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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versão impressa ISSN 1415-2150versão On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.24  Belo Horizonte  2022  Epub 05-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240115 

Artigos

O SUBJETIVO E O OPERACIONAL NA APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS: UMA ARTICULAÇÃO ENTRE TIPOS DE APRENDIZAGEM E TIPOS DE CONTEÚDO

LO SUBJETIVO Y LO OPERACIONAL EN EL APRENDIZAJE DE LAS CIENCIAS: UNA ARTICULACIÓN ENTRE TIPOS DE APRENDIZAJE Y TIPOS DE CONTENIDO

THE SUBJECTIVE AND THE OPERATIONAL IN SCIENCE LEARNING: AN ARTICULATION BETWEEN TYPES OF LEARNING AND TYPES OF CONTENT

Amanda Marina Andrade Medeiros1 
http://orcid.org/0000-0001-5512-296X

Daniel Magalhães Goulart2  
http://orcid.org/0000-0002-0254-0137

1Universidade de Brasília, Faculdade UnB Planaltina, Brasília, DF, Brasil.

2Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Brasília, DF, Brasil.


RESUMO:

Este artigo teve sua gênese no parecer do artigo de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), construído pela primeira autora deste trabalho. Seu objetivo é promover reflexões acerca da possível articulação entre os processos subjetivos e operacionais na aprendizagem em ciências. Nesse sentido, procuramos delinear uma articulação entre os tipos de aprendizagem trazidos por Mitjáns Martínez e González Rey, tendo como alicerce a Teoria da Subjetividade em uma abordagem cultural-histórica, e os tipos de conteúdo elaborados por Pozo e Crespo, tendo como base o trabalho inaugural de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), que apresenta e relaciona essas abordagens. Mais do que um comentário crítico a respeito dessa aproximação feita pelos autores, este artigo teve como foco discutir algumas nuances dessa aproximação construída por eles, enfatizando as contribuições da Teoria da Subjetividade de González Rey.

Palavras-chave: Teoria da Subjetividade; Tipos de aprendizagem; Tipos de conteúdo em ciências

RESUMEN:

Este artículo tuvo su génesis en el parecer del artículo de Alves, Parente, Bezerra y Bezerra (2022), desarrollado por la primera autora de este trabajo. Su propósito es promover algunas reflexiones sobre la posible articulación entre los procesos subjetivos y operacionales en el aprendizaje de ciencias. En este sentido, buscamos esbozar una articulación entre los tipos de aprendizaje que traen Mitjáns Martínez y González Rey, a partir de la Teoría de la Subjetividad en un enfoque cultural-histórico, y los tipos de contenido desarrollados por Pozo y Crespo, a partir del trabajo inaugural de Alves, Parente, Bezerra y Bezerra (2022), que presenta y relaciona estos enfoques. Más que un comentario crítico sobre este enfoque realizado por los autores, este texto se centró en discutir algunos matices de esta aproximación construida por ellos, enfatizando los aportes de la Teoría de la Subjetividad de González Rey.

Palabras clave: Teoría de la Subjetividad; Tipos de aprendizaje; Tipos de contenido en ciencias

ABSTRACT:

This paper had its genesis in the Alves, Parente, Bezerra and Bezerra (2022) paper’s review, which was elaborated by the first author of this work. Its purpose is to promote reflections about the possible articulation between subjective and operational processes in science learning. In this sense, we pursue to delineate an articulation between the types of learning introduced by Mitjáns Martínez and González Rey, based on the Theory of Subjectivity from a cultural-historical approach, and the types of content developed by Pozo and Crespo, based on the inaugural work of Alves, Parente, Bezerra and Bezerra (2022), which presents and relates these approaches. More than a critical comment on this approach made by the authors, this paper focused on discussing some nuances of this approach developed by them, emphasizing the contributions of González Rey’s Theory of Subjectivity.

Keywords: Theory of Subjectivity; Types of learning

TYPES OF CONTENT IN SCIENCE. INTRODUÇÃO

Há séculos, a aprendizagem tem sido objeto de estudo, seja de filósofos, psicólogos, pedagogos ou estudiosos na área educacional, o que tem promovido discussões importantes para compreendermos como se dá a aquisição da cultura historicamente construída pela humanidade, bem como sua produção. Atualmente, caminhamos para uma compreensão dos processos de aprendizagem a partir de uma análise mais sistêmica do fenômeno, considerando o caráter complexo do processo de aprendizagem (Morin, 2011). Consideramos que

(...) há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e interretroativo entre o objeto de conhecimento e o seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si (Morin, 2011, p. 36).

A Teoria da Subjetividade de González Rey (2003, 2005, 2007, 2013, 2017, 2019) é uma dessas teorias que têm afinidade com o paradigma da complexidade, que “constitui um modo de compreender a realidade no qual é reconhecido o caráter desordenado, contraditório, plural, recursivo, singular, indivisível e histórico que a caracteriza” (Mitjáns Martínez, 2005, p. 4).

É importante destacar o caráter complexo da aprendizagem em ciências, que envolve uma trama do psicológico, que inclui aspectos subjetivos e operacionais. Não se trata de um processo linear, mas de caráter sistêmico, contraditório e plural, formado, assim, por um sistema que se configura a partir das diversas experiências históricas e atuais do indivíduo no seu curso de vida, que vão tomando forma em contextos e situações singulares (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017).

Destaca-se, nessa direção, a importância de estudos que promovam uma análise complexa do processo de aprendizagem em ciências, considerando a articulação de aspectos subjetivos e operacionais implicados nesse processo. O artigo de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), intitulado “O subjetivo e o operacional na superação das dificuldades de aprendizagem em Ciências”, publicado nesta revista, se destaca na área da aprendizagem de ciências por essas características. Esse trabalho revela-se importante para, por um lado, favorecer a compreensão e a reflexão sobre o valor heurístico dos modelos teóricos propostos a partir da Teoria da Subjetividade e do Construtivismo acerca da aprendizagem em ciências e, por outro, sinalizar caminhos teóricos ainda por serem avançados no que se refere à compreensão das dificuldades de aprendizagem em ciência, considerando a articulação entre o subjetivo e o operacional.

Considerando o exposto, salientamos que o presente trabalho teve sua gênese no parecer do artigo de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), construído pela primeira autora deste artigo, que, tendo em vista sua ênfase no referencial da Teoria da Subjetividade de González Rey, convidou Daniel Magalhães Goulart, estudioso desse referencial, para contribuir com a escrita, com o objetivo de expandir, aprofundar e ampliar a discussão.

Assim, nossa proposta é comentar e discutir aspectos da aprendizagem em ciências a partir das considerações levantadas por Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022). O citado artigo traz como destaque a discussão sobre dificuldades de aprendizagem em ciências, fazendo uma interlocução entre dois modelos teóricos: o primeiro é construído a partir da Teoria da Subjetividade de Fernando González Rey, ao passo que o segundo é elaborado a partir da Teoria Construtivista de Juan Ignácio Pozo e Miguel Gómez Crespo. Na última parte deste artigo, será feita uma articulação inicial entre tipos de aprendizagem definidos no âmbito da Teoria da Subjetividade (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017) e tipos de conteúdo científicos escolares, discutidos por Pozo e Gómez Crespo (2009). Mitjáns Martínez e González Rey definem três tipos de aprendizagem escolar: a reprodutiva-memorística, a compreensiva e a criativa. Já Pozo e Gómez Crespo (2009), trazem três tipos de conteúdo a serem trabalhos no ensino de ciências: os atitudinais, os procedimentais e os conceituais.

Em afinidade ao que defendem Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), a articulação entre as contribuições provenientes das duas teorias pode favorecer novos processos de inteligibilidade sobre a articulação entre os aspectos subjetivos e operacionais implicados no processo de aprendizagem em ciências no espaço escolar, promovendo uma análise sistêmica do processo de aprendizagem do aluno que está em desenvolvimento.

O SUBJETIVO E O OPERACIONAL: UMA TRAMA NECESSÁRIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS.

Ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000, duas linhas teóricas da aprendizagem se destacaram no Brasil e foram difundidas em cursos de formação de professores, projetos pedagógicos e currículos oficiais: a construtivista e a cultural-histórica. Elas tiveram, respectivamente, como principais precursores Jean Piaget e Lev Vigotski. Ambas as teorias reconheceram a importância dos processos afetivos na aprendizagem. Enquanto o construtivismo destacou o afetivo como uma mola propulsora para a aprendizagem (Piaget, 2007), dando destaque à compreensão dos aspectos cognitivos e operacionais, sem propor uma integração entre o afetivo e o cognitivo, a psicologia cultural-histórica enfatizou a unidade entre esses dois processos, a partir de uma compreensão do psicológico mais integral e indissociável da cultura (Vigotski, 2010).

Mitjáns Martínez e González Rey (2012) destacam que

(...) na Psicologia Soviética é possível encontrar importantes antecedentes de uma visão sistêmica e dinâmica da mente que, pela influência do modelo dialético de pensamento que a influenciou, permitiu uma sensibilidade à ideia de sistema psíquico em desenvolvimento (Vygotsky, Rubinstein, Bozhovich) com independência de que, na tendência hegemônica daquela psicologia, o estudo das funções fora também dominante sobre o estudo do sistema (p.60).

Afirmar a articulação indissociável entre processos afetivos e cognitivos, bem como entre aspectos subjetivos e operacionais não significa diluí-los em seus processos de gênese e desenvolvimento, mas compreender que se desenvolvem por meio de unidades psicológicas pertencentes a sistemas complexos, que devem ser compreendidos em sua processualidade.

Essas duas vertentes teóricas, a cultural-histórica e a construtivista, tiveram diversos desdobramentos ao longo dos anos, muitos dos quais trouxeram substantivas contribuições para os campos da aprendizagem e do desenvolvimento humano em geral. Entre esses desdobramentos teóricos, destacam-se a Teoria da Subjetividade em uma perspectiva cultural-histórica de Fernando González Rey, que propõe uma nova definição ontológica do subjetivo, bem como fundamentos epistemológicos e metodológicos para compreendê-lo, e a teoria construtivista de Pozo e Gómez Crespo, que enfatiza aspectos cognitivo-operacionais do processo de aprendizagem em ciências.

Ainda que abordando alguns aspectos da proposta de Juan Ignácio Pozo e Miguel Gómez Crespo, trazidos por Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), este trabalho enfatizará contribuições da Teoria da Subjetividade para a discussão em pauta. Nesse sentido, ao longo do texto, abordaremos suas categorias centrais, a saber, subjetividade, sentidos subjetivos, configurações subjetivas e sujeito.

González Rey, em uma entrevista, afirmou que “(...) a subjetividade emerge quando a emoção passa a ser sensível aos registros simbólicos, permitindo ao homem uma produção sobre o mundo em que vive, e não simplesmente a adaptação a ele” (González Rey & Patiño Torres, 2017, p. 123, tradução nossa). A definição da subjetividade enquanto sistema simbólico-emocional (González Rey & Mitjáns Martínez, 2017) inaugura uma nova definição ontológica dos processos humanos, que permite avançar na compreensão de seu caráter gerador, não meramente assimilativo e reprodutivo. Essa definição tem amplos desdobramentos para a compreensão da aprendizagem, como será abordado adiante, para além da compreensão do próprio desenvolvimento humano, da saúde e dos processos sociais. Esse conceito de subjetividade considera a permanente inter-relação entre o individual e o social, bem como entre o histórico e o atual. Sua unidade mais básica é o sentido subjetivo, definido por González Rey (2011) como

(...) a unidade processual do simbólico e do emocional que emerge em toda a experiência humana, unidade essa onde a emergência de um dos processos que a integre sempre invoca o outro sem se converter em sua causa, gerando verdadeiras cadeias simbólico-emocionais que se organizam na configuração subjetiva da experiência (p. 31).

Ao considerarmos a dimensão subjetiva da aprendizagem em ciências, é importante destacar que os sentidos subjetivos que emergem no processo de aprendizagem são produzidos por configurações subjetivas organizadas em diferentes espaços e momentos do curso de vida do aprendiz, que tomam determinada configuração a depender da situação em que o indivíduo se insere e como ele se posiciona nesse processo. Essas configurações subjetivas historicamente organizadas em uma trajetória individual não determinam a aprendizagem, pois dela participam também os acontecimentos, as relações socioafetivas e outros processos da subjetividade social implicados na ação de aprender. Trata-se de dois tipos de configuração subjetiva permanentemente articulados na experiência humana (González Rey, 2011): as configurações subjetivas da personalidade e as configurações subjetivas da ação. Segundo Goulart e Mitjáns Martínez:

As configurações subjetivas da personalidade são mais estáveis e representam organizações de sentidos subjetivos constituídas de maneira mais marcante na história do indivíduo, expressando-se de forma mais constante na diversidade de espaços sociais integrados pela pessoa. Por outro lado, as configurações subjetivas da ação representam organizações de sentidos subjetivos que emergem no curso da ação dos indivíduos. Nelas, articulam-se sentidos subjetivos relacionados à história do indivíduo, ao curso atual da ação, à subjetividade social do contexto em que a ação se produz, bem como às relações que se estabelecem nesse contexto (Goulart & Mitjáns Martínez, no prelo)

Nessa perspectiva, o processo de aprendizagem faz parte de um sistema que envolve (1) sentidos subjetivos do aprendiz produzidos em diferentes espaços e tempos, que se articulam no curso da ação do aprender; (2) processos operacionais, que são fundamentais para a aquisição de conhecimentos específicos, (3) diversos processos simbólicos, que, embora tenham gênese subjetiva, são historicamente objetivados em determinada cultura; e (4) a situação concreta e o contexto sociorrelacional em que a aprendizagem ocorre.

É importante destacar que o simbólico não se resume ao cognitivo. “O simbólico se refere a todos aqueles processos que substituem, transformam, sintetizam, sistemas de realidades objetivas em realidades humanas que só são inteligíveis na cultura” (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017, p. 55). As ciências naturais ou a matemática, como construções culturais, se configuram por processos simbólicos, que são constituídos por signos, significados, mitos, linguagens etc. O número quatro, por exemplo, só existe dentro de um processo simbólico, que expressa a necessidade de uma cultura quantificar objetos constituintes do espaço, passando a ter um significado específico. Fora da cultura o número quatro não existe.

Enquanto o simbólico se identifica pelo caráter gerador da subjetividade humana, que é capaz de criações diversas no curso da existência, o cognitivo está mais restrito à capacidade de o ser humano se relacionar com a informação que vem do meio e ao seu processamento. Nesse sentido,

(...) à diferença do cognitivo, o simbólico é uma produção que expressa o caráter gerador da subjetividade e não apenas uma forma de conhecimento do existente, ou seja, do cognitivo como reflexo, ou como resultado do processamento de informação. Nos sentidos subjetivos, os processos simbólicos são inseparáveis dos emocionais, o que define que as produções subjetivas humanas não se reduzem à cognição (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017, p. 56).

Tomando como exemplo o aprendizado de ciências naturais no contexto escolar, podemos dizer que, ao falarmos sobre seres vivos, como os insetos, o aluno traz para o momento da sala de aula significados e sentidos subjetivos já produzidos anteriormente sobre insetos. Esses significados e sentidos subjetivos têm origem em diversos espaços de vivência que esse indivíduo teve ao longo de sua vida, expressando-se por meio da configuração subjetiva da ação de aprender no espaço escolar. Essas produções históricas farão parte do aprendizado sobre insetos, mobilizando eventualmente a curiosidade e o interesse sobre a temática. Entretanto, essa aprendizagem passará a ter contornos científicos, com definições específicas, categorizações em reino, filo, espécie e assim por diante, de acordo com suas características. Ao descrever as características de um inseto, entretanto, produções subjetivas relacionadas ao medo, nojo, admiração, paz, leveza, entre outros, podem surgir. Por isso, nenhuma aprendizagem se dá da mesma forma, pois os sentidos subjetivos produzidos na história de vida de um indivíduo são singulares. Assim, a configuração subjetiva da ação de aprender também é singular, de modo a variar entre indivíduos, contextos e situações.

O processo de aprendizagem se dá a partir dessas tramas, que, dentro de uma análise cuidadosa e complexa, explicita diferentes possibilidades, não um padrão único e idealizado como muitas vezes se assume, ainda que implicitamente. Neste texto, daremos destaque à aprendizagem escolar, espaço em que ocorre o ensino e a aprendizagem em ciências de forma sistematizada.

Tomando como base os conceitos trazidos pela Teoria da Subjetividade, refletiremos sobre os tipos de aprendizagem que têm sido identificados no contexto escolar. De acordo com a elaboração de Mitjáns Martínez e González Rey (2017), existem três formas básicas de expressão da aprendizagem escolar, que diferem entre si pelos processos que delas participam: a aprendizagem reprodutiva-memorística, a aprendizagem compreensiva e a aprendizagem criativa. O próximo tópico abordará esses tipos de aprendizagem em maiores detalhes, articulando-os à aprendizagem em ciências.

TIPOS DE APRENDIZAGEM NA TEORIA DA SUBJETIVIDADE E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Na aprendizagem escolar observamos processos específicos, diferentes dos processos de aprendizagem em outros ambientes, por ser um espaço formalmente orientado à aprendizagem, a partir de formas institucionalizadas de ensino, com objetivos específicos, determinados por um currículo a ser cumprido. Segundo Mitjáns Martínez e González Rey:

(...) a subjetividade social da escola organiza-se no devir de suas atividades cotidianas, nas formas de relação entre os professores, no funcionamento da organização escolar, no comportamento da comunidade em que a escola está inserida, nos diferentes grupos de alunos e suas formas de integração, em seu caráter de pública ou privada, nas relações professores-alunos, na relação escola-família dos alunos etc. (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017, p. 90)

Atualmente, cabe à escola um papel central no ensino e na aprendizagem do conhecimento produzido historicamente pela humanidade, apesar de a aprendizagem, de forma mais ampla, ocorrer também em outros espaços. Assim, a aprendizagem escolar é aquela que se dá no contexto escolar, geralmente por meio da transmissão e construção de conhecimentos científicos. Esses conhecimentos estão permeados de valores morais e culturais, incluindo, como já salientou Ariés (1981), a repressão e a disciplina. Vale ressaltar que, para além de favorecer a aquisição do conhecimento científico, aquele produzido pelas ciências dentro de uma determinada cultura, é papel da escola, também, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996), a formação do cidadão, que inclui o ensino de valores sociais que vão além dos conhecimentos científicos.

Assim, destaca-se no ambiente escolar a aprendizagem de conhecimentos, valores e comportamentos. Os processos de aprendizagem escolar têm sido abordados a partir de diferentes abordagens teóricas, com múltiplos desdobramentos na prática educativa (Tunes; Tacca & Mitjáns Martínez, 2006). No caso da Teoria da Subjetividade, diferentes linhas de pesquisa permitiram que Mitjáns Martínez (2012a, 2012b) elaborasse um modelo teórico que define três tipos de aprendizagem escolar: (1) a aprendizagem reprodutiva-memorística, (2) a aprendizagem compreensiva e (3) a aprendizagem criativa.

Para Mitjáns Martínez e González Rey, a aprendizagem reprodutiva-memorística:

(...) caracteriza-se essencialmente por uma postura passiva do aprendiz em relação ao conhecimento, com predomínio de operações de assimilação mecânica dos conteúdos, em que as funções mnêmicas ocupam um lugar central. Sem uma compreensão real da essência do estudado, o aprendiz tem dificuldade para utilizar esse conhecimento em situações novas e “esquece” o aprendido com relativa facilidade. Esse tipo de aprendizagem caracteriza-se pela falta de interesse do aluno pelo que aprende e pela desvinculação da aprendizagem com sua vida pessoal (Mitjans Martínez & González Rey, 2017, p. 62).

Nesse tipo de aprendizagem, não estão presentes as condições de agente ou sujeito do processo de aprender, apesar de essas condições poderem se expressar no contexto escolar em uma via diferente da aprendizagem, como já explicado em trabalho anterior (Medeiros, 2018). Ou seja, o aluno pode não emergir como agente ou sujeito da aprendizagem, mas ser agente ou sujeito em outros espaços sociais normativos da instituição escolar, criando vias próprias de subjetivação para lidar com situações impostas pela instituição escolar - um espaço que trabalha não apenas com o conhecimento científico, mas também com valores, regras etc.

González Rey e Mitjáns Martínez (2017) fazem uma diferenciação entre os conceitos de agente e sujeito:

O agente, à diferença do sujeito, seria o indivíduo - ou grupo social - situado no devir dos acontecimentos no campo atual de suas experiências; uma pessoa ou grupo que toma decisões cotidianas, pensa, gosta ou não do que lhe acontece, o que de fato lhe dá uma participação nesse transcurso. (González Rey & Mitjáns Martínez, 2017, p. 73)

Nessa perspectiva, o agente implica uma participação ativa dentro de um contexto social normativo, o que pode abrir novos caminhos de vida. Porém, emergir como agente em uma situação específica não implica a geração de caminhos alternativos de subjetivação em relação a esse espaço normativo social, ainda que possa ser um caminho para isso. Segundo os autores: “Por sua vez, o conceito de sujeito representa aquele que abre uma via própria de subjetivação, que transcende o espaço social normativo dentro do qual suas experiências acontecem, exercendo opções criativas no decorrer delas, que podem ou não se expressar na ação” (González Rey & Mitjáns Martínez, 2017, p. 73).

Como fica evidente, o conceito de sujeito não se remete a qualquer forma de individualismo ou pressuposto de controle racional, mas à capacidade de opções imprevisíveis, de ruptura e ação criativa. Os processos de emergência tanto do agente quanto do sujeito são favorecedores do desenvolvimento subjetivo, isto é, do desenvolvimento de novos recursos subjetivos implicados em mudanças qualitativas em diversas áreas da vida, que geram ao indivíduo ou a um grupo social um envolvimento cada vez mais profundo na área em que a configuração subjetiva do desenvolvimento se organiza (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017). A condição de agente ou sujeito da aprendizagem depende de uma ação sobre o objeto de conhecimento situado no espaço social normativo da aprendizagem em questão. Esse processo mobiliza não apenas aspectos cognitivos, operacionais, mas sentidos subjetivos configurados em outros espaços de vida do aprendiz. Nesse sentido, os processos de subjetivação implicados na aprendizagem escolar podem, também, mobilizar e gerar diversos desdobramentos na subjetividade individual do aprendiz, podendo culminar em processos de desenvolvimento subjetivo.

Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022) destacam que o ensino de ciências esteve historicamente focado em processos memorísticos e reprodutivos, caracterizando uma ênfase no que Mitjáns Martínes e González Rey (2017) chamam de aprendizagem reprodutiva-memorística. Para explicar os processos de ensino e aprendizagem, além dos aspectos relacionados às dificuldades de aprendizagem de ciências, Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022) destacam que Pozo e Gómez Crespo classificam o processo de aprendizagem de conteúdos de ciências em três tipos: os atitudinais, procedimentais e conceituais. Esses três tipos de conteúdo caracterizam-se por diferentes tipos de situações e ações dos alunos com o conhecimento de ciências. Assim, os processos de aprendizagem parecem ser diferentes em cada tipo de conteúdo. Nessa perspectiva, faremos aqui uma articulação inicial entre os tipos de conteúdo destacados no trabalho de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), baseados na teoria de Pozo e Gómez Crespo, e os tipos de aprendizagem de Mitjáns Martínez e González Rey (2017).

Segundo Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), “(o)s conteúdos atitudinais incluem as normas, os comportamentos e os valores” (p. 11). Nessa perspectiva, destacam que as dificuldades de aprendizagem de atitudes científicas decorrem da visão positivista e estática da ciência, o conhecimento tido como algo acabado, obtido por meio de aprendizagem repetitiva. Além disso, salientam a falta de relação entre a ciência e o meio social. É possível pensar que a não aprendizagem de conteúdos atitudinais decorre de um processo de ensino que favorece a aprendizagem reprodutiva-memorística (Mitjáns Martínez e González Rey, 2017), em que a aprendizagem está desvinculada da vida pessoal do estudante e dos aspectos sociais com os quais está envolvido. Outras características que fazem parte da aprendizagem de conteúdos atitudinais em ciências está em

(...) buscar o significado e o sentido do que está sendo aprendido (enfoque profundo), interessar-se pela ciência e valorizá-la como algo digno de esforço, gerar um autoconceito positivo em relação à ciência, acreditar em sua capacidade de aprender, assumir a ciência como opção possível em seu futuro acadêmico e pessoal, cooperar com os colegas e com o professor, ajudando-os, quando enfrentam dificuldades. Entre as atitudes que dizem respeito às implicações sociais da ciência, recomendaram adotar posições que enfatizem os usos sociais da ciência e suas consequências, valorizar problemas que relacionam ciência e mudança social, com suas implicações não apenas ideológicas, mas também referentes a hábitos de conduta (Alves, Parente, Bezerra & Bezerra, 2022, p. 12).

Ou seja, o que Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022) apresentam da teoria de Pozo e Gómez Crespo vai ao encontro das contribuições a partir da Teoria da Subjetividade no que se refere ao processo de aprendizagem escolar, pois destacam como possibilidade da não aprendizagem em ciências o foco na reprodução e memorização de conteúdos, o que não dá conta da aprendizagem de conteúdos atitudinais, que poderia ser favorecida, à luz da Teoria da Subjetividade, por uma aprendizagem compreensiva ou criativa.

Para Mitjáns Martínez e González Rey (2017), a aprendizagem compreensiva pressupõe uma postura ativa do aprendiz em relação ao conhecimento, que tenta entender a essência do conhecimento e suas relações com outros conhecimentos ou experiências vividas. “As operações reflexivas ocupam lugar central e o aprendiz, em função do grau de compreensão atingido, pode utilizar o aprendido em situações diferentes daquelas sobre as quais se apoiou sua aprendizagem” (p. 62). A aprendizagem de conteúdos atitudinais exige do aprendiz um caráter ativo, caracterizado por um indivíduo que é agente ou sujeito de sua aprendizagem, que consegue relacionar o conteúdo aprendido com outras situações e conhecimentos. Esse aprendiz consegue refletir sobre o conhecimento, fazer análises a partir das informações dadas, é um estudante que a partir da experiência da sala de aula, é capaz de produzir novos sentidos subjetivos, que possibilitará a emergência de configurações subjetivas que facilitarão processos que poderão contribuir para uma mudança social a partir do conhecimento produzido pelo estudante nas experiências de sala de aula com a ciência.

Na perspectiva da Teoria da Subjetividade, quando se fala em processos de aprendizagem compreensiva e criativa, considera-se os processos cognitivos e operacionais, mas eles se articulam com a subjetividade, de forma que os processos subjetivos passam a ser parte também do desenvolvimento dos recursos operacionais. Segundo Mitjáns Martínez e González Rey (2017, p. 63): “Em ambas as formas (aprendizagem compreensiva e criativa) a aprendizagem se configura subjetivamente no curso do processo de aprender, permitindo afirmar seu caráter subjetivo”.

Para favorecer o desenvolvimento de processos operacionais, no que se refere às aprendizagens escolares de ciências, é importante que o estudante faça interpretações e leituras sobre o conhecimento a ser trabalhado. Esse processo se relaciona às experiências que esse estudante teve na sua história de vida, por meio da produção de sentidos subjetivos que se configurarão de determinada forma no processo de aprendizagem. Isso está na base de diferentes interesses, questionamentos, interpretações e visões sobre determinado tema aprendido, uma vez que as subjetividades diferem de indivíduo para indivíduo. Assim, no processo de aprendizagem, emergem produções subjetivas diversas, se articularão à gênese ou às dificuldades de desenvolvimento dos processos operacionais. Essas produções subjetivas podem promover a aprendizagem de conteúdos atitudinais, favorecendo um posicionamento ativo em relação ao conhecimento trabalhado pelo professor e experienciado pelos indivíduos que participam desse processo.

Já os conteúdos procedimentais, segundo Pozo e Gómez Crespo, são ensinados como se fossem conteúdos conceituais, levando frequentemente à não aprendizagem, por trabalhar o saber fazer como saber dizer (relacionado à memória), por dar ênfase ao fazer ciência em detrimento do aprender ciência, bem como ao uso de tarefas rotineiras como exercícios, que priorizam o conhecimento técnico (em texto de Alves; Parente; Bezerra & Bezerra, 2022). Aqui, fica nítido que também a aprendizagem dos conteúdos procedimentais poderia ser favorecida se a aprendizagem compreensiva fosse enfatizada. Com efeito, o foco em processos memorísticos no processo de ensino e aprendizagem leva, com muita frequência, a uma aprendizagem que não implica subjetivamente o aprendiz, ou à incapacidade de aprender conteúdos procedimentais, ficando apenas no conhecimento memorizado.

Para Mitjáns Martínez e González Rey (2012, p. 61), “as formas complexas de aprendizagem implicam o aluno em seu caráter ativo, intencional e emocional. Além de compreendê-las como expressão de processos cognitivos e afetivos que se articulam, as compreendemos como expressão da subjetividade como sistema”. A aprendizagem dos conteúdos procedimentais pressupõe o uso da técnica em ciências, de modo que o aluno, se alcançados os objetivos de ensino e aprendizagem, deve “saber usar o conhecimento científico de forma técnica e estratégica” (Alves, Parente, Bezerra & Bezerra, 2022, p. 12). Isso pressupõe não apenas um processo de reflexão sobre o conteúdo aprendido, mas também do contexto e da situação, características presentes na aprendizagem compreensiva, pela organização de configurações subjetivas da ação que expressam um caráter ativo do estudante. Nesse processo, o aluno consegue construir relações entre o conteúdo científico e o contexto em que está a situação a ser resolvida, desenvolvida ou trabalhada.

É nesse processo que observamos a articulação entre os processos operacionais, relacionados à técnica científica, quando falamos em conteúdo procedimental em ciências, e a subjetividade, em que processos cognitivos se expressam de forma indissociável dos sentidos subjetivos produzidos nesse processo. A configuração subjetiva da ação de aprender, neste caso, pressupõe um agente ou sujeito, de forma a expressar certo posicionamento na resolução da situação. Esse processo pressupõe recursos subjetivos para além da cognição, como autoconfiança, processos imaginativos, curiosidade e capacidade de fazer escolhas - algo que transcende em grande medida uma operação centrada na reprodução de algo memorizado.

O processo reflexivo e ativo na aprendizagem pode levar ao terceiro tipo de aprendizagem definido por Mitjáns Martínez (2012a, 2012b) como aprendizagem criativa. Esse tipo de aprendizagem é definido “pela geração de ideias próprias sobre o estudado, ideias que, ao transcender o dado, expressam a novidade como característica essencial da criatividade” (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017, p. 62-63). A aprendizagem criativa implica uma apropriação compreensiva da informação, mas vai além desse processo confrontando e gerando um produto novo que transcende o conteúdo apresentado.

Segundo Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), “(o)s conteúdos procedimentais relativos ao aprender ciência incluem, entre outros, aqueles relacionados ao coletar informações, elaborar ou interpretar dados, analisar e fazer inferências, compreender e organizar informações e comunicar conhecimentos” (p. 13). É possível pensar que a aquisição desses conteúdos seria facilitada em um processo de ensino que considerasse a dimensão subjetiva da aprendizagem, por meio do favorecimento da aprendizagem compreensiva e criativa.

O último tipo de conteúdo trazido por Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), a partir de Pozo e Gómez Crespo, são os conteúdos conceituais, que se dividem em três tipos: “fatos ou dados, conceitos e princípios. Segundo os autores, a aprendizagem de ciências é impossível quando não se dispõe de dados e infrutífera quando eles não são compreendidos” (p. 13). Novamente, trazemos o conceito de aprendizagem compreensiva (Mitjáns Martinez & González Rey, 2017). Para que os conteúdos conceituais sejam aprendidos, é necessário o caráter ativo e intencional do aluno (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017), em que diferentes sentidos subjetivos são mobilizados e se configuram no contexto da aprendizagem. Para Mitjáns Martínez e González Rey (2012, p. 62), “são os sentidos subjetivos mobilizados na ação de aprender os que permitem compreender a qualidade da aprendizagem”, pois eles permitem a produção de novas configurações subjetivas que podem estar na base de processos de desenvolvimento subjetivo do aluno. É importante destacar que os sentidos subjetivos produzidos no processo de aprender podem ser facilitadores ou dificultadores da aprendizagem. Particular importância nesse processo tem a qualidade da relação estabelecida entre os atores desse processo.

Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022) argumentam de forma pertinente que

(n)a aprendizagem de conceitos como se fossem fatos, predomina a aprendizagem repetitiva e a desconexão dos conceitos com os princípios que estruturam o conhecimento. A superação dessa dificuldade depende de compreender que os fatos são um meio para aprender conceitos e, portanto, sua introdução no currículo deveria levar em consideração a sua potencialidade para servir de base para a aprendizagem de conceitos específicos variados (p. 14).

Ressalta-se, assim, a importância de estratégias de ensino e aprendizagem variadas implicados nesse processo, como as apresentadas por Mitjáns Martínez e González Rey (2012): (1) estratégias de autorregulação, relacionadas à gestão pessoal; (2) estratégias cognitivas, responsáveis por codificar, armazenar e recuperar a informação do material de estudo; (3) estratégias motivacionais, que permitem manter o clima emocional positivo e; (4) estratégias de gestão de recursos, utilizadas para otimizar o processo de aprendizagem, gerenciando os diferentes recursos disponíveis. Tais estratégias podem favorecer processos de aprendizagem compreensiva e criativa, por terem como foco o caráter ativo do aluno. Pesquisas de Mitjáns Martínez e González Rey (2012) mostraram que alunos criativos nem sempre aprendem criativamente, o que demanda reflexão sobre as estratégias favorecedoras desse processo nas instituições de ensino.

Em trabalho publicado anteriormente, foi argumentado que

a produção de esquema para resolução de atividades matemáticas se mostrou como uma produção subjetiva no momento em que as representações das crianças sobre as situações dadas nas atividades matemáticas estão intimamente relacionadas com a produção simbólico-emocional (Medeiros, 2018, p. 231).

Ao mesmo tempo que mobiliza conceitos em ação para a produção de esquemas para a resolução de uma situação, a criança também mobiliza sentidos subjetivos implicados na ação. Assim, os tipos de aprendizagem compreensiva e criativa estão relacionados com a produção de conceitos em ação (Vergnaud, 2014), que vai além de uma produção memorística, pois se estabelece na mobilidade de conceitos dada pela situação, em um momento em que o aluno está ativo no seu processo de aprendizagem, pois consegue mobilizar estratégias para resolver situações em diferentes contextos, não apenas naquele que foi aprendido. As estratégias de ensino e aprendizagem que mobilizam conceitos nessa via aparecem aqui com destaque, favorecendo a emersão de agentes e sujeitos da aprendizagem.

Destaca-se, assim, a importância dos tipos de aprendizagem compreensiva e criativa para a aprendizagem de conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais (Alves, Parente, Bezerra & Bezerra, 2022), que, por suas características, exigem alto grau de reflexão, mobilização de conceitos e ação em relação ao conhecimento e à situação em questão. Vale destacar a importância do processo de memorização, que tem uma forte ligação com os processos cognitivos, pois este permitirá a organização dos esquemas e estratégias necessárias para lidar com determinada situação. Esse processo deve estar articulado, entretanto, aos processos reflexivos, de raciocínio e motivação, essenciais para a resolução de situações-problema, que são indissociáveis da subjetividade humana.

Para Vergnaud (2014), a formação de conceitos depende da situação em que o indivíduo está inserido, o que é mais uma expressão da articulação entre o operacional e o subjetivo, já que a organização dos conceitos já formados dependerá da trajetória singular de aprendizagem do indivíduo. Na análise de uma situação, emergem sentidos subjetivos relacionados a essa trajetória. Caso não haja conceitos já formados para resolver essa situação, novos conceitos deverão ser formados a partir do processo de raciocínio e reflexão, traçando novas estratégias de resolução, aliado a um processo de busca, por meio de pesquisas e estudos, que pode ser oportunizado pelo professor com suas estratégias de ensino. Nesse sentido, a qualidade das experiências proporcionadas pelo professor em sala de aula poderá facilitar uma aprendizagem compreensiva ou criativa que dê conta da aprendizagem de conceitos atitudinais, procedimentais e conceituais.

Alves, Parente, Bezerra & Bezerra (2022) trouxeram de forma inaugural a importância da articulação entre os modelos teóricos construídos a partir da Teoria da Subjetividade e do Construtivismo, para avançar em um modelo teórico sobre a superação das dificuldades de aprendizagem escolar em ciências. Este artigo dedicou-se a discutir algumas nuances dessa aproximação, que, seguramente, devem ser enriquecidas por pesquisas e novas teorizações para avançar nesse promissor caminho teórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, neste trabalho, promover algumas reflexões acerca da possível articulação entre os processos subjetivos e operacionais na aprendizagem em ciências. Nesse processo, procuramos abordar possíveis articulações entre os tipos de aprendizagem trazidos por Mitjáns Martínez e González Rey (2017) e os tipos de conteúdo elaborados por Pozo e Crespo, tendo como base o trabalho inaugural de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), que apresenta e relaciona essas abordagens.

Mais do que um comentário crítico a respeito dessa aproximação feita pelos autores, este texto teve como foco discutir algumas nuances dessa aproximação construída por eles, enfatizando as contribuições da Teoria da Subjetividade, sobretudo, a partir dos trabalhos de Mitjáns Martínez e González Rey. O artigo de Alves, Parente, Bezerra e Bezerra (2022), ao apresentar esses dois modelos teóricos e lançar desafios para a pesquisa sobre aprendizagem em ciência, aponta para caminhos investigativos potentes e que merecem continuidade. Avançar na articulação complexa entre o subjetivo e o operacional nos parece uma via potente para superar uma visão estreita da díade ensino e aprendizagem, considerando as tramas complexas individuais e sociais que se configuram no campo da educação. Trata-se de um esforço coletivo, que, esperamos, siga sendo construído a partir de frutíferos diálogos como este.

AGRADECIMENTO

O CECIMIG agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela verba para editoração deste artigo.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 01 de Abril de 2022; Aceito: 06 de Junho de 2022

Contato: Faculdade UnB Planaltina, Área Universitária 1 | Vila Nossa Senhora de Fátima, Planaltina - DF | Brasil, CEP 73.345-010,

Contato: Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais - CECIMIG, Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais, revistaepec@gmail.com

Amanda Marina Andrade Medeiros - Doutora em Educação, Professora Adjunta da Faculdade UnB Planaltina, da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Integrante do Grupo de Investigação em Educação Matemática - GIEM/UnB. E-mail: amandamedeiros@unb.br

Daniel Magalhães Goulart - Doutor em Educação, Professor do Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil. Integrante do Grupo “Aprendizagem, escolarização e desenvolvimento humano”.E-mail: danielgoulartbr@gmail.com

Editor responsável: Editores Paula Mendonça & Luiz Gustavo Franco

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