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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.42 São Paulo jan./sbr 2017  Epub 06-Jun-2017

https://doi.org/10.5585/eccos.n42.6749 

Resenhas

O poder e o conhecimento: introdução ao pensamento de Michel Foucault

José Henrique Arzani1 

1Pedagogo; Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos (PUCPR). Professor de Ensino Básico na rede privada. henriquearzani@hotmail.com

O poder e o conhecimento: introdução ao pensamento de Michel Foucault. , de, Souza, Ricardo Luiz de. Salvador: :, EDUFBA, ,, 2014. ,, 201pp. .


Michel Foucault (1926-1984), filósofo e professor da Cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France (1970 a 1984), foi um dos filósofos mais destacados da contemporaneidade, marcado pelas características radicais de seu pensamento e por reflexões filosóficas que abrem as trilhas de um pensar de forma diferente.

O autor desta obra é pós-doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); doutor em História e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); docente do Centro Universitário de Sete Lagoas (UNIFEMM) e da Faculdade de Minas (FAMINAS). Dentre os vários livros que publicou estão Processo civilizador, poder e sociedade: introdução ao pensamento de Norbert Elias (2014); Durkheim: direito, moral, conhecimento, religião (2012).

Na busca intencional de abordar os aspectos principais da obra e produção de Michel Foucault, o livro parte de uma divisão em temáticas: conhecimento, poder, punição, história, loucura e sexo.

O capítulo inicial aborda a perspectiva do poder e do conhecimento no ideário foucaultiano, apontando a compreensão do autor de que o conhecimento é uma demonstração de poder que se realiza pela apropriação de quem conhece sobre o que é conhecido e, ainda, uma busca por compreender o próprio poder do qual se dispõe. Revela que nas obras A arqueologia do saber e As palavras e as coisas Foucault reflete acerca do processo discursivo e sua aceitação (ou não) pela sociedade e pontua como são escolhidos os discursos que relacionam as palavras às coisas.

A arqueologia foucaultiana da temática do conhecimento trata da historicidade da organização do discurso, ou seja, seu objeto são as condições de formação dos enunciados e os fatores de seu surgimento. A genealogia, no pensamento do filósofo francês, é o estudo de como as relações de poder estruturam o saber visando uma análise dos mecanismos disciplinares. Em As palavras e as coisas dispõe que os códigos têm como objetivo ordenar a realidade:

Os códigos fundamentais de uma cultura - aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas - fixam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar. (FOUCAULT, 1981, p.10)

Portanto, em relação aos conceitos de verdade e discurso, Foucault propõe que as relações de poder presentes instituem verdades, possibilitando, assim, regimes de conhecimento que vão determinando as percepções dos sujeitos.

No segundo capítulo o autor aborda a temática da História no pensamento de Michel Foucault, afirmando que ele não se auto atribuiu a condição de historiador, dado que suas obras não se preocupam em conceituar o conhecimento histórico. Nessa temática o interesse de Foucault é direcionar o exercício de poder e a produção de saberes em uma mesma direção, portanto, estabelecer a história da relação entre o discurso e o poder. Provavelmente, a maior contribuição dele para o pensamento da história, além da busca das origens, seja a de propor uma nova abordagem e voltar-se para as dominações que constituem os acontecimentos: trata-se, mais do que deixar de atentar aos desdobramentos, de verificar a multidão de elementos que se aproximam e se cruzam num dado momento e que resultam em um acontecimento. Obviamente, sofreu críticas dos historiadores por tal visão não objetiva da história.

O terceiro capítulo trata das reflexões de Foucault sobre a loucura e de como ele a compreendia, uma visão que ia muito além de um fenômeno natural para um fenômeno cultural que se manifesta de forma contextualizada. Influenciado por Nietzsche, parece fazer uma genealogia da loucura em nova chave analítica: não será por uma via médica especulativa nem mesmo por uma via psicológica, mas, sim, por uma ótica pela qual se busca a raiz da patologia mental na história das relações humanas. Ao tratar dessa temática, o filósofo destaca, primeiramente, o surgimento do conceito de loucura ao longo do processo histórico, para, em seguida, localiza-lo no âmbito da psiquiatria como forma de tratamento, resultando numa análise dos discursos sob os pressupostos do poder.

O poder é a temática do capítulo quarto. Nele, o autor do livro aqui resenhado traz os principais pontos das reflexões foucaultianas, partindo do pressuposto de que saber e poder têm implicações mútuas - onde exista poder, há alguma instituição de saber ou saberes. Em suas investigações, Foucault delimita três períodos da história que apresentaram diferentes constituições dos saberes: Renascimento, Era Clássica e Idade Moderna. Para ele, não existe o poder, mas relações de poder presentes na sociedade que atuam de forma a coagir, disciplinar e controlar os indivíduos, como se pode perceber neste excerto de sua obra:

O poder não é uma substância. Tampouco é um misterioso atributo do qual se precisaria escavar as origens. O poder não é senão um tipo particular de relações entre indivíduos. E essas relações são específicas: dito de outro modo, elas nada têm a ver com a troca, a produção e a comunicação, mesmo se elas lhe são associadas. (FOUCAULT, 2003, p.384)

Poder se exerce coagindo e fazendo com que os indivíduos se submetam, pois apesar de parecer invisível, o poder adquire força na medida em que os indivíduos se transformam numa espécie de correia de transmissão e de reprodução. Quando ao poder disciplinar, o autor o define, baseado em Foucault, como “o poder a partir do qual a guerra é domesticada, mas é, ao mesmo tempo, introjetada na sociedade […]” (p.129), sendo possível por meio dos dispositivos que produzem o poder disciplinar, que por sua vez está representado pelas instituições que transmitem e mantêm o poder.

O quinto capítulo cuida da temática da punição, tomando como base o livro Vigiar e Punir. Foucault propõe uma crítica ao processo no qual uma parte da sociedade é deixada à margem pela sociedade, sendo a norma o mecanismo possibilitador dessa marginalização. As normas, além de punirem, regulamentam e disciplinam.

Interessante notar que o autor pontua que, na perspectiva foucaultiana, o Iluminismo deixa de se apresentar como uma ideologia libertadora para ser entendido como um conjunto de ideias que fundamenta novas formas de controle social, criando um novo sistema normativo. Foucault conclui que a sociedade punitiva moderna é baseada na vigilância generalizada, uma vigilância preventiva de delitos que tem como consequência a necessidade da punição do inimigo da sociedade.

Por fim, aborda a evolução da punição como resposta a uma agressão feita à sociedade que, se antes buscava a vingança, agora busca a justiça. Nesse intento ele discute o papel do Estado como o responsável por dizer o que é o justo, fazendo isso por intermédio de suas instituições.

A última abordagem do livro corresponde à última etapa da obra de Foucault, sexo e sexualidade. Pensando que a produção de discursos verdadeiros resulta na formação de poderes específicos, as verdades que foram sendo produzidas em torno da sexualidade se tornaram um problema no Ocidente, levando à repressão sexual. Foucault não se preocupou com as ideologias presentes ou com as condições de repressão, mas com as formas que as engendram. O autor faz do sexo um objeto histórico gerado pelo dispositivo da sexualidade. Preocupou-se, como ele mesmo diz, em analisar “o que aconteceu no Ocidente que faz com que a questão da verdade tenha sido colocada em relação ao prazer sexual. ” (FOUCAULT, 1982, p. 258)

O autor deste livro, ao abordar os principais eixos temáticos de Michel Foucault, o faz de forma sistemática, acentuando as categorias e conceitos que permitem compreender esse filósofo contemporâneo complexo, porém inovador, que tratou dos vários e variados fenômenos que envolvem a sociedade, e cujas críticas trazem contribuições para a história, a política, a educação, a filosofia e a psicanálise

Referências

FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2003. [ Links ]

FOUCAULT, M As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1981 [ Links ]

FOUCAULT, M . Sobre a história da sexualidade. In R. Machado (Org.). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. 1982. p. 243-276 [ Links ]

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