INTRODUÇÃO

Discutir temáticas voltadas aos Direitos Humanos (DH) na formação docentes de Ciências é algo que consideramos como fundamental no contexto social em que vivemos, pois observamos diariamente, na sociedade brasileira, muitas injustiças sociais, entre elas: pessoas vivendo em situações precárias e sem moradia adequada, violação aos direitos das crianças e adolescentes, como os direitos de serem bem cuidados e preservados de todo e qualquer tipo de violência, de obter atendimentos relacionados à saúde, à educação, à convivência familiar e outros. Muitas vezes, constata-se a violência nas diferentes instituições sociais, inclusive nas escolas, devido à falta de tolerância e respeito às diferenças, às diversas formas de pensar, de se posicionar e de se comportar (^{Assis, Constantino; Avanci, 2010}).

A articulação entre Direitos Humanos e o Ensino de Ciências já vem sendo discutida na comunidade acadêmica (^{Oliveira; Queiroz, 2017}, ^2017a, ²⁰¹⁹, ²⁰²¹; ^{Reis; Pinheiro, 2017}; ^{Pinheiro; Rosa; Conceição, 2019}; ^{Teixeira; Oliveira; Queiroz, 2019}; ^{Oliveira; Queiroz, 2021}), principalmente pelo fato de os conteúdos dessa área do conhecimento fazerem interface com temáticas relacionadas aos Direitos Humanos, como, por exemplo, as questões étnico-raciais, os cuidados e preservação em relação ao meio ambiente, as relações de gênero, diversidade sexual, bullying, entre outras (^{Bonfim; Guimarães, 2020}).

Consideramos que algumas dessas temáticas passaram a ser contempladas nas pesquisas em Ensino de Ciências (^{Moreira, 2011}; ^{Moreira et al., 2013}; ^{Benite et al., 2018}; Pinheiro, 2018; Carvalho et al., 2019; Silva; ^{Pinheiro, 2019}), tanto pela urgência social dessas discussões no âmbito educacional, como também diante dos marcos históricos da implementação das leis: Lei n^o.9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências, Lei 10.639/2003 (modificada pela lei 11.645/2008) que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (e indígena) nos currículos da Educação Básica (Benite et al., 2020), que em decorrência da sua promulgação, foi criado o parecer CNE/CP 003/04 que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (^{MEC, 2004}).

A Educação em Direitos Humanos (EDH) foi estabelecida oficialmente por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação em Direitos Humanos (^{MEC, 2012}), tendo como base as discussões relativas aos Programas Nacionais de Direitos Humanos (MEC, 2003) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (^{MEC, 2007}). Essas diretrizes preconizam que a EDH tenha como foco principal “desenvolver a sensibilidade ética nas relações interpessoais, em que cada indivíduo seja capaz de perceber o outro em sua condição humana”. Além disso, salientam uma educação que busque “a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida” (^{MEC, 2012}, p.10). Portanto, compreendemos que a EDH não pode ficar restrita ao repasse de conteúdos, mas que se deve criar espaços de reflexão sobre as temáticas que se articulam com esses direitos. Nesse sentido, o Ensino de Ciências pode promover essa articulação por meio de conteúdos cordiais “por se preocuparem com o humano, com a humanidade, com as questões sociais em seus vários aspectos, com as relações étnico-raciais, com os gêneros, com todas aquelas reticências, e etecéteras esquecidas da nossa sociedade” (^{Oliveira; Queiroz, 2017}a, p. xv).

Em 2015, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos profissionais do magistério da Educação Básica e Superior (^{MEC, 2015}), validaram a necessidade do comprometimento dos docentes da educação básica com a Educação em Direitos Humanos, defendendo que essa demanda se configura como uma estratégia na formação desses profissionais e na ação educativa. A Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (^{MEC, 2019}) e a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (^{MEC, 2020}) também destacam, como um dos princípios pedagógicos na formação de docentes, o desenvolvimento de “[…] competências, habilidades, valores e formas de conduta que respeitam e valorizem a diversidade, os direitos humanos, a democracia e a pluralidade de ideias” (^{MEC, 2019}, p. 4; ^{MEC, 2020}, p. 5).

^{Oliveira e Queiroz (2016}, p. 79) consideram “que a Educação em Direitos Humanos seja capaz de fornecer uma base ética para que, ao compreender os conteúdos de Ciências em seu contexto social, econômico e cultural, o estudante consiga posicionar-se como cidadão”. Além disso, complementam que a Educação em Direitos Humanos, associada à Educação em Ciências, busca formar para os valores de “Tolerância e Diálogo”, no sentido de dar “voz aos subalternizados, resgatar memórias e desconstruir uma visão naturalizadora das violações de direitos” (^{Oliveira; Queiroz, 2016}, p. 90).

Portanto, discutir os Direitos Humanos na formação de docentes de Ciências é uma urgência social, a fim de formar profissionais que compreendam a importância dessa temática, e que possam defendê-la e desenvolvê-la a partir dos conteúdos de Ciências Naturais, articulando com as problemáticas sociais presentes no contexto brasileiro. Nesse sentido, apresentamos o problema de pesquisa deste artigo: Como as pesquisas nacionais têm relacionado as discussões voltadas para a formação de docentes de Ciências e os Direitos Humanos? Para isso, foi realizada uma revisão de literatura que ocorreu por meio do levantamento das produções acadêmicas em periódicos nacionais relacionadas ao Ensino de Ciências.

ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A revisão bibliográfica ocorreu por meio da pesquisa das produções acadêmicas relacionadas ao Ensino de Ciências Naturais e Direitos Humanos, a partir da seleção de periódicos do Qualis da Capes¹, referentes aos estratos A1, A2 e B1 (Quadriênio 2013 - 2016).

Os artigos incluídos para a realização da pesquisa foram aqueles publicados no período de 2013 a 2018. Optamos por iniciar a pesquisa no ano de 2013, devido ao fato de o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos ter sido publicado no ano de 2012, o que consideramos algo importante para a delimitação da data. A finalização ocorreu em 2018, porque o levantamento e as análises dos trabalhos ocorreram no ano de 2019, sendo, portanto, o ano anterior a este estudo.

Para realizar a seleção dos artigos que interessavam para esta pesquisa e que estavam de acordo com o objetivo da investigação, qual seja, analisar como as produções acadêmicas nacionais têm relacionado a formação de docentes de Ciências da Natureza e Direitos Humanos, foram lidos primeiramente o título e o resumo dos artigos. Essa estratégia inicial teve como propósito refinar a amostra por meio de critérios de exclusão. O primeiro critério utilizado de exclusão referiu-se ao artigo tratar sobre o Ensino de Ciências Naturais e sobre temáticas que fazem articulação com Direitos Humanos. O segundo critério estava relacionado aos artigos tratarem de questões educacionais da realidade brasileira, já que o objetivo da pesquisa se refere ao Brasil. O terceiro critério referiu-se aos artigos terem como cerne a formação docente.

Levando em conta o primeiro critério de seleção, os artigos que tratavam de temáticas de Direitos Humanos, mas não faziam alusão ao Ensino de Ciências Naturais, foram descartados da pesquisa. A partir dessa primeira exclusão, identificamos 22 (vinte e dois) periódicos que continham artigos que faziam a relação do Ensino de Ciências com temáticas voltadas para Direitos Humanos e 68 (sessenta e oito) produções acadêmicas, conforme especificado no Quadro 1.

Fonte: As autoras.

Quadro 1 Artigos relacionados ao Ensino de Ciências e Direitos Humanos 

A partir do segundo critério de exclusão, referente às pesquisas serem do contexto brasileiro, descartamos a Revista Cultural Studies of Science Education, a qual continha 18 (dezoito) artigos, mas todos se referiam a pesquisas em outros países. Também rejeitamos os artigos: Chemistry Education for Sustainability: Assessing the chemistry curricula at Cardiff University (Lozano; Watson, 2013), da Revista Educação Química, que discute um estudo do currículo do Curso de Química de Universidade de Cardiff, e não da realidade brasileira; o artigo Concepciones sobre ciência y gênero em el professorado de química: aproximações desde un estúdio colectivo de casos (González, 2013), da Revista Ciência & Educação, que trata de um curso de formação continuada na cidade de Santiago de Chile; e o artigo Las ciências naturales escolares y la fabricación del ciudadano católico em Colombia (Peñaloza; Valero, 2016), da Revista Unisinos, o qual trata de um estudo de manuais escolares da Colômbia. Nesse sentido, foram selecionados 47 (quarenta e sete) artigos.

Em relação aos 47 (quarenta e sete) artigos selecionados, de acordo com a Tabela 1, 17 (dezessete) investigações tinham como foco as práticas docentes ou intervenções pedagógicas pontuais, sendo que 12 (doze) trabalhos tratavam da formação de docentes, tanto a inicial como a continuada. Dos 12 (doze), três pesquisas destacavam os dois tipos de formação; oito trabalhos tinham como cerne as concepções, compreensões ou representações docentes em relação a uma determinada temática sem estar vinculada a uma ação intencional de formação; seis pesquisas tiveram como foco a análise de produções acadêmicas; e quatro trabalhos destacavam a análise de livros didáticos.

Para cumprir o terceiro critério de exclusão e para atingir o objetivo dessa revisão bibliográfica, foram excluídos os artigos que não tratavam sobre a formação de docentes. Assim, dos 47 (quarenta e sete) artigos selecionados, apenas 12 (doze) produções tratavam especificamente da formação de docentes de Ciências e Direitos Humanos, ou temáticas afins, conforme (Quadro 2).

Fonte: As autoras

Quadro 2 Pesquisas relacionadas à Formação de Docentes de Ciências e Direitos Humanos 

Após a seleção do material, foi realizada uma análise das tendências de pesquisa, tendo como base alguns descritores, a saber: 1) o contexto da pesquisa, 2) o foco da investigação, 3) desenvolvimento das ações; e 4) resultados e considerações.

No contexto da pesquisa foi considerado se a pesquisa foi realizada na formação inicial ou continuada, quais componentes curriculares foram investigados e os níveis de modalidade de ensino.

No descritor foco da investigação, procuramos identificar qual a perspectiva de investigação, como: levantamento de concepções, desenvolvimento e análise de propostas ou curso de formação, análise de materiais produzidos por licenciandos ou docentes.

No desenvolvimento da pesquisa, buscamos analisar os conteúdos discutidos e as atividades que foram desenvolvidas, no caso das pesquisas que envolviam propostas de cursos de formação ou extensão; e na análise dos PPCs as questões consideradas para análise.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

FOCO DAS INVESTIGAÇÕES

Identificamos que três trabalhos (AT1, AT2, AT3) tinham como foco a análise de Projeto Pedagógico de Cursos (PPC) de Licenciaturas (Quadro 3). Destes, um trabalho estava relacionado à presença da Educação Ambiental (AT1) em um curso de licenciatura em Ciências Biológicas da UEM. O segundo trabalho buscava a presença de discussões sobre Sustentabilidade socioambiental (AT2) nos cursos de Licenciatura em Matemática, Física, Química, Ciências Agrícolas e Pedagogia; e o terceiro tinha o propósito de identificar a existência de disciplinas que tratassem sobre Corpo, gênero, sexualidade, raça e etnia (AT3) nos PPC’s de Licenciaturas em Física, Letras, Matemática, Química, Música, Ciências Exatas, Ciências da Natureza, Educação do Campo, História, Pedagogia e Ciências Biológicas da Unipampa.

Fonte: As autoras.

Quadro 3 Foco das investigações identificados nas pesquisas 

Destacamos, também, que foram identificados dois trabalhos que buscaram analisar os impactos de cursos de extensão para a formação de estudantes de licenciaturas (AT7), bem como para docentes já atuantes na área (AT4). Um dos trabalhos selecionados analisou as representações discursivas de Educação Ambiental (AT7) produzidas no contexto de dois projetos de extensão, em um Instituto de Biologia da Instituição de Ensino Superior investigada enquanto o outro trabalho procurou identificar como a Etnobiologia (AT4) pode contribuir para a formação de docentes de Ciências que seja sensível à diversidade cultural.

Os trabalhos AT8 e AT9 tiveram como foco as representações ou concepções dos/as licenciados/as. O primeiro (AT8) tinha como propósito analisar as representações sociais de Meio ambiente de licenciados/as da Universidade do Estado do Pará, campos Altamira, estabelecendo um comparativo entre os diferentes cursos (Ciências Biológicas, Química, Matemática e Educação Física). O artigo AT9 avaliou as concepções sobre Sexualidade de licenciandos/as de uma instituição federal de ensino localizada no estado de Goiás, e a relação destas concepções com a idade, o sexo e o curso dos estudantes. Os cursos investigados foram Ciências Biológicas, Química e Matemática.

Um dos artigos (AT6) teve como foco as contribuições do PIBID na formação inicial crítica e reflexiva dos licenciados em Ciências Biológicas (AT6) e para a formação continuada do docente da escola envolvida no processo, sendo que a temática central discutida nessa pesquisa foi sexualidade.

Dois artigos (AT5 e AT10) abordaram a organização de uma disciplina voltada para a Educação em Direitos Humanos para estudantes de Biologia e Química. No primeiro (AT5), os autores discutem a organização e implementação da disciplina, e no segundo (AT10) analisam como os licenciados que participaram da disciplina desenvolvida em uma perspectiva da Educação em Direitos Humanos, (re)elaboram os conteúdos em seus planejamentos de ensino-aprendizagem.

O artigo AT11 apresenta um relato de experiência, pois descreve o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Docentes e Práticas Pedagógicas em Ensino de Ciências e Educação Ambiental, no âmbito do ensino, pesquisa e extensão, em que participam alunos de pós-graduação, graduação de duas instituições de ensino superior paulistas e docentes da educação básica.

Verificamos que apenas um trabalho (AT12) teve como foco a revisão da literatura, com a análise de produções acadêmicas voltadas para a formação de docentes relacionadas à Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade e à Educação Ambiental.

DESENVOLVIMENTO DAS PESQUISAS

A partir das análises dos artigos, identificamos que o conteúdo mais discutido nos trabalhos de pesquisa relacionados à formação de docentes, tanto inicial como continuada (Tabela 4), foi Educação Ambiental, um total de seis trabalhos (AT1, AT3, AT7, AT8, AT11, AT12), ou seja, a metade das produções analisadas. Identificamos um artigo referente à temática gênero, sexualidade, raça e etnia (AT2); e outro que se refere à sexualidade como a temática central (AT6), o terceiro que se relaciona às discussões sobre homossexualidade (AT9). Dois artigos tratam especificamente sobre Direitos Humanos (AT5, AT10) e um trabalho tem como foco a Diversidade Cultural (AT4).

Consideramos que a Educação Ambiental tenha aparecido nos trabalhos pelo fato dessa temática ser amplamente investigada e discutida por pesquisadores com interesse na abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade (^{Santos, 2007}) e Educação Ambiental em uma perspectiva crítica (^{Watanabe-Caramello; Kawamura, 2014}) e no ensino de Ciências, que tem como um de seus objetivos promover a alfabetização e o letramento científicos visando a formação para a cidadania.

A temática gênero, sexo e sexualidade na formação de docentes de Ciências foi identificada em três produções, o que consideramos insuficiente, tendo em vista que esse tema está diretamente relacionado aos conteúdos de Ciências no ensino fundamental I e II e de Biologia no ensino médio. Portanto, um conteúdo presente no currículo da educação básica, que poder ser articulado aos conceitos de identidade de gênero, expressão e equidade de gênero, preconceito e discriminação, empoderamento feminino, entre outros. Conceitos extremamente relevantes e que precisam ser problematizados e discutidos na formação de docentes de Ciências.

Outros conceitos que precisam ser explorados quando se pretende discutir a temática relações-étnicos raciais articuladas aos DH são os conceitos de: identidade negra, raça, etnia, racismo etnocentrismo, preconceito e discriminação racial, entre outros. Para o trabalho com essa temática é necessário o conhecimento de diversas culturas, que muitas vezes não é considerado no currículo.

A temática Direitos Humanos relacionada diretamente à formação de docentes de Ciências apareceu em apenas dois trabalhos, no período considerado, demonstrando que esse é um campo de pesquisa ainda em construção, e que precisa ser mais explorado pelos pesquisadores do ensino de Ciências. Talvez por ter se tornado, recentemente, um tema obrigatório na formação de docentes, ainda não existam muitos estudos sobre experiências nos processos formativos de docentes de Ciências, que possam ser relatados e discutidos nos periódicos acadêmicos, pelo menos no universo de revistas analisado.

Verificamos também que a temática Bullying não foi explorada, mas consideramos que poderia estar articulada às temáticas sobre relações étnicos raciais e gênero, sexo e sexualidade.

Em relação às atividades desenvolvidas nas pesquisas referentes à análise dos PPC de diferentes licenciaturas, verificou-se que foram analisados: a ementa, os objetivos e os conteúdos trabalhados nos cursos, referentes às temáticas Educação Ambiental (AT1), Corpo, gênero, sexualidade, raça e etnia (AT2), e Sustentabilidade socioambiental (AT3). No caso da pesquisa AT2, quando não havia nenhuma disciplina específica, verificaram se a temática era abordada em outras disciplinas e em qual perspectiva teórica.

Os trabalhos que investigavam o impacto de cursos/programas de extensão na formação de licenciandos e docentes da educação básica, um deles (AT4) teve carga horária de 132h, contemplou conteúdos teóricos e práticos sobre Etnobiologia e os docentes de Ciências Biológicas participantes do curso responderam um questionário antes e após o curso. Enquanto que, para avaliar o impacto de um programa de extensão, a partir das representações discursivas sobre Educação Ambiental (AT7), os autores analisaram os resumos dos trabalhos desenvolvidos por licenciandos em Biologia participantes dos programas e entrevistas realizadas com dois desses alunos.

Nas pesquisas sobre concepções de licenciandos, uma delas foi sobre a representação social de meio ambiente (AT8), desenvolvida da Universidade do Estado do Pará (UEPA) com a participação de 60 estudantes de diversos cursos de licenciatura. A investigação se desenvolveu pela utilização da técnica de evocação de palavras. Foi solicitado aos licenciandos que escrevessem quatro palavras que lhes viessem à mente quando pensavam em meio ambiente, depois deveriam colocar as palavras em grau de importância e justificar essa escolha. No trabalho que levantou as concepções de licenciandos sobre homossexualidade (AT9), foi aplicado um questionário com 26 (vinte e seis) questões objetivas que versavam sobre idade, sexo e curso dos estudantes, e sobre a concepção sobre homossexualidade. No trabalho que descreve uma oficina sobre sexualidade desenvolvida no âmbito do PIBID (AT6), as atividades foram realizadas nos meses de abril a julho de 2015 e ocorriam em contraturno e foram realizadas no laboratório de Ciências da escola. Participaram estudantes do 1º ano do ensino médio com idade entre 15 e 17 anos e foram realizadas oito oficinas que abordaram os conteúdos: muitos jeitos de ser homem ou mulher, mitos e verdades sobre sexo, métodos contraceptivos, gravidez não planejada, doenças sexualmente transmissíveis, desmistificação dos tabus relacionados ao ato sexual e mapa conceitual da sexualidade. Não se utilizou nenhuma técnica de análise, os autores discutem a proposta desenvolvida a partir das impressões coletadas durante as oficinas.

No caso da pesquisa que analisou o impacto de uma disciplina sobre EDH de licenciandos em Biologia e Química (AT5), a mesma foi desenvolvida no último ano do curso e teve duração de um semestre letivo, a disciplina foi organizada em oficinas temáticas teórico-práticas que abordavam os seguintes conteúdos: olhares sobre a (in)diferença; diversidade cultural; tolerância; EDH nas aulas de ciências; gênero e machismo; território geográfico e seus preconceitos; questões étnico-raciais; sexualidade e homo-lesbo-trans-fobia; CTS-Arte: diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes científicos. Também foram elaborados pelos estudantes, planejamentos e materiais didáticos sobre os temas. A avaliação do impacto foi realizada mediante registro de áudio durante a implementação da disciplina e entrevistas com os licenciandos ao final da disciplina.

A pesquisa que analisou produções de licenciandos em Biologia e Química sobre EDH (AT10) foi desenvolvida mediante a análise de sete planejamentos de alunos que cursaram uma disciplina obrigatória denominada Cultura Brasileira e Questões étnico-raciais, ofertada pela Universidade Federal do Tocantins. Para a realização dos planejamentos, os estudantes formaram grupos livremente e receberam um tema, por meio de sorteio para construção do planejamento.

A produção AT11 que relata o trabalho de ensino, pesquisa e extensão desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Docentes e Práticas Pedagógicas em Ensino de Ciências e Educação Ambiental, em que participam duas universidades públicas do estado de São Paulo, descreve e discute as contribuições das suas ações, a partir da análise dos resumos de trabalhos publicados pelo grupo em diversos eventos acadêmicos científicos e em revistas em periódicos da área, bem como a partir de duas entrevistas realizadas com dois licenciandos.

Em relação à pesquisa (AT12) que buscou, a partir da revisão de literatura, investigar e refletir sobre a formação de docentes de Ciências no âmbito da Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade e Educação Ambiental, as análises ocorreram em produções da área de pesquisa em Ensino de Ciências, relativas ao período de 2000 a 2013. A coleta de dados nesses periódicos foi realizada, a partir da palavra CTS ou ambiental nos títulos e resumos. Os artigos foram selecionados a partir da leitura dos resumos das produções e a análise se deu por meio da Análise Textual Discursiva, e chegou-se às seguintes unidades de análise: contexto de ação, natureza da investigação, dinâmica da ação e resultados e considerações. Os autores também apresentaram exemplos de propostas que estão sendo desenvolvidas na formação de docentes de Ciências em três universidades públicas que utilizam a abordagem CTS.

RESULTADO E CONSIDERAÇÕES DAS PESQUISAS

Para análise do Resultado e Considerações das pesquisas, optamos por discutir a partir do foco das investigações encontradas (Quadro 5).

Com relação aos resultados dos trabalhos sobre análise de PPCs em relação à presença das temáticas Educação Ambiental (AT1), Sustentabilidade emocional (AT2) e Sexualidade, raça e etnia (AT3), os resultados evidenciam que, nesses documentos, as noções de Educação Ambiental (AT1) apontam para uma sociedade democrática, inclusiva e ambientalmente equilibrada, para promover a convivência contrabalançada, a compreensão da diversidade cultural, do pensamento crítico e da ética das relações. No entanto, nas respostas dos alunos sobre o desenvolvimento de projetos nas disciplinas do curso (AT1), a maioria diz não ter desenvolvido ou participado durante o curso de projetos de Educação Ambiental. No AT3, os autores identificaram alguns componentes curriculares que se articulam com as questões relacionadas à temática Corpo, gênero, sexualidade, raça e etnia nos documentos analisados; como História Afro-Brasileira e Africana, História e Cultura indígena, Direitos Humanos e Cidadania, entre outros. Apenas um componente encontrado destaca mais aspectos biológicos do que aspectos socioculturais. Os autores recomendam que essas temáticas poderão ser desenvolvidas como temas transversais ou por meio de um componente curricular específico. Compreendemos que as questões ambientais e sobre sexualidade, raça e etnia precisam estar presentes nos Projetos dos Cursos de licenciaturas, mas precisam também serem efetivadas nas práticas, para isso, é necessário que se investiguem as práticas relacionadas às disciplinas presentes nos currículos de formação de docentes e não apenas identificar a presença delas no currículo.

Os trabalhos que buscaram avaliar o impacto da discussão das temáticas relacionadas aos DH vinculadas à cursos de extensão (AT4 e AT7), a uma disciplina no curso de licenciatura (AT5) e no âmbito do PIBID (AT6), apontaram que as ações pedagógicas voltadas para Educação Ambiental (AT4), Educação em Direitos Humanos (AT5), Diversidade Cultural (AT7) e Sexualidade (AT6), independente do contexto de investigação (formação inicial ou continuada), embora possa ser questionada por valores advindos das diferentes relações sociais vivenciadas pelos/as licenciandos (AT5), foi possível identificar que os/as estudantes envolvidos no processo de formação estabeleceram uma relação dos conteúdos conceituais e procedimentais de suas disciplinas específicas e as propostas de pedagogização, fundamentadas em questões voltadas para os DH (AT5). Também foi constatado que a iniciação à docência (AT6) deve priorizar a integração dos conteúdos sobre questões sociais dos/as educandos/as e questões atuais que envolvem Ciência, Tecnologia e Sociedade. Por meio do trabalho desenvolvido no PIBID, foi possível identificar o interesse do/a aluno/a e suas necessidades de aprendizagem, de acordo com o seu contexto social, por meio do diálogo e tendo uma escuta sensível ao estudante. Também concluíram que programas ou disciplinas na formação de docentes podem ser gatilhos para mudanças de atitudes e formas de pensar sobre o outro, o que por sua vez, poderá influenciar as práticas docentes (AT6 e AT7). No entanto, apontam que esse é um processo demorado e também complexo, que não pode acontecer apenas por meio de cursos ou disciplinas pontuais, mas ressaltam que é importante investir em processos formativos de professores/as de Ciências que tenham como foco uma prática pedagógica que considere os saberes culturais dos/as estudantes, que se discuta a diversidade cultural (AT7), e a supremacia científica ocidental. Em relação à diversidade cultural, ^{Rosa, Alves-Brito e Pinheiro (2020}, p. 1463) discutem que a base do discurso científico e tecnológico se constitui de um sistema de crenças que hierarquizam raças e fomenta a desigualdade, “não apenas nos processos de produção da ciência, mas, sobretudo, em suas relações de educação e comunicação”.

Em relação às investigações relacionadas às representações ou concepções de docentes, ou de futuros docentes, sobre as questões ambientais (AT8), e sexualidade (AT9), verificou-se que estas pesquisas foram desvinculadas de qualquer ação formativa. Elas apontaram que os estudantes apresentam uma visão pouco crítica em relação à Educação Ambiental, e foi constatado que muitos/as licenciandos/as e professores não possuem uma compreensão ampla sobre a temática. Em relação à temática sexualidade, os resultados apontaram que os/as estudantes de licenciatura investigados demonstraram concepções preconceituosas em relação aos homossexuais, em diferentes níveis, o que foi identificado pelas “expressões de emoções negativas”, pela rejeição à intimidade com homossexuais e por explicações inadequadas sobre a homossexualidade. Os autores, então, recomendam que é essencial que os currículos de licenciatura e de formação continuada discutam essa temática, a fim de evitar que essas concepções preconceituosas sejam espelhadas em sala de aula.

Para ^{Camargo e Benite (2019}, p. 691), o currículo é “como artefato político - portanto, está relacionado às ideologias, à conformação social e aos mecanismos que o constrói” - como as diversas formas de preconceito, por exemplo, bem como está relacionado “à cultura e à capacidade de sujeitos ou grupos influenciarem assimetricamente outros segmentos”, e que vão definir os conteúdos e as práticas docentes a serem desenvolvidos na escola.

O trabalho em que se analisa os planejamentos dos estudantes que participaram da disciplina de DH (AT10), os autores identificaram que havia uma preocupação dos/as estudantes com a formação humana, e que em seus planejamentos eles levaram em conta as relações desiguais presentes no contexto social. Nos textos dos planejamentos, apareceram sinais de disposição dos/as estudantes para o enfrentamento dessas relações assimétricas a partir da prática docente na área das Ciências da Natureza e recomenda-se que no processo formativo essas discussões devem ser pautadas articulando teoria e prática para que o futuro docente se reconheça como um/a docente de Ciências que atue como “Agente Sociocultural e Político”, a fim de buscar mudanças nas relações sociais.

De acordo com ^{Oliveira e Queiroz (2015}), não basta somente que os conteúdos se articulem às temáticas sociais, é fundamental que as relações cotidianas em sala de aula, e no contexto escolar como um todo, sejam permeadas de cordialidade, de respeito, de empatia e de tolerância. Algo que, muitas vezes, consideramos difícil, mas entendemos como imprescindível para construirmos uma cultura em Direitos Humanos, e avaliamos que a educação é o princípio dessa construção.

Os resultados da análise das atividades de um grupo de pesquisa sobre Educação Ambiental (AT11) apontam que o conjunto de atividades potencializaram reflexões importantes para a formação permanente de futuros/as docentes e de docentes que já atuam na educação básica, sobre o tema. Pois, nesse grupo, foi fomentado o diálogo entre pesquisadores/as e gestores/as, visando promover um pensar crítico e emancipatório para se produzir conhecimentos, buscando modificar as relações entre a universidade e a sociedade. Os autores recomendam que a parceria entre universidades e escolas da educação básica é algo positivo para mobilizar pesquisas que busquem a qualidade na educação, atrelando a teoria à prática.

Em outra pesquisa (AT12) constatou-se que a maioria dos artigos encontrados e analisados propõe reflexões sobre docentes em exercício. O que vai de encontro ao que identificamos nesta presente revisão de literatura, pois foram constatados mais trabalhos envolvendo a formação inicial. Outra questão apontada pelo artigo é a necessidade de articulação entre universidade e escola da educação básica. Esta questão pôde ser evidenciada na pesquisa AT11, que destacou um grupo de estudos do qual participam docentes da educação básica, estudantes de graduação e de pós-graduação, e que surtiu um resultado significativo nas pesquisas voltadas para a Educação Ambiental. As autoras alegam que, com essa dinâmica, há reflexões mais críticas sobre as potencialidades e desafios associados à implementação de propostas voltadas para Educação Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) e Educação Ambiental (EA) na Educação Básica (AT12). Também destacam que as discussões sobre ECTS acontecem mais no Ensino Médio e que as discussões sobre EA no Ensino Fundamental são mais escassas. Recomendam, também, a necessidade de ações formativas nos diferentes níveis e modalidades da educação escolar. É destacado pelas autoras que, nas produções analisadas, não houve preocupações específicas voltadas para as políticas públicas, e consideram essa dimensão importante para ser discutida. Essa constatação também foi observada em nossa investigação, uma vez que não houve trabalhos específicos voltados para políticas públicas relacionadas às questões de Direitos Humanos e sua relação com o Ensino de Ciências Naturais, o que poderia ser um tema importante a ser discutido em pesquisa futura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora este estudo não tenha contemplado a totalidade da produção nacional sobre formação de docentes de Ciências e Direitos Humanos, tendo em vista o universo de trabalhos analisados e período considerado, compreendemos que foi possível analisar como as pesquisas encontradas têm relacionado esses dois temas e quais suas tendências.

Foi possível constatar que a Educação em Direitos Humanos se constitui uma temática de interesse pelos pesquisadores da área de Educação em Ciências, no âmbito do campo de pesquisa sobre formação de docentes. Seja para fornecer subsídios sobre os processos formativos que estão incorporando essa temática nos currículos das licenciaturas, seja para analisar seus impactos na formação continuada ou na sala de aula.

Verificamos que a maioria das investigações foi realizada com docentes em formação inicial, dos componentes curriculares de Biologia e Química. Também encontramos apenas um trabalho que contemplava docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Compreendemos que essa constatação esteja atrelada às características da primeira etapa do ensino fundamental, que possui docentes denominados como polivalentes, ou seja, que atuam nos diferentes componentes curriculares. Apontando também uma lacuna de estudos com docentes de Ciências Naturais e de Física, e em formação continuada.

Em relação aos conteúdos que fazem interface com DH, encontramos apenas dois trabalhos que tratavam especificamente sobre Direitos Humanos e formação de docentes de Ciências, a metade dos trabalhos encontrados fazia interface com a temática Educação Ambiental e, na sequência, com a temática Gêneros/Sexualidade/Sexo/Diversidade Cultural, que consideramos importantes de serem tratados e discutidos nas formações iniciais e continuadas e que se relacionam com DH. Inferimos que Educação Ambiental tenha sido mais contemplada nas investigações, primeiro pelo fato da Educação CTS e Educação Ambiental ser um campo de pesquisa já consolidado na área de Ensino de Ciências, e por isso o maior interesse por esse tema na formação de docentes; em segundo, porque pode ser considerada, dentre as demais, um tema mais visível de ser articulado à temática Direitos Humanos. No entanto, também consideramos que temáticas voltadas para Gêneros/Sexualidade/Sexo/Diversidade Cultural se aproximam dos conteúdos dessa área de conhecimento, mas poucos trabalhos as discutiram, dentro do universo analisado. Nesse aspecto, defendemos que os cursos de formação continuada podem ser disparadores para a mudança de crenças, predisposições e discursos sobre esses temas, trazidos pelos docentes e que justificam as ações deles no contexto escolar, e na sua prática em sala de aula. Principalmente os discursos voltados para o preconceito, para não aceitação do outro, enfim, para intolerância.

Outras lacunas puderam ser identificadas na produção da área, como nenhum estudo sobre as políticas que preconizam a articulação entre formação de docentes e direitos humanos. Também apontamos que não foram encontradas pesquisas sobre análise de projetos político-pedagógicos das escolas sobre a inserção dessas temáticas no currículo, ou entrevistas com pedagogos/as ou gestores escolares que permitam avaliar as dificuldades de implementação de uma EDH nas escolas da educação básica, e, mais especificamente, pelos docentes de Ciências. Tendo em vista que, as temáticas relacionadas aos DH, ainda causam tensões que dificultam os docentes trabalharem em sala de aula, em uma perspectiva de respeito pelas diferenças culturais (^{Silva; Rebolo, 2017}).

Os resultados das pesquisas encontradas defendem a inserção dessas temáticas na formação inicial de docentes e que as mesmas devem ser introduzidas a partir de reflexões em uma perspectiva mais ampla de sociedade, questionando comportamentos que já se encontram naturalizados, mas considerados uma violação dos DH, indo além dos muros da escola, a fim de que o docente perceba as relações de dominação que estão presentes no contexto social e que afetam o contexto escolar.

Em relação às implicações dos resultados para a área de Educação em Ciências, consideramos que é um campo a ser mais explorado, pois a articulação entre ensino de Ciências e DH ou temáticas que fazem essa articulação ainda é muito tímida, como apontam os resultados da presente investigação. Também implica na importância de pesquisas que não levantem apenas as concepções/representações dos futuros docentes sobre as temáticas, ou que apenas identifiquem a presença ou não das temáticas nos currículos, mas que, a partir desse levantamento, avaliem como essas temáticas podem ser implementadas nos processos formativos, seja em programas de formação como PIBID, Residência Pedagógica e em cursos de formação continuada; e em que perspectiva estão fundamentadas estas propostas, bem como as estratégias metodológicas desenvolvidas. Isso porque apenas discutir os conceitos sobre DH não é suficiente para garantir sua articulação no ensino de Ciências pelos futuros docentes. Também defendemos pesquisas que discutam e avaliem formas de articular essas temáticas na formação de docentes na perspectiva do multiculturalismo (^{Ivenicki, 2018}), compreendido no campo educacional como um conjunto de respostas à diversidade cultural e desafio a preconceitos (^{Oliveira; Queiroz, 2015}; ^{Pinheiro, 2019}).

Para a formação docente, os resultados encontrados mostram que ainda está presente o preconceito entre os licenciandos quando se propõe a articulação entre as temáticas que envolvem os DH e ensino de Ciências, muitas vezes por falta de conhecimento e reflexão das situações que já se encontram naturalizadas na sociedade. Defendemos que essas discussões, quando bem fundamentadas e associadas ao desenvolvimento de propostas para a educação básica, impactam de forma positiva a formação inicial e continuada de docentes desse componente curricular. Assim, os pouco trabalhos encontrados sinalizam para a relevância dessa discussão na formação inicial e continuada de docentes, em todos níveis de ensino, como uma urgência social.