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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

Print version ISSN 1415-2150On-line version ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.25  Belo Horizonte  2023  Epub Aug 05, 2023

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240148 

Arigos

ENTRE NORMAS E ROTINAS DA QUÍMICA ORGÂNICA: O TRABALHO COM OS DOMÍNIOS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

ENTRE NORMAS Y RUTINAS DE LA QUÍMICA ORGÁNICA: EL TRABAJO CON LOS DOMINIOS DEL CONOCIMIENTO CIENTÍFICO

Fernando César Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-8593-3090

Lúcia Helena Sasseron2 
http://orcid.org/0000-0001-5657-9590

1 Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: fcsquimico@ufmg.br

2 Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: sasseron@usp.br


RESUMO:

Partimos do pressuposto de que a aproximação de normas e rotinas características da atividade científica pode ser elemento promotor de aprendizagem das ciências. Assim, buscamos responder a questão de pesquisa: “Em aulas de Química Orgânica para estudantes do ensino superior, quais domínios do conhecimento científico são mobilizados pela professora?” Para isso, foram gravadas, em áudio e vídeo, aulas da disciplina de Química Orgânica para uma turma de Licenciatura em Química. Os dados produzidos para esta pesquisa advêm da transcrição dessas gravações e foram analisados qualitativamente com o objetivo de identificar a mobilização dos domínios do conhecimento científico pela professora. Os resultados indicaram que os domínios conceitual e material surgem com frequência, e o epistêmico raramente. Já o domínio social surge vinculado, especialmente, ao uso das representações. Ao interagir com esses domínios a professora relaciona o material experimental ao uso das representações. Como implicações desta pesquisa defendemos a ideia de objeto epistêmico para abordagem das representações e caracterização do domínio material.

Palavras-chave: Ensino Superior; Domínio social; Domínio material

RESUMEN:

Partimos del supuesto de que la aproximación a normas y rutinas propias de la actividad científica puede ser un elemento que promueva el aprendizaje de las ciencias. Así, buscamos responder a la pregunta de investigación: “En las clases de Química Orgánica para estudiantes de la educación superior, ¿qué dominios del conocimiento científico son movilizados por el docente?”. Para ello se grabaron clases de Química Orgánica, en audio y video, para una clase de grado en Profesorado en Química. Los datos producidos para esta investigación provienen de la transcripción de esas grabaciones y fueron analizados cualitativamente con el objetivo de identificar la movilización de los dominios del conocimiento científico por parte del docente. Los resultados indican que los dominios conceptual y material aparecen con frecuencia, y el epistémico rara vez. El dominio social, en cambio, aparece ligado al uso de las representaciones. Al interactuar con estos dominios, el docente relaciona el material experimental con el uso de representaciones. Como implicaciones de esta investigación defendemos la idea de un objeto epistémico para acercarnos a las representaciones y caracterizar el dominio material.

Palabras clave: Educación Superior; Dominio social; Dominio material

ABSTRACT:

We assume that the approximation of norms and routines characteristic of scientific activity can be an element that promotes science learning. Thus, we aim to answer the research question: “In Organic Chemistry classes for Higher Education students, which domains of scientific knowledge are mobilized by the professor?”. Therefore, Organic Chemistry classes in a teacher training program in Chemistry were recorded in audio and video. The data produced for this research come from the transcription of these recordings and were analyzed qualitatively in order to identify mobilization of the domains of scientific knowledge by the professor. The results indicated that the conceptual and material domains appear frequently, and the epistemic rarely. The social domain, on the other hand, appears linked to the use of representations. When interacting with these domains, the professor relates the experimental material to the use of representations. As implications of this research, we defend the idea of an epistemic object to approach visual representations and characterize the material domain.

Keywords: Higher Education; Social domain; Material domain

INTRODUÇÃO

Estudos em história, filosofia e sociologia das ciências sustentam a concepção de que a atividade científica é social, pois os membros da comunidade científica negociam entre si para produzir teorias, entender fenômenos e interagir com processos naturais por meio de práticas diversas regidas por normas, rotinas e valores (Knorr-Cetina, 1999; Longino, 1990; 2002; Pickering, 1995). Considerando essas ideias, diversos pesquisadores da área de Educação em Ciências defendem a necessidade de fomentar interações entre os estudantes e o professor, e com materiais e conhecimentos, considerando normas e práticas características da atividade científica, como elemento promotor de aprendizagem das ciências (Deng et. al, 2019; Duschl, 2008; Franco & Munford, 2020a; Sasseron, 2021; Stroupe, 2014).

Ao considerar a construção dos entendimentos em sala de aula por meio das interações sociais, a concepção de ensino de ciências como prática social se sustenta somente quando os domínios do conhecimento científico são acessados (Silva et al., 2022). Isso porque a compreensão dos conhecimentos em sala de aula não se dá apenas pelo contato com conceitos, teorias, princípios, leis, definições e modos de raciocinar cientificamente (domínio conceitual), mas envolve também a participação nessa comunidade escolar, que, por meio de práticas, dos entendimentos usados e construídos, dos materiais concretos e abstratos (domínio material) negocia e reproduz normas, rotinas e valores (domínio social) para determinar a maneira como esses entendimentos são propostos, comunicados, avaliados e legitimados (domínio epistêmico) (Duschl, 2008; Kelly & Licona, 2018; Stroupe, 2014).

A discussão sobre a incorporação e a integração dos domínios conceitual, epistêmico, social (Duschl, 2008) e material (Stroupe, 2014) para os processos de aprendizagem em aulas de ciências tem estimulado muitas pesquisas na área de Educação em Ciências com objetivos bem diversos. Por exemplo, há pesquisas que ressaltam a comparação da predominância de domínios específicos mobilizados por cientistas, professores de ciências e estudantes do Ensino Fundamental (Peters-Burton & Baynard, 2013), pesquisas que visam à implementação de situações de ensino que propõem a integração entre os domínios e processos de abordagens investigativas (Papadourisa & Constantinou, 2014; Van Uum et al., 2016; 2017), pesquisas que fornecem implicações para os conhecimentos de conteúdo e pedagógico de professores de ciências a partir dessa integração (Van Uum et al., 2019), e pesquisas que promovem a compreensão de práticas desenvolvidas por estudantes a partir da articulação entre os domínios (Franco & Munford, 2020a,b; Kim & Tan, 2013; Sasseron, 2021).

Em geral, há consenso entre os autores dos trabalhos mencionados anteriormente de que os domínios do conhecimento científico são interdependentes, havendo, portanto, necessidade de que eles sejam mobilizados de forma articulada para a aprendizagem das ciências (Duschl, 2008; Franco & Munford, 2020b; Sasseron, 2021; Stroupe, 2014). Por exemplo, Franco e Munford (2020b) afirmam que o par epistêmico+social confere caráter investigativo às situações de ensino, contribuindo para o desenvolvimento, pelos estudantes, de práticas mais próximas às científicas.

Além disso, três observações ainda merecem ser destacadas: (i) o domínio material do conhecimento científico ainda é pouco investigado; (ii) o entendimento do domínio social ainda precisa ser mais explorado para o que realmente ele significa, ou seja, sobre como professor e estudantes interagem e compreendem normas e rotinas próprias da atividade científica para comunicar, discutir e desenvolver ideias, conforme proposto por Duschl (2008) e Stroupe (2014); e (iii) ausência de estudos sobre a temática em aulas do ensino superior. As duas últimas observações fomentaram o desenvolvimento da pesquisa aqui relatada.

Nesse sentido, no presente artigo relatamos um estudo que visa responder à seguinte questão de pesquisa: Em aulas de Química Orgânica para estudantes do ensino superior, quais domínios do conhecimento científico são mobilizados pela professora? Para isso, analisamos como esses domínios surgem em aulas da disciplina de Química Orgânica para estudantes da Licenciatura em Química de uma universidade pública. Para o estudo, entendemos ser necessário voltar nossas atenções não apenas para os estudos já realizados em Educação em Ciências, mas também aos estudos sobre as ciências e, em especial, a Química Orgânica, uma vez que a análise de normas, rotinas e valores que surgem em sala de aula não deve estar restrita às marcas da cultura escolar quando almejamos a explicitação e o desenvolvimento de marcas culturais das ciências.

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM LABORATÓRIOS

Analisando a produção de conhecimentos científicos, Knorr-Cetina (1999) afirma que no laboratório raramente os cientistas trabalham com o objeto de estudo como ele está e é na natureza. Para ela, há três características de um objeto natural que o laboratório não precisa acomodar: (i) como ele é, pois o objeto natural, no laboratório, pode ser substituído por versões parciais e modificadas; (ii) onde ele está, pois pode ser manipulado nas condições do laboratório; e (iii) quando ele acontece, pois o ciclo natural de ocorrência do objeto natural pode ser dispensado, interferindo até mesmo na sua frequência. Podemos ainda incluir uma quarta característica: para que ele serve, pois a função desse objeto natural pode ser alterada.

Nesse sentido, no laboratório os objetos são movidos de seu ambiente natural para se estabelecer em outro ambiente governado por uma agência social (Knorr-Cetina, 1999; Pickering, 1995). Para Pickering (1995), a agência social pode ser entendida como a agregação e recomposição das agências humana e material. Em outras palavras, na agência social, a atividade científica é humana, mas também ocorre pelo acesso que se tem aos materiais, se entrelaçando em um esforço para entender e interagir com o mundo.

A produção, a avaliação e a legitimação do conhecimento científico se configuram a partir e por meio dos interesses e limitações dos agentes humanos, indicando, portanto, que há uma agência humana (Pickering, 1995). De acordo com o autor, essa agência não está dissociada da materialidade. Por exemplo, respondemos às tempestades e ao frio construindo casas e roupas, e, na ausência dos materiais e instrumentos para essa finalidade, nossas vidas estariam em risco. Isso posto, ele entende que a produção, a avaliação e a legitimação do conhecimento científico também envolve a materialidade disponível no momento em que atividade científica está acontecendo, portanto, sugere haver uma agência material que se entrelaça à agência humana. Para ele, os contornos da ação material não são definidos previamente, pois os cientistas precisam explorá-los constantemente em suas atividades, deparando-se com o surgimento e a resolução de problemas no desenvolvimento do conhecimento científico.

Pickering (1995) reconhece a importância das relações sociais e das habilidades humanas para construção do conhecimento, mas entende que elas não são suficientes para o desenvolvimento da atividade científica. Para ele, o conhecimento, ao mesmo tempo que é construído a partir da agência material, ou seja, dos materiais concretos e abstratos que se tem à disposição naquele momento, é mediado pela agência humana, as construções mentais, práticas e relações sociais que permitem acessar esses materiais. A inclusão dos materiais abstratos se justifica pelo fato de que, para Pickering (1995), a materialidade não se constitui apenas pelos materiais concretos que desempenham uma ação física, mas inclui, por exemplo, as representações que permeiam a atividade científica, movimentando esses processos de produção de conhecimentos. Entendemos que as representações, ao serem problematizadas acerca de seus usos e seus desdobramentos no processo de produção de conhecimento e crescimento na ciência, podem assumir materialidade. Dessa forma não buscamos analisar nossos dados com base apenas nos estudos da linguagem, que orientam as pesquisas sobre multimodalidade, embora reconheçamos a importância deles.

Tendo essas ideias expostas, concordamos com Knorr-Cetina (1999) ao propor que o laboratório não se restringe ao espaço físico onde os experimentos são realizados, pois reúne os diferentes sujeitos que transitam por ali, as relações e normas sociais que são estabelecidas e negociadas dialeticamente no laboratório; os objetos de estudo que se diversificam na temporalidade e os variados tipos de aparatos, instrumentos, equipamentos, materiais, arquivos e representações que consolidam o trabalho dos sujeitos dos diferentes campos de conhecimento, fomentando posturas culturais, sociais e técnicas variadas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DA QUÍMICA ORGÂNICA

Para a pesquisa que aqui relatamos, trazemos brevemente a caracterização da Química Orgânica enquanto subárea da Química, com normas, rotinas e valores próprios que são permeados pelos contextos material, conceitual e representacional (Goodwin, 2003; Hoffman & Laszlo, 1991; Laszlo, 1998).

Na Química, as substâncias são extraídas e purificadas de fontes naturais e/ou são planejadas e produzidas no laboratório, tanto em pequena quanto em larga escala, ao mesmo tempo em que suas propriedades são descritas e inferidas em representações nos artigos de pesquisa (Jacob, 2001). Dessa forma, os materiais usados para a produção desses compostos no laboratório assim como as normas e os aspectos conceituais associados às representações, que permitem expressar propriedades físicas e químicas, são centrais para a construção do conhecimento químico. Para Hoffmann e Laszlo (1991), os béqueres e as colunas de destilação, assim como as fórmulas estruturais, são marcas da Química, pois o laboratório se torna o locus de um trabalho simbólico sobre a matéria, ao abrigar as suas transformações, produção de conceitos e representações (Laszlo, 1998).

Em geral, na Química Orgânica a interação com um fenômeno não é acomodada por apenas uma lei, como na Físico-Química, mas por uma complexa rede de teorias, conceitos e representações que constituem o que Goodwin (2008; 2010) chama de teoria estrutural. Para ele, basicamente, na Química Orgânica são estudadas as moléculas orgânicas e suas reações, envolvendo aspectos relacionados à energia, velocidade e as rotas que levam aos produtos advindos dessas reações (Idem, 2003). Dessa forma, Goodwin (2010) entende a teoria estrutural não como um conjunto fixo de afirmações no sentido filosófico tradicional, mas como sendo a aproximação a uma estratégia metodológica para a elaboração de previsões e explicações das propriedades e transformações dos compostos orgânicos, baseando-se, principalmente, na fórmula estrutural. Em nossa interpretação, ao destacar a fórmula estrutural, o autor não a dissocia dos aspectos conceituais necessários para a construção do conhecimento na Química Orgânica, mas reforça a centralidade dessas representações. Em ideia semelhante, Statham (2017), referindo-se aos conceitos de nucleófilo e eletrófilo, afirma que os químicos a partir das fórmulas estruturais do cloreto, brometo e hidróxido podem prever o seu uso em uma reação de substituição nucleofílica, ao passo que o íon nitrônio não. Em síntese, as fórmulas estruturais permitem aos químicos orgânicos categorizar espécies químicas e prever as reações que as classes dessas espécies podem sofrer (Goodwin 2012; Statham, 2017).

Para mostrar a centralidade das representações na Química Orgânica, Goodwin (2010) defende que elas não são abandonadas a cada nova evidência empírica (por exemplo, medições de momento dipolo) e/ou desenvolvimento teórico (por exemplo, teoria dos orbitais moleculares). Em nossa interpretação, o autor entende que o desenvolvimento da teoria dos orbitais moleculares se deu em um processo histórico que alterou as formas de representação e a própria teoria estrutural. No entanto, ele quer destacar que, por exemplo, a fórmula estrutural da água escrita como H-O-H não fora substituída por uma representação envolvendo os orbitais, pois ela continua sendo usada em alguns contextos. Reconhecemos que essa forma de representar possui limitações, e o fato de usar uma forma ou outra de representação está relacionada às normas que regem o seu uso e interpretação em uma situação específica. Nesse sentido, a Química Orgânica é marcada por um sistema específico de representações desenvolvidas ao longo do tempo, convencionalizadas (Hoffmann & Laszlo, 1991) e situadas.

EXPLORANDO O DOMÍNIO SOCIAL DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM SALA DE AULA

Para o contato dos estudantes com os diferentes domínios do conhecimento científico, Duschl (2008) defende a incorporação de processos dialógicos de construção do conhecimento na aprendizagem em ciências, o que permitiria aos estudantes o desenvolvimento de práticas que fomentem a compreensão de como sabem o que sabem, e por que acreditam no que sabem. Assim, ele enfatiza que essas práticas não podem ser meramente manipulativas e sem envolvimento intelectual, o que resultaria apenas na execução de um roteiro com etapas definidas. Nesse sentido, Duschl (2008) propõe três domínios de conhecimento que devem surgir de forma integrada nas abordagens em sala de aula e na avaliação da aprendizagem das ciências: o conceitual “as estruturas conceituais e processos cognitivos usados ao raciocinar cientificamente”; o epistêmico “as estruturas epistêmicas usadas no desenvolvimento e avaliação do conhecimento científico”, e o social “os processos e contextos sociais que moldam a forma como o conhecimento é comunicado, representado, discutido e debatido” (p. 277, tradução nossa).

Considerando as ideias de Lehrer e Schauble (2006) sobre o ensino de ciências como prática e de Duschl (2008), sobre os domínios do conhecimento científico em sala de aula, Stroupe (2014; 2015), nomeando-os como “dimensões do trabalho disciplinar para aprender ciências como prática”, inclui um quarto domínio, o material. A inclusão do domínio material do conhecimento científico por Stroupe (2014) mostra que os materiais, as ferramentas e os recursos podem desempenhar função epistêmica na sala de aula, afastando a perspectiva de que sejam apenas acessórios. Para proposição desse domínio, Stroupe (2014) se ancora nas ideias de Pickering (1995) de que os objetivos da atividade científica também surgem no momento que ela está acontecendo e, portanto, esse conhecimento se constrói a partir dos materiais que se tem à disposição naquele momento, conforme discutimos anteriormente. Nessa perspectiva, Stroupe (2014), ao defender uma abordagem mais autêntica das ciências em sala de aula, indica que os estudantes precisam vivenciar atividades que envolvam imprevisibilidade, raciocínio e transformação de ideias, que são sustentadas pelo uso com envolvimento intelectual das ferramentas, tecnologias e recursos.

O domínio social do conhecimento científico tem sido entendido como a comunicação e colaboração para resolver problemas a partir de um consenso estabelecido no grupo (Kim & Tan, 2013), colaboração e apresentação da pesquisa (Van Uum et al., 2016; 2017; 2019), comunicação e negociação de observações, construção coletiva de rotinas de trabalho e conclusões baseadas em dados, discordância dos colegas, consideração e articulação das ideias do professor e dos colegas durante as discussões (Franco & Munford, 2020a,b), e normas acordadas e seguidas pelos estudantes do grupo para a realização das tarefas propostas (Sasseron, 2021). Podemos perceber que o trabalho coletivo realizado pelos estudantes e professor tem se destacado no entendimento dos autores acerca desse domínio. Concordamos com as ideias expostas por eles, mas entendemos que esse domínio do conhecimento científico não se encerra na coletividade permitida pelo trabalho em grupo, mas nos espaços de crítica que são criados nele, permitindo a negociação e/ou reprodução de normas, valores e rotinas que permitem o desenvolvimento das atividades escolares.

Essas normas e rotinas ainda são pouco exploradas nos estudos que encontramos na literatura da Educação em Ciências, conforme mencionamos anteriormente. Nesse sentido, buscaremos as ideias de Longino (1990), filósofa da ciência, como subsídio teórico para a compreensão do domínio social. Ao discutir sobre o caráter social do conhecimento científico, Longino (1990, 2002) concebe a atividade científica regida por normas e valores, pois consiste de práticas diversas desempenhadas por pessoas e/ou grupos de pesquisa diferentes que negociam para produzir teorias, entender fenômenos e interagir com processos naturais etc. Longino (1990; 2002) defende que as práticas cognitivas da ciência possuem uma dimensão social necessária ao reconhecimento do que conta como conhecimento, moldando e sendo moldadas por um contexto mais amplo. Longino (1990) discute a necessidade dessa dimensão social expondo os três aspectos do caráter social da ciência propostos por Grene (1985): (i) as ciências são praticadas por grupos sociais e vinculadas a normas, práticas e recursos, sendo, portanto, um empreendimento social; (ii) para se tornar praticante e pertencer a esses grupos, há necessidade de uma iniciação, aprendendo com aqueles que já são praticantes e pertencentes, para conhecer, reproduzir e negociar essas normas, práticas e recursos; e (iii) a prática desses indivíduos torna a prática de uma comunidade imersa em uma sociedade que também possui normas e valores.

Tendo essas ideias como pressupostos iniciais, Longino (2002) propõe quatro normas sociais do conhecimento social: a existência de fórum, o estabelecimento de padrões públicos de análise, receptividade à crítica e constituição de igualdade moderada. A existência de fórum consiste nos espaços indicados para a discussão e crítica das ideias propostas pelos praticantes de determinada atividade científica, sendo que tanto a proposição quanto a avaliação das ideias possuem o mesmo valor. Para ela, esses espaços podem ser, por exemplo, os eventos e os artigos científicos. O estabelecimento de padrões públicos de análise são os critérios definidos na e pela comunidade de praticantes para avaliação das ideias, ou seja, eles permitem avaliar se as ideias propostas são adequadas ao campo de conhecimento. No entanto, segundo a autora, esses padrões não são limitantes, mas necessários para que a crítica ocorra de forma responsável e permita a sua compreensão por todos os membros dessa comunidade. Ela ainda ressalta que esses padrões não são imutáveis, mas que podem ser transformados na e pela comunidade. A receptividade à crítica significa participar do discurso crítico que ocorre dentro da comunidade, o que envolve considerar a crítica que tem sido feita. No entanto, ela defende que o termo considerar não significa simplesmente concordar, mas discutir, modificar quando necessário e evoluir. Na constituição de igualdade moderada todos os membros dessa comunidade são considerados capacitados para a proposição e avaliação das ideias, desde que atendam às normas estabelecidas por essa comunidade.

As ideias discutidas expõem nossa percepção de que o domínio social não pode ser caracterizado apenas pela colaboração, discussão e comunicação, ou seja, apenas quando da realização das atividades em grupos. Esse momento coletivo precisa ser crítico, não se limitando à proposição de ideias, mas extrapolando para a sua avaliação. No entanto, essa avaliação não pode ocorrer de forma aleatória (por exemplo, refutar a ideia do colega porque não há simpatia por ele), mas se adequando às normas e rotinas do campo de conhecimento. Não defendemos aqui que os estudantes se comportem como cientistas, mas que, em sala de aula, algumas marcas do campo de conhecimento permaneçam. Ao ter suas ideias avaliadas, os estudantes podem concordar com as críticas e modificar as ideias, mas também podem discordar, desde que atendam às normas, respondendo a essas críticas. Ao realizar esse movimento o professor compartilha a autoridade epistêmica com os estudantes constituindo uma igualdade moderada, na qual os estudantes também possuem legitimidade para propor e debater ideias.

PERCURSO METODOLÓGICO

Em aulas de Química Orgânica para estudantes do ensino superior, quais domínios do conhecimento científico são mobilizados pela professora? Essa questão de pesquisa nos remete ao objetivo de analisar como esses domínios surgem em aulas da disciplina de Química Orgânica. A caracterização dos domínios do conhecimento científico tem sido desafiadora (Franco & Munford, 2020a;b; Peters-Burton & Baynard, 2013), pois, em muitas situações, eles são interdependentes e podem ocorrer aos pares, trincas ou todos juntos (Franco & Munford, 2020b).

Optamos por uma abordagem qualitativa para analisar a interação da professora com os domínios do conhecimento científico em sala de aula, pois essa abordagem possui seu alicerce na relação dinâmica entre o mundo real e os diversos sujeitos, permitindo uma descrição detalhada de contextos, situações, pessoas, interações, comportamentos e falas dos sujeitos (Lüdke & André, 2013). O artigo relatado é um recorte de uma pesquisa mais ampla com foco na professora, portanto, é um estudo de caso, em que analisamos o surgimento dos domínios do conhecimento científico em sala de aula durante as falas da mesma, preservando as situações de seu contexto (Yin, 2001).

A situação de ensino e os dados em análise

Analisamos uma situação de ensino que consiste em aulas iniciais da disciplina de Química Orgânica II ministrada por uma professora para uma turma de licenciandos em Química de uma universidade pública. É importante destacar que essa disciplina foi ministrada em sala de aula, e não no laboratório. Essa informação faz-se necessária, pois a professora em diversas situações relaciona o que acontece no laboratório para construção dos mecanismos de reação referentes às reações químicas estudadas em sala de aula. Optamos por acompanhar e gravar em áudio e vídeo essas aulas por entendermos que as interações discursivas da professora com os estudantes são momentos oportunos para a caracterização dos domínios do conhecimento científico. As aulas ocorreram em março de 2020 e a disciplina foi interrompida em obediência às medidas sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19. Assim, o corpus deste estudo corresponde à gravação de duas aulas de 100 minutos cada. A professora e todos os estudantes matriculados na disciplina assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) reconhecendo sua participação na coleta de informações para uso nesta pesquisa. Para garantir a preservação de suas identidades, são usados pseudônimos para os estudantes e não nomearemos a professora.

A disciplina de Química Orgânica II é ofertada no quarto período letivo para o curso noturno de Licenciatura em Química e tem como pré-requisito a disciplina de Química Orgânica I. Na disciplina são estudadas as reações envolvendo compostos orgânicos e os métodos de caracterização estrutural, tais como espectroscopia de absorção na região do infravermelho, espectrometria de massas e ressonância magnética nuclear. As disciplinas de Química Orgânica foram divididas em teóricas e práticas, sendo que a disciplina de prática, chamada de Química Orgânica Experimental, será ofertada somente quando os estudantes estiverem cursando o quinto período. A disciplina de Química Orgânica II foi escolhida por possuir marcas características do uso das representações visuais que permitem compreender normas, rotinas e valores tanto da comunidade científica quanto da sala de aula.

A professora em cuja turma as informações foram coletadas foi escolhida por, no momento da realização das aulas, possuir vinte e nove anos de experiência como professora de ensino superior, e estar há dezesseis anos atuando na universidade em que as aulas ocorreram. Ela é orientadora de dissertações e teses no curso de pós-graduação de seu departamento, e desde que ingressou na instituição tem pesquisado em química de produtos naturais. Essas informações mostram se tratar de uma professora experiente e pesquisadora integrante de uma comunidade, que possui normas, rotinas e valores (Longino, 1990). Além disso, também foi motivo para sua escolha o fato de que suas aulas já foram analisadas por pesquisadores em Educação da própria instituição, e, por isso, entendemos que ela pode se sentir à vontade com a presença do pesquisador e dos equipamentos de gravação na sala de aula.

Nas aulas gravadas para este estudo, a professora revisou conceitos já estudados pelos estudantes na disciplina de Química Orgânica I, enfatizando as estruturas de ressonância e os mecanismos de reação. Ela também discutiu as reações de obtenção de álcoois e éteres, e aquelas que eles podem sofrer. Para essa discussão a professora utilizou os volumes I e II do livro de Química Orgânica (Solomons & Fryhle, 2002), e slides contendo uma diversidade de representações, dentre as quais destacamos as estruturas e equações químicas e mecanismos, alguns exemplos de reações, definições e questões para os estudantes resolverem. Em geral, algumas questões eram resolvidas na sala de aula e outras a professora incentivava os estudantes a resolverem em casa. Além da projeção dos slides, a professora utilizava o quadro constantemente para a construção das estruturas químicas e dos mecanismos de reação. Quando os estudantes estavam resolvendo as questões, a professora percorria a sala observando e intervindo na resolução quando necessário. Em geral, a professora questionava os estudantes, mas somente três estudantes participavam mais ativamente dessas discussões. Numa tentativa de envolver os outros na discussão, ela indicava estudantes para responderem a questão. Em outros momentos, ela solicitava que os estudantes indicados fossem ao quadro para fazer os mecanismos de reação. Nesse sentido, ao analisarmos as falas da professora podemos identificar se os domínios do conhecimento científico surgem, e a forma como eles ocorrem nos permite entender como se dá a mobilização de normas e rotinas durante suas aulas. Portanto, somente as falas da professora foram categorizadas quanto aos domínios do conhecimento científico.

A coleta de informações ocorreu a partir de anotações em caderno de campo e por meio de gravações em vídeo e áudio das situações de sala de aula. Para a gravação em vídeo foram utilizadas duas filmadoras, sendo uma delas fixa e posicionada na frente da sala de aula, próxima à mesa da professora, focando-a, e a segunda câmera era móvel, manuseada por um dos pesquisadores deste trabalho que também ficou à frente da sala de aula. Para as informações obtidas em áudio, foram espalhados cinco gravadores de áudio pela sala, sendo um fixado na mesa da professora. Os dados analisados neste artigo foram produzidos a partir das transcrições das gravações em áudio e vídeo e representam as interações discursivas ocorridas durante a situação de ensino bem como as anotações realizadas em caderno de campo. Não interferimos no processo de ensino e aprendizagem, pois buscamos acompanhar no ambiente natural da professora como ocorreram essas interações (Carvalho, 2011) para que os estudantes compreendessem sobre os temas e processos da Química Orgânica.

As transcrições das falas foram realizadas na íntegra e organizadas em um quadro em que cada linha foi designada como um turno de fala de um sujeito, obedecendo às normas indicadas para representar entonações da fala, pausas, dentre outras (Carvalho, 2011). Por exemplo, [...] para indicar que foi omitido um trecho no turno de fala, … para indicar qualquer tipo de pausa, (()) para indicar inserção de comentários, (___) para indicar falas sobrepostas, e / para indicar truncamento de palavras etc. Ainda de acordo com Carvalho (2011), os episódios são os recortes das transcrições que evidenciem a situação que pretendemos investigar. Em nossa pesquisa se referem às situações nas quais os domínios do conhecimento científico em sala de aula foram mobilizados pela professora. Organizamos as transcrições das duas aulas em oito episódios, mas, neste artigo, descrevemos apenas aqueles que indicaram evidências para a caracterização dos diferentes domínios, são eles: (i) retomada da discussão sobre as propriedades físicas dos álcoois, (ii) retomada da discussão sobre as reações de obtenção dos álcoois, (iii) discussão sobre as reações que os álcoois podem sofrer, e (iv) discussão sobre as reações de obtenção dos éteres.

A categorização dos domínios do conhecimento científico (Duschl, 2008; Stroupe, 2014) nos turnos de fala da professora foi realizada conforme indicado no Quadro 1. Os turnos de fala dos estudantes não foram caracterizados, pois buscamos analisar a mobilização dos diferentes domínios do conhecimento científico em aulas de Química Orgânica pela professora.

Fonte: Os autores

Quadro 1 Demonstração da categorização realizada nos turnos de fala da professora, envolvendo o episódio sobre as reações para obtenção de álcoois1  

ANALISANDO OS DOMÍNIOS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO USADOS PELA PROFESSORA

Devido à natureza das aulas, a professora revisita conteúdos já estudados e apresenta novos, mobilizando recorrentemente o domínio conceitual do conhecimento científico. Nesse sentido, a professora realiza interações que revelam uma abordagem de ensino tradicional (Stroupe, 2014; 2015), mas outros domínios do conhecimento científico surgem. Portanto, nessa análise, trouxemos apenas os episódios que indicavam turnos de fala que nos permitissem também evidenciar marcas dos outros domínios, conforme indicado nos quadros a seguir.

No episódio analisado e indicado no Quadro 2, a professora retoma uma discussão realizada com os estudantes, comparando a temperatura de algumas classes de compostos. Propositalmente, a professora faz uma comparação que não procede, pois a temperatura de ebulição de éteres e hidrocarbonetos de massas moleculares semelhantes é bem próxima, e não muito maior. O objetivo principal era verificar se os estudantes perceberiam a incoerência nessa comparação. Como eles não perceberam, a professora escreveu estruturas gerais, “ROH, R-OR e R-H”, para representar os grupos funcionais dos álcoois, éteres e hidrocarbonetos, respectivamente. A partir das estruturas gerais escritas pela professora, João percebe a incoerência dessa comparação e responde. Por fim, a professora destaca a importância do uso do termo intermolecular.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica.

Quadro 2 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as propriedades físicas dos álcoois 

Nos turnos de fala 10 a 16, a professora, ao buscar os conhecimentos prévios dos estudantes por meio da apresentação de uma comparação entre as temperaturas de ebulição entre classes de compostos orgânicos, retoma um conteúdo estudado, usando o domínio conceitual. Como os estudantes não demonstraram terem identificado incoerência nessa comparação, a professora escreve representações no quadro (turno 22) para evidenciar as diferenças de temperatura de ebulição, sustentando a sua explicação (domínio material). Neste caso, essas representações assumiram materialidade ao serem problematizadas pela professora que, ao explicitar a disposição dos átomos que constituem os grupamentos funcionais, evidencia o tipo de interação intermolecular predominante e explica a diferença das temperaturas de ebulição, sustentando o seu trabalho intelectual e favorecendo o entendimento dos estudantes. Entendemos que ela relaciona o conteúdo a essas representações, que fornecem elementos conceituais (o átomo de hidrogênio ligado diretamente ao átomo de oxigênio no álcool implicaria em uma temperatura de ebulição mais elevada do que os éteres e os hidrocarbonetos de mesma massa molecular, e a presença somente do átomo de oxigênio no éter implicaria em uma temperatura de ebulição próxima a dos hidrocarbonetos), para que os estudantes possam identificar a incoerência na comparação estabelecida.

Em outro episódio a professora reforça a centralidade dessas representações na Química Orgânica (Goodwin, 2008; 2010), conforme indicado no Quadro 3.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica

Quadro 3 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as reações que os álcoois podem sofrer 

No turno 103, a professora explica o motivo da ênfase na construção dos mecanismos de reação indicados, pois, para ela, eles permitem acessar os modelos que são construídos para entender e interagir com os temas e processos da Química Orgânica (Goodwin, 2008; 2010). Assim, entendemos que a professora explica como se organiza o entendimento sobre as reações orgânicas e porque se organiza desta forma (domínio epistêmico). Além disso, a professora mais uma vez estabelece uma norma vinculada ao uso das representações, a necessidade de construção do mecanismo (domínio social). Considerando que os livros e os artigos de Química Orgânica estão repletos de mecanismos de reação, essa norma estabelecida pela professora também é uma rotina dessa comunidade. Portanto, o uso do mecanismo torna-se um critério definido pela professora para avaliação das ideias, remetendo-nos ao que Longino (2002) propõe como o estabelecimento de padrões públicos de análise.

Em outro momento da aula, a professora estava discutindo com os estudantes sobre uma reação que torna o grupo hidroxila do álcool um bom grupo abandonador, ou seja, um grupo que pode ser modificado facilmente. Nessa discussão, ela apresenta as possibilidades de formação dos produtos, baseando-se nos compostos que estão escritos no slide projetado (neste caso, especificamente o íon cloreto) e quais devem ser usados para construir o mecanismo. Ao ser questionada sobre a forma como o íon cloreto estaria quando da realização da reação no laboratório, ela responde ao estudante mostrando a representação do composto formado. Novamente, ela usa da representação como forma de sustentar a ocorrência do íon cloreto no meio reacional, conforme apresentaremos no Quadro 4.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica.

Quadro 4 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as reações que os álcoois podem sofrer 

Quadro 4 Continuação 

A professora, no turno 166, ao discutir sobre a ocorrência da reação ácido e base retoma um conteúdo, mobilizando o domínio conceitual. Nesse mesmo turno ela utiliza o material experimental e as representações, mobilizando o domínio material. Isso porque ela sinaliza para os estudantes avaliarem o que está no meio reacional e que poderá ser utilizado para a construção do mecanismo de reação. Nesse sentido, a professora, ao relacionar com o que acontece no laboratório, problematiza o uso dessas estruturas químicas na relação com os reagentes que elas representam e o que acontece após a reação química. Nos turnos 168 e 170, para responder um questionamento de Pedro, além do domínio conceitual, ela utiliza das representações e do material experimental para indicar o precipitado, mobilizando também o domínio material. No turno 172, a professora mobiliza dos domínios conceitual e material para expor procedimentos experimentais desenvolvidos nos laboratórios de Química Orgânica: (i) a utilização de um reagente que transforme um grupamento funcional em um bom grupo abandonador, ou seja, a utilização de reagentes que favoreçam a ocorrência de novas reações, e (ii) o uso de grupos protetores, ou seja, a proteção de grupos de um composto, que não podem ser alterados de forma irreversível, para modificação de outros de interesse. Ela faz esse movimento para estabelecer uma relação com o conteúdo que foi retomado.

No episódio indicado no Quadro 5, a professora discute a reatividade dos álcoois, metílicos, primários, secundários e terciários, afirmando que os metílicos e primários não podem formar carbocátions (átomo de carbono deficiente em elétrons, ou seja, com uma carga parcial positiva). Nesse sentido, o estudante não pode representar no mecanismo de reação a estrutura de um carbocátion quando envolve álcoois metílicos e primários. Se a reação ocorrer com esses álcoois, o mecanismo de reação deve ser do tipo SN2 (reação de substituição nucleofílica bimolecular). Quando a reação envolve álcoois terciários ocorre a formação do carbocátion e o mecanismo é do tipo SN1 (reação de substituição nucleofílica unimolecular). No caso dos álcoois secundários, se for detectado experimentalmente o carbocátion é SN1, se não, é SN2.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica.

Quadro 5 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as reações que os álcoois podem sofrer 

O domínio conceitual foi mobilizado quando a professora expôs o conteúdo sobre a reatividade dos diferentes tipos de álcoois. Em seguida, ela utiliza o material experimental quando da realização da reação no laboratório, mobilizando o domínio material. Ela associa o conteúdo exposto à realização da reação no laboratório para estabelecer uma norma da Química Orgânica, mobilizando o domínio social, de que não se pode usar representações que não correspondem ao que se observa nos dados experimentais. Em nossa interpretação, é uma norma, pois essa relação entre as representações (estruturas químicas) e o material experimental (dados experimentais obtidos) regem a proposição de mecanismos de reação na Química Orgânica, indicando um critério a ser considerado pelos estudantes - o que nos remete mais uma vez ao estabelecimento de padrões públicos de análise, conforme propostos por Longino (2002). Essa norma informada pela professora se torna uma rotina a ser considerada em suas aulas e em qualquer estudo da Química Orgânica, a coerência na proposição dos mecanismos, conforme discutiremos mais detalhadamente a seguir.

Nos turnos de fala indicados no Quadro 6, percebemos o quanto as representações visuais são importantes para as discussões que ocorrem durante as aulas. Nesse episódio a professora solicita que Ana vá até a lousa fazer o mecanismo da reação que estava sendo discutido. No entanto, a representação visual que seria utilizada por Ana não foi aceita pela professora.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica.

Quadro 6 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as reações que os álcoois podem sofrer 

A professora, ao apresentar os reagentes a serem usados por Ana, expõe o conteúdo relacionado a um tipo de reação que os álcoois podem sofrer, mobilizando o domínio conceitual. No entanto, Ana informa o tipo de representação que usaria, mas a professora discorda, e estabelece uma norma sobre o tipo de representação a ser usado nessa situação, mobilizando o domínio social. Entendemos como uma norma, pois, conceitualmente, a representação a ser usada por Ana não estava incorreta, mas, para a professora, nessa situação caberia o uso de outro tipo de representação, evidenciando a projeção tridimensional do composto. Nesse sentido, mais uma vez a professora estabelece um critério a ser considerado pelos estudantes, indicando o estabelecimento de um padrão público de análise (Longino, 2002).

No episódio indicado no Quadro 7, a professora atenta para o fato de que, em um mecanismo de reação, se deve avaliar as possibilidades de formação das espécies que o compõem. Neste caso, o uso da seta curva indicando a saída do íon hidreto mostraria a presença de uma base forte em meio ácido. Embora o uso da seta esteja respeitando a regra de que se deve sair de onde há excesso de elétrons, a formação do hidreto seria incoerente. Para ela, mesmo que os estudantes obedeçam as regras de construção do mecanismo há necessidade de atenção ao que está sendo proposto.

Fonte: Elaborado pelos autores. T. = turno; n.a. = não se aplica.

Quadro 7 Transcrição de turnos de fala envolvendo o episódio sobre as reações para obtenção de éteres 

A professora ao comparar as possibilidades de movimento da seta curva no mecanismo proposto expõe o conteúdo, interagindo com o domínio conceitual. No entanto, para a professora mesmo que esse movimento esteja conceitualmente correto, o estudante precisa avaliar o que está sendo formado, para que ele não cometa o que a professora chama de “erro químico” (turno 594). Essas ideias, mais uma vez, indicam uma norma, vinculada ao uso das representações, utilizada pela professora para a construção dos mecanismos de reação (domínio social). Para ela, o mecanismo não pode ser construído apenas pelos elementos conceituais, por exemplo, o uso correto das setas curvas, mas pela proposição de espécies que estejam de acordo com os dados experimentais e o uso das representações, que não levem a formação de espécies incoerentes com o meio reacional.

Em geral, a partir dos episódios analisados percebemos que a mobilização dos domínios conceitual e material é recorrente, e que o domínio epistêmico surge em poucas situações. Já o domínio social também surge com frequência, especialmente vinculado ao uso das representações, conforme identificado em estudo anterior (Silva & Sasseron, 2021). Embora o conceitual prevaleça, a professora faz um movimento interessante ao trazer situações do laboratório, envolvendo o material experimental na relação com o uso das representações.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Pelas informações coletadas para análise, pudemos perceber que é recorrente a mobilização do domínio conceitual e que o mesmo não ocorre com o domínio epistêmico, que surge raramente, revelando marcas de uma abordagem de ensino tradicional (Stroupe 2014; 2015). Isso deve estar relacionado às características das aulas, em que a professora revisita conhecimentos prévios dos estudantes para apresentar novos, estabelecendo normas frequentemente vinculadas ao uso das representações (Goodwin, 2008; 2010; Hoffmann e Laszlo, 1991; Laszlo, 1998). Além disso, o uso recorrente das representações nas aulas da professora pode ocorrer pela própria natureza da Química Orgânica (Goodwin, 2008; 2010).

Ancorados nas ideias de Longino (1990; 2002), sobre as normas sociais do conhecimento social, percebemos que as normas e rotinas da Química Orgânica estabelecidas pela professora se aproximam do que a pesquisadora propõe como uma norma social do conhecimento, o estabelecimento de padrões públicos de análise. Isso porque a professora utiliza de critérios definidos na e pela comunidade de Química Orgânica (Goodwin, 2008; 2010) para estabelecer como os estudantes devem proceder para construir entendimentos sobre os temas e processos da disciplina. Por exemplo, a avaliação da pertinência das espécies propostas para a construção dos mecanismos de reação. No estabelecimento dessas normas e rotinas, ela também estabelece critérios de avaliação (Longino, 2002) que lhe são próprios, por exemplo, uso de determinados termos e de determinados tipos de representações. Nesse sentido, o domínio social já é frequentemente estabelecido pela professora. No entanto, Duschl (2008) e Stroupe (2014) propõem que ele não seja somente estabelecido, mas que também seja privilegiada sua negociação com os estudantes. Entendemos que a baixa ocorrência do domínio epistêmico nos episódios analisados pode ter contribuído para que o domínio social fosse apenas estabelecido, e não, negociado, evidenciando, conforme já mencionamos, marcas de uma abordagem de ensino tradicional (Stroupe, 2014; 2015).

Mesmo possuindo marcas de uma abordagem de ensino tradicional, a professora ao relacionar o material experimental e a utilização das representações, interage com os domínio epistêmico e, frequentemente, com o domínio material. Com o domínio epistêmico, porque enfatiza a coerência entre os dados experimentais e as representações utilizadas para construção dos mecanismos propostos, que permitem a construção de entendimento sobre os temas e processos da Química Orgânica. Dessa forma, ela busca estabelecer relação de significado entre medidas/dados experimentais e as representações, conferindo-lhes legitimidade. Em nossa análise, ela explica o motivo dessa relação e porque ela está convencida do que foi apresentado (Duschl, 2008; Stroupe, 2014). Com o domínio material, porque para ela os materiais concretos e abstratos não são apenas acessórios nos processos de construção de entendimentos em sala de aula, mas desempenham um papel central (Pickering, 1995; Stroupe, 2014). Em diversos momentos dos episódios apresentados neste texto, a professora estabelece uma relação direta com o que acontece nos laboratórios, problematizando o uso dos reagentes, solventes, vidrarias e representações que constituem o laboratório de química orgânica. Por exemplo, no turno 60, quando ela enfatiza “Depois no outro frasquinho... não pode ser junto…”, implicitamente está mostrando que os reagentes disponíveis para a reação em questão devem estar em frascos diferentes e existe uma ordem para serem adicionados, conforme mencionamos anteriormente. Se essa situação estivesse ocorrendo no laboratório, poderíamos dizer que não somente a professora age sobre os materiais, mas, no momento em que a atividade ocorre, se os materiais não estivessem disponíveis ali, não seria possível fazer a reação química. Em outras palavras, a construção de entendimentos em sala de aula ocorre também a partir e por meio dos materiais disponíveis no momento em que as atividades acontecem (Stroupe, 2014).

As relações que a professora estabelece entre o material experimental e as representações ocorrem para vinculá-las ao seu contexto de produção. Essa abordagem da professora se aproxima da proposta de Evagorou et al. (2015) que, baseando-se nas ideias de Pauwels (2006), defendem a inadequação para o ensino de ciências da abordagem das representações visuais 2como um produto, pois forneceria uma imagem das representações como independentes do trabalho científico, o que não são. Para as autoras, seria necessária uma abordagem de processo na qual cada representação visual estaria vinculada ao seu contexto de produção. Assim, Evagorou et al. (2015) posicionam as representações visuais como objetos epistêmicos, justificando esse posicionamento pelo fato de as representações visuais estarem envolvidas no processo de construção e desenvolvimento na ciência. Nesse sentido, “o que é importante nesse processo não é apenas o resultado, mas também a metodologia empregada pelos cientistas, a saber, como esse resultado foi produzido” (Evagorou et al., 2015, p. 3; tradução nossa). Isso não significa que as autoras defendem fazer como os cientistas fazem, mas uma aproximação de uma abordagem mais autêntica da atividade científica (Stroupe, 2015).

Nessa perspectiva, concordamos com Evagorou et al. (2015) ao posicionarem as representações visuais como objetos epistêmicos, mas, entendemos que não é suficiente apenas vinculá-las ao contexto de produção. Conforme mencionado anteriormente, e pensando na aprendizagem dos estudantes, a professora faz essa vinculação, mas as representações visuais, bem como as modificações ocorridas para a geração de novas representações já são fornecidas e os desdobramentos conceituais também são informados. Portanto, as representações visuais não são problematizadas, ou seja, tudo o que se sabe sobre elas já foi apresentado.

Discutindo os resultados de nossas análises e buscando complementar as ideias de Evagorou et al. (2015), baseamo-nos nos estudos de Rheinberger (1997; 1998; 2005) para justificar nossa compreensão sobre os objetos epistêmicos na relação com o processo de ensino e aprendizagem. As ideias expostas por Evagorou et al. (2015) e Rheinberger (1997; 1998) sobre as representações visuais convergem para um mesmo entendimento, de que, ao mesmo tempo que são produto da atividade científica, são necessárias para a produção e desenvolvimento do conhecimento. Rheinberger (1998), defendendo as representações como componentes dos objetos epistêmicos, afirma que elas são permitidas pelos sistemas experimentais, que são os dispositivos experimentais que produzem respostas, mas ao mesmo tempo moldam as questões a serem respondidas, cogerando, entidades materiais, fenômenos, práticas e conceitos (Rheinberger, 1997; 1998). Quando a professora diz “Então eu tenho que propor um mecanismo... que seja coerente com os dados experimentais... Eu não posso em hipótese nenhuma... propor mecanismo que leve formação de carbocátion... [...]” (Quadro 5), ela se aproxima do conceito de sistemas experimentais, pois ela envolve os conceitos, aparatos (o que também permite gerar os dados experimentais), representações, normas, rotinas e práticas (Rheinberger, 1997; 1998). Em nossa interpretação, se aproxima pelo fato de que as respostas não são produzidas juntamente com os estudantes, mas já são apresentadas, ou seja, tudo já foi comunicado aos estudantes. Para Rheinberger (2005), os objetos são epistêmicos quando necessitamos saber mais sobre eles. Para aprofundarmos nesta discussão, buscaremos a ideia de mutabilidade dos papéis de objetos proposto por Rheinberger (1997).

A mutabilidade dos papéis de objetos se refere à transformação dos objetos técnicos em objetos epistêmicos e vice-versa (Rheinberger, 1997). Há duas formas principais para a transformação dos objetos epistêmicos em técnicos: quando eles se tornam insustentáveis como alvos de preocupação sob uma análise minuciosa e quando eles deixam de desempenhar uma função, no curso do processo de investigação (Rheinberger, 2016). Dessa forma, os objetos epistêmicos são caracterizados por não sabermos sobre eles e por sua indeterminação quanto à sua obsolescência como alvos de pesquisa. Já os objetos técnicos são determinados e definem as condições de contorno de outros objetos epistêmicos (Rheinberger, 2005). Em nossa interpretação, apenas vincular as representações visuais aos contextos de produção não as posiciona como objetos epistêmicos, pois há necessidade de elas desempenharem uma função e/ou serem objeto de interesse para se conhecer mais sobre ele.

Portanto, para propiciar a construção de entendimentos pelos estudantes, a professora trata as representações como objetos técnicos. A forma como ela aborda as representações, vinculando-as ao seu contexto de produção, sustenta o seu trabalho intelectual, mas para os estudantes, não. Isso porque em suas aulas as representações, mesmo vinculadas ao contexto de produção, já são determinadas com funções bem estabelecidas no momento que ela as expõe para os estudantes. Não estamos defendendo que as representações devam ser tratadas como objetos epistêmicos em todas as situações, pois, de acordo com Rheinberger (1998), em um sistema experimental, ao mesmo tempo que o objeto epistêmico se transforma em técnico, ocorrem aberturas para o surgimento de novos eventos. No entanto, considerando a aprendizagem dos estudantes, tratar as representações não somente como objetos técnicos, mas também como epistêmicos pode ser vantajoso, pois, conforme já mencionado, as representações serão percebidas como necessárias para a construção dos entendimentos em sala de aula, bem como, gerando possibilidades para entendimentos que estarão por vir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES

Ao analisarmos a interação de uma professora com os domínios do conhecimento científico em aulas de Química Orgânica para licenciandos em Química de uma universidade pública do estado de Minas Gerais, percebemos que os domínios conceitual e material surgem com frequência, que o epistêmico em poucas situações e que o domínio social surge, especialmente, vinculado ao uso das representações.

A professora estabelece normas e rotinas não abrindo espaços para a sua negociação. Entendemos que há situações em que as normas devem ser estabelecidas, mas defendemos que a interação com o domínio social não pode ocorrer pela apresentação de uma lista de normas e rotinas, mas vivenciá-las na sua criação, o que se dá pela negociação. Assim, essas normas e rotinas precisam surgir para além da relação com os conteúdos, mas na avaliação do que conta como entendimentos que serão construídos pelos estudantes. E esse movimento é realizado pelo professor, que já foi iniciado e já membro praticante dessa comunidade.

A professora utiliza das representações para além da comunicação dos conhecimentos, mas atreladas às normas e vinculadas ao seu contexto de produção. No entanto, pelo fato de a função das representações nesse contexto de produção parecer já bem determinada pela professora, entendemos que, na relação com os estudantes, ela posiciona essas representações como um objeto técnico (Rheinberger, 1997). Em outras palavras, as representações, embora vinculadas aos seus contextos de produção, não são colocadas sob análise, seja na função que desempenha, seja nos desdobramentos gerados a partir dela para a construção dos entendimentos em sala de aula.

A partir das considerações que expomos até aqui, podemos apresentar algumas implicações para o ensino de Química e a pesquisa em Educação em Ciências.

Para o ensino de Química trazemos duas implicações que já têm sido apresentadas pela área, mas que acreditamos contribuir para a sua compreensão, trazendo alguns aprofundamentos. Primeiro, posicionar as representações como objetos epistêmicos, vinculando-as aos seus contextos de produção, mas, sobretudo, colocadas sob investigação. Não é suficiente informar e/ou mostrar aos estudantes o processo de produção dessas representações, mas envolvê-las no processo investigativo, entendendo que, por um lado, elas são geradas a partir dele, e por outro, e a partir de seu uso subsequente, elas são geradoras para novas investigações. Segunda implicação, refletir sobre os currículos e ambientes de aprendizagem em Química Orgânica no Ensino Superior. Conforme já apontado por diversos estudos sobre a experimentação (por exemplo, Hodson, 1994; Novais, 2018; Silva et al., 2010), entendemos não haver sustentação para a dissociação da Química Orgânica em teórica e experimental, ainda estabelecida em algumas instituições.

Para a pesquisa em Educação em Ciências, apresentamos implicações do ponto de vista teórico-metodológico para a caracterização dos domínios social e material na relação com as atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes. A caracterização do domínio social não se dá apenas pelas marcas de um trabalho coletivo e colaborativo dos estudantes, mas envolve a interação crítica (Longino, 1990; 2002). Em outras palavras, não se caracteriza o domínio social apenas pelo fato de os estudantes participarem de trabalhos em grupos, nos quais as normas e rotinas já são informadas pelos professores. Esse domínio se caracteriza pelas interações permitidas pela participação dos estudantes em situações que demandam a reprodução e/ou a negociação de normas e rotinas enquanto o grupo as vivencia. Sobre o domínio material, conforme mencionado na introdução, ainda há poucos estudos, dificultando a compreensão de como ele possa ser caracterizado. Considerando que ele se refere às maneiras pelas quais as ferramentas, tecnologias, inscrições são produzidas, ajustadas e aplicadas para sustentar o trabalho intelectual da prática (Stroupe, 2014; 2015), propomos a caracterização do domínio material, a partir das atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes, por meio do posicionamento desses materiais concretos e abstratos não somente como objetos técnicos, mas, sobretudo, como objetos epistêmicos. Em nossa interpretação, na relação com as atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes, esses materiais não podem sustentar o trabalho intelectual da prática se forem tratados apenas como objetos técnicos, mas desempenhando função epistêmica e/ou sendo posicionados como alvo de interesse para se saber mais sobre eles (Rheinberger, 2016). Quando todas as informações acerca desses materiais já são fornecidas para os estudantes e os desdobramentos de seu uso já são determinados previamente, pode-se suprimir a possibilidade de investigação e negociação de normas.

AGRADECIMENTOS

O primeiro autor agradece aos professores do Setor de Ensino de Química da Faculdade de Educação da UFMG pela concessão de afastamento para estágio pós-doutoral. A segunda autora agradece ao CNPq pelos financiamentos obtidos por meio do projeto Universal processo n. 428268/2018-8 e da bolsa Produtividade em Pesquisa processo n. 309928/2019-2.

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1Para demonstração da categorização utilizamos uma transcrição na qual os três domínios material, conceitual e epistêmico surgiram no mesmo turno de fala, e, em seguida, em outro turno, o domínio social. A caracterização do domínio social foi baseada em um estudo anterior (Silva & Sasseron, 2021), no qual foi identificado que as normas estabelecidas pela professora estão frequentemente associadas às representações.

2Evagorou et al. (2015) utiliza o termo representações visuais, na concepção proposta por Pauwels (2006), como um termo genérico que abrange os diversos tipos de representações externas, referindo-se a construções puramente mentais, conceituais ou abstratas, mas igualmente se referindo a algum objeto que pode ter algum tipo de existência material ou física.

disponibilidade de dadosDeclaração sobre disponibilidade de dados - Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no Dataverse da SciELO.

O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Recebido: 09 de Janeiro de 2023; Aceito: 15 de Junho de 2023

Endereço Institucional: Universidade Federal de Minas Gerias, Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Belo Horizonte - MG | Brasil, CEP 31270-901

Contato: Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais - CECIMIG, Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais, revistaepec@gmail.com

Fernando César Silva - Professor Adjunto do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (DMTE-FaE/UFMG). Integrante do LaPEF (Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física) FEUSP.

Lúcia Helena Sasseron - Livre docente em Educação. Professora Associada do Departamento de Metodologia de Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (EDM-FEUSP). Coordenadora do LaPEF (Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física) FEUSP.

Editor responsável: Luciana Massi

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