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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versión impresa ISSN 1415-2150versión On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.25  Belo Horizonte  2023  Epub 15-Mar-2023

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240141 

Artigos

A INFLUÊNCIA DOS CONTEXTOS ESCOLARES NA CONSTRUÇÃO DOS SABERES EXPERIENCIAIS DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA

LA INFLUENCIA DE LOS CONTEXTOS ESCOLARES EN LA CONSTRUCCIÓN DE LOS SABERES EXPERIENCIALES DE LOS PROFESORES DE CIENCIAS/BIOLOGÍA

1Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-Graduaçãode Mestrado Profissional em Educação, Vitória, ES, Brasil.


RESUMO:

Esta pesquisa tem como objetivo compreender como os contextos escolares influenciam a construção dos saberes experienciais docentes de professores de Ciências/Biologia. Baseando-nos nos estudos de Wertsch sobre a ação mediada, consideramos que os saberes experienciais são construídos na tensão entre os sujeitos e as ferramentas culturais por eles empregadas. Produzimos os dados por meio de narrativas de um grupo focal em que os professores discutiram aspectos relacionados ao planejamento, à prática e à avaliação do trabalho docente. Os resultados evidenciam que aspectos tais como organização do tempo de planejamento, disponibilidade de recursos e burocracia interferem na possibilidade de produção de trabalhos interdisciplinares e de reflexões compartilhadas; na adaptação constante do que será ensinado; e no desenvolvimento da autonomia docente. Por fim, sugerimos que mobilizar esses saberes em programas de formação de professores contribui para a construção de uma profissionalidade docente.

Palavras-chave: Formação de professores; Saberes experienciais; Ação mediada

RESUMEN:

El objetivo de esta investigación es comprender cómo los contextos escolares influyen en la construcción de los saberes experienciales de enseñanza de los profesores de Ciencias/Biología. Teniendo como base los estudios de Wertsch sobre la acción mediada, consideramos que los saberes experienciales se construyen a partir de la tensión entre los sujetos y las herramientas culturales que emplean. Producimos los datos a través de narrativas de un grupo focal en el que los profesores discutieron aspectos relacionados con la planificación, la práctica y la evaluación del trabajo docente. Los resultados muestran que aspectos como la organización del tiempo de planificación, la disponibilidad de recursos y la burocracia interfieren en la posibilidad de producir trabajos interdisciplinarios y reflexiones compartidas; en la constante adaptación de lo que se enseñará; y en el desarrollo de la autonomía docente. Finalmente, señalamos que movilizar esos saberes en los programas de formación docente contribuye a la construcción de la profesionalidad de los profesores.

Palabras clave: Formación docente; Saberes experienciales; Acción mediada

ABSTRACT:

This research aims to understand how school contexts influence on building Science/Biology teachers’ experiential knowledge. Based on Wertsch’s studies on mediated action, we consider that experiential knowledge is built in the tension between subjects and in the cultural tools they apply. We produced data through narratives from a focus group in which teachers discussed aspects related to planning, practice and assessment of teaching work. The results show that aspects such as planning time organization, resources availability and bureaucracy interfere in the possibility of producing interdisciplinary work and shared reflections; in the constant adaptation of what will be taught; and in the development of teaching autonomy. Finally, we suggest that mobilizing this knowledge in teacher training programs contributes to building teaching professionality.

Keywords: Teacher Training; Experiential Knowledge; Mediated Action

INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, que teve como objetivo compreender como os contextos escolares influenciam a construção dos saberes experienciais docentes de professores de Ciências/Biologia. Para isso, buscamos identificar os saberes experienciais que emergem da prática profissional de professores das redes pública e privada de municípios localizados no Espírito Santo, na perspectiva da ação mediada de James Wertsch (1998) e da formação de professores defendida por autores como Nóvoa (2017), Roldão (2005, 2007), Tardif (2014), Tardif e Raymond (2000). A opção pela área de Ciências/Biologia se justifica pelo envolvimento profissional das autoras desta pesquisa como docentes e formadoras de professores nessa área.

Dentre os estudos sobre formação de professores que contribuíram com o movimento pela profissionalização do ensino, principalmente da década de 1980, destacam-se os que reconhecem a existência de saberes específicos que caracterizam a profissão docente (Roldão, 2005). A expansão dos estudos nessa área trouxe à tona uma certa heterogeneidade conceitual no que diz respeito à identificação dos saberes específicos do professor e suas fontes, visto que diversos autores propuseram diferentes classificações ou tipologias relativas aos saberes docentes (Gauthier et al., 2006; Tardif & Raymond, 2000).

Nesta pesquisa, concordamos com Tardif (2014), que define saberes docentes como saberes “heterogêneos, pois esses trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas” (Tardif, 2014, p. 61).

Segundo Ryder (2017), muitos aspectos afetam o exercício do trabalho docente, tendo em vista que as práticas dos professores são influenciadas por: (i) contextos externos, como as leis nacionais sobre educação que orientam o currículo das escolas; (ii) contextos internos, como o contexto social dos estudantes, a família, o projeto político pedagógico e as relações entre os agentes escolares; e (iii) contextos pessoais, como as crenças do próprio professor e sua formação. Trabalhos recentes que versam sobre formação de professores da área de Ciências/Biologia afirmam que a vivência de situações de ensino, as representações formadas desde o tempo de escolarização e a reflexão sobre o trabalho docente são elementos fundamentais no processo de construção de saberes desses profissionais, por isso, esses aspectos não podem ser desconsiderados na formação inicial e contínua de professores (Lima & Santos, 2017; Monteiro et al., 2019; Silva et al., 2018).

Nessa perspectiva, para Tardif (2014), a experiência de trabalho parece ser uma das principais fontes do saber-ensinar do professor, visto que as relações vivenciadas no cotidiano da escola com seus pares colocam em evidência maneiras de ser coletivo, bem como diversos conhecimentos de trabalhos partilhados a respeito dos alunos, familiares, atividades pedagógicas, programas de ensino, políticas educacionais, dentre outros.

Dessa forma, destaca-se a importância dos saberes experienciais que, segundo Tardif (2014), podem ser considerados

[...] o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que [...] não se encontram sistematizados em doutrinas e teorias. São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação (p. 48).

Nesse sentido, a prática pode ser entendida como um processo de aprendizagem por meio do qual os docentes repensam sua formação e a adaptam à profissão. Assim, para Tardif (2014), os saberes experienciais diferenciam-se dos outros saberes, pois são “formados de todos os demais, são retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência” (p.54). Portanto, podemos dizer que os saberes da formação profissional, os saberes curriculares, pedagógicos e disciplinares são ressignificados na prática docente e constituem elementos dos saberes experienciais.

Ainda segundo Tardif (2014), é através do confronto entre os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores que os saberes experienciais adquirem uma certa objetividade: “as certezas subjetivas devem então, ser sistematizadas, a fim de se transformarem num discurso da experiência capaz de formar outros docentes e de fornecer um caminho que ajude a resolver seus problemas” (Tardif, 2014, p. 52). Trata-se, portanto, de uma experiência compartilhável.

Assim, entende-se que os saberes experienciais podem contribuir para o desenvolvimento da profissionalidade docente, aqui entendida como “aquele conjunto de atributos, socialmente construídos, que permitem distinguir uma profissão de outros muitos tipos de atividades, igualmente relevantes e valiosas” (Roldão, 2005, p. 108). É importante reconhecer que a atuação pedagógica na docência não se dá apenas com base nos conhecimentos teóricos obtidos durante os cursos de formação, mas que, ao atuar em sala de aula, os docentes produzem saberes (Gauthier et al., 2006; Roldão, 2005; Tardif & Raymond, 2000; Tardif, 2014) que, sistematizados, podem contribuir para a formação inicial e contínua de professores.

A AÇÃO MEDIADA COMO UNIDADE DE ANÁLISE PARA PESQUISAS EDUCACIONAIS

Estudar os saberes docentes não é uma tarefa simples, pois “o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é um saber deles, e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida, com a sua história profissional” (Tardif, 2014, p.11). Por essa razão, o autor alerta os pesquisadores que tenham como objeto de pesquisa os saberes docentes para os perigos do “mentalismo” e “sociologismo” ao estabelecerem relações entre os saberes e os elementos que os constituem:

O mentalismo consiste em reduzir o saber, exclusiva ou principalmente, a processos mentais (representações, crenças, imagens, processamento de informações, esquemas etc.) cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos. (Tardif, 2014, pp. 11 - 12).

O sociologismo tende a eliminar totalmente a contribuição dos atores na construção concreta do saber, tratando-o como uma produção social em si mesmo e por si mesmo, produção essa independente dos contextos de trabalho dos professores e subordinada, antes de mais nada, a mecanismos sociais, a forças sociais quase sempre exteriores à escola (...). (Tardif, 2014, pp. 14 - 15).

Assim, Tardif (2014) defende que os saberes docentes situam-se na interface entre o social e o individual, visto que a construção deles depende tanto das condições concretas nas quais o trabalho dos professores se realiza, quanto da personalidade e da experiência social dos próprios professores.

Nesse sentido, Wertsch (1998) aproxima-se das ideias de Tardif ao destacar que o objetivo das pesquisas socioculturais é entender a relação entre o funcionamento mental humano e o contexto social, histórico e institucional que permeia as problemáticas investigadas. Com base nisso, para o autor, os projetos de pesquisa na área da educação e disciplinas afins, muitas vezes podem ser considerados dentro de duas categorias gerais: o individualismo metodológico e o reducionismo social, que acabam limitando a análise dos fenômenos das pesquisas.

O individualismo metodológico tem como pressuposto a lógica de que o ponto de partida para entender os fenômenos socioculturais são os processos psicológicos e outros processos conduzidos pelo indivíduo. Já o reducionismo social pressupõe que os processos psicológicos devem ser explicados somente com base em fatos sociais. Essas visões opostas caracterizam o que Wertsch (1998) chama de “antinomia indivíduo-sociedade”. Essa antinomia tende a obrigar os pesquisadores a adotarem uma única posição e a negarem a outra totalmente.

Nesse sentido, para evitar as armadilhas impostas por essa antinomia, Wertsch (1998) sugeriu que os termos “indivíduo” e “sociedade” ou “funcionamento mental” e “contexto sociocultural” não fossem pensados como entidades independentes e sem relação uma com as outras. Dessa forma, o autor propõe que:

O funcionamento mental e o contexto sociocultural sejam entendidos como momentos dialeticamente interativos, ou aspectos de uma unidade mais inclusa de análise - a ação humana. Como se entende aqui, a ação não é conduzida nem pelo indivíduo, nem pela sociedade, embora haja indivíduos e momentos sociais para qualquer ação. Pelas mesmas razões um relato da ação não pode se originar do estudo do funcionamento mental ou do contexto sociocultural em isolado. Em vez disso, a ação fornece um contexto dentro do qual o indivíduo e a sociedade (bem como o funcionamento mental e o contexto sociocultural) são entendidos como momentos inter-relacionados. (Wertsch, 1998, p. 60)

Podemos perceber, portanto, que, para Wertsch, o foco está na ação em si e em todos os aspectos nela envolvidos. Nessa perspectiva, uma forma de ação humana de particular interesse para Wertsch é a ação mediada que, segundo o autor, consiste na unidade de análise mais adequada para o estudo do funcionamento humano.

Para Wertsch (1998), toda ação humana emprega meios mediacionais, também chamados de ferramentas culturais, que estão inerentemente situados em um contexto cultural, institucional e histórico. Esses meios mediacionais, tais como os instrumentos de trabalho e a linguagem falada, estão em constante interação com os agentes que, juntos, configuram a ação. Nessa perspectiva, Wertsch (1998) diz que a ação mediada é caracterizada por uma “tensão irredutível” entre os agentes e as ferramentas culturais que eles empregam, o que nos obriga a ir além da individualidade do agente para explicar os aspectos que configuram a ação humana. Para compreender esses aspectos, Wertsch (1998)delineia um conjunto de cinco elementos que existem em tensão dinâmica na ação mediada: ato, cena, agente, agência e propósito.

O ato representa aquilo que ocorre na ação ou no pensamento do(s) agente(s), que por sua vez, representa quem executou a ação. A cena associa-se ao contexto no qual a ação acontece. A agência refere-se aos meios e instrumentos que foram utilizados pelo(s) agente(s) na ação. O propósito representa a intenção ou intenções do agente(s) ao realizar a ação. Para Wertsch (1998), esses cinco elementos são uma ferramenta para análise em investigações sobre a ação e os motivos humanos, e reforça a ideia de que a ação está ligada ao motivo ou intencionalidade. Além disso, o autor acrescenta que as análises da ação mediada devem focar nos agentes e nas ferramentas mediacionais utilizadas por eles, pois, dessa forma, os outros elementos da ação (ato, cena e propósito) serão melhor compreendidos.

No campo da Educação em Ciências, pesquisadores têm utilizado aportes teóricos da ação mediada para investigar situações de ensino e aprendizagem que envolvam espaços, procedimentos e recursos (ou ferramentas) alternativos. Como Barcellos e Coelho (2019), Oliveira et al. (2019) e Pereira e Ostermann (2012) ressaltam, a partir das ideias de Wertsch, aprender e ensinar em Ciências implica várias formas de ação humana, tais como observar, analisar, questionar, argumentar, planejar, avaliar, as quais envolvem ferramentas culturais materiais que oferecem recursos e restrições. Nessa perspectiva, para Pereira e Ostermann (2012) a pesquisa em ensino de Ciências poderia se fundamentar tendo em vista algumas questões que investiguem o modo como novas ferramentas culturais podem transformar as ações mediadas conduzidas no contexto da sala de aula. Oliveira et al. (2019) também sinalizam para a importância de se investigar o uso de recursos educacionais por professores de Ciências, visto que eles “ampliam e potencializam as qualidades dos meios mediacionais no ato de ensinar” (p.251) e podem contribuir nos processos de formação de professores.

Diante do exposto, ao tratarmos da ação mediada no contexto educacional e nas relações de ensino, pretendemos evidenciar que o processo de produção de saberes experienciais dos professores acontece situado no que Wertsch (1998) denomina de “caminho do meio”, ou seja, na interação entre os agentes e as ferramentas culturais e, por isso, apostamos nesse referencial teórico metodológico para nossa pesquisa.

PERCURSO METODOLÓGICO

Neste trabalho, realizamos um estudo qualitativo e optamos por produzir os dados por meio de narrativas. Segundo Galvão (2005), a pesquisa narrativa deve ser entendida como uma forma de compreender a experiência humana, portanto, ela é indicada para analisar histórias de professores, pois oferece um meio de ouvir suas vozes e compreender sua cultura do seu ponto de vista. Para Galvão (2005), “os professores não só trazem para a escola uma história pessoal que dá sentido às suas ações, mas também vivem aí uma história que os ajuda a dar sentido ao mundo” (p.331). Assim, a forma como os professores planejam a aula e as relações que estabelecem com os alunos e demais agentes escolares pode ser vista como um modo de reconstruir a história da sua experiência pessoal.

Optamos pelo uso da técnica de grupo focal (Gatti, 2005), que se constitui como um meio adequado para deixar emergir narrativas dos sujeitos desta pesquisa sobre suas ações. Para a sua realização, elaboramos um roteiro preliminar com os tópicos a serem discutidos com o grupo, bem como algumas previsões de duração de tempo para discussão, de acordo com Gatti (2005). Sugerimos três temas para serem discutidos pelos professores: 1) O planejamento pedagógico; 2) A prática pedagógica em sala de aula; e 3) A avaliação do seu trabalho na escola. Entendemos que esses temas correspondem a ações específicas que compõem o trabalho do professor na escola. Além disso, compreendemos que cada um desses temas se refere a um ato na perspectiva de Wertsch.

OS SUJEITOS DA PESQUISA

Convidamos para compor o grupo focal, 12 professores de Ciências/Biologia da rede pública e/ou privada do estado do Espírito Santo. Entretanto, oito compareceram no dia da realização.

Realizamos o encontro com esses oito professores no dia 19 de novembro de 2018, no campus de Goiabeiras da Universidade Federal do Espírito Santo. O encontro durou cerca de 1h50min com gravação em áudio e posterior transcrição dos relatos.

A seguir, apresentaremos brevemente os 8 sujeitos da pesquisa. Essa apresentação foi feita tendo como base um questionário preenchido pelos professores no momento inicial do grupo focal. Os nomes utilizados são fictícios, a fim de preservar as identidades dos envolvidos. É importante destacar que esses professores assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. Ressaltamos, portanto, o compromisso ético da pesquisa, permitindo aos participantes tomarem suas decisões de forma justa e sem constrangimentos.

Quadro 1. Caracterizaçãodos sujeitos da pesquisa 

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS

A partir da transcrição das narrativas dos sujeitos da pesquisa, pudemos perceber a dificuldade em dissociar as ações, ou seja, enquanto narra sobre o planejamento o professor também relata aspectos da sua prática em sala e de como seu trabalho é avaliado.

Assim, primeiramente, à luz da ação mediada de Wertsch, buscamos reconhecer quais ferramentas culturais os professores utilizam em seu contexto de trabalho - especificamente no que diz respeito ao planejamento, à prática em sala de aula e à avaliação das ações docentes - e os propósitos pelos quais elas são utilizadas.

Posteriormente, identificamos e caracterizamos saberes experienciais construídos pelos professores ao interagirem com as ferramentas, nas ações realizadas nos seus respectivos contextos institucionais. Dessa forma, utilizamos as três temáticas principais propostas e discutidas no grupo focal como categorias estruturais da nossa análise, apresentada a seguir.

AS FERRAMENTAS CULTURAIS UTILIZADAS PELOS AGENTES E OS SABERES EXPERIENCIAIS QUE EMERGEM NESSA TENSÃO IRREDUTÍVEL

Primeiro ato - o planejamento

Dentre as ferramentas culturais utilizadas pelos sujeitos da pesquisa no ato de planejar, identificamos e destacamos: o discurso oral, os grupos do whatsapp e as pautas eletrônicas/manuais.

Sobre o discurso, percebemos que este é utilizado, principalmente, na interação com os outros professores e agentes escolares, em horários específicos de planejamento. A respeito disso, Joana afirma que

(...) eu vejo o planejamento como um momento de troca né, que você conversa com o professor de química, com o outro professor do outro sexto ano né, eu trabalho com o sexto 1, mas a professora do sexto 2 e do sexto 3, é uma outra pessoa, então tem um outro ritmo, então a gente né, troca figurinha né (...). Eu costumo fazer muita aula prática com química né, então quando a gente trabalha a química da célula, então o professor explica uma parte e eu explico outra (...) (Joana)

Como já mencionado, percebemos, na narrativa de Joana, a descrição de ações de planejamento associada à descrição de sua realização. Trata-se de um modo de trabalho comum, para ela, marcado pela troca entre pares, o que acaba por oportunizar experiências interdisciplinares, sendo esse o propósito explicitado pela professora para o ato de planejar. O diálogo, nesse caso, possibilita o planejamento conjunto, que é um aspecto essencial para a elaboração e execução de projetos interdisciplinares, tal como destaca Fazenda (2015). Sobre esse aspecto, vale ressaltar que a escola de Joana pertence à rede pública estadual de ensino na qual os professores de uma mesma área - por exemplo, Ciências da Natureza - dispõem de horários comuns para o planejamento, de modo a viabilizar o intercâmbio de conhecimentos e práticas de componentes curriculares específicos. Nesse sentido, o contexto interno, conforme caracteriza Ryder (2017), favorece ações conjuntas, nem sempre observadas em redes de ensino ou escolas que não designam horário específico ou não se organizam para a participação coletiva nessas atividades.

Embora também haja uma organização para o planejamento na rede pública municipal, pelo relato de Ana, na escola em que trabalha, evidencia-se que o diálogo entre professores não acontece:

(...) na prefeitura, a gente tem cinco horas de planejamentos semanais que (...) no vespertino a gente tem uma tarde que as professoras de ciências e de repente uma outra área anda junto né. E o que percebo é que, na maioria das vezes, eu sento ali com os outros colegas, você tenta até fazer alguma coisa diferente, vamos fazer um negócio diferente aqui com a turma, “ah não, ah não dá” “eu tô cansado”. E aí a gente acaba muitas vezes não planejando como deveria, talvez, é um espaço conquistado pela categoria, tô falando agora da rede pública e que na verdade acaba sendo bem pouco aproveitado diante disso que tô falando agora. (Ana)

Na situação relatada por Ana, às condições concretas de trabalho - semelhantes à descrição da escola de Joana - se sobrepõe o contexto pessoal dos professores, constituído por crenças, valores e necessidades pessoais.

Conforme Wertsch (1998) nos alerta, a tensão entre os agentes e as ferramentas pode modificar ações. Nesse sentido, podemos reconhecer que Ana, assim como Joana, pretende dialogar com seus pares para inovar, planejar trabalhos interdisciplinares com os outros professores, entretanto, ela encontra resistência por parte de seus colegas de trabalho, distanciando-se do propósito ou do sentido da ação de planejar coletivamente.

Diante desse conflito de propósitos, Ana acredita que esse espaço conquistado pela categoria de professores da rede pública acaba sendo pouco aproveitado. Isso mostra que ela vê o ato de planejar e o diálogo entre professores como um espaço com potencialidade de trocas de experiências e de fortalecimento profissional. Nesse sentido, Tardif (2014) afirma que a troca de experiências e de saberes entre os docentes consolida espaços de formação mútua, nos quais cada professor desempenha o papel de formador e de formando. Esse aspecto também foi identificado na narrativa de outra professora participante da pesquisa:

O planejamento lá da escola é toda quarta (...) tive muita sorte, porque logo que eu entrei, tinha um outro professor de biologia que ele me acolheu super bem. No começo eu tive muita dificuldade, porque eu entrei na Ufes em 2010 e sai em 2017 no mestrado, com uma visão assim, eu fiz o Pibid que me ajudou né, a ter essa noção de realidade, mas você ter suas turmas, é diferente. Aí eu tirava dúvida com ele, perguntava: “ah o que você acha se eu passar esse trabalho?” Então ele foi me ajudando muito. (Denise)

A professora Denise ressalta a importância da relação que ela estabeleceu com o outro professor de Ciências da escola, diante dos momentos desafiadores, logo ao entrar na carreira docente. Com o propósito de superá-los, Denise mostra a importância de ouvir a experiência do outro para ressignificar as suas próprias experiências, como, por exemplo, as que desenvolveu durante a sua formação inicial, quando participou do Pibid. Nesse sentido, de acordo com Rodrigues et al. (2015), a escuta da prática dos pares é um recurso indispensável para a profissionalização, visto que o diálogo entre os professores e seus saberes acarreta em mudanças positivas de postura frente aos desafios do cotidiano escolar. Embora as decisões sejam subjetivas em contextos particulares, a narrativa de Denise mostra a importância da experiência compartilhável de professores para a construção do espaço sociocultural da escola.

A relevância do tempo reservado para o planejamento e do compartilhamento de experiências é reforçada pela observação de sua ausência, nos seguintes relatos:

Como eu trabalho na rede privada e na rede pública, eu falo, são coisas muito diferentes. Então, na rede privada, a gente não tem horário na escola pra fazer planejamento (...) nosso planejamento é todo feito fora do horário de aula, apesar da gente receber no salário, 15% do nosso salário é planejamento né, então normalmente eu planejo tudo em casa. (Ana)

(..) os professores não fazem planejamento na escola, até porque a gente vai com carga horária de aulas fechada. Então, a maioria dos dias que eu vou, eu dou todas as aulas, então eu só tenho o recreio. Logicamente, eu faço o meu planejamento todo em casa. (Taís)

Percebemos que existem divergências no que diz respeito ao ato de planejar quando se compara a organização do trabalho docente pelos diferentes contextos de atuação. Nesse sentido, para Wetsch (1998), “a cena é uma ferramenta para interpretar a ação e seus motivos” (p.36). Identificamos, portanto, que a organização do planejamento de cada escola pode interferir nesse momento de interação e diálogo entre os pares, instigando a produção ou uso de novas ferramentas.

Uma forma de tentar suprir a falta de encontro na escola durante os planejamentos foi identificada em algumas narrativas dos professores, tais como:

Eu, como tenho que ser liberada na segunda e na terça para estar na Ufes, não consigo estar as cinco aulas de planejamento com os outros professores. Mas, a gente sempre se encontra pelos corredores, pelo whatsapp, a gente faz grupo, porque a gente (...) é muito unido lá na minha escola, então a gente sempre troca ideias pelo grupo. Mas, tem professor que tem um pouco de dificuldade com essas coisas de tecnologia e whatsapp e acabam não participando muito. (Joana).

A gente tem um grupo de whatsapp que funciona. Além de trocar ideias, quando um professor falta, já passa a atividade pelo grupo mesmo. (Joice).

Assim, entram em cena os grupos de Whatsapp , como meio mediacional que possibilita o compartilhamento de ideias e o apoio ao trabalho entre os professores. No entanto, notamos na narrativa de Joana que alguns docentes, por terem limitações com o uso dessa tecnologia, acabam não utilizando esse espaço tanto quanto os outros professores. De acordo com Wertsch (1998), os agentes, as ferramentas culturais e a tensão irredutível entre eles sempre têm um passado peculiar e sempre estão em processo de mudança, ou seja, cada indivíduo tem uma história particular de experiência com as ferramentas culturais e essa história pode oferecer uma compreensão sobre o desenvolvimento da habilidade que esse indivíduo possui. Para Wertsch (1998), o conceito de domínio está relacionado com a habilidade dos sujeitos ao usar os instrumentos culturais, e pode ser avaliado pelo grau de facilidade com que esses instrumentos são usados. Já o conceito de apropriação está relacionado com o processo pelo qual os sujeitos escolhem e inserem as ferramentas em suas ações. Os tipos de ferramentas presentes na ação de um sujeito dependem das configurações socioculturais do ambiente em que ele vive, assim, Oliveira e Mortimer (2020) argumentam que transformações na prática de professores, em especial professores de Ciências, ocorrem no decorrer da evolução histórica, tanto dos recursos mediacionais, como do desenvolvimento de suas próprias habilidades em usar esses meios.

A situação descrita por Joana também demonstra que o surgimento de novas ferramentas culturais possibilita e, ao mesmo tempo, restringe a ação, tal como descreve Wertsch (1998). Nesse caso, o surgimento do whatsapp possibilitou a manutenção do diálogo entre os professores que não conseguiam se encontrar na escola durante o planejamento, porém, os professores que não se apropriaram dessa ferramenta acabaram por não interagir nesse novo espaço de troca. Dessa forma, o saber-fazer do professor se remodela em função das mudanças das situações de trabalho, ao integrar experiências novas, tal como descreve Tardif (2014), mas pode ser um caminho restrito ao domínio, ou contexto individual, se não for tomado em um plano coletivo, institucional, de formação para a docência.

Ainda no ato de planejar, os professores também precisam lidar com algumas burocracias institucionais, conforme as narrativas a seguir destacam.

(...) lá na escola é tudo muito metódico, então, a gente tem que ser e cumprir prazo, não existe você deixar o prazo passar. Então, por exemplo, o planejamento das aulas é feito no ano anterior (...) eu tenho que entregar o planejamento de 2019 todo pronto e preenchido, de todas as turmas até dezembro de 2018, e a gente entrega aula por aula, então tem que especificar o que vai ser feito em cada aula (...) (Taís)

Lá na escola é assim, têm os professores facilitadores que não somos nós, que preparam o plano de curso para o próximo ano. Eu faço o meu planejamento mensal em casa, com base nesse plano de curso, aula por aula (...) no primeiro dia útil, tem que estar postado no sistema (...). Todos os dias eu preencho alguma coisa, é pauta manual, mas aí a pauta manual tem no sistema, pra que eu vou fazer pauta manual se eu já preencho a pauta eletrônica? e é prazo em cima de prazo, são prazos surreais! (Breno)

Breno e Tais trabalham em escolas privadas e deixam claro que a demanda burocrática nesses contextos é bem intensa, com o propósito de cumprir prazos e objetivos estabelecidos por essas instituições, nem sempre com atenção aos tempos e interesses de cada docente. Nesse sentido, Michel (2013), ressalta que as atividades burocráticas das instituições privadas acabam não correspondendo à realidade dos professores, tomando grande parte do tempo que os mesmos teriam para planejar.

Os outros professores sujeitos da pesquisa também reconheceram que em termos de burocracia, as escolas privadas tendem a ser mais rígidas. Ao ouvir as narrativas de Taís e Breno, a professora Denise salientou que as exigências descritas por eles não condizem com o dia a dia das escolas e com as condições para o planejamento das aulas:

Eu acho meio estranho o que vocês disseram de fazer um planejamento pro ano inteiro, no ano anterior, sem conhecer a turma. Porque na escola estadual, gente, toda semana acontece alguma coisa, amanhã tem Paebes, então, minha aula que eu planejei já não existe, na outra semana eu saí cedo porque choveu, é assim. (Denise)

Conhecer as turmas e a dinâmica de cada instituição é condição essencial para o trabalho docente. Trata-se de um saber próprio da profissão cujas especificidades são determinadas por um contexto interno, de cada escola, que, nesse caso, sofre interferência de um contexto externo, representado por normas impostas ao coletivo de professores, subordinados à empresa. Em seu relato, Denise defende o planejamento (e sua materialização) como algo flexível, para poder se adequar à realidade de cada turma e também ao contexto da escola pública na qual trabalha. Observamos, portanto, que o significado de um contexto é percebido pelos agentes e está relacionado diretamente à forma como se usa uma ferramenta mediacional (Barcelos & Coelho, 2019; Wertsch, 1988;), nesse caso, o plano de ensino.

Apesar da questão burocrática ter sido mais retratada pelos professores de escolas privadas, algumas professoras que trabalham em escolas públicas estaduais regulares também demonstraram em suas narrativas que essa questão acaba afetando negativamente o tempo de planejamento na escola. Nesse sentido, Joana ressalta:

Burocracia ocupa tempo do planejamento demais. É importante? Com certeza, tem que ter (...). Mas, tem que ter um momento reservado pra aquilo ali, não na hora do planejamento. Ter que ficar preenchendo pauta eletrônica, plano semanal (...) tem semanas que não tenho tempo de buscar alguma coisa legal para fazer com os alunos. (Joana)

Notamos que um dos propósitos de Joana ao preencher os planos, pautas etc. é responder a uma demanda de um contexto externo, como vimos nos relatos anteriores dos professores de escolas privadas. Embora ela tenha destacado a importância dos procedimentos burocráticos, sua experiência indica que o essencial seria ter um tempo reservado para esses preenchimentos, visto que ela não consegue realizar a contento o objetivo principal do seu trabalho - a organização e aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem. Sobre esse aspecto, Russo (2016) enfatiza que o planejamento escolar em instituições públicas tem se constituído em “procedimento burocrático e esvaziado dos sentidos que poderia assumir na escola” (p. 210), principalmente o de ser o elemento catalisador da reflexão coletiva sobre temáticas que perpassam a prática dos professores.

Segundo ato - a prática em sala de aula

Dentre as ferramentas culturais utilizadas pelos sujeitos da pesquisa na prática em sala de aula, destacamos: recursos multimídias (como o Datashow), materiais de aulas práticas e o currículo da escola.

A respeito dos recursos multimídias é notório que existe uma diferença, de maneira geral, entre as escolas públicas e privadas, tendo em vista a disponibilidade de recursos financeiros dessas últimas, como destacado pelo professor Breno.

Lá a gente tem notebook na escola para os professores, para quem quiser usar na sala, tem Datashow, tudo isso de recurso para gente usar tem. Escolas privadas sempre têm né. Então, se a gente quer fazer alguma coisa diferente com o Datashow, uma aula diferente, a gente pode. (Breno)

Entretanto, a posse, o domínio e a apropriação dos recursos, pelos professores, não garante a mediação adequada, como ressalta a professora Taís:

Os pais cobram, igual em Linhares a família não gosta (...) eles não gostam que você fica fazendo aula de Datashow, porque para eles é professor que não sabe a matéria que dá aula em Datashow (...) mas tem escola que eu trabalho muito mais o Datashow, que é muito mais visual, igual acho Cariacica muito mais visual do que Linhares, agora em Linhares os pais gostam do aluno ali, quadro, quadro e os alunos também. (Taís)

Oliveira et al. (2019) afirmam que “para que os professores tenham sucesso quando em uso dos meios mediacionais é necessário que eles ofereçam oportunidades reais de produção de sentidos e compartilhamento de significados” (p. 271). Na situação descrita por Taís, podemos dizer que a relação entre os agentes participantes não só da aula, mas da comunidade escolar, incluindo os familiares, potencializa ou restringe o uso das ferramentas. Para a professora, o que é utilizado ou não em sala de aula depende muito do contexto interno, constituído pelas relações entre os sujeitos e pelo contexto social do público com o qual se convive na escola, a partir de seus valores, crenças e propósitos.

Wertsch (1998) salienta que “o uso de um modo particular de mediação geralmente depende de outros fatores, relacionados ao histórico e ao poder e autoridade cultural ou institucional” (p.76). Daí a importância de sempre considerar a cena na análise dos agentes agindo com as ferramentas culturais, visto que as relações entre esses elementos são indissociáveis. Dessa forma, mesmo tendo a ferramenta cultural (Datashow) disponível nas escolas privadas nas quais trabalha e sabendo utilizá-las, Taís faz o uso da mesma em um contexto (escola do município de Cariacica) e não a utiliza no outro (escola do município de Linhares), principalmente, em virtude do que os alunos e os pais dos alunos pensam a respeito do uso dessa ferramenta. Essa situação demonstra que nem sempre dominar uma ferramenta cultural acarreta na apropriação da mesma (Wertsch, 1998) e que, ao agir, o professor leva em conta várias condições para estruturar e orientar a sua prática profissional (Tardif, 2014).

Nesse sentido, para Taís, usar ou não essa ferramenta cultural se associa ao propósito de se adequar ao contexto institucional no qual se trabalha. Esse aspecto vai ao encontro das ideias de Gama (2015), que ressalta que os professores buscam, muitas vezes, manter a tradição das práticas docentes já inerentes e características da cultura institucional na qual se inserem em virtude da opinião dos agentes escolares envolvidos nas ações do professor, tais como os colegas de trabalho, os alunos e os familiares dos alunos.

Com relação aos materiais de aulas práticas, notamos que estes, de forma geral, também estão mais presentes nos contextos das escolas privadas, em virtude do espaço e da disponibilidade de recursos nessas instituições, conforme ressalta Breno:

Lá na escola (...) tem microscópio e dá pra dar aula prática tranquilo. (...) Lá tem, assim, vidraria, atrás de vidraria, reagente, tinha um laboratório novo que tinha milhares de reagentes lá dentro (...) o importante que acho de ter tudo isso é que dá pra gente instigar a curiosidade dos alunos, além dessa questão de relacionar teoria e prática. (Breno)

Como Wertsch (1998) salienta, “na qualidade da cena (contexto) está implícita a qualidade da ação” (p.36), portanto, de acordo com o contexto e os objetivos que se pretende alcançar, a ação adquire contornos específicos (Roldi et al., 2018). Percebemos que Breno acha importante despertar a curiosidade dos alunos e ele vê esse momento de aula prática como uma forma eficaz de fazer isso. Sobre esse aspecto, Andrade e Massabni (2011) ressaltam que utilizar as atividades práticas no contexto escolar para promover o pensamento científico dos alunos é uma decisão pedagógica que não depende apenas do docente, depende também das condições dadas pela instituição. Entretanto, esses autores acreditam que se o professor valoriza as atividades práticas e acredita que elas são determinantes para a promoção de uma aprendizagem efetiva de Ciências, possivelmente buscará meios de desenvolvê-las na escola e de superar eventuais obstáculos. A respeito disso, destacamos a narrativa de Joana:

(...) antes do mestrado, eu fui uma professora, depois que eu entrei eu tô sendo outra, porque assim você começa a ver outras coisas, a conversar com outras pessoas, então, aquilo ali abre a nossa mente e a gente passa a pensar mais na nossa prática. E hoje eu tento promover mais práticas investigativas com meus alunos, mesmo sem recurso na escola, porque, nós não temos laboratório lá, mas sei que para um prática ser investigativa também não precisamos disso, facilita, mas não é necessário. Então eu tento inovar (...). (Joana)

Segundo Tardif (2014), os professores, ao decidirem como desenvolver suas aulas, realizam julgamentos pessoais sobre como devem agir, avaliando crenças, valores, saberes e conhecimentos adquiridos na formação inicial ou continuada e no exercício profissional. Dessa forma, notamos na narrativa de Joana que ter entrado no mestrado a fez repensar a própria prática cotidiana e compreender a importância de promover práticas investigativas com os alunos, aspecto que a fez superar algumas dificuldades, por exemplo, a ausência de um laboratório. Essa postura relatada por Joana mostra a influência do contexto pessoal, ou seja, evidencia que os professores ressignificam, na prática pedagógica, as diversas experiências formativas vivenciadas ao longo da carreira profissional (Roldão, 2005; Tardif & Raymond, 2000; Tardif, 2014). Tendo isso em vista, concordamos com Nóvoa (2017) quando defende que a profissão docente deve ser construída dentro da profissão.

Na situação descrita pela professora, também podemos perceber que, conforme Wertsch (1998) ressalta, novos instrumentos mediacionais podem transformar a ação mediada. As novas ferramentas culturais introduzidas por Joana no contexto da sala de aula e seu uso pelos agentes (professora e alunos) possibilitou a ocorrência de mudanças na prática docente. No entanto, isso não significa dizer que a única forma de introduzir mudanças seja por meio de novas ferramentas culturais, visto que essas também podem surgir por “uma variação dos níveis de habilidade e outros fatos relacionados aos agentes” (Wertsch, 1998, p. 77), ou seja, a ressignificação do uso de objetos mediadores nas ações de professores de Ciências/Biologia pode potencializar a capacidade real dos recursos em participar do processo de construção do conhecimento (Oliveira et al., 2019).

Os professores também utilizam o currículo das escolas como ferramenta para orientar a sua prática, como observado nos trechos a seguir:

Eu acho que essa questão da prática pedagógica ela também tá muito motivada não só pelo que você se importa, da turma aprender, mas também daquilo que é objetivo, missão da escola, aquilo que está no currículo. Então, isso eu consigo perceber bastante no contraste público/privada. No público, se você (...) quiser passar um filme, tudo bem, se quiser fazer uma prática bem legal pra eles aprenderem mais, tudo bem também, até porque você tem mais autonomia. Agora, no privado não. No privado você tá ali com uma pressão muito grande, sobretudo da família e você tem que se virar para dar conta de todo o conteúdo previsto. (Guilherme)

Assim, nisto acho diferença da escola pública em relação à privada, até porque eu trabalho nas duas. Na pública é assim: “eu não sei botânica, então eu não vou dar botânica” (...) Agora se eu tô na rede privada e a gestão chega pra você e fala “você vai dar genética”, minha filha ou você dá conta ou você é demitido. Se chegou lá o aluno te perguntou você tem que saber, se ele perceber que você não sabe, daqui um mês (...) você é mandado embora (...) Mas assim, ao mesmo tempo, na pública eu posso trabalhar mais do jeito que eu acredito ser melhor, adaptar o que acho que preciso, na privada não tem muita flexibilidade pra isso. (Ana)

Novamente, a comparação - escola pública e escola privada - evidencia aspectos do contexto interno que afetam o trabalho docente, nesse caso, na relação com o currículo. Pela narrativa dos professores , percebe-se um contraste no que diz respeito à autonomia para realização dos conteúdos programáticos. Enquanto na instituição privada os professores precisam cumprir em sua totalidade o conteúdo previsto no currículo da escola, principalmente porque os familiares pressionam para que isso aconteça, nas escolas públicas, o professor, na percepção deles, tem mais autonomia, o que permite fazer as adaptações curriculares necessárias para contemplar as particularidades das turmas. Semelhante aos resultados da pesquisa de Oliveira e Mortimer (2020), a narrativa dos professores demonstra que a preocupação com a aprendizagem dos estudantes é um dos motivos que causam transformações em suas ações pedagógicas, mas é tensionado novamente pelo contexto interno, representado especialmente pelas famílias e pelo que os professores entendem por autonomia. Ana acredita que o docente, ao fazer uso dessa autonomia nas escolas públicas, pode comprometer o processo de aprendizagem, na medida em que ele, por conta própria, escolhe não trabalhar certos conteúdos previstos no currículo da escola.

Isso nos indica que, no entender da professora, a autonomia é um “fazer sozinho”. Entretanto, conforme Monteiro et al. (2010) ressaltam, “não se pode analisar a autonomia por uma ótica individualista ou psicologista” (p. 119), pois, assim como os valores morais, a autonomia não deve ser considerada uma capacidade individual, mas sim, uma construção coletiva. Nessa perspectiva, para Nóvoa (2017) é importante reconhecer a dimensão coletiva da profissão docente no sentido de compreender que há conhecimentos, saberes e responsabilidades que não se esgotam num entendimento individualizado do trabalho do professor.

Terceiro ato - a avaliação das ações docentes

Dentre as ferramentas culturais utilizadas pelos sujeitos da pesquisa e outros agentes escolares no ato de avaliar a ação docente, destacamos: a autoavaliação e o discurso dos alunos.

Com relação à autoavaliação, todos os sujeitos desta pesquisa relataram em suas narrativas que fazem uma reflexão a respeito de suas próprias práticas com os propósitos de reconhecer falhas e melhorar suas atitudes e metodologias em sala de aula, como podemos observar nos trechos que destacamos a seguir.

Eu reflito né, tento reconhecer minhas falhas, então eu faço uma reflexão profunda mesmo e a partir do que eu acho que deu certo. (Joana)

(...) eu sempre faço uma avaliação minha no decorrer do dia e reflito sobre o que foi bom ou ruim, pra tentar ir sempre crescendo enquanto profissional e melhorando minhas práticas. (Taís)

Eu tenho essa questão também de me avaliar, de perceber também o que eu tenho que mudar na prática (...). Eu tenho que fazer da melhor forma possível o meu trabalho (...) porque eu tenho noção da responsabilidade e do peso do meu trabalho. (Breno)

E eu tento me avaliar pelo retorno que os alunos me dão. Eu vou me moldando em cima da reflexão que eu faço a partir disso. (Clarisse)

Segundo Cassettari (2014) a autoavaliação consiste em um processo no qual os professores são seus próprios avaliadores, responsáveis por estabelecerem juízos de valor sobre a própria ação. Dessa forma, com ela o professor analisa, de forma crítica, suas práticas pedagógicas, tomando consciência das melhorias que precisam ser feitas no seu trabalho.

Além disso, é importante ressaltar que momentos de reflexão que culminem em uma autoavaliação do professor muitas vezes são realizados de forma colaborativa, ou seja, com seus colegas de trabalho. Esse aspecto pode ser observado na narrativa de Guilherme.

A autoavaliação é também trabalho colaborativo, pelo menos eu vejo. (...) Entre os professores de biologia um pode ajudar o outro a ver coisas nas práticas que sozinho a gente não consegue. (Guilherme)

Percebemos que Guilherme demonstra abertura e receptividade às críticas ou às sugestões dos colegas e vice-versa, o que torna muito rico esse momento de reflexão compartilhada. Para Lima e Santos (2017) espaços de reflexão coletiva entre professores de Ciências é uma forma de evidenciar diferentes soluções possíveis para problemas comuns ao grupo, o que contribui para o processo de desenvolvimento de saberes docentes (Tardif, 2014) e de fortalecimento profissional (Nóvoa, 2017).

Os professores também utilizam o discurso dos alunos como forma de avaliar o próprio trabalho. Dessa forma, ao fazer o uso do discurso dos alunos, os professores buscam, principalmente, identificar quais aspectos da sua prática são vistos como bons ou ruins pelos estudantes, conforme destacado nas narrativas abaixo. Além disso, foi observado que alguns professores também buscam criar uma relação de troca e de confiança com os estudantes e dar mais autonomia a eles.

Em termo de avaliação da minha prática, eu faço isso na medida dos laços que a gente cria com os alunos, a gente consegue ver as reações deles (...) (Guilherme)

Pegam 10 alunos e eles avaliam os professores. (...) aí a gente vê o que eles gostam ou não e isso dita muito nosso trabalho na rede privada, porque, tipo, falam as coisas boas e ruins da prática da gente e a coordenação e direção sabem. (Breno)

Os alunos lá fazem enquete e quando sai enquete do professor a primeira coisa que eles falam “professor com o quadro bom, passa muita matéria no quadro, conteúdo em dia” e tudo mais (...) “O professor só dá aula só no Datashow”. A partir daí eu vejo o que eles consideram bom ou não na prática e isso interfere muito porque é escola privada né. (Taís)

O movimento que eu faço é assim: eu peço pros alunos me avaliarem (...) e deixo aberto possibilidades (...) Eu acho que isso é importante porque os alunos começam a ver que a gente se importa com o que eles pensam e é uma forma da gente estabelecer um relacionamento de confiança com eles. (Joana)

Um aspecto interessante observado a partir da leitura da narrativa de Breno e Taís, especificamente, é que eles ressaltam a ideia de que as avaliações dos alunos a respeito dos professores acabam ditando muito o trabalho deles. Esse aspecto vai ao encontro das ideias de Naiff et al. (2010) quando dizem que:

O que vemos nas escolas privadas é o aluno como centro do processo e satisfazê-lo é a origem e o resultado de toda ação. As escolas particulares também estão sintonizadas com as demandas do mercado. Nesse tipo de escola, o campo de forças tende sempre a favor da clientela (p. 59).

Assim, a situação relatada pelos professores nos informa como a ação mediada é cercada por forças de poder e autoridade. Para Wertsch (1998), a questão do poder e da autoridade podem estar relacionadas com certa autoridade que um agente tem para falar de um determinado assunto no contexto em que se insere. Dessa forma, as narrativas dos dois professores acima parecem demonstrar essa propriedade da ação mediada, na medida em que revelam que os alunos fazem uso de um discurso de poder nos contextos das escolas privadas nas quais esses professores trabalham.

Além disso, Wertsch (1998) salienta que as ferramentas culturais que os sujeitos utilizam, são materiais. Embora a materialidade de itens como computadores, livros e objetos de aulas práticas seja bastante evidente, visto que constituem objetos físicos que podemos manipular, essa mesma propriedade resulta menos óbvia quando consideramos ferramentas culturais, tais como o discurso e a linguagem (Oliveira et al., 2019). Para Westsch (1998), a materialidade é uma característica de todos os meios mediacionais, pois a forma de uso destes resulta em mudanças nos agentes que participam das ações, tal como descrito pela narrativa dos professores.

Diante do que foi exposto, percebemos que as ferramentas culturais são utilizadas pelos agentes nos três atos - o planejamento, a prática em sala de aula e a avaliação do trabalho docente - para atingir diversos objetivos. Esse aspecto vai ao encontro das ideias de Wertsch (1998) que ressalta que a ação mediada e os meios mediacionais utilizados pelos agentes se organizam em torno de múltiplos propósitos e não de um único. O autor afirma que identificar um único propósito em uma ação dá indícios de que o pesquisador utilizou um único ponto de vista durante a análise e não levou em conta o contexto (cena) na qual os atos se desenvolveram, visto que para Wertsch (1998) “as cenas costumam sugerir, ou delimitar, os objetivos que serão perseguidos nelas” (p.60). Portanto, na medida em que as ações docentes são executadas, elas ganham múltiplos objetivos (propósitos) de acordo com as formas de uso de cada ferramenta cultural, que se dá no contexto de cada instituição.

Nesse sentido, sabemos que, para Tardif (2014), o saber experiencial engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades ou aptidões e as atitudes dos docentes, a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana. Além disso, esse autor afirma que uma das principais estratégias de pesquisa associada a esse entendimento de saber consiste em criar possibilidades para que os sujeitos falem sobre “suas razões de agir ou discorrer, ou seja, no fundo, sobre os saberes nos quais eles se baseiam para agir ou discorrer” (Tardif, 2014, p. 200). O autor ainda acrescenta que, dessa forma, o estudo das razões de agir permite chegar aos saberes dos sujeitos. Assim, defendemos que os propósitos refletem os saberes experienciais dos professores, uma vez que representam as razões pelas quais os agentes utilizam determinados meios mediacionais nas tensões presentes em seus contextos de trabalho (Wertsch, 1998), constituindo, portanto, o saber-fazer e o saber-ser docentes mobilizados nessas instituições (Tardif, 2014).

Dessa forma, o quadro a seguir sintetiza e relaciona os propósitos/saberes experienciais identificados nas narrativas dos professores sujeitos da pesquisa, ao utilizarem as ferramentas mediacionais nos três atos analisados.

Quadro 2 As ferramentas culturais utilizadas na prática profissional e os propósitos/saberes experienciais dos professores 

Como defendemos que os saberes experienciais são construídos na tensão irredutível entre os agentes e as ferramentas culturais por eles utilizadas em seus contextos institucionais, evidenciamos o caráter interativo desses saberes, conforme Tardif (2014) afirma:

O saber dos professores não é o “foro íntimo”, povoado de representações mentais, mas um saber sempre ligado a uma situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais etc.), um saber ancorado numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado numa instituição e numa sociedade (p. 15).

Dessa forma, a partir da análise e dos saberes identificados, ressaltamos que a ação de ensinar dos professores engloba diversas formas de agir que são mobilizadas na prática docente. Roldão (2007), entende a ação de ensinar como uma ação inteligente, fundada em um domínio seguro de um saber, que seria o saber ensinar. Essa autora define o saber ensinar como “fazer aprender alguma coisa a alguém” (Roldão, 2005, p. 117). Para ela, reconhecer que os professores possuem um saber específico constitui um importante elemento para o desenvolvimento da profissionalidade docente. Além disso, Roldão (2007) ressalta que o saber ensinar, enquanto um saber profissional docente, não é um saber singular e sim, compósito.

Esse saber emerge dos vários saberes formais e do saber experiencial, que uns e outros se aprofundam e questionam. Torna-se saber profissional docente quando e se o professor o recria mediante um processo mobilizador e transformativo em cada acto pedagógico, contextual, prático e singular. Nessa singularidade de cada situação o profissional tem de saber mobilizar todo o tipo de saber prévio que possui, transformando-o em fundamento do agir informado, que é o acto de ensinar enquanto construção de um processo de aprendizagem de outros e por outros - e, nesse sentido, arte e técnica, mas fundada em ciência (p. 101).

Percebemos, portanto, que para a autora, os saberes experienciais compõem o saber ensinar. Esse aspecto corrobora com as ideias de Tardif (2014), quando ressalta que “aquilo que chamamos de saber dos professores ou de saber ensinar deve ser considerado e analisado em função dos tipos de ação presentes na prática (...) o saber ensinar refere-se, portanto, a uma pluralidade de saberes. (Tardif, 2014, p. 177), tal como evidenciado nesta síntese. Para o grupo focal, o saber ensinar parece tensionado pela distinção de normas que definem os tempos para planejamento e procedimentos burocráticos, assim como de recursos para execução das aulas, entre escolas públicas e privadas; pelas relações entre os professores e seus pares, com os alunos e seus familiares; e ao domínio e apropriação de novas ferramentas mediacionais pelos docentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, buscamos compreender como os contextos escolares influenciam a construção dos saberes experienciais docentes de professores de Ciências/Biologia. Observamos que a organização institucional a respeito do tempo dedicado ao planejamento dos professores na escola pode influenciar no momento de troca de experiências entre os pares, o que interfere no planejamento de trabalhos interdisciplinares e nas possibilidades de reflexões compartilhadas. A ausência desse tempo de planejamento nas escolas privadas, ou nas escolas públicas nas quais os professores relataram horários fragmentados de planejamento, pode influenciar a relação com os outros colegas de trabalho o que faz com que eles busquem alternativas para suprir a falta de encontro entre os professores na escola, constituindo outro saber experiencial identificado.

Constatamos que os recursos presentes nas escolas influenciam o desenvolvimento da prática docente na medida em que possibilitam/limitam as ações mediadas dos professores de Ciências/Biologia nesses contextos. Além disso, percebemos que mesmo com muitos recursos disponíveis em algumas escolas, a escolha ou não de utilizá-los na prática pode ficar vinculada aos discursos dos outros sujeitos que interagem com os professores como, por exemplo, os familiares dos alunos e os próprios alunos. Nesse sentido, a partir das narrativas de alguns professores, vimos que, ainda que domine certa ferramenta cultural, esta pode ou não ser apropriada pelo professor em virtude dessas relações interpessoais e dos discursos de poder e autoridade que determinados agentes escolares exercem nas instituições.

Assim, percebemos que a autonomia docente pode ficar fragilizada. Em outras palavras, o poder de decisão dos professores sobre a sua própria atividade profissional fica comprometido, o que interfere negativamente na construção de uma profissionalidade docente.

Outro aspecto que também se relaciona com o comprometimento da autonomia docente nos contextos escolares é a burocracia presente nessas instituições. A atitude prescritiva que recai obrigatoriamente sobre os professores quanto às tarefas e aos conteúdos escolares, toma grande parte do tempo que os mesmos têm para planejar e pode enrijecer os planos de aula/ensino. Esse aspecto pode influenciar a prática docente, na medida em que é necessário fazer adaptações nos conteúdos programáticos de acordo com a necessidade da turma, em cada contexto institucional.

Apesar de termos identificado indícios de aspectos mais presentes em escolas privadas como, por exemplo, uma maior presença de recursos materiais e a forte influência dos familiares dos alunos na dinâmica escolar; e aspectos mais presentes em escolas públicas como, por exemplo, a precarização de recursos materiais e uma maior liberdade dos professores em fazer adaptações curriculares, não é possível e nem é nossa intenção categorizar essas instituições. Assim, é evidente que cada contexto é único, as relações que os agentes escolares estabelecem são únicas, bem como a bagagem que cada professor traz consigo que é ressignificada no desenvolvimento das suas ações docentes.

Reconhecemos que a ação mediada como unidade de análise foi fundamental para compreendermos os vários “caminhos do meio”, ou seja, os processos interativos e as tensões existentes entre os professores e as ferramentas culturais utilizadas por eles em diferentes contextos, nos três atos que propusemos analisar nesta pesquisa. Assim, acreditamos na importância da análise apresentada neste estudo para subsidiar investigações futuras que versem sobre a influência dos meios mediacionais nas relações de ensino e na construção de saberes docentes, uma vez que esses aspectos interligados ainda são pouco explorados na literatura específica da área.

Por fim, destacamos que mesmo estando em contextos únicos de atuação profissional, e em diferentes momentos da carreira docente, esta pesquisa indica que os professores compartilham saberes experienciais. Dessa forma, sugerimos que esses saberes, que fazem parte do saber ensinar, precisam ser mobilizados e mais discutidos em programas de formação de professores de Ciências/Biologia, tendo em vista a possibilidade de contribuir tanto para o processo de ensino-aprendizagem quanto para a construção de uma profissionalidade docente.

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O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Recebido: 29 de Julho de 2022; Aceito: 06 de Março de 2023

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Contato: Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes, Centro de Educação. Av. Fernando Ferrari, 540 - Goiabeiras, Vitória - ES | Brasil, CEP 29075-910, Telefone: + 55 27 4009-7782

Contato: - Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais - CECIMIG, Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais, revistaepec@gmail.com

Mariana Donateli Gatti - Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação - PPGMPE / Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes. Professora de Ciências/Biologia da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo - SEDU. Grupo de Pesquisa: Formação docente, linguagem e cultura em educação em ciências - GPFEC.

Junia Freguglia - Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Professora Associada do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes; Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação - PPGMPE/Ufes e do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia - Profbio/Ceunes/Ufes. Grupo de Pesquisa: Formação docente, linguagem e cultura em educação em ciências - GPFEC.

Editor responsável: - Luciana Sá

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