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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versão impressa ISSN 1415-2150versão On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.25  Belo Horizonte  2023  Epub 25-Out-2023

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240155 

Artigos

A RELAÇÃO ENTRE MODELOS DE CAUSALIDADE E DESEMPENHO DE ESTUDANTES EM ATIVIDADES INVESTIGATIVAS

LA RELACIÓN ENTRE LOS MODELOS DE CAUSALIDAD Y EL DESEMPEÑO DE LOS ESTUDIANTES EN LAS ACTIVIDADES DE INVESTIGACIÓN

THE RELATIONSHIP BETWEEN CAUSALITY MODELS AND STUDENTS’ PERFORMANCE IN INVESTIGATIVE ACTIVITIES

Alessandro Damásio Trani Gomes1  , Administração do Projeto, Análise Formal, Conceituação, Gerenciamento de Dados, Escrita, Investigação, Metodologia, Obtenção de Financiamento, Recursos, Software, Supervisão, Validação, Visualização
http://orcid.org/0000-0001-9095-5270

1Universidade Federal de São João del-Rei, Departamento de Ciências Naturais, São João del-Rei, MG, Brasil.


RESUMO:

O objetivo deste trabalho é explorar a relação entre modelos de causalidade e o desempenho experimental de estudantes durante atividades investigativas. Noventa e dois alunos da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública federal participaram desta pesquisa quantitativa, com delineamento pré-experimental, na qual foram indagados sobre a causalidade das variáveis antes e após a realização de atividades investigativas por meio de uma simulação computacional. Os resultados sugerem que os participantes que apresentaram um modelo mais adequado de causalidade entre as variáveis envolvidas tenderam a apresentar estratégias mais adequadas de experimentação, resultando em um melhor desempenho experimental e escores superiores no questionário final.

Palavras-chave: Causalidade; Atividade investigativa; Ensino de Ciências

RESUMEN:

Este trabajo tiene como objetivo explorar la relación entre los modelos de causalidad y el desempeño experimental de los estudiantes durante las actividades de investigación. Noventa y dos estudiantes de primer año de secundaria de una escuela pública federal participaron de esta investigación cuantitativa, con un diseño preexperimental, en la que se les preguntó sobre la causalidad de las variables antes y después de realizar actividades investigativas a través de una simulación computacional. Los resultados sugieren que los participantes que presentaron un modelo adecuado de causalidad de las variables involucradas tendieron a presentar estrategias de experimentación más adecuadas, resultando en un mejor desempeño experimental y mayores puntajes en el cuestionario final.

Palabras clave: Causalidad; Actividad investigativa; Enseñanza de las Ciencias

ABSTRACT:

This work aims to explore the relationship between causality models and the experimental performance of students during investigative activities. Ninety-two first-year high school students from a federal public school participated in this quantitative research, with a pre-experimental design, in which they were asked about the causality of variables before and after carrying out investigative activities through a computer simulation. The results suggest that the participants who presented an adequate model of causality of the variables involved tended to present more adequate experimentation strategies, resulting in better experimental performance and higher scores in the final test.

Keywords: Causality; Investigative activities; Science Teaching

INTRODUÇÃO

O raciocínio causal é uma conquista evolutiva da humanidade e uma de nossas competências cognitivas fundamentais. Ele nos permite prever eventos futuros ou diagnosticar as causas dos fatos observados. Planejamos ações e resolvemos problemas usando conhecimento sobre relações de causa e efeito. Sem nossa capacidade de descobrir e testar empiricamente teorias causais, não teríamos progredido em várias áreas do conhecimento científico como nas Ciências Naturais, Medicina ou Psicologia, e não teríamos sido capazes de desenvolver as tecnologias que se fazem presentes atualmente (Waldmann, 2017).

Por desempenhar esse papel central na cognição humana e por ser apontado como essencial tanto no processo de investigação científica quanto no processo de aprendizagem, educadores, filósofos e psicólogos intensificaram, nas últimas três décadas, as pesquisas sobre a gênese, natureza e características do raciocínio causal (Gopnik, 2012; Kuhn, 2012; Muentener & Bonawitz, 2017).

No contexto da Educação em Ciências, a execução de uma atividade investigativa demanda dos estudantes a capacidade de formular e testar, experimentalmente, hipóteses causais e de avaliar e interpretar os dados obtidos.

Pesquisadores defendem que as relações de causalidade entre as variáveis envolvidas no contexto de um problema prático influenciam, de forma decisiva, as ações dos estudantes durante a atividade, sobretudo o teste de hipótese, o que explicaria a diversidade de estratégias de investigação adotada e a aprendizagem resultante (Keselman, 2003; Koslowski & Masnick, 2011; Masnick et al., 2017).

Este trabalho busca, portanto, respostas para as seguintes questões de pesquisa:

1) Em que medida a realização de uma investigação contribui para desenvolver e modificar as relações de causalidade entre as variáveis envolvidas na atividade, inicialmente estabelecidas pelos estudantes?

2) Qual a relação entre os modelos de causalidade e o desempenho experimental dos estudantes durante as atividades?

Esta pesquisa justifica-se por alguns motivos. As pesquisas que abordam modelos de causalidade e o raciocínio causal dos indivíduos são, em sua maioria, de natureza qualitativa, cujas estratégias de coleta de dados são entrevistas realizadas individualmente ou a execução de atividades em grupos com pequeno número de participantes, com registros em áudio e vídeo. Portanto, pesquisas quantitativas, realizadas no contexto escolar, são raras. Além disso, no Brasil, a literatura sobre ensino por investigação é focada em práticas epistêmicas relacionadas à análise de evidências, produção de explicações e argumentação (Sasseron, 2020). Este trabalho, por sua vez, explora outras práticas epistêmicas (como a geração de hipóteses, a previsão de resultados, a manipulação livre de variáveis, o teste de hipóteses, a interpretação dos resultados e a formulação de conclusões) e foca na inter-relação destas com o modelo de causalidade dos participantes.

CAUSALIDADE E O PROCESSO DE EXPERIMENTAÇÃO

Causalidade é a relação entre dois eventos, um dos quais é a consequência (ou efeito) do outro (causa). Obter a devida compreensão dessas relações de causa e efeito é uma preocupação primordial para os seres humanos, inclusive para a própria sobrevivência da espécie. De fato, para alguns autores, a capacidade de obter compreensão causal e aproveitá-la para diagnósticos, previsões e intervenções é tão vantajosa que tem sido considerada a principal força motriz da evolução humana (Bender, 2020; Lombard & Gärdenfors, 2017).

Não há uma definição consensual geral do que seja causalidade. Definições atuais são surpreendentemente complexas, envolvendo conceitos como contrafactual, probabilidade, responsabilidade, culpa, motivos e fogem ao escopo deste trabalho (Bender, 2020; Halpern, 2016; Waldmann, 2017; Woodward, 2005).

Hall (2004) sustenta que (i) seria salutar se um único conceito universal de causalidade pudesse ser formulado que contemplasse todos os casos; (ii) tal feito ainda não foi realizado; e (iii) perspectivas de um conceito unívoco satisfatório de causalidade são nulas.

Loose (2017), a partir de uma vasta revisão histórica de diversas teorias sobre causalidade, afirma que o desafio de fornecer uma definição global de causalidade ainda não obteve sucesso. As principais correntes teóricas relacionam a causalidade com (i) conjunção sequencial constante, (ii) aumento de probabilidade, (iii) transferência de energia, (iv) troca de uma quantidade conservada, (v) dependência contrafactual, (vi) inferência e (vii) manipulabilidade. O autor ainda ressalta que vários candidatos a um conceito universal de causalidade entram em conflito quando aplicado a casos de sobredeterminação, omissão, prevenção ou desligamento.

Apesar da complexidade da definição do conceito, o estabelecimento das primeiras relações causais é feito logo aos três meses de idade, quando o recém-nascido observa certa continuidade e regularidade nos movimentos dos diversos objetos que o cercam (Kuhn et al., 2015).

White (1988, 2014) argumenta que a compreensão sobre a causalidade se origina em experiências cotidianas de atuação diversas sobre objetos. Tais experiências têm características consistentes que podem ser usadas como pistas para identificação e julgamento causal. Para o autor,

nossa compreensão da causalidade pode incluir o uso potencial de várias pistas ou dicas que guiam inferências sobre situações específicas e mecanismos causais gerais. Essas pistas ou dicas podem funcionar como guias para a detecção de mecanismos causais que são eles próprios ocultos, inobserváveis (White, 2014, p. 39).

Dentre as dicas ou pistas analisadas pelo autor que auxiliam o indivíduo a identificar relações causais, além da presença da covariação entre os eventos ou fatores, estão: (i) transmissão produtiva (um evento é considerado a causa, se ele é capaz de gerar um efeito apropriado); (ii) ação intencional (em contraste com ações acidentais ou reflexivas); (iii) proximidade temporal (quando causa e efeito coincidem temporalmente); (iv) ordem temporal (a causa sempre precede o efeito), (v) proximidade espacial (quando causa e efeito estão em contato espacialmente); (vi) similaridade (quando causa e efeito são similares a eventos previamente identificados como causais).

Uma vez que o indivíduo obtém uma compreensão geral do que seja uma relação de causalidade, isto é, a noção de que um evento pode causar ou ser responsável por outro evento, ele está em condições de estabelecer relações causais em contextos específicos, formular hipóteses sobre supostas relações causais entre determinados eventos e adquirir, através dessa habilidade, conhecimentos específicos sobre os mais diversos domínios.

Trabalhos demonstram que crianças, ainda em idade pré-escolar, são capazes de fazer inferências causais precisas a partir de evidências de covariação e de estabelecer relações de causa e efeito de acordo com as evidências, mesmo nos casos nos quais as relações causais não estão de acordo com seus conhecimentos prévios (Köksal-Tuncer & Sodian, 2018; Schulz & Gopnik, 2004).

Na maioria das vezes, a realização de uma atividade investigativa tem como objetivo principal a identificação de causas e efeitos. O contexto de uma investigação em geral contém muitas variáveis e, além de uma boa compreensão da atividade, é preciso que os indivíduos desenvolvam um modelo que envolva as relações de causalidade entre elas. O problema é identificar qual variável ou variáveis são responsáveis por determinado resultado ou como a mudança no valor de uma variável afeta o sistema como um todo, além do entendimento de que o resultado final é uma combinação de efeitos de determinadas variáveis envolvidas. O domínio desse modelo, segundo Kuhn et al. (2000), é um pré-requisito fundamental para a escolha de uma estratégia próspera de investigação. Por outro lado, quando esse modelo de causalidade é inadequado, o processo de investigação pode ser improdutivo, fazendo com que o indivíduo pouco aprenda com a atividade.

Para Klayman e Ha (1987), o processo de teste de hipóteses se fundamenta em várias classes de julgamentos e envolve conjecturas sobre fatores que explicam, predizem, causam ou descrevem a ocorrência de algum evento ou propriedade de interesse. Portanto, a pesquisa sobre os processos de formulação e teste de hipóteses, além da avaliação das evidências, é importante não apenas para se entender o pensamento humano durante investigações científicas como nas diversas ações do dia a dia.

Para a formulação de hipóteses causais, os indivíduos fazem uso de simples ideias ou concepções intuitivas, muitas vezes pouco ligadas às estruturas de pensamento, de modelos de causalidade mais ou menos sofisticados, fundamentados e, até mesmo, profundamente arraigados, permitindo ao indivíduo fornecer explicações sobre domínios mais ou menos específicos do mundo que o cerca (Muentener & Bonawitz, 2017; Vosniadou, 2019; Wellman & Gelman, 1992). Estas crenças e conhecimentos prévios que são mobilizados durante uma atividade investigativa influenciam, de maneira determinante, não apenas a escolha de quais hipóteses serão testadas, mas também quais hipóteses são testadas primeiro, quais são testados repetidamente e quais recebem mais atenção durante a atividade (Klahr et al., 2019; Koslowski, 2013; Lehrer & Schauble, 2015).

Assim, a hipótese de que os indivíduos fazem uso de diferentes modelos para representar a causalidade das variáveis envolvidas no problema pode explicar a diversidade de estratégias de investigação adotadas e contribuir para um maior entendimento sobre essa diversidade e a influência das diferenças pessoais na sua seleção. Além disso, pode explicar a observada falta de progresso na sofisticação das estratégias de experimentação e na aprendizagem com a atividade.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada foi de natureza quantitativa com delineamento pré-experimental, ou seja, envolveu apenas um grupo, que foi submetido a um pré-teste, seguido por tratamento e pós-teste (Moreira, 2011). As atividades de pesquisa tiveram uma abordagem investigativa que, para Sasseron (2015), trata-se de uma abordagem didática na qual os alunos são estimulados a desenvolverem habilidades por meio da resolução de problemas, interagindo com os colegas, com os materiais e com os conhecimentos disponíveis.

Carvalho (2018) define o ensino por investigação aquele no qual são criadas condições em sala de aula para que os alunos possam, entre outras coisas: (i) pensar, levando em conta a estrutura do conhecimento; (ii) falar, evidenciando seus argumentos e conhecimentos construídos. Para a autora, “a diretriz principal de uma atividade investigativa é o cuidado do(a) professor(a) com o grau de liberdade intelectual dado ao aluno e com a elaboração do problema” (p. 767).

Participantes da pesquisa

Participaram da pesquisa 92 alunos de sete turmas da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública federal de Belo Horizonte, com idades variando entre 14,9 e 18,0 anos e média de 16,3 anos.

Procedimentos e cuidados éticos

Esta pesquisa não foi submetida a um Comitê de Ética. Porém, os preceitos éticos recomendados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED, 2019) foram seguidos, especialmente quanto à autodeclaração de princípios éticos (Mainardes & Carvalho, 2019).

A pesquisa foi apresentada ao diretor da escola e aos professores que auxiliariam no processo de coleta de dados. Após obter a autorização junto à direção e ao corpo docente envolvido, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviado aos pais e/ou responsáveis de todos os alunos, de todas as turmas da primeira série do Ensino Médio da escola. O TCLE explicava detalhadamente os objetivos gerais da pesquisa, o que os alunos fariam, os possíveis riscos e benefícios, ressaltava a garantia da integridade física e moral dos participantes, deixando claro que não se tratava de uma atividade escolar e que, portanto, a participação dos alunos era voluntária e não obrigatória. Os alunos entregaram o canhoto do TCLE assinado.

A pesquisa também foi detalhada aos alunos antes do processo de coleta de dados. Foram esclarecidos detalhes sobre a justificativa, os objetivos, os métodos, os possíveis riscos e benefícios da pesquisa e, em seguida, colheu-se o assentimento dos alunos. Todos os alunos concordaram em participar.

Logo no início do processo de tratamento dos dados, o nome de cada aluno foi substituído por um número geral. Cada dupla também recebeu um código. Dessa forma, a identidade dos participantes foi preservada durante todo processo de análise dos dados.

Instrumentos e procedimentos da pesquisa

Para uma maior organização, os instrumentos da pesquisa serão descritos separadamente, na ordem de apresentação aos alunos.

Questionário inicial sobre a causalidade das variáveis (pré-teste)

Antes da realização de cada uma das atividades investigativas, com o intuito de identificar o modelo inicial de causalidade dos participantes, foi aplicado um questionário diagnóstico, no qual era apresentada uma atividade experimental hipotética (Figura 1).

Fonte: Autor.

Figura 1 Questionários iniciais sobre a causalidade das variáveis 

Para a descrição da atividade, tomou-se o cuidado para não sugerir, nem influenciar qualquer forma de raciocínio dos estudantes. As variáveis elencadas estariam presentes na atividade investigativa e a descrição da atividade no enunciado do questionário coincidia com a atividade que seria realizada. Para cada uma das quatro variáveis, era perguntado se a variável teria influência ou não no resultado.

Atividades investigativas

A realização das atividades investigativas ocorreu por meio de simulações computacionais, desenvolvidas pelo autor, especialmente para fins de pesquisa. De interface amigável, compatível com Windows, as simulações se mostraram facilmente entendidas e utilizadas pelos participantes da pesquisa. As telas principais de cada uma delas são apresentadas na Figura 2. Os estudantes tinham aulas semanais da disciplina Informática, e, por isso, a utilização do computador em si não ofereceu dificuldade específica para eles.

Fonte: Autor.2

Figura 2 Telas principais das simulações com as atividades investigativas 

Foram desenvolvidas simulações que abordaram dois temas (termologia/equilíbrio térmico e movimento acelerado/plano inclinado), mas com configurações experimentais semelhantes. Ressalta-se que estes conteúdos já haviam sido estudados pelos alunos, conforme o currículo regular da escola, sem qualquer ligação com a pesquisa.

O objetivo de cada investigação foi o de estabelecer quais das variáveis independentes exerciam influência sobre uma determinada variável dependente.3 Dentre as variáveis independentes, havia aquelas causais (que influenciam na variável dependente) e uma, não causal (que não tem influência sobre a variável dependente). A Figura 3 descreve as principais características das atividades investigativas desenvolvidas.

A coleta de dados ocorreu no início do segundo semestre letivo, durante o horário normal das aulas de Física, que foram cedidas pelos professores para a realização da pesquisa. Após responderem, individualmente, ao questionário inicial sobre a causalidade das variáveis em sala de aula, os alunos foram conduzidos, pelo professor, para a sala de informática. Os alunos foram orientados a sentar em duplas, com liberdade para escolha do(a) colega. Cada dupla operou um computador. Antes dos alunos iniciarem cada investigação, o autor da pesquisa explicava o funcionamento da simulação e dirimia eventuais dúvidas.

Tabela 1 Características das atividades investigativas 

Investigação Objetivo Fatores/Variáveis Tipo de variáveis
Problema do equilíbrio térmico (PET) Determinar quais fatores influenciam na temperatura final do sistema Área superf. do bloco Discreta (20 níveis)
Massa do bloco Discreta (10 níveis)
Temperatura do líquido Contínua
Tipo do líquido Nominal (3 níveis)
Problema do plano inclinado (PPI) Determinar quais fatores influenciam o tempo que as esferas gastam para percorrer a rampa Atrito Discreta (6 níveis)
Distância Contínua
Inclinação Nominal (3 níveis)
Massa da esfera Discreta (20 níveis)

Fonte: Autor.

Durante toda a coleta de dados, as duplas preencheram os valores das variáveis independentes, justificando, em um espaço apropriado, os valores determinados. Em seguida, ao clique de um botão, o resultado era fornecido, com uma breve animação, e era solicitado um comentário sobre o resultado obtido.

Ao finalizar o comentário, a dupla tinha a opção de continuar com a investigação ou sair do programa. Ao sair, todas as informações eram gravadas e armazenadas em um arquivo de extensão ‘.txt’, que permanecia disponível para análise. Esses arquivos, com o histórico da investigação realizada por cada dupla, foram fonte de dados fundamentais neste estudo. A Figura 4 exibe um exemplo desses históricos e como as informações foram arquivados. É possível verificar que todos os dados fornecidos para as variáveis, além das justificativas, previsões e comentários sobre os resultados foram salvos, permitindo analisar e avaliar o desempenho experimental e o raciocínio das duplas durante execução da atividade. Por meio dos históricos, podemos saber, portanto: (i) o número de experimentos realizados; (ii) as modificações experimentais feitas entre cada tomada de dados e o porquê da realização de cada experimento; (iii) se as duplas adotaram estratégias adequadas de controle de variáveis; (iv) as dificuldades enfrentadas; (v) a influência dos resultados parciais nas concepções de causalidade; (vi) quais variáveis receberam maior ou menor atenção das duplas durante a investigação.

Fonte: Autor.

Figura 3 Exemplo de histórico de investigação 

Cada turma realizou as atividades da pesquisa em duas aulas de 100 minutos cada, uma para cada investigação ao longo de uma semana. Oitenta e quatro alunos participaram das atividades relativas ao PET, enquanto 92 participaram das atividades do PPI. A ordem do tema da investigação variou de turma para turma. Portanto, os alunos de determinadas turmas realizaram as atividades relativas ao PET na primeira aula e as atividades do PPI na outra, mantendo-se as mesmas duplas. Para outras turmas, ocorreu o inverso. Após a atividade investigativa, os alunos retornavam para a sala de aula e, novamente, de forma individual, respondiam ao questionário final sobre a causalidade das variáveis.

Questionário final sobre a causalidade das variáveis (pós-teste)

Ao se deparar com uma investigação, o indivíduo constrói, inicialmente, um modelo mental inicial da atividade, levando em consideração seus conhecimentos, as relações causais estabelecidas e a estrutura do problema proposto. À medida que a atividade é desenvolvida, o indivíduo integra novas informações, resultando em modificações e refinamento no modelo inicial (Jonassen, 2009).

Para que possamos identificar alterações no modelo de causalidade das variáveis devido à execução da atividade investigativa, foi solicitado aos participantes que respondessem a um questionário final (Figura 5). Nesse questionário, era solicitado a cada participante que, tendo em vista os resultados obtidos durante a atividade, respondesse sobre a influência ou não das variáveis envolvidas nos problemas.

Fonte: Autor.

Figura 5 Questionários finais sobre a causalidade das varáveis 

Cada item dos questionários (inicial e final) foi corrigido de forma dicotômica, sendo atribuído o valor de um ponto caso o aluno respondesse corretamente sobre a causalidade ou não da variável em questão e zero, em caso de equívoco. Após a correção, obteve-se um escore total para cada respondente, somando-se os itens avaliados corretamente. Dessa forma, os escores dos estudantes variaram entre 0 e 4 pontos em cada um dos questionários.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 6 apresenta os gráficos com os resultados do questionário inicial, que arguiu os participantes sobre a causalidade das variáveis presentes nas duas atividades investigativas.

Nota-se que há diferenças significativas na frequência de ocorrência das categorias de respostas entre as quatro variáveis que compõem cada um dos problemas, (χ2(3) = 33,53, p<0,001 e χ2(3) = 119,81, p<0,001). Isso significa que a suposta causalidade de cada variável foi avaliada de forma distinta entre os participantes, reforçando a existência de modelos mentais particulares que guiam os indivíduos na análise sobre causalidade em situações-problema.

Fonte: Autor.

Figura 6 Gráficos - Causalidade antes das atividades 

A diferença mais acentuada foi no PET. A temperatura do líquido, o tipo do líquido e a massa do bloco foram identificadas corretamente como sendo causais pela maioria dos alunos. O fato de os alunos terem estudado o conteúdo no trimestre anterior contribuiu para que eles compreendessem corretamente a causalidade dessas variáveis. Por outro lado, a variável área superficial do bloco gerou certa dúvida entre os estudantes. Apesar da maioria deles acreditar que essa variável seria não causal, ainda sim, 32,3% dos estudantes acreditavam que ela exerceria alguma influência sobre a temperatura de equilíbrio do sistema. O resultado é compreensível pois a não influência da área superficial neste tipo de problema não é normalmente enfatizada durante o ensino regular de termologia.

No PPI, percebe-se que os alunos não tiveram dificuldades em identificar corretamente a inclinação, o atrito e a distância como variáveis causais. A massa da esfera foi a variável que gerou mais dúvidas, sendo erroneamente considerada como causal pela maioria dos estudantes (68,6%). Para desconsiderá-la, o aluno poderia lembrar-se que a aceleração no plano inclinado independe da massa do corpo, necessitando, assim, de conhecimentos previamente estudados em mecânica, como a decomposição de vetores.4

Em relação à atribuição de causalidade da massa da esfera e da área superficial do bloco, Kuhn (2016) afirma que é difícil para crianças e jovens conceberem a possibilidade de variáveis independentes não terem qualquer influência sobre um resultado ou relação causal com uma variável dependente.

Analisou-se a causalidade atribuída às variáveis independentes ao final de cada uma das atividades investigativas. Os gráficos da Figura 7 trazem a porcentagem das respostas dos estudantes. A média de acerto geral no PPI foi superior à do PET, porém, as porcentagens entre as varáveis foram mais uniformes neste último. No PPI, a porcentagem mínima de acerto foi de 78,2% (massa da esfera), chegando a 97,1% de acerto para a distância percorrida. No PET, a porcentagem de acerto variou entre 88,8% e 93,8%.

Fonte: Autor.

Figura 7 Gráficos - Causalidade após as atividades 

Comparando-se os resultados de antes da realização das atividades investigativas (Figura 6) com os de depois (Figura 7), percebe-se que, nos dois problemas, a porcentagem de respostas corretas ao final da atividade é maior para todas as variáveis, evidenciando que as investigações contribuíram para modificar e sofisticar o modelo de causalidade dos participantes em relação às variáveis envolvidas. Isso fica evidenciado por trechos retirados dos históricos das investigações:

Dupla: 13-3

Comentário: “Confirmamos o que achávamos, mas, estávamos em dúvida. Agora com certeza, sabemos que a massa do bloco interfere na temperatura de equilíbrio.”

Dupla 17-9

Comentário: “A massa não variou, o que significa que independente da massa, o tempo será o mesmo numa distância fixa. ERRAMOS FEIO!”

Dupla 11-1

Comentário: “Constatamos que a nossa previsão estava errada, pois a massa não influencia no tempo gasto para a esfera alcançar o plano horizontal.”

Ressalta-se que as duas variáveis não causais tiveram a menor porcentagem de acerto ao final das atividades. Autores identificam tendências dos indivíduos de ignorar, distorcer, rejeitar evidências inconsistentes com suas concepções, tendências de ajustar a teoria para se adaptar às evidências e vice-versa e, além disso, uma dificuldade maior dos participantes, em lidar com evidências que não confirmem suas concepções prévias (Kuhn, 2016; Potvin, 2023).

Nos históricos das investigações, foi possível identificar como os alunos reagiram diante de resultados que contradiziam suas concepções prévias:

Dupla 16-12

Previsão: “Dobro da distância, dobra o tempo.”

Comentário: “Esse negócio não funciona.”

Dupla 15-4

Previsão: “O tempo será maior que o anterior pois o peso aumentou.

Comentário: “Este resultado não se enquadra em nossa expectativa, pois esperávamos que o tempo fosse maior.

Previsão: Achamos que ao aumentarmos sua massa, a bola irá demorar mais tempo para percorrer a mesma distância”

Comentário: “Este programa certamente está equivocado, ou com um sério problema, pois os valores não modificam em relação às mudanças.”

Dupla 13-8

Previsão: “Esperamos que a velocidade seja maior.”

Comentário: “Não foi o esperado pois o tempo foi o mesmo de uma bolinha de maior massa.”

Previsão: “Esperamos q o tempo seja menor.”

Comentário: “Novamente o resultado não foi o esperado com isso concluímos que havendo um atrito mínimo a massa não interfere no tempo gasto.

Diante de resultados que não confirmaram suas expectativas, as duplas 16-12 e 15-4 chegaram a questionar se havia algum erro na simulação. Já a dupla 13-8, diante de resultados que indicavam a não causalidade da massa da esfera, explicou o resultado afirmando que isso ocorria somente quando o atrito era pequeno.

Explorou-se melhor a contribuição das atividades para a sofisticação dos modelos de causalidade dos participantes. Para isso, comparou-se os resultados de cada participante antes e após as atividades. Considerando os valores referentes ao PPI, realizou-se o teste não-paramétrico de postos com sinais de Wilcoxon para avaliar a diferença entre as médias. O resultado do teste (Z=-6,24; p<0,001) indica uma diferença estatisticamente significativa entre as médias dos alunos antes e depois da atividade do plano inclinado. Dos 92 alunos que responderam aos dois testes, 54 melhoraram o escore, obtendo um escore superior no pós-teste, 33 obtiveram o mesmo escore e cinco alunos obtiveram um escore menor no pós-teste.

Para o PET, o resultado do teste (Z=-3,29; p=0,001) também indica uma diferença estatisticamente significativa entre as médias dos alunos antes e depois da atividade. Dos 84 alunos que responderam aos dois testes, 9 obtiveram um escore menor no pós-teste, 32 obtiveram um escore superior no pós-teste e 43 obtiveram o mesmo escore nos testes.

O modelo de causalidade entre as variáveis envolvidas em uma situação-problema é fator decisivo para a definição do foco dos estudantes. Segundo pesquisas, o conhecimento prévio do indivíduo, incluindo as relações de causalidade, define sua estratégia de experimentação, delimitando o problema e destacando variáveis a serem investigadas, enquanto a interpretação dos resultados parciais contribui para modificar e ajustar o foco da investigação (Croker & Buchanan, 2011; Dunbar & Klahr, 2012; Köksal-Tuncer & Sodian, 2018)

Para explorar melhor o foco da atenção dos estudantes durante a execução da atividade, buscou-se identificar o número de vezes que as duplas investigaram a influência de determinada variável. Para isso, foi utilizado o histórico das investigações e considerou-se a quantidade de experimentos nos quais houve um efetivo controle de variáveis. Isso é importante porque as inferências de causalidade obtidas em um experimento só podem ser feitas se apenas uma variável tiver sido manipulada por vez (experimento válido e conclusivo). Entender isso é fundamental para gerar e testar hipóteses causais, projetando experimentos e avaliando criticamente os resultados (Schalk et al., 2019). Os dados obtidos estão na Tabela 1.

Tabela 2 Foco de atenção dos estudantes nos experimentos válidos e conclusivos 

Tema Número de duplas Variáveis Número de experimentos válidos e conclusivos
PPI 46 Massa da esfera 55
Distância 39
Atrito 40
Inclinação 35
PET 42 Área superficial 35
Temperatura 24
Massa do bloco 46
Tipo do Líquido 52

Fonte: Autor.

No PPI, a variável massa da esfera, cuja expectativa de causalidade era, inadequadamente, forte entre os participantes da pesquisa, foi o principal foco de atenção dos estudantes. Já no PET, não houve uma forte prevalência de uma determinada variável.

No PPI, se se dividir o número de experimentos conclusivos e válidos de cada variável pelo número de duplas, obter-se-á valores menores do que 1 para três variáveis (distância, inclinação e atrito). Já para a variável massa da esfera, as duplas realizaram, em média, 1,2 experimento. No PET, se proceder da mesma forma, obtém-se valores menores do que 1 para as variáveis área superficial e temperatura. Tais resultados demonstram que houve duplas que nem testaram o efeito de determinada(s) variável(is) por confiar excessivamente em seus conhecimentos, dedicando sua atenção às variáveis sobre as quais se sentiam menos confiantes.

Analisando detalhadamente os históricos das duplas, experimento por experimento, percebe-se a influência que os resultados parciais exercem sobre os participantes, em semelhança às pesquisas de Tschirgi (1980), Klayman e Há (1987) e Croker e Buchanan (2011). Muitas duplas, ao obterem resultados esperados, repetiam os experimentos modificando apenas essa variável, na esperança de obter mais resultados esperados. Assim, foi comum haver históricos em que as duplas executavam dois ou três experimentos válidos e conclusivos para determinada variável e não exploravam as outras variáveis.

Um comportamento distinto ocorreu, sobretudo, com as variáveis cujos resultados surpreendiam os participantes. Ao obterem resultados que não confirmavam suas previsões e hipóteses, algumas duplas repetiam, incessantemente, experimentos válidos e conclusivos cujo foco de atenção era apenas essas variáveis e deixavam as outras variáveis de lado. Essa tendência pode ser vista nos trechos dos históricos abaixo:

Dupla 11-3

Previsão: “A mudança do tipo de líquido não irá influenciar na temperatura final da mistura, pois, as outras variáveis foram mantidas constantes.”

Comentário: Inesperado. O álcool talvez transmita calor de forma diferente do que a água.

Previsão: “Prevemos agora que haja uma mudança. Estamos fazendo mais este experimento para confirmar se o líquido influencia ou não na temperatura de equilíbrio.”

Comentário: “Era inesperado, mas o tipo de líquido influencia sim na temperatura final de equilíbrio da mistura.”

Dupla 16-8

Previsão: “O aumento da massa fará com que a velocidade da esfera durante a descida seja menor, consequentemente, o tempo irá aumentar.”

Comentário: “O resultado não está de acordo com o esperado, por este motivo a experiência será refeita com uma massa maior.”

Previsão: “Mesma antes do experimento anterior.”

Comentário: “Constatamos que a nossa previsão estava errada, pois a massa não influencia no tempo gasto para a esfera alcançar o plano horizontal.”

Dupla 15-4

Previsão: “A temperatura final do sistema, quando se aumenta a área do bloco que entrara em contato com o líquido, será maior.”

Resultado: “O resultado obtido não foi o que esperávamos, pois, a temperatura final não modificou em relação a uma área menor.”

Previsão: “Testando novamente se a área tem alguma influência.

Comentário: “Podemos constatar que realmente a área do bloco em contato com o líquido não influencia na temperatura final.”

Os trechos deixam claro que, diante de evidências que divergiam de suas previsões, somente após a realização de dois testes válidos e conclusivos que as duplas aceitaram/concordaram com os resultados obtidos.

Para se investigar melhor o efeito da realização da atividade sobre o modelo de causalidade dos estudantes, buscou-se identificar diferenças nos escores das duplas (considerando a média dos dois alunos) nos testes de causalidade antes e depois das atividades. A média dos escores no teste de causalidade após a atividade (3,7) foi superior à média no pré-teste (3,2). Aplicando-se o teste de Wilcoxon, obtém-se novamente um resultado estatisticamente significativo (Z=-6,01; p<0,001). Das 88 duplas analisadas, 20 obtiveram a mesma média nos testes, 59 obtiveram uma média superior no pós-teste e 9 obtiveram uma média inferior no pós-teste.

Tentou-se estabelecer uma relação entre o modelo de causalidade dos estudantes e o seu desempenho durante as atividades. Para isso, classificou-se a qualidade da investigação realizada por cada dupla de acordo com as categorias proposta por Nascimento e Gomes (2018). As categorias, definidas na Figura 8, dizem respeito, sobretudo, à exploração do campo experimental e à utilização de testes válidos e conclusivos.

Tabela 3 Categorias utilizadas para classificação do desempenho nas investigações 

Desempenho Descrição
Muito Bom Quando a dupla realizou pelo menos um teste experimental válido e conclusivo para todas as variáveis independentes.
Bom Quando a dupla realizou pelo menos um teste experimental válido e conclusivo para pelo menos 50% das variáveis independentes.
Fraco Quando a dupla realizou a maioria dos testes experimentais de forma inconsistente e explorou a influência de poucas variáveis independente.

Fone: Autor.

Para cada uma das três categorias, calculou-se o escore médio das duplas nos testes de causalidade antes e após as atividades. Os dados estão sintetizados na tabela 2. Para as três categorias, o escore médio no pós-teste foi superior ao escore médio no pré-teste, resultado que, novamente, corrobora a inferência de que as investigações realizadas contribuíram para sofisticar o modelo de causalidade, das variáveis envolvidas nas atividades, desenvolvido pelos estudantes.

Foi realizado testes de Kruskal-Wallis para se investigar a magnitude das diferenças entre as médias obtidas entre os grupos no pré e no pós-teste. O resultado indica que a diferença foi mais acentuada no pós-teste (pré-teste: H(2) = 6,93; p=0,031, pós-teste: H(2) = 34,04; p<0,001). Percebe-se que, nos dois casos, a diferença é devido ao grupo de desempenho Fraco, uma vez que as médias dos grupos Bom e Muito Bom, tanto no pré, quanto no pós-teste, foram semelhantes.

Tabela 4 Escores médios das duplas em função da qualidade da experimentação 

Desempenho Número de duplas Média pré-teste Média pós-teste
Muito Bom 34 3,3 3,9
Bom 26 3,3 3,8
Fraco 28 2,9 3,2

Fonte: Autor.

Os resultados também indicam que a diferença entre os grupos era menor antes da atividade. A qualidade da investigação realizada contribuiu decisivamente para aumentar a diferença entre os escores no pós-teste, sobretudo entre os grupos de desempenho Muito Bom e Bom em relação ao grupo de desempenho Fraco. Ressalta-se que das nove duplas que obtiveram médias inferiores no pós-teste, sete tiveram o desempenho categorizado como Fraco.

Os resultados demonstram a relação mútua existente entre modelos de causalidade dos alunos e suas estratégias de experimentação, reforçando resultados de pesquisas anteriores que sugerem que as estratégias utilizadas durante uma atividade experimental refletem os diferentes níveis de compreensão, tanto conceitual quanto procedimental, e que o modelo de causalidade afeta de forma decisiva essas estratégias, tendo um forte impacto sobre o teste de hipóteses (experimentação) e a avaliação de evidências (Kuhn, 2012; Lehrer & Schauble, 2015; Sandoval et al., 2014; Zimmerman & Croker, 2013).

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

O objetivo deste trabalho foi o de explorar a relação entre modelos de causalidade e o desempenho experimental de estudantes durante atividades investigativas. Ao contrário de pesquisas anteriores, os instrumentos da pesquisa e a estratégia de coleta e produção dos dados permitiram, além de identificar o efeito das atividades realizadas sobre os modelos de causalidade dos estudantes, estabelecer relações entre os modelos de causalidade e o desempenho experimental dos participantes.

Respondendo à primeira questão de pesquisa, os resultados indicam que a realização das atividades investigativas contribuiu positivamente para sofisticar o modelo de causalidade dos estudantes em relação às variáveis envolvidas nas atividades. As médias individuais e das duplas nos pós-testes foram significativamente superiores aos escores do pré-teste. De uma forma geral, muitos estudantes foram capazes de interpretar corretamente os resultados das atividades e, devido a isso, revisar suas concepções causais iniciais sobre as variáveis envolvidas nos problemas, sobretudo com relação à massa da esfera e à área superficial do bloco, julgadas previamente como causais por parte dos participantes.

Porém, houve duplas e participantes que tiveram resultados inferiores no pós-teste. Sobre isso, esta pesquisa alerta para o perigo potencial de pequena parte dos estudantes desenvolverem e/ou manterem concepções inadequadas a partir da resolução das investigações. Para alguns estudantes, principalmente aqueles que possuem maiores dificuldades em compreender a lógica da experimentação, suas ações, quando pouco orientadas, são aleatórias e sem sentido. Portanto, esses alunos têm poucas chances de obterem sucesso em suas atividades. Porém, quando as investigações são finalizadas com tarefas de apresentação e discussão dos resultados e procedimentos, sempre tendo em vista os objetivos propostos, o risco de permanência dessas concepções inadequadas é menor, pois essa tarefa pós-laboratorial desperta os estudantes para o sentido da realização da atividade e para a relação entre objetivos e procedimentos adotados.

Em relação à segunda questão de pesquisa, os resultados apontam que os participantes da pesquisa não realizam as atividades investigativas como ‘tabulas rasas’, executando uma busca de forma igualitária no campo dos experimentos. Ao contrário, o modelo de causalidade entre as variáveis envolvidas e os resultados parciais dos experimentos determinam, de forma decisiva, o foco de atenção dos estudantes durante a experimentação. Esses fatores tendem a limitar a busca no campo da experimentação de acordo com as hipóteses mais plausíveis. Os alunos concentraram-se mais em determinadas variáveis (massa da esfera, área superficial do bloco e tipo do líquido), enquanto outras (inclinação e temperatura do líquido) não receberam a devida atenção. Isso, talvez, não implica numa falha no pensamento científico dos participantes, mas pode ter ocorrido, pela certeza (às vezes, incorreta) da causalidade ou não da variável em questão.

Os resultados também demonstraram a complexa relação existente entre os modelos de causalidade dos alunos e suas estratégias de experimentação. Ao mesmo tempo que a utilização de experimentos válidos e consistentes auxilia os estudantes a aprender melhor sobre o papel de cada variável que compõe os problemas, um modelo de causalidade mais adequado proporciona estratégias experimentais mais refinadas. Esse resultado reforça a relação entre a utilização de estratégias adequadas de experimentação e a aquisição de conhecimento específico de domínio, refletido pelas relações causais entre as variáveis envolvidas.

Na área de cognição e de psicologia do desenvolvimento, quando se busca identificar, por exemplo, o efeito de uma determinada intervenção de pesquisa, é comum a aplicação de pré e pós-testes e a comparação entre os escores por meio de testes estatísticos adequados (Evangelou & Kotsis, 2019; Stender et al., 2018; van Riesen et al., 2018). Porém, o método de comparar as relações causais identificadas pelos alunos antes e depois da atividade investigativa deve ser visto com cautela, pois a revisão imediata da causalidade entre as variáveis envolvidas não resulta, necessariamente, em conhecimento de longo prazo. O ideal seria a utilização desse método, juntamente com a aplicação de algum outro instrumento de pesquisa, algum tempo após a atividade, visando detectar indícios de aprendizagem após um período de tempo mais longo.

Pesquisas futuras devem privilegiar contextos com atividades investigativas que permitam não só a exploração de relações de covariação e causalidade, mas, sobretudo, relações de não covariação e não causalidade. No contexto da educação em Ciências, a maioria das atividades de laboratório baseia-se na determinação de relações causais e de covariação e, normalmente, essas relações são lineares e triviais. As relações de não causalidade e não covariação não são devidamente exploradas e trabalhadas com os alunos, trazendo dificuldades para eles quando abordadas.

Assim como o trabalho de Kuhn, Ramsey e Arvidsson (2015), pesquisa futuras também podem explorar contextos nos quais haja a interação entre as variáveis independentes, tornando a análise dos resultados e as evidências de causalidade mais complexas. Tais estudos poderiam nos informar e gerar novas questões a respeito da compreensão dos estudantes sobre o modelo de causalidade entre variáveis e sobre a concepção de que o resultado experimental obtido é uma combinação de efeitos das variáveis envolvidas.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro ao projeto APQ 00701-18.

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2Simulações disponíveis em: https://drive.google.com/drive/folders/1g_HGC5D0WUi8H8Th8XYHXg1iZiew4whv

3Para a comunicação com os alunos, os objetivos das atividades foram tratados de forma mais coloquial e de fácil compreensão para eles. Os objetivos comunicados aos estudantes estão no quadro 1.

4Reconhece-se que o argumento da dependência ou não da massa é mais complexo que o apresentado. Normalmente, no Ensino Médio, conceitos relacionados à dinâmica rotacional não são abordados. Portanto, a influência do formato do corpo (blocos, esferas, cilindros etc.) e a influência das massas nestes casos, não são abordadas. Ressalta-se que, durante a coleta de dados e a interação dos alunos com os instrumentos de pesquisa, aluno algum perguntou sobre esses conceitos ou questionou detalhes, como a consideração da esfera como uma partícula pontual ou como um corpo extenso e rígido.

Declaração sobre disponibilidade de dados

Data Availability StatementTodo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no Dataverse da SciELO e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.CMC1G3.

O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Recebido: 25 de Abril de 2023; Aceito: 30 de Agosto de 2023

Contato: Universidade Federal de São João del-Rei | Campus Dom Bosco. Praça Dom Helvécio, 74, DCNAT sala 3.13, bloco C - Bairro Fábricas. São João del-Rei - MG | Brasil. CEP 36301-160

Contato: Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais - CECIMIG. Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais. revistaepec@gmail.com

Alessandro Damásio Trani Gomes - Doutor em Educação (PPGE/FaE/UFMG). Professor adjunto do Departamento de Ciências Naturais da Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, MG, Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEDU). E-mail: alessandrogomes@ufsj.edu.br

Editor responsável: Geide Rosa Coelho

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