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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.42 São Paulo jan./sbr 2017  Epub 06-Jun-2017

https://doi.org/10.5585/eccos.n42.7008 

Resenhas

Desafios para a educação democrática de qualidade no Brasil

Roseli Trevisan Marques de Souza1 

1Doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Mestra em Educação pela Universidade Nove de Julho. rtms1962@gmail.com

Mendonça, Samuel; Nobre, José Aguiar. Desafios para a educação democrática de qualidade no Brasil. São Paulo: Editora Appris, 2016. Mendonça, Samuel; Nobre, José Aguiar. São Paulo: :, Appris, ,, 2016.


O livro que aqui resenhamos teve origem na dissertação de mestrado de José Aguiar Nobre , decorrente de pesquisa orientada pelo prof. Samuel Mendonça e que assina como co-autor da obra. José Aguiar Nobre é natural de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia. No ano de 2000, ao mesmo tempo em que cursava o bacharelado em Filosofia na Unicamp, cidade de Campinas, trabalhava na Pastoral da Saúde nos hospitais desta universidade e no da PUC-Campinas. Em 2004, cursou Teologia no ITESP, em São Paulo, e, em 2008, a Licenciatura em Filosofia na UNIFAI-SP, finalizando, alguns anos depois, em 2012, o Mestrado em Educação na PUC-Campinas. Samuel Mendonça é Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação, lidera o Grupo de Pesquisa: Política e Fundamentos da Educação e é membro do Grupo de Pesquisa: Direito num Mundo Globalizado. Nessa mesma instituição, é docente da Faculdade de Educação (Filosofia da Educação), da Faculdade de Direito (Filosofia Jurídica) e do Programa de Pós-Graduação que coordena (Epistemologia da Pesquisa em Educação). É também autor de vários artigos e livros sobre Pedagogia e Direito, principalmente sob a perspectiva da Filosofia da Educação.

O livro vem prefaciado por Pedro Angelo Pagni, Doutor em Educação e Livre-docente em Filosofia da Educação, professor da UNESP de Marília, em São Paulo. Dedicado estudioso do pensamento de Anísio Teixeira, Pagni considera relevante a obra por manter vivos o pensamento e a trajetória percorrida pelo intelectual baiano em defesa da educação pública de qualidade e da democracia em nosso país, bem como por refletir de forma original a relação entre o pensamento de Dewey e de Anísio Teixeira.

A originalidade da presente obra está no fato de que Nobre e Mendonça apresentam um Anísio Teixeira motivado intrínseca e extrinsecamente para a construção de uma educação de cunho democrático, apesar de adotar a perspectiva liberal e de ter o pragmatismo como fundamento da reflexão filosófico-educacional, por adesão ao pensamento de Dewey. Para os autores, a concepção pragmática sustenta-se no tripé subjetivismo, relativismo e utilidade, sendo capaz de minimizar a dureza de opiniões, abrir espaço para o diálogo e para análises crítica-reflexiva em vista de uma convivência prática. (p. 41)

Na obra fica claro que valorizar o pragmático Dewey significava, para Anísio Teixeira, permanecer com sua fé e ao mesmo tempo aproximar-se da Ciência1. Significava ainda ter um olhar integral da realidade, aspecto de seu pensamento que configura um compromisso com a mudança social pela ação consciente e cidadã frente aos problemas identificados.

A despeito de sua adesão ao ideário de Dewey, Anísio soube levar em conta as características culturais de nossa população ao pensar sobre o que seria uma educação brasileira de qualidade. Segundo os autores, ele entendia a educação como direito e, por isso, de acesso irrestrito. Entendia, ainda, que a educação deveria estar comprometida com problemas sociais e com pesquisas qualificadas para o desenvolvimento constante do homem e da sociedade. Com efeito, para ele a educação deveria ser organizada a serviço da reinvenção da ciência, da cultura e da política em prol do todo social. John Dewey de fato foi sua referência. Aprofundando-se no conhecimento da obra do filósofo estadunidense e aderindo às grandes linhas do pensamento desse autor, demonstrou-se mais fortalecido na defesa da educação democrática.

Nobre e Mendonça definem o que seria o caráter democrático no fazer educativo, tanto para Dewey quanto para Anísio Teixeira. Consideram que uma prática educativa democrática configura um processo pedagógico planejado, orientado, organizado para favorecer o desenvolvimento da aprendizagem por meio de relações sociais interativas e inclusivas, transformando o cenário escolar em ambiente de exercício da cidadania, refletindo na sociedade. E completam: “[…] esse ideal, se colocado em prática, consistirá, em essência, na transformação da ‘grande sociedade’ em ‘grande comunidade’.” (p.84)

O papel do Estado foi outra questão significativa trabalhada na obra (p.50). Trata-se do Estado Democrático, que para eles deveria assumir a posição de articulador da sociedade como um todo. Nesse modelo estatal, haveria que: desvelar as necessidades da pluralidade social; viabilizar o diálogo sobre as necessidades dessa pluralidade; considerar possíveis soluções apresentadas no coletivo; garantir oportunidades; favorecer ações que assegurassem a livre expansão das potencialidades dos indivíduos, e, finalmente, pela interligação dessa ações, auxiliar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Os autores relatam que o pensamento de Dewey se ampara nas ideias de Hegel, porém, nem todos os pressupostos hegelianos foram aceitos por ele. Da mesma forma, Anísio Teixeira demonstrava claramente que o pensamento de Dewey era sua inspiração, no entanto, essa condição não o impedia de fazer uma leitura crítica desse autor, pois sua prioridade estava em pensar uma educação adequada às características históricas, políticas, econômicas e culturais da sociedade brasileira, e é justamente nesse sentido que ele mais se assemelha ao pensador que o inspirou.

Relatam os autores que a originalidade do livro está em demonstrar que a crítica feita por Saviani (1997)2 à corrente pragmática é passível de questionamento. Para Saviani, o pragmatismo está vinculado ao ideário liberal e esse vínculo resulta no comprometimento da ideia de uma educação e de uma sociedade pautada em ideais democráticos. Ele completa que a referida corrente se sustenta nos pilares da modernidade, dentre eles a competição, intrinsecamente associada ao liberalismo e comprometedora de ações para o bem comum.

Os autores entendem que, apesar da coerência do pensamento de Saviani, ele desconsidera o processo de construção do pensamento, que é vivo se exposto à variedade prática. Para eles, a inovação advém das experiências, ou seja, não existe pensamento estanque e estagnado se aplicado, avaliado e reavaliado em sua execução. A experiência bem orquestrada constitui um importante processo educativo de formação cidadã. O trabalho do filósofo Dewey comprova tal perspectiva, pois suas pesquisas entram em contato com correntes filosóficas e ele chega às próprias conclusões a respeito da realidade. Dessa forma, afasta-se do idealismo alemão e critica o individualismo de França e Inglaterra dos séculos XVII e XIX. A oposição que fazia às correntes filosóficas o leva, enfim, ao que seria chamado posteriormente de pragmatismo aderido por Anísio Teixeira, mas paradoxalmente subvertido quando possibilita a união do prático e do experimental à política e à moral com vistas à “emancipação do sujeito”. (p. 147)

Anísio Teixeira divulgou as obras de Dewey no Brasil na primeira metade do século XX, mesmo período em que iniciou o projeto da Escola Nova, preferindo chamá-la de Escola Progressista. Nesse modelo de escola, a concepção de trabalho pedagógico não priorizava relações hierárquicas nem a sobreposição da ciência na aprendizagem. A melhor visão da escola, para ele, era de um local de aprendizagem dinâmica por meio da socialização e das descobertas, visando aplicabilidade social - tratava-se de uma formação integral.

Havia nele a pré-disposição para a busca de inovações educativas e, a exemplo de Sócrates, para trazer ao homem de seu tempo uma melhor qualidade de vida social (p.81). Essas características advinham do seu perfil reflexivo, proativo e reativo; do olhar claro e cuidadoso às diferenças sociais existentes no Brasil; da consciência de que as diferenças poderiam ser minimizadas por uma educação democrática de qualidade, priorizando o bem comum.

Na finalização, os autores apresentam os desafios para que haja uma educação democrática e pública de qualidade no Brasil contemporâneo (p. 169). Dentre eles, destaca-se a autoconsciência e a formação do educador e a relação entre educação e emancipação.

O título traz também uma reflexão relevante a respeito de como a prática amparada em referenciais teóricos pode resultar em inovação, isto é, o homem quando faz e, no fazer, entra em contato com teorias, experimentando-as e avaliando o processo de forma crítica de acordo com a realidade na qual está inserido, pode acrescer algo, inovando e interferindo no que está posto. Essa consideração torna, então, possível pensar em uma educação para todos e em uma sociedade verdadeiramente democrática na atualidade.

Trata-se, enfim, de um livro importante e necessário aos que querem entrar em contato com as ideias de Dewey e de Anísio Teixeira e àqueles que buscam acesso à corrente filosófica na qual se amparam: o pragmatismo, e principalmente aos que almejam uma mudança nos processos de educação da atualidade

Referências

Mendonça, Samuel; Nobre, José Aguiar. Desafios para a educação democrática de qualidade no Brasil. São Paulo: Editora Appris, 2016 [ Links ]

Notas

1MORAES, Carmem Sylvia Vidigal; CALSAVARA, Tatiana; MARTINS, Ana Paula; O ensino libertário e a relação entre trabalho e educação: algumas reflexões. Educ. Pesquisa, São Paulo, v.38, n.04, p. 997-1012, out/dez, 2012

2SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-crítica: Primeiras aproximações. Campinas-SP. Editora Autores Associados, 1997. (Coleção Polêmicas de nosso tempo; v.40)

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