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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versión impresa ISSN 1415-2150versión On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.25  Belo Horizonte  2023  Epub 15-Mar-2023

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240142 

Perspectivas

ARTIGO-PARECER: VALIDAÇÃO DE TESTE EM TRÊS CAMADAS PARA MAPEAR PERFIS EPISTEMOLÓGICOS DE DENSIDADE

INFORME DE ARBITRAJE: VALIDACIÓN DE PRUEBA EN TRES NIVELES PARA MAPEAR PERFILES EPISTEMOLÓGICOS DE DENSIDAD

ARTICLE-OPINION: THREE-TIER TEST VALIDATION FOR MAPPING EPISTEMOLOGICAL DENSITY PROFILES.

CLÁUDIO JOSÉ DE HOLANDA CAVALCANTI1 
http://orcid.org/0000-0002-2477-3150

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Física, Porto Alegre, RS, Brasil.


RESUMO:

Este trabalho é um artigo-parecer derivado do processo de avaliação do artigo original de Melo e Amantes (2022b), que usa um teste de três camadas para avaliar os perfis epistemológicos dos alunos sobre o conceito de densidade, o primeiro artigo publicado na revista Ensaio, cujos dados suplementares de pesquisa foram disponibilizados publicamente no repositório Scielo Dataverse Ensaio. Começamos o debate explicando o paradigma da Ciência Aberta, que é um tema fundamental deste artigo-parecer. Após uma breve revisão de diferentes perspectivas para investigar como os alunos aprendem conceitos científicos, são abordadas a perspectiva sociocultural e cognitivista clássica da aprendizagem, destacando as diferenças centrais entre elas nas investigações sobre o aprendizado de conceitos científicos, enfatizando a importância das formas modernas de inventários conceituais para avaliar concepções dos alunos em amostras maiores. Após uma discussão sobre o método adotado pelas autoras, o modelo de Rasch, e a (falsa) dicotomia entre pesquisas qualitativas e quantitativas, a política de Dados Abertos foi mais bem detalhada para esclarecer suas potencialidades. Para ilustrar essas noções, é dado um exemplo da relevância de variáveis contextuais em um bem conhecido programa de avaliação em larga escala.

Palavras-chave: Inventários conceituais; Modelo de Rasch; Ciência Aberta; Dados Abertos

RESUMEN:

Este trabajo es un informe de arbitraje derivado del proceso de evaluación del artículo original de Melo e Amantes (2022b), que utiliza una prueba de tres niveles para evaluar los perfiles epistemológicos de los estudiantes sobre el concepto de densidad, el primer artículo publicado en la revista Ensaio, cuyos datos suplementarios de investigación fueron puestos a disposición del público en el repositorio Scielo Dataverse Ensaio. Comenzamos el debate explicando el paradigma de la Ciencia Abierta, que es un tema fundamental de este informe de arbitraje. Después de una breve revisión de distintas perspectivas sobre cómo los estudiantes aprenden los conceptos científicos, se abordan la perspectiva sociocultural y cognitivista clásica del aprendizaje, destacando las diferencias centrales entre ellas en las investigaciones sobre el aprendizaje de los conceptos científicos, enfatizando la importancia de las formas modernas de inventarios conceptuales para investigar las concepciones de los estudiantes en muestras más grandes. Después de una discusión sobre el método adoptado por las autoras, el modelo de Rasch, y la (falsa) dicotomía entre la investigación cualitativa y cuantitativa, se explicó mejor la política de Datos Abiertos para aclarar sus potencialidades. Para ilustrar estas nociones, se proporciona un ejemplo de la relevancia de las variables contextuales en un programa de evaluación a gran escala bien conocido.

Palabras clave: Inventarios conceptuales; Modelo de Rasch; Ciencia Abierta; Dados Abiertos

ABSTRACT:

This work is an article-opinion derived from the review process of the original paper by Melo e Amantes (2022b), which uses a three-layer test to assess students’ epistemological profiles on the concept of density, the first article published in the journal Ensaio, whose supplementary research data were made publicly available in the Scielo Dataverse Ensaio repository. We started the debate by explaining the Open Science paradigm, which is a fundamental theme of this article-opinion. In the following, the sociocultural and classical cognitivist perspectives of learning are addressed, highlighting the core differences between them in investigations about learning scientific concepts, emphasizing the importance of modern forms of conceptual inventories to investigate students’ conceptions in larger samples. After a discussion about the method adopted by the authors, the Rasch model, and the (false) dichotomy between qualitative and quantitative research, the Open Data policy was better detailed to clarify its potential. To illustrate these notions, an example of the relevance of contextual variables in a well-known large-scale assessment program is provided.

Keywords: Conceptual inventories; Rasch model; Open Science; Open Data

INTRODUÇÃO

O objetivo central do trabalho de Melo e Amantes (2022b) foi, segundo as autoras, a “validação de um teste em três camadas para acessar elementos do perfil epistemológico do conceito de densidade” (p. 1), considerando como amostra de 249 estudantes do Ensino Médio e 75 do Ensino Superior. A relevância e qualidade de um trabalho não pode ser definida apenas pelo que está estritamente contido nele, mas principalmente pelas perguntas que ele inspira além daquelas que pretende responder, pelas portas que ele abre para outros pesquisadores que se interessam pelo tema. O trabalho de Melo e Amantes (2022b) é, sem dúvida, rico em reflexões no próprio trabalho, mas é rico também nas reflexões que instiga. Talvez essa seja a qualidade mais fundamental em um bom trabalho, pois possibilita uma espécie de diálogo com o futuro. O trabalho de Melo e Amantes (2022b) carrega consigo ainda um aspecto simbólico significativo para o periódico Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (EPEC) e a área de Educação em Ciências, pois é o primeiro artigo do periódico a ter seus dados e instrumentos de pesquisa publicados no repositório de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), na área do EPEC no Dataverse (SciELO, 2023a). Foi atribuído doi específico a esses arquivos e podem ser acessados livremente por todos os interessados (Melo & Amantes, 2022a). A publicação dos dados do artigo original é uma das políticas da Ciência Aberta (Open Science), chamado Dados Abertos (Open Data) e são resultado de um elogiável e importante passo dos editores do EPEC ao implementar políticas da Ciência Aberta no seu processo editorial. O EPEC, até o momento, é o único periódico da área de Educação em Ciências que já publicou dados de seus artigos no Dataverse (SciELO, 2023b). Espero que outros periódicos da área cadastrados na SciELO gradualmente sigam esse exemplo.

No sentido de colaborar com a interessante discussão proposta no artigo, abordarei alguns aspectos que julgo relevantes, no sentido de expandir a discussão e propor reflexões que contribuam não apenas para o trabalho, mas para o ambiente criativo de quem tem interesse por investigações sobre concepções de estudantes a respeito de conceitos científicos. Inicialmente serão discutidos alguns aspectos mais fundamentais das políticas que fazem parte desse amplo arcabouço em torno do qual a Ciência Aberta é constituída, para que futuros autores possam se situar em relação a essa ideia. Trabalhos na área de Educação em Ciências são muitas vezes apoiados em dados de diversas naturezas, sejam trabalhos de natureza mais qualitativa, quantitativa ou mista. O pleno acesso à pesquisa não se consolida se dados, instrumentos de coleta e outros elementos de articulação da pesquisa não forem também tornados públicos em conjunto com o artigo original.

Um dos aspectos que apontei no parecer seria propor uma reflexão sobre como articular os diferentes domínios (sociocultural, ontogenético e microgenético, ver seção 3.1) na pesquisa realizada. Reconheço que não era uma questão essencial, não era objetivo central do estudo. As autoras discutiram brevemente no texto aspectos relacionados a esse tema e um dos objetivos desse artigo-parecer é estender a discussão, que pode ainda ser relacionada ao paradigma de Ciência Aberta. Estudos que pretendem investigar concepções ou proficiência de estudantes em conceitos científicos e que tenham por objetivo articular resultados obtidos por meio de seus instrumentos de coleta (testes ou inventários conceituais) para além do domínio microgenético (domínios ontogenético e sociocultural) possuem alto grau de complexidade e muito provavelmente deverão ser desenvolvidos por redes de pesquisadores, que deve ser dimensionada dependendo dos objetivos do estudo. O paradigma de Ciência Aberta pode ajudar muito essa prática, especialmente em trabalhos como o de Melo e Amantes (2022b), que geram dados muito interessantes para outras análises. Nesse caso, os Dados Abertos, como uma das políticas mais importantes da Ciência Aberta, desempenham papel central.

Para articular as reflexões sobre o trabalho avaliado, na seção 2 o paradigma de Ciência Aberta é discutido em um nível de detalhe que permita articulação posterior com a discussão sobre a possibilidade de extensão de trabalhos em estilo similar ao de Melo e Amantes (2022b) pelo menos ao domínio ontogenético. Após, na seção 3 é feita uma breve discussão sobre a pesquisa sociocultural e como conceitos científicos podem ser investigados nessa perspectiva, fazendo um contraponto com a perspectiva cognitivista clássica. No seguimento, é discutida a pesquisa de concepções por meio de questionários, em geral feito sob a luz de perspectivas cognitivistas, abordando a evolução dos antigos inventários conceituais para os modernos testes multicamada, tal como o que foi concebido e aplicado pelas autoras. Após uma breve discussão sobre a falsa dicotomia entre estudos de natureza qualitativa e quantitativa, na seção 4, a questão dos Dados Abertos é discutida em maior detalhamento, na seção 5, para fundamentar o que é discutido nas seções seguintes. A seção 6 consiste em propostas de reflexão sobre encaminhamentos possíveis desse tipo de investigação no sentido de olhar para além das concepções em si, pensando possíveis formas de conectar o domínio microgenético à história pessoal, ou seja, o domínio ontogenético. Por exemplo, diferenças nas concepções obtidas em grupos distintos de estudantes (etnia, gênero ou nível socioeconômico) muito provavelmente estão relacionadas a eventos que ocorrem na história pessoal (domínio ontogenético) ou até no sociocultural. Finalmente, como um apêndice, é apresentado um exemplo por meio de dados do Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (Trends in International Mathematics and Science Study - TIMSS) do ano de 2019, explicitando diferenças preocupantes entre meninas e meninos, principalmente na disciplina de Física. As reflexões aqui propostas são, portanto, fortemente articuladas no trabalho das autoras, apoiadas na Ciência Aberta e na ideia de pensar possíveis formas de colaboração entre diferentes perspectivas de aprendizagem de conceitos científicos.

CIÊNCIA ABERTA E DADOS ABERTOS: UMA SIGNIFICATIVA EVOLUÇÃO NA FORMA DE PUBLICAR TRABALHOS ACADÊMICOS

Em geral há consenso em implementar políticas de disseminação do conhecimento científico que melhore a transparência e acessibilidade das pesquisas acadêmicas. Em 2019 a UNESCO lançou a Aliança Global de Plataformas de Comunicação Acadêmica de Acesso Aberto para Democratizar o Conhecimento (Global Alliance of Open Access Scholarly Communication Platforms - GLOALL), cujo objetivo primordial é “democratizar o conhecimento científico seguindo uma abordagem multicultural, multitemática e multilíngue” (UNESCO, 2019). O crescimento exponencial do número de periódicos que permitem livre acesso aos seus artigos é um indicativo de que essa tendência teve forte crescimento até o presente momento - no Directory of Open Access Journals havia apenas 20 periódicos cadastrados em 2002 (Simard et al., 2022, p. 2), passando a 18.939 em fevereiro de 2023 (Directory of Open Access Journals - DOAJ, 2023), dos quais 13.016 não cobram dos autores a Taxa de Processamento de Artigos (TPA). Serão discutidos a seguir os conceitos fundamentais da Ciência Aberta, suas dificuldades e potencialidades. É um movimento bastante positivo, ainda que não seja livre de potenciais problemas relacionados ao agravamento das desigualdades na produção acadêmica global, já existentes antes mesmo desse (não tão) novo paradigma.

Características fundamentais da Ciência Aberta

As políticas de Ciência Aberta são bastante complexas e não serão discutidas em todas as suas dimensões. Os principais aspectos incluem as ideias de Acesso Aberto (Open Access), Dados Abertos (Open data), Códigos Abertos (Open Source) e a Revisão por Pares Aberta (Open Peer Review), esse último talvez o mais crucial dos aspectos, como será mais bem discutido adiante. Uma ideia mais abrangente sobre a Ciência Aberta pode ser vista no trabalho de Silva e Silveira (2019), os quais se referem a esse paradigma como um ecossistema científico, caracterizado por diversas dimensões. Também reconhecendo essa complexidade, Kathawalla et al. (2021) se dedicaram a disponibilizar um guia sobre o tema, para que pesquisadores e seus estudantes possam se orientar em meio a essas várias dimensões. Há também alguns sites dedicados a informar sobre esses diferentes eixos da Ciência Aberta e que são úteis para fornecer uma perspectiva inicial sobre o tema, inclusive em forma de cursos (MOOC - Massive Open Online Course, 2019). De uma forma geral, podemos pensar que a Ciência Aberta é uma denominação bastante abrangente e “que se refere a uma variedade de princípios e comportamentos relativos à transparência, credibilidade, reprodutibilidade e acessibilidade” (Kathawalla et al., 2021, p. 2). As políticas de Ciência Aberta envolvem a aceitação de preprints, disponibilização de materiais suplementares da pesquisa, abertura do processo de arbitragem, acessibilidade ao trabalho final, em geral um artigo (ou outros tipos de produção acadêmica). Além disso, é defendido que dados analisados e publicados nos trabalhos devam também ser disponibilizados para que todos possam acessá-los, para reuso e novas análises. Em um recente editorial (Mendonça & Franco, 2021), os editores do EPEC explicam alguns pontos-chave e princípios básicos dessa nova forma de pensar o compartilhamento da produção acadêmica, se alinhando à política que vem sendo adotada, também gradualmente, pelo programa SciELO (SciELO, 2018). Em 2023, no editorial publicado no volume 25 da Ensaio, os editores detalham o processo de revisão aberta por pares adotada pelo periódico e explicitam os principais elementos de um trabalho do tipo artigo-parecer (Mendonça et al., 2023). Além disto, enfatizam o trabalho de editoria de dados que começou a ser implementado na revista a partir do trabalho de Melo e Amantes (2022b).

Fica simples entender essa demanda pelo paradigma de Ciência Aberta se pensarmos algo aparentemente óbvio: a pesquisa acadêmica pode culminar fundamentalmente com a publicação de artigos científicos em periódicos, que é usualmente a forma mais almejada de disseminação do conhecimento, mas é evidente que nenhuma pesquisa se reduz somente a isso. Ela passa por diversas etapas, nas quais uma série de processos distintos se articulam para consolidar o artigo final, incluindo metodologias, coleta, processamento e análise de dados, criação de códigos de programação, instrumentação, logística envolvendo trabalhos de equipes e vários outros aspectos. Na área de Educação, na qual a Educação em Ciências está inserida, van Dijk et al. (2021) defendem que materiais digitais mais específicos dessa área sejam também incluídos no escopo dos Dados Abertos, o qual os autores consideram os dados coletados durante a pesquisa, excluindo os materiais relativos ao processo de intervenção e análise. Para esses processos específicos os autores propõem as subcategorias denominadas Análise Aberta (Open Analysis, referente à análise completa de dados, qualquer que seja sua natureza) e Materiais Abertos (Open Materials, instrumentos de coleta de dados, roteiros e outros, usados em intervenções). Chamaremos todos esses elementos das diversas etapas de pesquisa como elementos de articulação da pesquisa acadêmica. Com a Ciência Aberta, todos esses elementos de articulação devem estar plenamente disponíveis para a comunidade, não apenas o artigo que foi publicado a partir deles. A ideia de Dados Abertos na Educação será melhor discutida na seção 5.

Atualmente a publicação de artigos em periódicos se dá majoritariamente pela via digital, meio próprio para criar repositórios não apenas para os próprios artigos, mas também para outros tipos de arquivos contendo esses elementos de articulação. Evidentemente que nos últimos anos a capacidade de processar, armazenar e gerenciar dados aumentou de forma significativa. De forma articulada, a interconectividade entre instituições e entre pessoas também experimentou sofisticação e crescimento significativos nesse mesmo período. Não é, portanto, nada surpreendente que a pesquisa científica seja provocada a também se articular a esse mundo interconectado e a suas nuvens de dados digitalmente armazenados.

Isso é essencial para permitir plena reutilização, reprodução, facilitando com isso também o processo de auditoria, o que ajuda a inibir más condutas acadêmicas e corrigir eventuais erros não intencionais em artigos acadêmicos já publicados. Com o compartilhamento desses elementos de articulação, componentes essenciais de pesquisas acadêmicas, é possível promover intensa colaboração entre cientistas na avaliação permanente e reuso dos resultados de pesquisas científicas, o que é bem mais difícil se apenas o produto final - o artigo científico - é publicado. Principalmente se esse artigo não for de livre acesso a todos, o que ainda é prática comum.

Apenas como um exemplo de um dos aspectos importantes da Ciência Aberta, cito um caso de trabalho mal elaborado durante a pandemia de COVID-19 e que serviu de suporte para disseminar desinformação. Não discutirei a real intenção dos autores ao conceber um trabalho desses, mas ele foi em alguns momentos citado em redes sociais, não apenas no Brasil, como evidência de que lockdown não funciona, discurso mentiroso e bastante repetido durante a pandemia. O trabalho original (Savaris et al., 2021), publicado em março de 2021 como manuscrito de pré-revisão aberto,1contém erros primários de interpretação de regressão linear, além de apresentar problemas nos próprios dados (disponibilizados pelo periódico no momento da publicação do preprint). Foi apenas no final de 2021 que duas contestações aos resultados do artigo foram publicadas (Góes, 2021; Meyerowitz‐Katz et al., 2021), o que levou o artigo a ser retratado. Essa retratação foi tardia, pois esse e outros artigos tiveram tempo de circular em diversos meios digitais que atacavam quaisquer políticas de contenção da pandemia. Se por um lado a publicação imediata causou problemas, a disponibilização dos dados e códigos-fonte utilizados pelos autores facilitou o processo de contestação dos resultados do artigo.

A questão da Revisão por Pares Aberta é uma das facetas mais interessantes e um dos maiores pilares da Ciência Aberta, o qual vem levantando muitos debates. No exemplo citado no parágrafo anterior, se pode perceber que durante a pandemia foi perigosa a publicação de artigos antes de qualquer revisão por pares, mas isso não necessariamente torna essa política ruim. Além disso, a Revisão Aberta por Pares pode ser um tema sensível, por revelar a identidade dos avaliadores e os conteúdos dos pareceres elaborados. Tudo isso torna esse processo de revisão aberta um tema complexo e que compreensivelmente leva a diferentes perspectivas - de fato, o significado de Revisão por Pares Aberta está longe de ser único na literatura. Isso, no entanto, não significa que não há possibilidade de algum consenso. Em uma revisão sistemática sobre esse tema, Ross-Hellauer (2017) parte de um corpus de 137 artigos (sem restrição de ano de publicação) dos quais 80 são efetivamente analisados após um processo de filtragem. Nesse trabalho o autor discute os problemas da revisão por pares tradicional e, por meio de um elaborado método de construção de uma taxonomia desenvolvida por Nickerson et al. (2013), foi possível obter um conjunto de sete características mais fundamentais sobre Revisão por Pares Aberta. Examinando a literatura em detalhe, o Ross-Hellauer (2017) encontra 22 configurações distintas dessas sete características, concluindo que efetivamente há 22 diferentes definições sobre esse tema na literatura. Ainda que essas diferentes configurações sejam relativas às mesmas sete características, esse número de definições distintas é elevado, indicando uma polissemia considerável. O autor faz uma discussão detalhada sobre cada uma das sete características e, ao final do artigo, propõe uma definição para cada uma delas (p. 16):

A Revisão por Pares Aberta é um termo abrangente para uma série de formas sobrepostas pelas quais os modelos de revisão por pares podem ser adaptados de acordo com os objetivos da Ciência Aberta, incluindo tornar as identidades de revisores e autores abertas, publicar relatórios de revisão e permitir maior participação no processo de revisão por pares. A lista completa de características é:

  1. Identidades abertas: autores e revisores estão cientes da identidade uns dos outros;

  2. Relatórios abertos: Os relatórios de revisão são publicados juntamente com o artigo relevante;

  3. Participação aberta: A comunidade em geral pode contribuir com o processo de revisão;

  4. Interação aberta: A discussão recíproca direta entre autor(es) e revisores, e/ou entre revisores, é permitida e incentivada.

  5. Manuscritos de pré-revisão abertos: os manuscritos são disponibilizados imediatamente (por exemplo, por meio de servidores de pré-impressão como o arXiv) antes de qualquer procedimento formal de revisão por pares;

  6. Comentários abertos da versão final: revisar ou comentar as publicações da versão final publicada;

  7. Plataformas abertas (revisão dissociada): a revisão é facilitada por uma entidade organizacional diferente do local de publicação.

Dado o extenso trabalho de revisão que o autor do artigo desenvolveu, é razoável entender as definições acima como um possível consenso. É instrutivo também para o leitor acessar a página que hospeda esse artigo, ele próprio um exemplo bastante ilustrativo desse processo. Ao final estão publicadas todas as avaliações, a comunicação com o autor e as diferentes versões do trabalho, seja na versão em html ou pdf. No mesmo ano, Ross-Hellauer et al. (2017) conceberam e realizaram uma grande pesquisa on-line que foi realizada com autores, revisores, editores e representantes de editoras de periódicos de mais de 12 áreas de conhecimento, para sondar atitudes e a experiência com Revisão por Pares Aberta, levando em conta as sete características acima. Houve 3.062 respostas completas no questionário, contendo 17 questões, em grande parte caracterizada por variáveis (itens) ordinais. Por questão de espaço não serão discutidos os vários resultados dessa pesquisa, mas cabe ressaltar que 60,3 por cento dos respondentes afirmaram acreditar que a Revisão por Pares Aberta, como um conceito geral, deve ser a prática acadêmica dominante. Porém, há resistências em alguns de seus pontos, principalmente na característica 1 (identidades abertas - autores e revisores cientes da identidade uns dos outros).

Como há ainda inseguranças por parte dos principais atores envolvidos na produção intelectual acadêmica a respeito da tendência da Ciência Aberta se tornar cada vez mais disseminada, em especial a respeito da Revisão por Pares Aberta, Ross-Hellauer e Görögh (2019) concebem um terceiro trabalho, bem mais propositivo, que pode ser bastante interessante para editores e autores, pois essas recomendações são bem fundamentadas nos dois trabalhos anteriores (Ross-Hellauer, 2017; Ross-Hellauer et al., 2017). São dez pontos principais que são elencados, discutidos em detalhe e que podem inspirar editores de periódicos a migrar para esse novo paradigma com mais segurança.

Questões que envolvem o componente mais técnico da Ciência Aberta trazem consigo dificuldades, mas que podem ser superadas ou contornadas articulando ações que podem ser pensadas caso a caso para sua implementação. Em geral esse tipo de mudança é realizado gradualmente, tal como vem sendo implementado na EPEC.

A seguir será abordada uma questão contextual importante de ser pontuada: possíveis desigualdades que podem se agravar no paradigma de Ciência Aberta.

A Ciência Aberta é para todos? O problema da desigualdade não pode ser negligenciado

Poucas pessoas discordam dos princípios fundamentais da Ciência Aberta, ancorados em aspectos como transparência, credibilidade, reprodutibilidade e acessibilidade. Porém, para além desses princípios algumas armadilhas podem estar ocultas se o olhar for apressado. Tomemos como exemplo a Public Library of Science (PLOS), que na homepage do seu próprio site se autodenomina como “uma editora de acesso aberto sem fins lucrativos que capacita pesquisadores a acelerar o progresso na ciência e na medicina, liderando uma transformação na comunicação de pesquisa” (PLOS, 2023a). Há uma vasta seção dedicada apenas ao paradigma de Ciência Aberta no site da organização, no qual é possível consultar diversos dos aspectos envolvidos e tratados aqui (PLOS, 2023b), mas uma questão importante deve ser destacada: os periódicos da PLOS são de acesso livre, mas para isso cobram taxas de publicação dos autores que têm seus artigos aceitos neles, o que não é prática incomum em outros periódicos.

Cabe então uma pergunta que data de apenas dois anos antes da fundação da PLOS e que é título do trabalho de Butler (2003): quem pagará pelo acesso aberto? No caso específico da PLOS, desde o início a ideia era que seus periódicos seriam voltados a publicar apenas pesquisas relevantes, o que implica que em torno de 90 por cento dos artigos submetidos são rejeitados, aumentando o custo editorial por artigo aceito. Como a ideia original é que o acesso seja livre apenas ao leitor final, esse custo usualmente é redirecionado para os próprios autores com as famosas taxas de processamento de artigos - TPA (do inglês article processing charges), o que não pode ser ignorado. Por mais promissora que a Ciência Aberta possa ser, isso pode acarretar em mais desigualdades na produção de conhecimento científico, ainda que esse custo não seja direcionado aos autores por alguns periódicos. A questão da desigualdade permanece ainda como possível ameaça mesmo nesse caso, pois os objetivos fundamentais do rol de políticas da Ciência Aberta, como já citado, são melhorar a transparência, equidade, proporcionar maior e mais ampla colaboração na produção de conhecimento, tornando também amplo o acesso a resultados de pesquisa, artigos, métodos e outros - sem cobrar acesso. Para alcançar esses objetivos é necessário que os artigos, dados e instrumentos de pesquisa sejam compartilhados livremente em repositórios de alta qualidade, disponibilizados a todos. Isso por si só já impõe alto custo institucional. Em outras palavras, instituições acadêmicas com mais recursos, não coincidentemente situadas em regiões mais ricas, poderão arcar melhor com esses custos do que instituições com menos recursos. Questões como essa são discutidas no trabalho de Ross-Hellauer (2022), que corretamente argumenta que negligenciar questões vinculadas a desigualdades estruturais fará com que vantagens daqueles que já são privilegiados aumentarão, especialmente porque eles têm mais influência sobre como a Ciência Aberta é implementada (p. 363). Esse tema foi objeto de uma carta aberta, endossada por diversos cientistas, instituições, academias e organizações acadêmicas de vários países (Cabrerizo, 2022).

Dois trabalhos recentes citados por Ross-Hellauer (2022) devem ser considerados com bastante atenção. Smith et al. (2022) investigaram uma amostra de mais de 37.000 artigos do sistema de mirror journal da Elsevier (Elsevier, 2018) que adotam o sistema de TPA. Nesse sistema, um periódico híbrido denominado parent e seu mirror no Acesso Aberto compartilham os mesmos conselhos editoriais e padrões de aceitação. A maioria dos artigos não era de Acesso Aberto e 45 por cento deles tinham seus autores principais originários nos Estados Unidos ou da China. Após corrigir o efeito dessa dominância e diferenças no tamanho da amostra, os autores concluíram que os artigos de Acesso Aberto publicados nas revistas parent e mirror possuíam autores principais com diversidade geográfica semelhante. O mais preocupante é que os autores constataram que a diversidade geográfica dos autores de artigos de Acesso Aberto é bem menor do que a encontrada nos artigos que não são de Acesso Aberto. Os artigos de Acesso Aberto têm como autores principalmente pessoas originárias de países de alta renda, não havendo artigos de autores de países de baixa renda no periódico mirror. Ou seja, as TPA’s funcionam como bloqueio para publicações acadêmicas com autores de países de mais baixa renda. O trabalho de Simard et al. (2022) obtém mais detalhes sobre esse aspecto envolvendo TPA’s, ao estudarem uma amostra (final) de 8.137.675 de publicações, coletadas da Web os Science. Os autores concluíram que autores da África subsaariana (países de baixa renda, ao sul do Saara) está publicando e citando artigos de acesso aberto em uma taxa mais alta do que o resto do mundo. Já o Oriente Médio e a Ásia (países em maioria de renda média) a proporção de publicações disponíveis em acesso aberto é menor, assim como o seu uso. Os autores associam isso ao fato de que autores oriundos de países de baixa renda são frequentemente dispensados das TPA’s, o que não ocorre por completo para autores oriundos de países de renda média. Porém, como há muitos periódicos de acesso aberto não indexados em bases como a Web of Science, os autores reconhecem que esses resultados devem ser interpretados com cuidado.

Um segundo trabalho refere-se ao perfil dos autores de artigos que vêm sendo publicados em periódicos de Acesso Aberto que adotam as TPA’s. Olejniczak e Wilson (2020) investigaram o número de artigos de Acesso Aberto com TPA’s de 182.320 autores com características demográficas e institucionais conhecidas, todos em universidades dos Estados Unidos com atividades de pesquisa, em 11 áreas do conhecimento. Os resultados impactam: a chance de um pesquisador ser autor de um artigo de Acesso Aberto com TPA é maior se o pesquisador (1) for do sexo masculino, (2) se trabalhar em instituições de maior prestígio, (3) se trabalhar em áreas associadas à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM), (4) se dispõe de maior financiamento federal para pesquisa e (5) se a carreira estiver em estágio mais avançado.

Nas recomendações da UNESCO para a Ciência Aberta (UNESCO, 2022) a questão da desigualdade é reconhecida como ameaça e em diversos pontos do documento são propostas ações para, ao menos, suavizar esse problema. No Brasil a SciELO foi criada no sentido de fornecer a infraestrutura necessária que, como já citado, é bastante cara para ser implementada, hospedada e mantida em cada instituição acadêmica. Essa iniciativa vem fornecendo acessibilidade e visibilidade da produção editorial de vários países em desenvolvimento, com repositórios específicos para dados e materiais correlatos (SciELO, 2023b), livros (SciELO, 2023c) e preprints (SciELO, 2023d). Para uma visão geral sobre ações em favor da Ciência Aberta, em especial quanto ao Acesso Aberto, recomento consultar o trabalho de (Simard et al., 2022).

Ainda que a Ciência Aberta seja um movimento elogiável e mereça ser defendido, é importante não negligenciar esses potenciais problemas. Veicular apenas visões românticas sobre ele pode levar a ampliar as desigualdades já existentes e isso deve ser evitado a todo custo. As possíveis relações desse paradigma com o desenvolvimento de pesquisas mais colaborativas serão abordadas nas próximas seções.

CONCEITOS CIENTÍFICOS E FORMAS DE INVESTIGAR COMO ESTUDANTES OS COMPREENDEM

Embora não seja objetivo discutir detalhadamente neste trabalho o que vem a ser um conceito científico, pois é uma longa discussão que envolve perspectivas distintas, é possível citar duas grandes escolas de pensamento e discutir esse tema de forma bastante introdutória, para melhor dialogar com o trabalho de Melo e Amantes (2022b), ressaltando que investigar a compreensão do conceito de densidade era uma etapa essencial para identificar elementos do perfil epistemológico dos estudantes, segundo a posição dos itens do questionário na escala de proficiência (o principal objetivo do artigo). Para uma abordagem bastante mais aprofundada sobre conceitos científicos, recomendo fortemente o texto de Mortimer et al. (2014). Essas duas escolas de pensamento são a perspectiva cognitivista (ao menos na sua versão mais clássica), que considera que os alunos carregam conceitos em suas mentes na forma de modelos ou esquemas (estruturas mentais relativamente estáveis e pertencentes ao indivíduo) e a perspectiva sociocultural, que defende que o conceito científico faz parte de uma rede de conhecimento de longo alcance espacial (diversas comunidades e culturas) e temporal (inscrito na história) e se constitui fundamentalmente em um ente linguístico externo, ou seja, aparece como construção social (colaborativa) em um contexto histórico e cultural de produção textual (Mortimer et al., 2014, p. 5). A consideração da natureza do conceito científico como linguística e social, em contraponto a considerar essa natureza como mental, já era defendida desde o final da década de 1980 (Lemke, 1988; Lemke, 1990).

Uma breve discussão sobre a perspectiva sociocultural

Na perspectiva sociocultural, em especial na teoria de Vygotsky e Wertsch (Teoria da Ação Mediada), a linguagem verbal é a principal forma de mediação semiótica. Cabe aqui ressaltar que a perspectiva sociocultural é muitas vezes mal entendida, como se defendesse que o aprendizado é social ou a realidade é construída socialmente, dando a entender que há uma espécie de determinismo social que rege o desenvolvimento psicológico dos seres humanos, desconsiderando a dimensão individual, o indivíduo como atuante no mundo. Nada mais incorreto. Essa perspectiva supõe uma permanente tensão entre o individual e o social - ambos são fortemente articulados, mas indivíduo e contexto sociocultural não formam um mesmo ente. Por exemplo, o conceito vygotskyano de internalização é muito mais do que simplesmente construir uma representação interna ou mental de objetos externos ou uma simples tradução do plano interpsicológico para o intrapsicológico - internalização envolve realizar internamente (plano intrapsicológico) todo um conjunto de operações aprendidas inicialmente no contexto social (plano interpsicológico).

Aqui reside a importância das interações sociais em ambientes educacionais: a partir dessas interações, que são “localizadas” externamente, ocorre a internalização. Ela se baseia em uma complexa interação dialética com o plano social (externo) em que um indivíduo interage com os outros “por meio de processos dinâmicos que não acontecem apenas dentro de nosso cérebro, mas se estendem para além de nossa pele, ocorrendo por um mútuo e contínuo intercâmbio e entrelaçamento de processos internos e externos” (Mortimer et al., 2014, p. 10). Isso deve envolver “um processo de externalização, comunicando e interagindo cada vez mais, e cada vez mais profundamente, com outras pessoas em nosso ambiente social” (p. 10). Em outras palavras, nessa perspectiva o individual está organicamente articulado com o social, que são considerados domínios qualitativamente diferentes em uma complexa interação cuja dinâmica atua e modifica o mundo externo ao longo do tempo, ao mesmo tempo que modifica a constituição psicológica do indivíduo. Portanto, o processo de internalização tem conotação individual e também social.

Assumindo que os significados são construídos nessa tensão entre individual e social e manifestados primordialmente por meio da linguagem em interações discursivas (Lemke, 1982, 1990), a análise de intervenções didáticas que tenham por objetivo investigar compreensão de conceitos científicos por parte de estudantes é feita com base em dados de natureza semiótica - enunciados dos alunos e professores produzidos nas suas interações discursivas, textos escritos e outros recursos semióticos. A análise desses enunciados é feita momento a momento (Gee & Green, 1998; Wickman & Östman, 2002) por meio de métodos analíticos robustos (por exemplo, análise bakhtiniana, análise de discurso ou outros), prestando atenção especial nas estratégias discursivas que eles usam para compartilhar significados, compreender conceitos ou comunicar sua própria interpretação para os outros. Nessa perspectiva é necessário analisar interações discursivas em sala de aula, nos momentos em que a ação mediada ocorre, de forma contínua. Esses eventos discursivos se enquadram no domínio microgenético, que compreende processos (nesse caso microprocessos) que ocorrem em situações específicas e em períodos breves de tempo (Mortimer et al., 2014, p. 68). Esse é um dos quatro domínios genéticos propostos por Vygotsky para o estudo de funções mentais superiores (Wertsch, 1985, pp. 27-57).

Análises de interações discursivas produzidas nesses microprocessos costumam ser evidentemente trabalhosas, pois uma análise momento a momento em um único episódio de intervenção didática já poderia acarretar em uma grande quantidade de dados - e em geral são necessários múltiplos episódios. Uma das vantagens é que isso permite acompanhar a evolução da compreensão dos estudantes mediante suas interações mútuas e interações com professor, permitindo, por exemplo, identificar evolução de situações de aprendizado parcial até um aprendizado mais consistente, ajustando as atividades e tarefas elaboradas na intervenção didática para melhor dar conta das questões que vão surgindo. Outra vantagem é que esse tipo de análise pode ajudar a entender melhor esses microprocessos em um horizonte mais amplo, considerando suas possíveis articulações a aspectos tipicamente vinculados a outros domínios genéticos, como a história sociocultural e o domínio ontogenético. No primeiro é estudado como o conceito foco da pesquisa evoluiu ao longo da história em um determinado contexto sociocultural, no segundo o estudo é sobre a evolução desse mesmo conceito ao longo da história de cada sujeito de pesquisa (em geral estudantes), contexto que por questão de exequibilidade pode ser limitado apenas aos anos de escolarização, considerando contatos dos sujeitos de pesquisa com diferentes tipos de discursos (livros didáticos, professores, colegas e outros). Isso resultaria em uma investigação interessante, ainda que trabalhosa, seguindo a ideia proposta no trabalho de Mortimer et al. (2014, p. 68) para o estudo de perfis conceituais.

Uma investigação sobre compreensão de conceitos científicos pela análise detalhada de interações discursivas nesses microprocessos não é concebida (e nem factível) para grandes amostras, apenas em grupos limitados. É verdade que tais análises tendem a ser ricas pelo nível de detalhe que podem alcançar e por possibilitar entender como contextos mais amplos, que vão além do local e época da instrução, podem influir nos discursos a respeito dos conceitos científicos. Porém, dado o fato desse tipo de estudo se restringir a grupos pequenos ou médios, não podem ser generalizados, de forma que conclusões oriundas desse tipo de estudo devem ser entendidas como limitadas ao contexto em que a pesquisa se desenvolveu. Investigações que pretendem analisar compreensão de conceitos científicos em grandes amostras de alunos devem ser feitas por questionários especificamente elaborados para esse fim, o que trataremos na próxima seção.

Investigação de concepções sobre conceitos científicos por meio de questionários

A melhor forma para investigar a compreensão de conceitos envolvendo amostras grandes de estudantes é por meio da análise de questionários concebidos especificamente para esse fim. Isso foi muito cuidadosamente executado pelas autoras do trabalho ao qual esse artigo-parecer se refere. Uma questão essencial de ser tratada aqui é como devem ser concebidos e como podem ser analisados tais questionários. Questionários podem fornecer importantes pistas sobre como estudantes raciocinam a respeito de conceitos científicos, mas ao contrário da análise de microprocessos, citada na seção anterior, eles fornecem um panorama menos dinâmico sobre como os estudantes pensam (como uma fotografia, um estado dessa forma de pensar em um determinado momento e contexto). Isso não é uma desvantagem, pelo contrário, é uma opção válida se o que se deseja é uma pesquisa que provavelmente culminará em resultados menos detalhados sobre a forma de pensamento dos estudantes, mas que seja factível para um número grande de respondentes, com maior possibilidade de generalização. Questionários sobre conceitos científicos podem permitir também obter resultados que vão além do objetivo principal, que é entender a forma como estudantes pensam sobre esses conceitos. Há métodos consistentes e poderosos para analisar esses questionários, permitindo ainda investigar como uma determinada variável identitária ou contextual (gênero, etnia, grau de instrução, idade, experiências vivenciadas na escola ao longo da vida escolar, entre outras) pode estar associada à compreensão de um estudante em um determinado conceito científico - isso é bem mais difícil de ser estimado apenas pela análise de microprocessos.

Tais questionários não são novidade na literatura. Os já conhecidos inventários conceituais (tradução livre do inglês concept inventories) vêm sendo concebidos, aperfeiçoados e aplicados há muitos anos. Esse tipo de questionário consiste em geral em um grupo de questões de múltipla escolha, pensadas para sondar a compreensão do aluno a respeito de algum conceito científico específico. As perguntas que compõem esse tipo de questionário podem algumas vezes resultar de pesquisas qualitativas prévias com estudantes por meio de entrevistas (Halloun & Hestenes, 1985a) ou análises de microprocessos (Perry & Elder, 1997) que permitam mapear dificuldades ou má compreensão sobre esses conceitos (Smith & Tanner, 2010) - essas dificuldades mapeadas previamente podem então ser inseridas nas opções de respostas do questionário.

Um dos primeiros inventários conceituais foi criado por Hestenes et al. (1992), o chamado Force Concept Inventory (FCI), sendo fundamentado em trabalhos anteriores (Halloun & Hestenes, 1985a, 1985b). Porém, em época anterior, um teste semelhante já havia sido desenvolvido no Brasil (Silveira et al., 1986). O FCI teve um impacto bastante significativo nos Estados Unidos, inspirando reformas em cursos de graduação em Física e inventários conceituais em outras áreas (Smith & Tanner, 2010). Um dos problemas desse tipo de teste é entender o que ele está medindo. Usualmente as respostas dos estudantes a esse tipo de teste são computadas como variáveis dicotômicas, ou binárias, que indicam se o estudante acertou a questão (atribuindo valor 1) ou errou (atribuindo valor 0). Nesse caso, cada estudante ao responder às questões do teste gera um padrão de resposta, uma sequência de 0’s e 1’s. Hestenes et al. (1992) originalmente fizeram uma classificação das questões desse teste em seis dimensões, considerando o conceito central abordado em cada uma.

Usualmente esses testes são tratados estatisticamente por meio da Teoria Clássica de Testes (Crocker & Algina, 2008). Testes desse tipo também podem ser analisados via Teoria de Variável Latente (Loehlin & Beaujean, 2017), recomendada há tempos, quando pertinente, na pesquisa em Educação (Rindskopf, 1984). Em uma simplificação para o caso particular de testes como o FCI, as variáveis observáveis seriam as respostas de cada estudante em cada item. A ideia básica é que existe uma estrutura subjacente nos dados de forma que é possível reduzir a dimensão de (número de variáveis observáveis, ou de itens do questionário) para um número de variáveis latentes, retendo a maior informação possível. Essas variáveis latentes não são medidas diretamente, mas são relacionadas às variáveis observáveis, sendo interpretadas por meio de constructos teóricos quando possível. Um exemplo de variável latente é nível socioeconômico, que é obtido normalmente por meio de testes que contenham itens relacionados a posse de bens, renda, nível de instrução e outros - que seriam as variáveis observáveis (ver Cavalcanti et al., 2018). Nesse caso, as variáveis observáveis são expressas em escalas ordinais, ou seja, são variáveis politômicas, diferentes, portanto, das dicotômicas. Por exemplo, se o respondente está fornecendo informações sobre o nível de instrução de seus pais, sendo que 1 corresponde a “até a 4ª série do ensino fundamental” e 5 a “pós-graduação”, evidentemente aqueles que respondem nível 5 possuem nível de instrução maior do que que os que respondem nível 1. Porém, dado que são categorias, não é possível saber numericamente qual a diferença entre esses níveis de instrução. Para entender bem as sutilezas sobre Teoria de Variável Latente, incluindo uma discussão aprofundada sobre diferenças entre variáveis observáveis e latentes, recomendo o livro de Loehlin e Beaujean (2017)e o trabalho de Borsboom (2008).

Quando as variáveis observáveis são de natureza contínua (números reais), a Análise Fatorial Clássica (AFC) exploratória pode ser usada para investigar a estrutura dos dados em busca de possíveis variáveis latentes (Loehlin & Beaujean, 2017, p. 171). O objetivo é determinar (1) qual o número de fatores (dimensões) ou variáveis latentes que melhor descreve os dados e (2) interpretar o significado dessas variáveis latentes como dimensões, mediante teoria prévia. Uma primeira análise desse instrumento feita por meio de AFC foi apresentada no trabalho de Huffman e Heller (1995), considerando separadamente 145 alunos do ensino médio e 750 universitários a partir da qual concluíram que o FCI não apresentava estrutura fatorial clara, indicando que estudantes com altos escores nesse teste não necessariamente possuem compreensão coerente sobre o conceito de força. Uma nova AFC foi feita por Scott et al. (2012), tomando o cuidado de usar correlações tetracóricas entre os padrões de resposta aos diversos itens, considerado o mais adequado para AFC aplicada a questionários com itens dicotômicos, como o caso do FCI (Mislevy, 1986). Os autores concluíram, a partir de uma amostra de 2150 estudantes universitários, que os dados das respostas do FCI podem ser modelados usando um modelo de fator único ou um modelo de cinco fatores interpretáveis, em ambos os casos explicando cerca de 40 por cento da variância dos dados. Porém, no caso de variáveis observáveis serem de natureza categórica (dicotômica ou politômica, ordinal ou não), uma Análise Fatorial de Informação Completa (AFIC) é mais adequada (Bock et al., 1988; Lubke & Muthén, 2004) ao invés de uma Análise Fatorial Clássica (AFC). A AFIC pode ser entendida como uma versão não-linear da Análise Fatorial Clássica. Nela as probabilidades de respostas aos itens são determinadas por modelos da Teoria da Resposta ao Item (TRI), que são funções não lineares, em geral da família logística, ao contrário da AFC, na qual as variáveis observáveis são expressas por meio de relações lineares em termos das variáveis latentes. As autoras escolheram outro caminho possível para a análise desse questionário, o modelo de Rasch. Estudo relativamente recente de Stewart et al. (2018), com emprego da AFIC, mostra que a maioria dos itens do FCI de fato mede vários princípios físicos de uma só vez. Este trabalho mostra que o FCI possui provavelmente uma estrutura complexa, não sendo simples a interpretação das variáveis latentes obtidas.

Evolução dos inventários conceituais: os testes multicamada

Além dessas dificuldades na análise do questionário, testes conceituais tradicionais como o FCI podem apresentar falsos positivos e falsos negativos, termos criados originalmente por Hestenes e Halloun (1995, p. 504). O primeiro acontece quando o respondente marca a resposta certa em um item mesmo que compreenda mal o conceito científico, o segundo ocorre pela via contrária, ou seja, respondente marca a alternativa errada mesmo compreendendo bem esse conceito. Tais armadilhas prejudicam o mapeamento de concepções e podem afetar a análise desses questionários como um todo. Em resposta a esses possíveis problemas, esses inventários conceituais vêm sofrendo propostas de aperfeiçoamento há muitos anos. Uma delas consiste na elaboração de testes de duas camadas (tradução livre do inglês two-tiers), no qual a primeira camada consiste nos itens relativos ao conteúdo de múltipla escolha (inventário conceitual) e a segunda camada de cada item consiste em um conjunto de justificativas, também de múltipla escolha, para a resposta escolhida pelo estudante no item correspondente da primeira camada (Treagust, 1988). Essa segunda camada é uma inovação importante, pois ao mesmo tempo que proporciona ao pesquisador um panorama mais detalhado sobre a forma do aluno raciocinar em cada item do questionário, também suaviza os problemas potencialmente graves oriundos dos falsos positivos e negativos.

Outra inovação importante tem sua gênese na necessidade de diferenciar entre concepção alternativa (ou equivocada) e uma carência de conhecimento sobre um determinado conhecimento científico, proposta por Saleem et al. (1999). Os autores afirmam que concepções alternativas, além de serem inconsistentes com o conceito científico correspondente, são também fortemente defendidas pelo estudante, que em geral, é convicto quanto a elas - essa é a visão clássica das concepções alternativas, alinhada mais à perspectiva de Posner et al. (1982) do que à perspectiva de Vosniadou (2012), por exemplo. Isso tende a não ocorrer quando o problema é apenas carência de conhecimento, o que a princípio pode ser sanado ou melhorado pela instrução escolar simples, ao contrário da concepção alternativa. Para lidar com essa diferenciação, os autores propõem adotar uma escala ordinal tipo Likert (Likert, 1932), com seis níveis variando de 0 a 5, para o estudante classificar o grau de confiança ou certeza na sua resposta (0 sendo o mais baixo, 5 o mais alto). Essa escala foi denominada como Certainty of Response Index (CRI). Se um estudante indica um alto CRI para uma resposta de um dado item e seleciona a alternativa correta, isso é esperado. Porém, se a alternativa selecionada estiver errada, o alto CRI indica uma alta confiança no equívoco, podendo sinalizar uma concepção alternativa, permitindo, a princípio, diferenciar entre carência de conhecimento e concepção alternativa. Como resultado, um teste de três camadas (three-tiers) é obtido a partir de um teste de duas camadas acrescido por um nível adicional que indaga aos estudantes sobre o grau de certeza (CRI) a respeito das suas respostas nas duas primeiras camadas. Esse tipo de teste vem sendo usado em investigações mais detalhadas a respeito de concepções de estudantes (Eryılmaz, 2010; Peşman & Eryılmaz, 2010; Pramesti et al., 2021).

Existem também os testes de quatro camadas (four-tiers), nos quais a primeira camada é o teste comum de múltipla escolha abordando o(s) conceito(s) a ser(em) investigado(s), a segunda solicita a confiança da resposta na primeira camada, a terceira pergunta o raciocínio para a resposta na primeira camada e, finalmente, a quarta solicita a confiança na resposta da terceira camada, referente ao raciocínio. Esse tipo de teste, portanto, diferencia as confianças nas respostas nos itens do teste conceitual da confiança nas respostas a respeito dos raciocínios correspondentes a cada um desses itens, o que melhora a precisão para identificar falsos positivos e negativos (Kaltakci-Gurel et al., 2017). Acrescentando uma nova camada às quatro citadas, com múltiplas opções com o objetivo de determinar a origem das respostas dos alunos (se foi inspirada em livros, professores, Web ou outros), temos o teste de cinco camadas (Bayuni et al., 2018; Putra et al., 2020). Essa nova camada pode ser útil para investigar possíveis causas das concepções alternativas dos estudantes.

A abordagem das autoras do artigo

É por meio de um questionário de três camadas que as autoras identificam as concepções dos estudantes sobre o conceito de densidade e as caracterizam em termos de elementos do perfil epistemológico. Para a análise pormenorizada da proficiência dos alunos e associação aos perfis, as autoras adotaram o modelo de Rasch. Esse modelo possui um parâmetro apenas, o chamado parâmetro de dificuldade do item, estimado a partir dos padrões de resposta dos respondentes. O modelo de Rasch é matematicamente muito semelhante ao modelo de um parâmetro da Teoria da Resposta ao Item (TRI), fixando o parâmetro de discriminação dos itens em 1 (de Ayala, 2022, capítulo 2). Porém, deve ser destacado que o modelo de Rasch é ajustado em uma filosofia bem distinta de um modelo de um parâmetro da TRI, apesar da semelhança matemática entre ambos. Para uma discussão detalhada e interessante sobre o modelo de Rasch e sua comparação com o modelo de um parâmetro da TRI, consulte as referências de Ayala (2022) e Stemler e Naples (2021). Diferentemente dos modelos da TRI, o modelo de Rasch tem por objetivo construir uma escala de proficiência invariante para todos os respondentes, ou seja, atribui o mesmo escore de proficiência para respondentes com o mesmo número de acertos, ainda que esses acertos sejam em itens diferentes (diferentes padrões de resposta), como na Teoria Clássica de Testes (TCC). No modelo de um parâmetro da TRI, diferentes padrões de resposta levam a diferentes escores de proficiência, pois o escore final depende do nível de dificuldade de cada item. Portanto, a TRI é baseada em uma filosofia bem distinta. Interessante é que na minha experiência de sete anos com a TRI, sempre usei modelos de pelo menos dois parâmetros, em alguns casos multidimensionais, mas nunca o modelo de Rasch. Aprendi muito com as autoras sobre o modelo de Rasch, depois de ter emitido o parecer ao artigo, pois eu estava entre as muitas pessoas que se referiam ao modelo de Rasch como caso particular do modelo de um parâmetro da TRI (Stemler & Naples, 2021, p. 9) - faço questão de reconhecer isso publicamente.

Mesmo sendo matematicamente simples, o modelo de Rasch é bastante poderoso para estimar um escore contínuo para a proficiência de cada estudante no conceito investigado (traço latente). Esse escore é expresso na mesma escala do parâmetro de dificuldade dos itens, ou seja, posicionando os itens na escala de proficiência em termos do seu parâmetro de dificuldade e os estudantes em termos de seu escore de proficiência nessa mesma escala, é possível comparar diretamente onde um indivíduo se encontra nessa escala com a localização de qualquer item do questionário (de Ayala, 2022, p. 13) - a probabilidade de acerto de um estudante em dado item (probabilidade de sucesso) pode ser estimada pela diferença entre o escore do estudante e o nível de dificuldade do item em questão. Com isso, é possível também comparar um indivíduo com os demais nessa mesma escala. As autoras do artigo acertadamente chamam a atenção para isso ao final do trabalho, na nota 5, como um ponto importante. Assim, conseguem fazer uma associação da proficiência dos alunos com elementos do perfil epistemológico, cujos diferentes níveis estão expressos nos itens.

PESQUISA QUALITATIVA VERSUS QUANTITATIVA: UMA DICOTOMIA QUE DEVE SER ABANDONADA

O uso de um modelo de Rasch pelas autoras é, por si só, aspecto elogiável do trabalho, pois permite estudo profundo sobre a proficiência dos alunos no conceito estudado em termos dos perfis, principalmente se articulado com as demais camadas do questionário. É também ousado, pois ao mesmo tempo em que mostram domínio de métodos matemáticos complexos para análise de dados, não deixam de articular suas análises com a teoria. É comum ainda a ideia de que há uma disputa nas Ciências Humanas e Sociais, incluindo Educação em Ciências, entre perspectivas quantitativas e qualitativas de pesquisa. Essa disputa entre perspectivas quantitativa e qualitativa é uma falsa dicotomia, herança histórica do Positivismo Lógico, que, entre outras coisas, defendia uma pretensa supremacia de ciências supostamente caracterizadas como objetivas (como a Física) sobre ciências que dão margem à subjetividade, tais como as Ciências Humanas e Sociais. A ideia subjacente a esse tipo de visão é que as últimas produzem em geral pesquisas empiricamente deficientes ou meramente especulativas (usualmente qualitativas) e as primeiras pesquisas empiricamente consistentes, com resultados fidedignos, sem espaço para subjetividades (usualmente quantitativas). A gênese dessa disputa se estabelece não apenas em torno de métodos e procedimentos, mas em visões de mundo. Para uma discussão detalhada sobre esse tema, recomendo a obra de Packer (2010, capítulo 1). Há movimentos na literatura que criticam essa dicotomia e propõem articular esses dois paradigmas de pesquisa em uma perspectiva de pesquisa mista (Symonds & Gorard, 2010; Timans et al., 2019). O trabalho de Melo e Amantes (2022a) de forma alguma pode ser classificado como positivista apenas pelo fato de ter viés empírico, pelo contrário, mostra como se constrói um bom trabalho empírico.

UM MAIOR DETALHAMENTO SOBRE DADOS ABERTOS

Um aspecto central no parecer que escrevi sobre o artigo em questão foi a exigência de disponibilização completa dos dados, uma vez que percebi que os editores estavam capitaneando o alinhamento do periódico às políticas de Ciência Aberta, às quais a política de Dados Abertos está alinhada. Na seção 2.1 foi parcialmente discutida essa política, ao menos em termos gerais, incluindo um exemplo da sua importância durante a pandemia de COVID-19. Vamos aqui detalhar um pouco mais sobre como e por que se espera que sejam disponibilizados dados de pesquisa na área de Educação em Ciências, seguindo as ideias básicas propostas no trabalho de van Dijk et al. (2021).

A princípio as autoras do artigo aqui discutido demonstraram preocupação em compartilhar os dados de pesquisa, compostos basicamente pelo instrumento (questionário, na subcategoria Materiais Abertos) e os dados em si, que eram os padrões de respostas dos estudantes aos questionários. Os Materiais Abertos são essenciais para a reprodutibilidade do estudo, pois podem ser aplicados por outros pesquisadores em outros contextos, ampliando possibilidade de generalização dos resultados. A preocupação quanto aos dados era quanto à possibilidade de identificação dos estudantes, mas reforcei que nesse caso era simples tornar esses dados anônimos, o que levou à aceitação das autoras em compartilhar os dados. Os Dados Abertos cumprem a parte dos “comportamentos relativos à transparência, credibilidade, reprodutibilidade e acessibilidade”, bem pontuadas no trabalho de Kathawalla et al. (2021).

Além disso, ambas as autoras são docentes em universidade federal, ou seja, financiadas por dinheiro público. Dados coletados com fundos públicos são propriedade intelectual das autoras, mas é razoável defender que em última instância pertencem ao público (van Dijk et al., 2021, pp. 139-140), ainda que isso não signifique que tudo deve ser indiscriminadamente compartilhado. Por exemplo, dados textuais obtidos em entrevistas ou intervenções didáticas, mesmo anonimizados, dependendo do contexto podem facilmente ser usados para identificar as pessoas que produziram as falas. Cabe ao pesquisador deixar isso claro ao submeter o artigo, para que tais dados não sejam compartilhados ou sejam compartilhados parcialmente.

O material relativo à análise dos dados e articulação dessa análise para a discussão dos resultados (subcategoria Análise Aberta) foi plenamente incluído no próprio texto do artigo. Nem sempre isso é possível, pois incluir no texto do artigo todo o processo de análise, que muitas vezes inicia com dados brutos que necessitam processos de filtragem, limpeza, transformações de variável e outros tipos de processamento para chegar ao ponto de iniciar a análise propriamente dita, demanda espaço. A Análise Aberta vem no sentido de detalhar todo esse processo em material suplementar, complementando o que é dito de forma mais resumida no texto do artigo. Esse processo de Análise Aberta deve ainda ser articulado à política de Códigos Abertos, que exige compartilhamento de códigos-fonte usados para a análise. Deve ser estimulado que sejam usados ambientes computacionais livres para análises estatísticas, sendo o R (R Core Team, 2023) ou Python (Python, 2023) os mais indicados.

O compartilhamento de dados, análises e instrumentos de pesquisa tem ainda outra finalidade, que em conjunto com a Revisão de Pares Aberta ajuda a materializar a colaboratividade, questão central defendida pela Ciência Aberta. Tomemos o exemplo do trabalho aqui discutido, que foi desenvolvido em um contexto de nível médio (249 estudantes) e universitário (75 estudantes), incluindo variáveis gênero e idade. É possível solicitar informações às autoras a respeito da dependência administrativa da escola em que cada aluno cursa o ensino médio (estadual, federal, municipal, privada), se é urbana, rural ou outros tipos de localização. Pode-se ainda solicitar outros tipos de variáveis contextuais (gênero, nível socioeconômico) ou estratos de entrevistas, o que estiver disponível. Com isso definido, outros estudos podem ser articulados, usando o mesmo instrumento de pesquisa, ampliando a amostra e escopo do estudo, bem como as perguntas de pesquisa, em um verdadeiro estudo colaborativo. Diferenças entre grupos podem ser investigadas, incentivando outros novos estudos que ampliariam essa base de dados. A pesquisa na Educação em Ciências e o Brasil precisam desse tipo de estudo longitudinal, em vários tópicos.

ALGUNS ENCAMINHAMENTOS POSSÍVEIS

Voltando à afirmação do início do texto, a qualidade mais fundamental em um bom trabalho são as ideias que ele inspira, a possibilidade de continuidade. Usualmente (mas não necessariamente) questionários como esse são concebidos e usados em pesquisas cujos autores trabalham mais na perspectiva cognitivista clássica, mas isso não significa que inventários conceituais não podem ser integrados em pesquisas que investiguem a compreensão de conceitos levando em conta aspectos contextuais (por exemplo, ver van Dusen et al., 2016). Como salientado ao final da seção anterior, outras pesquisas podem ser desenvolvidas, pelas próprias autoras do artigo ou mesmo outros interessados, partindo da consideração de que estudantes de diferentes grupos podem ser caracterizados por diferentes probabilidades de responder corretamente um mesmo item e investigar diferenças entre grupos pelo Funcionamento Diferencial do Item - do inglês Differential Item Functioning (DIF). Esses grupos podem ser selecionados por diferentes tipos de escola (estadual, municipal, federal, privada ou outras classes), etnia, gênero e outros. É possível também elaborar questionários auxiliares sobre nível socioeconômico, sobre um pouco da história escolar do estudante (experiências que viveu, professores, material didático que usou ao longo da vida escolar e outros). Um questionário auxiliar sobre um pouco da história escolar do estudante seria uma forma de estender a investigação para além do domínio microgenético (momento de responder o inventário conceitual) para o ontogenético (um pouco da história escolar de cada estudante), investigando se diferentes aspectos das histórias dos estudantes causam diferenças entre grupos similares na probabilidade de resposta correta. Provavelmente o estudo em subgrupos exigiria aumento do tamanho da amostra, mas é um esforço que valeria a pena. Nesse caso, talvez o uso do modelo de Rasch tenha que ser repensado, pois há indícios de problemas em pesquisar sobre DIF com esse modelo (Humphry & Montuoro, 2021). Trabalhos que realizam esse tipo de análise são bastante interessantes (Traxler et al., 2018; Chen et al., 2022). No apêndice, é apresentado um exemplo de análise de resultados de um teste de larga escala considerando dois grupos divididos segundo gênero. Isso ilustra como uma variável contextual como gênero pode abrir caminhos para mover uma pesquisa centrada em testes para além do domínio microgenético, tipicamente o domínio em que o teste é aplicado, mas que sofre forte influência de aspectos cuja gênese se dá em domínios mais amplos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo-parecer procurei sintetizar diferentes demandas, desde o pioneirismo dos editores da EPEC em implementar gradualmente políticas de Ciência Aberta no periódico até comentar sobre as complexidades do trabalho que gerou esse artigo-parecer. Dado que ambos os temas são fascinantes e importantes em seus diferentes propósitos, a discussão terminou por ser longa. Aproveito para agradecer aos editores da EPEC pelo convite para ser parecerista de um trabalho ousado e interessante e por propor que eu concebesse este artigo-parecer. Agradeço também as autoras do trabalho, Viviane Melo e Amanda Amantes, pelo grande aprendizado e pelas diversas reflexões que o trabalho provoca, incluindo aquelas reflexões sobre o paradigma da Ciência Aberta. Enfim, o trabalho de Melo e Amantes (2022a) é, em minha opinião, bastante provocativo. No bom sentido, uma vez que me proporcionou muitas reflexões. A ideia aqui é contribuir com o trabalho, estimular as autoras a continuarem investindo no óbvio talento que ambas possuem em métodos estatísticos e análise de dados, para que almejem voos cada vez maiores.

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1Publicação imediata do artigo, antes de iniciar a revisão por pares - ver discussão sobre Revisão por Pares Aberta, logo a seguir.

2A pergunta completa é O quanto você concorda com essas afirmações sobre matemática? Meu professor diz que sou bom em matemática. As opções de resposta são concordo muito, concordo um pouco, discordo um pouco, discordo muito. Obviamente confiança em ser bom uma disciplina não pode ser mensurada apenas pela resposta a essa pergunta isoladamente, mas, por simplicidade, adotarei essa nomenclatura.

O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

APÊNDICE

Um pequeno exemplo: uma variável contextual e um famoso programa de avaliação em larga escala

Para mostrar um exemplo sobre o motivo da minha defesa de incluir variáveis contextuais em pesquisas que envolvam o uso de inventários conceituais, principalmente pensando na dimensão colaborativa que os Dados Abertos podem proporcionar, será usada uma pequena amostra dos dados do Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (Trends in International Mathematics and Science Study - TIMSS) do ano de 2019. Esse exame apresenta algumas diferenças importantes em relação ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for International Student Assessment - PISA), que não discutiremos aqui em detalhes (ver, por exemplo, Swensson, 2017). Uma característica que ambos possuem em comum é que a natureza do tipo de design de pesquisa de ambos os testes exige que sejam atribuídos pesos aos estudantes que prestam esse exame. Outra semelhança entre os dois exames é que os dados de ambos possuem muitas variáveis contextuais, que podem inspirar estudos bastante ricos. O objetivo aqui é apenas de ilustrar de forma mais qualitativa e não desenvolver uma análise extensa e detalhada. O código (em linguagem R) da análise foi disponibilizado no repositório Scielo Dataverse Ensaio.

Para o exemplo que apresentarei a seguir, me inspirei em uma interessante postagem no Twitter (Sievertsen, 2023a), em que o autor mostra, em nível de estudante, o desempenho na prova de Matemática categorizado em percentis no eixo horizontal e a proporção de meninas e meninos que concordam (muito ou pouco) com a afirmação de que são bons em Matemática,2 proporção essa que possui valor fixo em cada percentil. Os detalhes desse questionário contextual podem ser consultados no suplemento do relatório correspondente (IEA, 2019, p. 175). O gráfico produzido pelo autor da postagem mostra um gap na confiança em ser bom em Matemática, no qual meninos apresentam em média mais confiança do que as meninas, independente do percentil de desempenho em que se encontram. Esse problema não é particular apenas da Matemática, sendo reconhecido há tempos em outras áreas da ciência (Deboer, 1986). Portanto, a variável contextual considerada é gênero, considerado binário nos dados do TIMSS. Essa variável é considerada contextual porque se refere a uma propriedade de um grupo social ao qual um(a) dado(a) estudante pertence e, mesmo sendo considerada fundamentalmente binária (meninas e meninos), descrevem grupos que possuem trajetórias historicamente distintas, vivências distintas e que enfrentaram/enfrentam problemas distintos. Não há como não reconhecer que mulheres são historicamente marginalizadas em vários campos de atividades, em especial em áreas da ciência (Santos, 2009). Assim, o simples fato de incorporar essa variável contextual já abre possíveis caminhos para uma conexão entre o domínio microgenético e domínios mais amplos (o ontogenético e o sociocultural) na pesquisa, dependendo de como esta for conduzida.

Como Sievertsen (2023a) reconhece, não foram considerados os pesos de cada estudante ou escola, o que pode ser um problema. Além disso, o autor usou como variável de desempenho individual a média dos cinco valores plausíveis para o escore no teste de Matemática. Não é aconselhável fazer análises comparativas em nível de estudantes com os valores plausíveis dos escores do TIMSS, assim como no PISA, pois essas comparações são baseados nos valores plausíveis (5 no caso do TIMSS, 10 no caso do PISA) e estes não podem ser tomados como escore individual de cada estudante nos respectivos testes (von Davier, 2019, p. 11.22) - entre outras coisas, esses valores são gerados considerando aspectos contextuais em cada país, para que possam ser feitas comparações entre grupos distintos (países, escolas, gênero e outros) minimizando possíveis fontes de bias em comparações entre esses grupos. Outro possível problema é que o autor do post simulou no nível de estudante a proporção de respostas que afirmam confiança em ser bom em Matemática, o que se pode fazer para grupos, não para indivíduos. Ao dividir o desempenho em percentis, o autor o transforma de uma variável contínua para categórica, por meio da qual o estudante pode ser agrupado. Para cada grupo, no caso cada percentil de desempenho, é possível obter a proporção de estudantes que respondem afirmativamente sobre ser confiante em Matemática. Como cada percentil passa é caracterizado por uma proporção fixa de estudantes com confiança em seu conhecimento em Matemática, essa proporção acaba sendo transformada também em variável categórica. As variáveis de ambos os eixos, portanto, são variáveis categóricas de 100 níveis cada, mimetizando variável contínua.

Inspirado nessa iniciativa de Sievertsen (2023a), por achar importante trazer (mais) essa discussão para este artigo-parecer, tomei a decisão de apresentar exemplo semelhante, com as seguintes diferenças cruciais: (1) não realizar análise por indivíduos, movendo a mesma para um nível acima de agregação - escola e gênero, este considerado binário nos dados; (2) considerar todos os pesos no cálculo de médias e intervalos de confiança, também na regressão, feita usando Modelos Aditivos Generalizados (Wood, 2017), método para o qual usaremos a sigla MAG; (3) como os alunos do 8º ano também realizam testes de Física e Química, ainda que não em todos os países cujos alunos realizam o teste de Matemática, foram feitos gráficos similares também para essas disciplinas. Regressões feitas por meio de MAG são bastante adequadas para capturar comportamento não-linear das variáveis envolvidas na estimação da média condicional (esperança condicional ou expectativa condicional) E[y|x], onde y é a proporção de alunos em cada escola com boa autoconfiança na disciplina considerada e x é o escore médio da escola na mesma disciplina. Basicamente E[y|x] estima a média da proporção de alunas(os) de cada escola que confiam ser bons na disciplina, condicionada a um dado valor observado do escore médio das escolas na mesma disciplina. Cada ponto no gráfico da figura 1representa uma dada escola. Cada escola foi separada em duas populações pela variável gênero, de modo que uma mesma escola pode aparecer até duas vezes no gráfico: as meninas dessa escola são representadas por um ponto vermelho, os meninos da mesma escola por um ponto azul.

Como algumas escolas dos dados não são mistas (são exclusivamente masculinas ou femininas), estas são representadas por apenas um ponto, azul ou vermelho. Para cada escola é obtida a proporção de meninas e meninos com boa confiança na disciplina, de modo que o comportamento da confiança média global em função do escore médio da escola na disciplina em questão dessas duas populações pode ser estimada por MAG (as linhas vermelhas e azuis nos gráficos). Pesos dos alunos foram considerados nos cálculos das variáveis do eixo vertical (proporção de alunos(as) da escola com boa confiança em ser bom na disciplina) e na horizontal (escore médio da escola no teste da disciplina correspondente). Pesos das escolas foram considerados para a obtenção das linhas de regressão por MAG nos gráficos, bem como para a obtenção dos intervalos de confiança 95% (a faixa em torno de cada linha). A interpretação dessas visualizações é simples se o que se deseja é apenas uma comparação qualitativa: a média condicional estimada para a população de meninas em cada escola (curva central vermelha) pode ser considerada diferente da média da população de meninos (curva central azul) quando os intervalos de confiança pouco se sobrepõem. Quando se sobrepõem muito, pouco se pode dizer sobre quem é mais confiante em média. Foram incluídas nessa análise apenas escolas que tinham um mínimo de 10 meninas e 10 meninos (em escolas mistas) e mínimo de 10 meninas ou meninos (em escolas não mistas), para que seja garantida alguma representatividade por escola.

No caso da Matemática, Sievertsen (2023a) inicialmente obtém um gráfico que mostra que meninos tendem a confiar serem bons em Matemática mais do que as meninas, independente do desempenho no teste. Em um segundo post, o autor modifica o ranking de percentis do desempenho agregando para cada país (Sievertsen, 2023b), ou seja, os estudantes que se posicionam no gráfico no percentil mais alto são os ocupam o topo do ranking em cada país e não no ranking global. Isso fez com que o gap antes existente nos percentis de alto desempenho praticamente desaparecesse, ou seja, meninas e meninos que ocupam as primeiras posições nos respectivos rankings nacionais são em média igualmente confiantes quanto a serem bons em Matemática, ainda que possam possuir proficiências bem distintas entre si. É simples entender a (provável) ideia do autor: parece claro que a confiança em ser bom em Matemática seja provavelmente bastante influenciada pela percepção das meninas e meninos em ocuparem posições no topo do ranking das suas respectivas escolas (e países, ainda que não tenham plena consciência disso). Agrupando os alunos pelos rankings nacionais ele conseguiu agrupar também por nível de confiança em serem bons em Matemática, mostrando que meninas e meninos que ocupam as melhores posições nesses rankings não diferem significativamente nesse nível de confiança.

Com esses aspectos em mente é que os gráficos da figura 1foram elaborados. Como os dados estão agregados por escola e gênero (ou seja, grupos e não indivíduos), comparações podem ser feitas. A média estimada pela regressão MAG apresenta um comportamento mais complexo do que o exibido no gráfico final obtido por Sievertsen (2023b), pois foi mantido o escore médio da escola nos testes (uma variável contínua) no eixo horizontal, que ajuda a explicitar melhor a variabilidade de proficiência entre as diversas escolas. O mesmo ocorre para o nível de confiança em ser bom na disciplina, aqui obtido como variável (quase) contínua (foi obtida a partir de uma variável discreta, a quantidade ponderada de meninas e meninos em cada escola). Para enriquecer a discussão, as cinco melhores escolas de cada país foram destacadas nos gráficos, representadas pelos pontos preenchidos por vermelho (meninas) e azul (meninos). Nota-se que essas escolas apresentam uma razoável variabilidade na proficiência média.

Alguns aspectos são centrais nessas figuras: (1) a proporção média de alunos com boa confiança em ser bom nas disciplinas mostradas é baixa, independente da disciplina e do desempenho no teste, o que não surpreende; (2) o gap de confiança média entre meninas e meninos praticamente desaparece na região de desempenho avançado, mas apenas para a Matemática, sendo mais consistente para a Física do que para a Química; (3) ao menos nas regiões de desempenho intermediário, o gap de confiança média em Química é mais suave do que em Física e Matemática, para a Matemática tende a ser bem pronunciado na região de desempenho baixo; (4) exceto para a Física, as melhores escolas de cada país estão em parte posicionadas em regiões de desempenho em que há estreitamento do gap de confiança média, compatível com a ideia de que estudantes dessas escolas tenham uma percepção de serem bem sucedidos nas respectivas disciplinas, o que pode ser mais importante do que o escore de proficiência no sentido de levar meninas e meninos a alcançarem confianças mais próximas na disciplina, estreitando o gap; (5) a única disciplina que apresenta um gap de confiança consistente na maior parte da região de desempenho entre as linhas verticais é a Física - intervalos de confiança só se sobrepõem em regiões de desempenho baixo ou muito baixo (neste último há poucas escolas); (6) apenas a Física e a Química apresentam um gap significativo na região de desempenho avançado, em que meninos afirmam ter mais confiança do que as meninas em se considerarem bons nas respectivas disciplinas.

As escolas que ocupam primeiros lugares nos rankings nacionais em Física estão em região de (muito) leve estreitamento do gap de confiança média, mais um estreitamento que mantém estatisticamente significativa a diferença entre meninas e meninos.

Figura 1: Gráficos mostrando a proporção de meninas (pontos vermelhos) ou meninos (pontos azuis) em cada escola que responderam ter confiança quanto a serem bons em Matemática, Física e Química, em função do escore médio de cada escola. As linhas verticais indicam os cortes dos níveis baixo (400) e avançado (625) segundo a escala de proficiência do TIMSS. No gráfico dos resultados em Matemática há 46 países, nos gráficos para Física e Química há 14 países (assim são os dados do TIMSS). Os pontos em destaque representam o grupo das 5 primeiras escolas no ranking do respectivo país na disciplina correspondente. 

O fato das escolas mais bem posicionadas nos rankings dos seus respectivos países aparecerem em boa parte nas regiões de gap de confiança médio mais estreitos está em pleno acordo com a segunda figura obtida por Sievertsen (2023b). E certamente não é coincidência a Física apresentar um gap de confiança médio consistente, praticamente sem sobreposição do intervalo de confiança em boa parte do campo de escores médios das escolas. O ambiente não raramente mais tóxico para as mulheres do que para homens em cursos de Física de nível superior vem sendo investigado (Gonsalves et al., 2016; Cwik & Singh, 2022). No nível médio há resultados mostrando que meninas que ingressaram em curso superior de Física relatam que o reconhecimento dos professores de Física do ensino médio teve um papel significativo nessa escolha (Hazari et al., 2017). Um estudo sobre interesse de estudantes alemães em Física, mais antigo e bastante citado, mostra que o gap de interesse entre meninas e meninos pode desaparecer se a Física for tratada também na sua dimensão social, incluindo abordagem de questões controversas (Häussler, 1987).

Esses dois exemplos podem dar pistas importantes sobre como se pode atuar na escola para diminuir também o gap de confiança nessa disciplina.

Isso é extremamente importante, pois se a confiança de um dado grupo em ser bom eu uma disciplina é minada, seja esse grupo étnico, de gênero ou qualquer outro, isso é um problema sério e que não pode ser naturalizado em hipótese alguma. Se entendermos a confiança em ser bom em uma disciplina como um aspecto do conceito mais amplo de autoeficácia, é conhecido há tempos na literatura o quão importante é desenvolver crença em si próprio nos contextos escolares, pois se essa crença é instável ou deficiente pode levar a problemas sérios ao longo do tempo (Bandura, 1993; Bandura et al., 1999).

Inventários conceituais foram propostos originalmente em uma perspectiva teórica mais cognitivista, mas isso não quer dizer que devam ser descartados em uma pesquisa guiada por uma perspectiva sociocultural. Essa perspectiva não nega a dimensão individual da cognição, mesmo que entenda a cognição como algo que se estenda bem além do indivíduo. Mesmo que inventários conceituais sejam muito distintos e sejam aplicados em contextos muito mais reduzidos do que uma avaliação de grande porte como o TIMSS, variáveis contextuais podem ser articuladas a estudos baseados em inventários conceituais, tal como esse exemplo apresentado aqui. Isso pode encorajar que pesquisas instrumentalizadas por esses inventários procurem olhar além das concepções dos estudantes, na direção de entender como aspectos contextuais podem influir em como o estudante entende conceitos científicos, se há gaps entre diferentes grupos e outros aspectos que devem ser entendidos. A tarefa de avaliar esse trabalho foi interessante, no sentido que me colocou a pensar diversas formas de articular estudos que investiguem estudantes em nível mais individual ao mesmo tempo que essa análise seja articulada com questões mais amplas. Problemas complexos como entender as possíveis causas que levam ao gap entre meninas e meninos na confiança média em ser bom em Física muito dificilmente poderão ser estudados efetivamente por pequenos grupos de pesquisadores, uma vez que devem ser entendidos em contextos variados. Nesse ponto, a Ciência Aberta, em especial os Dados Abertos, podem ser essenciais, já que possibilitam compartilhamento de resultados e dados que outros pesquisadores poderão articular suas próprias análises, facilitando talvez o estabelecimento de redes de pesquisadores trabalhando nesse tipo de tema.

Recebido: 18 de Outubro de 2022; Aceito: 11 de Março de 2023

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Cláudio José de Holanda Cavalcanti - Doutor em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor Associado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Física - Porto Alegre, RS, Brasil

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