-Geologia em Portugal, bem como os PCN’s no Brasil e os Exames Nacionais de ambos os países.

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1Aluno que se propõe a fazer o exame.

Recebido: 21 de Abril de 2019; Aceito: 01 de Janeiro de 2020

Contacto: Rua Fides Deeke, nº 280 | Itoupava Seca, CEP 89030-210 - Blumenau, SC - Brasil

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Doutora em Ensino das Ciências pela Universidade de Coimbra, Portugal. Auxiliar em Assuntos Educacionais, do Instituto Federal Catarinense (IFC), Blumenau, Brasil. E-mail:<daisydasilvas@yahoo.com>.

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PhD em Psicologia Educacional pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.E-mail:<pvaz@mat.uc.pt>.

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Doutora em Biologia, especialidade Ecologia, pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professora do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, Portugal.E-mail:<ccanhoto@ci.uc.pt>.

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