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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.43 São Paulo maio/ago 2017  Epub 12-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n43.7393 

Artigos

Educação e cidadania: perspectivas da literacia digital crítica

Education and citizenship: the perspective of critical digital literacy

Michele Mezari Oliveira1 

Graziela Fatima Giacomazzo2 

1Mestre em Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciuma, SC - Brasil. michelemezzare@hotmail.com

2Doutora em Educação - Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciuma, SC - Brasil. gfg@unesc.net


Resumo:

O artigo apresenta uma pesquisa que investigou o conceito de literacia digital em estudos publicados nas bases de dados Scielo Brasil, Portugal e Espanha. A partir do conceito tal qual se apresenta nos diversos estudos persegue-se a conceituação de uma literacia digital crítica. Esta perspectiva refere-se diretamente à formação humana na contemporaneidade e às relações entre educação e cidadania digital. Considera-se a compreensão do conceito de tecnologia na sua dimensão ideológica, colocando-se centralidade na condição dos sujeitos nos meios digitais. Explicitam-se três categorias de análise decorrentes do estudo - Representação Ideológica, Posicionamento Ideológico e Produção Ideológica que buscam fornecer subsídios analíticos para o estado de apropriação do sujeito na perspectiva da literacia digital crítica. O aporte teórico ancora-se em filósofos sociais críticos nomeadamente Heidegger (2007), Marcuse (1973), Feenberg (2010, 2012) e, especialmente, Vieira Pinto (2005), filósofo brasileiro, entre outros autores que contribuíram com o debate e o aprofundamento dos conceitos de tecnologia e literacia digital.

Palavras-chave: Formação Humana; Ideologia; Literacia Digital Crítica; Tecnologia Digital

Abstract:

This paper presents a research that investigated the concept of digital literacy in studies published in the Scielo Brazil, Portugal and Spain databases . From the concept as it is presented in the various studies the conceptualization of a critical digital literacy is pursued. This perspective refers directly to human formation in the contemporary world and to the relationship between education and digital citizenship. It considerates the understanding of the concept of technology in its ideological dimension, putting centrality in the condition of the subjects in the digital media. Three categories of analysis are explained by the study - Ideological Representation, Ideological Positioning and Ideological Production that seek to provide analytical subsidies for the state of appropriation of the subject in the perspective of critical digital literacy. The theoretical contribution is anchored in critical social philosophers such as Heidegger (2007), Marcuse (1973), Feenberg (2010, 2012) and especially Vieira Pinto (2005), Brazilian philosopher, among other authors who contributed to the debate and Concepts of technology and digital literacy.

Key words: Human Formation; Ideology; Critical Digital Literacy; Digital Technology

Introdução

O artigo estrutura-se no contexto de uma pesquisa teórica bibliográfica que objetivou constituir categorias de análise para uma literacia digital crítica. Abordam-se o conceito de ‘literacia digital’ e de ‘tecnologias’, sob a perspectiva crítica, buscando compreender quais são os conhecimentos que qualificam uma literacia digital crítica.

As tecnologias estão disponíveis ao homem e integram seu cotidiano em todas as esferas sociais e pessoais. Contudo, os espaços educativos ainda limitam e/ou não promovem a discussão sobre questões fundamentais que envolvem a tecnologia, seu desenvolvimento, origem e intencionalidades. Pensar em uma literacia digital crítica refere-se à formação humana dos sujeitos que refletem sobre sua realidade, participativos do seu contexto, produtores de conhecimento, ou seja, formação para uma cidadania digital crítica. Nesse sentido, o estudo possibilitou três categorias propositivas de análise - Representação Ideológica, Posicionamento Ideológico e Produção Ideológica - que fornecem subsídios para o estado de apropriação do sujeito na perspectiva da literacia digital crítica.

Em relação à organização, apresenta-se inicialmente o conceito de literacia digital a partir de uma revisão sistemática de literatura; posteriormente, o conceito de tecnologia numa perspectiva filosófica crítica e, na sequência, as categorias propositivas de análise, finalizando-se com a conclusão do estudo.

1 Literacia Digital

Apresentam-se, a seguir, os conceitos de literacia digital encontrados nos artigos pesquisados na base de dados Scielo Brasil, Portugal e Espanha, de acordo com uma pesquisa sobre estado da arte realizada em julho de 2015 que localizou trabalhos no período de 2007 a 2015. Para a realização do estado da arte dos conceitos propostos realizou-se a revisão sistemática de literatura, adotando-se os seguintes procedimentos: escolha das bases de dados; definição dos termos de busca; seleção dos artigos que abordam literacia digital. Registre-se que também foram utilizados os termos letramento digital e alfabetização digital para a pesquisa, posto que a adoção dos dois termos é recorrente, ficando a critério dos autores. O Brasil publicou um número maior de artigos sobre literacia digital - 14 textos -, enquanto a Espanha e Portugal publicaram, cada um, dois artigos, contabilizando um total de 18 artigos sobre o tema.

Algumas concepções apresentadas nos discursos dos autores dos artigos pesquisados mostram que a literacia digital pode ser compreendida como a capacidade do sujeito de entender e usar a informação de forma crítica e estratégica. Nesse viés ocorreria a ampliação do discurso e a possibilidade de elevação cultural por meio da literacia digital. Aqui, os autores entendem que, diante da literacia digital, o sujeito é capaz de receber a informação, selecioná-la e utilizá-la em seu cotidiano.

A ampliação do debate entre inclusão e tecnologia também aparece como uma possibilidade da literacia digital, isto é, a exclusão não ocorre apenas pelo não acesso às tecnologias, mas pela falta de uma literacia digital. Buckingham (2007) declara que, mesmo em sociedades desenvolvidas tecnologicamente as crianças possuem diferentes níveis de acesso à tecnologia, em relação às habilidades necessárias para usá-la. Essas desigualdades se evidenciam em termos de classe social e de gênero.

A universalidade da literacia digital é apontada como necessária no combate à infoexclusão, segundo Roberto, Fidalgo e Buckingham (2015, p. 52):

As TIC são hoje meios de desenvolvimento económico, social, cultural e tecnológico, e como tal a literacia digital deve ser universal, conciliando conteúdos teóricos e práticos que permitam avanços no exercício ativo e crítico da cidadania, uma vez que para combater a exclusão, qualquer que ela seja, é fundamental conhecer, refletir e participar e estas parecem ser necessidades transversais às diferentes gerações digitais.

Outro entendimento presente nos artigos pesquisados é o de literacia digital como uma possibilidade de ampliação das capacidades necessárias à prática social nas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), pois,

[…] para uma consciência emergente, se não ainda totalmente formulada, de que a inclusão digital, se entendida como dependente do uso, transformação e aplicação das TIC em favor de interesses e necessidades do país, requer muito mais do que acesso e capacitação básica. (BUZATO, 2009, p.5)

Complementando os achados nos artigos provenientes da revisão de literatura apresentados anteriormente, Soares (2002b, p. 152) também argumenta que, diante das TDIC, surge uma nova forma de literacia:

[…] a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela.

Para Buckingham (2010, p. 47-48), o conceito de literacia, por ele denominado ‘letramento digital’, é equiparado, em seu uso contemporâneo, “[…] a um conjunto mínimo de capacidades que habilitem o usuário a operar com eficiência os softwares, ou a realizar tarefas básicas de recuperação de informações.” Para esse autor, as capacidades necessárias, na contemporaneidade, para a literacia digital são essencialmente ‘funcionais’. Ele ainda comenta que as discussões a respeito do conceito literacia digital são, em sua maioria, sobre as informações, em relação aos conteúdos buscados e visualizados. Quer dizer, questiona-se quais capacidades são necessárias para que o sujeito tenha condições de, não apenas reconhecer, mas também compreender e pensar sobre como utilizar essa informação e posicionar-se sobre.

Os demais artigos pesquisados também apontam que o conceito de literacia digital refere-se ao desenvolvimento de competências e habilidades, como sustentam Loureiro e Rocha (2012, p.27-28), afirmando que “[…] são necessárias pessoas com competências digitais que providenciem determinadas infraestruturas digitais e também de pessoas com competências digitais para as usar.” Para um sujeito ser considerado letrado digitalmente, ele deverá saber quais informações aceitar e quais rejeitar nos ambientes virtuais; coordenar e organizar a informação; avaliar, comparar e interpretar a informação de várias fontes; criar novos conhecimentos a partir da adaptação de informações; comunicar e transmitir informações para diferentes audiências. (id.ib.)

Em outro estudo, os autores Marti, D´Agostino, Cabo e Sanz-Valero (2008) se questionam sobre quais são os conhecimentos necessários para o sujeito ser considerado letrado digitalmente. Sugerem, entre outros, os seguintes: desenvolvimento do pensamento crítico; proposição de juízo de valor à informação adquirida; leitura, escrita e compreensão em contexto de hipertexto dinâmico; capacidade de reconhecer e avaliar informações e, a partir delas, construir conhecimento; habilidade de pesquisar na internet; participação ativa nas comunidades virtuais, com o objetivo de estabelecer relacionamentos sociais, ser capaz de compreender um problema e buscar medidas para solucioná-lo; entendimento de como está organizado o conhecimento e de como encontrar e usar as informações para que outros possam também aprender.

Faria, Ramos e Faria (2012) aproximaram as concepções de vários autores sobre o que pensam ser necessário para a ocorrência de uma literacia digital: apoio técnico, apoio emocional, influência dos contextos de aprendizagem, experiência pessoal e profissional do professor e orientação. Os autores concluem que, para ocorrer a literacia digital, é necessário mais do que apenas o uso funcional das TDIC. O apoio técnico e emocional tem importância no início do contato com as TDIC, a fim de que o sujeito progrida na aprendizagem e ultrapasse as dificuldades.

2 Conceito de tecnologia

Aprofundar-se nas questões relacionais entre tecnologia, meio social e educacional implica difícil tarefa. O intuito, aqui, é o de apresentar brevemente concepções filosóficas sobre o conceito de tecnologia dos seguintes filósofos: Martin Heidegger (2007), Herbert Marcuse (1973), Andrew Feenberg (2010, 2012) e Álvaro Vieira Pinto (2005). Essa opção teórica corrobora com os estudos realizados no âmbito da disciplina Educação e Cultura Digital1 e no Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Educação e Cultura Digital2, cujo lastro teórico ancora-se especialmente no filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto3, que dedicou uma importante obra organizada em dois volumes que tratam do conceito de tecnologia, e nos demais filósofos citados, que foram, ao longo dessa construção, contribuindo para o debate e o aprofundamento conceitual.

No decorrer da história ocorreram mudanças na tecnologia. Hoje, essas transformações são meteóricas: a cada mês, semana ou até dias e horas desenvolvem-se novos produtos e tecnologias e com diversas aplicações, as quais interferem nas atividades humanas. Paralelamente às conquistas espetaculares da ciência e da tecnologia nas áreas médica, biotecnológica, computacional, de engenharia, entre outras, evidenciam-se divergências paradoxais quanto às contribuições, certezas ou incertezas decorrentes da sua conceituação e uso.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), em seu texto A questão da técnica, questiona a essência da técnica, afirmando que “a técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica […]” (HEIDEGGER, 2007, p. 375), e complementa dizendo que “a essência da técnica não é de modo algum algo técnico.” (op.cit., p. 376) Para ele, o sujeito produz no sentido de suprir necessidades essenciais ao ser, sem considerar as transformações que lhe ocorrem a partir dessa produção. As ideias de Heidegger se prendem muito mais ao sentido etimológico das palavras, sem se aprofundar no próprio desenvolvimento do ser humano. O autor se preocupa, pontualmente, em questionar o desenvolvimento tecnológico e o distanciamento deste da essência do ser humano, conforme já mencionado, estabelecendo as seguintes distinções conceituais: a técnica é um meio para fins; a técnica é um fazer humano, ambas as concepções da técnica se correlacionam, reafirmando sua visão instrumental. Segundo Heidegger (id.ib.),

A essência de algo vale, segundo antiga doutrina, pelo que algo é. Questionamos a técnica quando questionamos o que ela é. Todos conhecem os dois enunciados que respondem à nossa questão. Um diz: técnica é um meio para fins. O outro diz: técnica é um fazer do homem. As duas determinações da técnica estão correlacionadas. Pois estabelecer fins e para isso arranjar e empregar os meios constitui um fazer humano. O aprontamento e o emprego de instrumentos, aparelhos e máquinas, o que é propriamente aprontado e empregado por elas e as necessidades e os fins a que servem, tudo isso pertence ao ser da técnica. O todo destas instalações é a técnica. Ela mesma é uma instalação; expressa em latim, um instrumentum.

Mesmo definindo a técnica como instrumental, o filósofo alemão supõe, no entendimento de Pinto (2005, p. 150), que “a essência da técnica consista no ‘desvelamento’, na ‘desocultação’ do ser (Entbergen), aquilo que, examinando a palavra na composição etimológica, os gregos denominavam alétheia, e que assumiu o significado comum de ‘verdade’.” E esclarece Heidegger (2007, p. 384): “Assim, a técnica moderna, enquanto desabrigar que requer, não é um mero fazer humano. Por isso, devemos também tomar aquele desafiar, posto pelo homem para requerer o real enquanto subsistência tal como se mostra.”

Para o autor, a técnica moderna é algo diferente da técnica antiga, pois o homem passou a transformar ou dominar a natureza, dando início a uma transformação da essência do Ser. Sendo assim, era preciso deter o desenvolvimento tecnológico para a recuperação do verdadeiro Ser. Heidegger resgata a discussão sobre a técnica, colocando-a no nível ontológico, enquanto outros pensadores da Escola de Frankfurt, como Marcuse (1973), compreendem a tecnologia por meio da dialética da racionalidade. Para Feenberg (2010, p. 256), ambas representam o mesmo papel: “[…] tais teorias radicais não são totalmente convincentes, mas têm a utilidade de oferecer um antídoto contra a fé positivista no progresso e de colocar sob exame a necessidade de estabelecer limites à tecnologia.”

No livro A ideologia da sociedade industrial - O homem unidimensional, de 1973, Marcuse questiona o consumismo, dizendo que as sociedades industriais criam falsas necessidades, o que obriga a fazer parte do sistema de produção e de consumo. Essa ideia problematizadora da sociedade industrial e do desenvolvimento tecnológico é expressa quando o autor afirma que não existe mais liberdade interior, e sim a invasão de privacidade pela tecnologia e uma consequente alienação. O autor ainda sugere que o conceito de alienação precisa ser repensado “quando os indivíduos se identificam com a existência que lhes é imposta e têm nela seu próprio desenvolvimento e satisfação.” (MARCUSE, 1973, p.31) Para ele, não significa que haja um fim da ideologia, mas o inverso: na cultura industrial a ideologia é mais forte e eficiente porque é imposta.

No contexto geral, compreende-se que o autor problematiza o desenvolvimento industrial questionando o consumismo, a falsa sensação de liberdade, a massificação da cultura e os problemas sociais advindos do progresso da tecnologia. Percebe-se que esse autor, por sua origem ideológica e a abordagem teórica de seus estudos, aproxima-se mais do materialismo marxista do que do existencialismo metafísico de Heidegger no questionamento ao mundo moderno. Traz a questão do consumo e tudo o que isso representa em termos de valores humanos. Mais do que a crítica que faz do uso instrumental da razão, esse autor propõe a reflexão e a crítica acerca dessa forma limitadora do pensamento, a unidimensionalidade, em que o pensamento unidimensional se volta para a inserção do sujeito na estrutura ideológica de dominação capitalista. (FARR, 2014)

Na concepção de Andrew Feenberg (2010), o indivíduo está imerso na tecnologia e não se pode compreendê-la apenas a partir de conhecimentos técnicos. Surge, aí, a filosofia da tecnologia, que segundo Feenberg é a autoconsciência dessa sociedade, capaz de refletir sobre a modernidade racional. O mesmo autor divide a filosofia da tecnologia em três ramos mediante os quais é possível pensar sobre ela: o instrumentalismo, o determinismo e o substantivismo, considerados os fundamentos da emergência de uma teoria crítica proposta pelo autor para se pensar sobre escolhas para a tecnologia. Feenberg (op.cit., p. 62) sustenta que “chegou o momento de estender a democracia também à tecnologia e, assim, tentar salvar os valores do Iluminismo que guiaram o progresso durante os últimos cem anos, sem ignorar a ameaça que tal progresso nos trouxe.”

Essa teoria percorre um caminho entre a resignação e a utopia, e busca analisar “[…] novas formas de opressão associadas com a sociedade moderna e sustenta que essas formas estão sujeitas a novos desafios.” (FEENBERG, 2012, p. 36) E, ao estabelecer relações com o instrumentalismo e o substantivismo, “[…] concorda com o instrumentalismo que a tecnologia é controlável em algum sentido, também concorda com o substantivismo que a tecnologia está carregada de valores.” (FEENBERG, 2010, p. 62) Para o autor, parece ser incoerente essa relação, pois de acordo com a teoria crítica da tecnologia os valores integrados à mesma são específicos da sociedade e não são representados por abstrações como a eficiência e o controle. Feenberg (op.cit., p. 63) sustenta que “na teoria crítica a tecnologia não é vista como ferramenta, mas como estrutura para estilos de vida.” O autor entende que a democratização deve se estender à tecnologia, de modo que os sujeitos possam fazer suas escolhas diante dela, situando-se em um nível maior que o instrumental.

A partir de tais problematizações desenvolvidas por Feenberg percebe-se que o autor entende a tecnologia como uma construção social, e, sendo assim, é mediada pelas contradições da realidade, sofrendo a intervenção das dimensões políticas, culturais e econômicas em sua construção e desenvolvimento. E quando o autor sugere uma teoria crítica da tecnologia, procura superar correntes da filosofia que a entendem a partir de problematizações instrumentalistas, deterministas e substantivistas da tecnologia.

Pinto (2005) faz uma vasta discussão sobre o conceito de tecnologia dizendo que é preciso refletir sobre concepções que podem ser consideradas ingênuas e superá-las a partir de uma consciência crítica. Dissertando sobre essas concepções ingênuas de tecnologia dos próprios trabalhadores técnicos, afirma que a consciência que representam, embora reflita interesses objetivos, difere pelo fato de que estes são individuais ou de restritos grupos sociais, e não da maioria da sociedade. Ainda segundo esse autor, uma consciência crítica sobre a verdadeira teoria da técnica não será desenvolvida pelo empenho independente ou unilateral de pensadores da sociedade; terá de ser uma forma de apreensão da realidade resultante, igualmente, da reflexão dos próprios técnicos, quando as condições sociais lhes permitirem a liberdade de terem acesso a uma percepção do mundo de que agora, em geral, não dispõem. (id.ib.)

Na perspectiva do filósofo brasileiro, as tecnologias são introduzidas na cultura das sociedades e supervalorizadas pelas nações desenvolvidas, e seus desenvolvedores - aqueles que criam novos produtos tecnológicos - são também produtores de ideias e conceitos vazados nos interesses políticos e econômicos dessas nações. Avalia que em nações subdesenvolvidas esses conceitos são incorporados como algo inédito, nunca antes realizado, sob o argumento de que essas tecnologias trarão benefícios à sociedade. Essa incorporação de conceitos faz com que as nações desenvolvidas continuem exercendo seu poder e domínio sobre as demais, as subdesenvolvidas.4 (PINTO, 2005)

Adentrando ao conceito de tecnologia proposto por Pinto (2005), constata-se a existência de quatro significados principais: a) tecnologia como teoria, ciência, estudo e discussão da técnica; b) tecnologia equivalente à técnica; c) tecnologia entendida como o conjunto de todas as técnicas de uma sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento; d) tecnologia como ideologia.

Em relação ao primeiro item - tecnologia como teoria, ciência, estudo e discussão da técnica -, esta é entendida pelo autor como a classificação necessária para se entender as demais classificações. O estudo e discussão da técnica abrangem também, segundo o autor, “as artes, as habilidades do fazer, as profissões e, generalizadamente, os modos de produzir alguma coisa.” (op.cit., p. 219)

Já o segundo item - tecnologia equivalente à técnica - traduziria, para o autor, o significado mais popular da palavra: no discurso habitual, as duas palavras são usadas de maneira recorrente para expressar tanto uma quanto a outra, revelando a possível confusão, no julgamento de problemas filosóficos e sociológicos, gerada por essa equivalência de significados. Essa equiparação dos termos, no entanto, não ocorre por acaso. A utilização da terminologia tecnologia, conforme justifica Pinto (2005), engrandece a atividade técnica e estabelece conexões com as ideologias de interesse dos grupos ou nações dominantes. No terceiro item - tecnologia como conjunto de todas as técnicas de uma sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento -, o entendimento é de que o termo está estreitamente ligado à significação anterior: a tecnologia equivalente à técnica, e quando se faz a comparação da evolução da técnica em cada época histórica se está fazendo referência ao terceiro significado de tecnologia.

Ao último item - tecnologia como ideologia -, o autor dedicou especial atenção. Segundo ele, o homem trabalhador, ao alienar-se, não se percebe agente transformador da sociedade. O conceito de tecnologia está em constante construção, e o homem, muitas vezes, olha para o produto da técnica e não se sente capaz de fazê-lo, não percebe a capacidade que tem para a construção de tal feito e/ou de capacitar-se para tal. O desenvolvimento tecnológico que a serviço do capitalismo precisa produzir mais e rapidamente, cria um mecanismo que impede o homem de pensar criticamente. Cada vez mais o homem trabalhador acaba realizando uma parte ínfima da produção, fazendo com que aquele que a produziu (o próprio homem) não compreenda o produto final de sua produção e acabe por endeusa-la.

3 Literacia Digital Crítica

Costuma-se referir o tempo atual como de grande ampliação do acesso a informações, porém, de pouca reflexão sobre o que se lê. Contraditoriamente, cada vez mais se percebe a importância da leitura e da escrita e da necessidade de compreensão do que é lido, partindo-se do pressuposto de que não se trata apenas de desenvolver habilidades e competências, mas do entendimento de uma linguagem digital baseada numa formação humana mais crítica sobre sua realidade.

A literacia digital crítica envolve atitude analítica, reflexiva e avaliativa das informações que o sujeito obtém por meio das TDIC. Diante disso, Buckingham (2010) esclarece que o objetivo da literacia digital desenvolvida no contexto escolar não é inicialmente o de desenvolver habilidades técnicas, mas, sim, estimular uma compreensão mais global de como as tecnologias funcionam e de promover formas de reflexão sobre seus usos. E complementa: “[…] a educação midiática contesta o uso instrumental da tecnologia como auxílio pedagógico transparente ou neutro.” (op.cit., p. 52)

Como já exposto por Pinto (2005), ideologias são utilizadas para ocultar as contradições sociais e a dominação existente. Expressas de várias formas e linguagens, inclusive por meio das TDIC, têm como único objetivo manter a posição daqueles que detêm o poder. O consumismo, por exemplo, por meio do lucro que produz, alimenta o sistema capitalista, constituindo nada mais do que uma ideologia que influencia o homem na compra de produtos que, na maioria das vezes, estão para além da real necessidade humana, conforme as ideias de Marcuse (1973). Assim sendo, precisa-se de uma educação crítica e reflexiva que faça os estudantes perceberem o quê e quem está manipulando suas ações, seja no mundo real seja no virtual, este como um reflexo do outro. Para que essa formação ocorra, é preciso que também os professores se apropriem do uso das TDIC, pois os estudantes, apesar das diferenças socioeconômicas,

[…] já estão vivendo, direta ou indiretamente, o contexto da cultura digital. Estamos num processo que, a cada ano, mais e mais pessoas conseguem acesso, seja via centros públicos, residências ou agora mais ainda via celulares pessoais, e, uma vez tendo acesso, os jovens rapidamente se inserem nos processos participativos online. (BONILLA; PRETTO, 2015, p. 511)

Considerando as TDIC como fonte de informação, comunicação e produção, torna-se fundamental formar cidadãos que se posicionem diante das tecnologias digitais, sujeitos que sejam letrados criticamente nesse contexto digital. Para isso, é necessário compreender que existem forças econômicas e políticas que modelam as TDIC (GURAK, 2001 apud BUCKINGHAM, 2007). Para que o sujeito seja qualificado quanto ao seu letramento digital crítico foram elaboradas três categorias que representam uma síntese das ideias que melhor caracterizam esse estado de apropriação, por meio de um mapa conceitual que expõe graficamente as categorias propostas (Vide Figura 1).

Fonte: Elaborado pelas autoras

Figura 1: Literacia Digital Crítica segundo objetivos, por categorias de análise 

Apresentam-se, a seguir, as categorias de análise propostas e exemplifica-se como se pode desenvolver, a partir delas, uma literacia digital crítica.

Denominou-se a primeira categoria como Representação Ideológica, cujo objetivo é verificar valores e ideologias implícitos nas representações selecionadas da realidade no contexto digital. Pinto (2005, p. 320) rejeita uma visão neutra da tecnologia e fala sobre a ideologização desta, dizendo que “[…] uma tal compreensão teórica da essência e do papel da tecnologia na constituição do ser humano e no desenvolvimento de uma sociedade nacional terá de provir um produto ideológico carregado de nefastas intenções […]; e complementa: “[…] toda tecnologia, contendo necessariamente o sentido, já indicado, de logos da técnica, transporta inevitavelmente um conteúdo ideológico.” Para esse autor, a ideologização ocorre, por exemplo, quando os países desenvolvidos utilizam conceitos como ‘Era ou Civilização tecnológicas’, ‘Sociedade da Informação’ ou ‘Sociedade do Conhecimento’ para dizer que o momento atual é o mais desenvolvido tecnologicamente e que essa tecnologia está disponível a todos (ricos e pobres), da mesma maneira. Pinto (op.cit., p. 43) discorre sobre como os países desenvolvidos impõem suas ideologias e a sociedade as incorpora sem perceber:

[…] é preciso empregar todos os meios para fazê-las acreditar - e seus expoentes letrados nativos se apressarão sem dúvida em proclamá-lo - que participam em pé de igualdade da mesma “civilização tecnológica” que os “grandes”, na verdade os atuais “deuses”, criaram e bondosamente estendem a ricos e pobres sem distinção. Divulgando este raciocínio anestesiante esperam os arautos das potências regentes fazer crer que toda humanidade sob sua proteção goza uniformemente dos favores da civilização tecnológica, o que significa tornar não apena imoral e sacrílega a rebelião contra elas, mas ainda converter a pretensão de autonomia política e econômica das massas da nação pobre em um gesto estupido.

As nações ou grupos economicamente desenvolvidos e mais privilegiados beneficiam-se com a difusão dessas ideias entre as demais classes sociais, principalmente a população mais pobre. Para tentar esconder ainda mais as evidências de dominação “busca-se incutir na mentalidade das nações periféricas a crença de que esse é o mecanismo natural e inevitável do progresso, a forma de que, para os homens e as nações, se reveste a lei biológica da seleção dos mais fortes.” (id.ib.) Apropriando-se dessas concepções, os sujeitos das nações subdsenvolvidas acreditam ser um processo natural, dado que existe e sempre existirá o mais rico e o mais pobre, o trabalhador e o patrão. Com essa argumentação, “as nações poderosas encontram motivos para se exaltarem a si próprias e elevar ao plano da ideologia, sob o conceito de era tecnológica, a situação real de que desfrutam.” (op.cit., p. 44)

Tal como afirma Nosella (1978), as mensagens ideológicas são divulgadas por diferentes meios e transmitem valores que não correspondem às necessidades e aos interesses dos menos favorecidos da sociedade, a classe trabalhadora. Segundo essa autora, ainda na década de 1970, os livros didáticos se destacam na veiculação da ideologia da classe dominante. Hoje, certamente, incluiriam as mídias digitais, especificamente a internet, como um dos meios de veiculação. Tais imagens e vídeos, nos quais não se percebe a ideologia subjacente a essas expressões na realidade no contexto digital, são aparentemente neutros, mas estão totalmente saturados de conteúdos ideológicos, nos seus pequenos detalhes, servindo como meios de transmissão e inculcação da ideologia dominante.

A ideologia dominante tem a função de esconder os objetivos reais da exploração e discriminação, objetivando manter crenças, valores, concepções da realidade que ajudem a classe dominante a manter seu poder sobre os demais. Entendendo-se com igual participação na vida social, econômica e política, os menos favorecidos da sociedade capitalista são alienados por meio das ideologias, na medida em que ela ocultam as contradições existentes na realidade.

No momento atual, em que as TDIC fazem parte do cotidiano, a internet “tem se prestado muito a divulgar a ideologia dominante, entretanto, contraditoriamente, também possui suas potencialidades revolucionárias.” (SOARES; GURGEL, 2011, p. 9) Os mesmos autores dizem que a informação, “[…] ainda que disfarçada, filtrada e controlada, circula em volume muito mais significativo do que em qualquer outro período da história. Registros públicos e mais um amplo espectro de dados estão disponíveis on-line, podendo ser acessados por qualquer pessoa a qualquer tempo.” (id.ib.) Entende-se a contradição estabelecida na relação do homem com a internet, e, se por um lado o homem pode se alienar diante das informações denominadas de ideológicas e falsas, também pode, em consequência da apropriação de uma literacia digital crítica, ser capaz de refletir, analisar, classificar e criticar uma informação falsa.

A próxima categoria de análise, denominada Posicionamento Ideológico, procura identificar, no contexto digital, diferentes sentidos e intencionalidades. Para que se identifiquem posicionamentos ideológicos, Vieira Pinto (op.cit., p. 226) fala sobre o desenvolvimento de uma consciência crítica:

A consciência crítica é aquela que toma consciência de seus determinantes no processo histórico da realidade, sempre porém apreendendo o processo em totalidade e não considerando determinantes os fatores correspondentes aos interesses individuais privados.

Uma consciência crítica perceberá que alguns conceitos “não passam de porta-vozes de interesses sociais bem desenvolvidos e, conforme era de se esperar, pertencentes às frações minoritárias, embora dominantes […]” (op.cit., p. 226)

Busca-se, com essa categoria, compreender mecanismos específicos por intermédio dos quais as mídias digitais cumprem determinadas funções a favor de reproduzir ideias da classe dominante. Em prefácio ao livro As belas mentiras - a ideologia subjacente aos textos didáticos”, de sua orientanda Maria de Lourdes Chagas Deiró Nosella, que pesquisou conteúdos ideológicos nos livros didáticos, implícitos ou explícitos, assevera Saviani (1978, p. 9):

Se, nas sociedades organizadas sobre a base do modo de produção capitalista, as escolas desempenham primordialmente, embora não exclusivamente, a função de inculcação da ideologia dominante, então, nessas sociedades, o livro didático é introduzido nas escolas com a função precípua de veicular a ideologia dominante.

Entende-se que a forma de veiculação da informação se mantém nos livros didáticos e no contexto digital contemporâneo, ambos encobrindo convicções, ideias, princípios e valores com o objetivo de disseminar essas concepções que servem aos interesses dos detentores do poder e consolidam o modo de produção existente. Dissertando sobre a contradição inerente à técnica, Vieira Pinto (2005, p. 209) evidencia que sua essência “[…] encontra-se na relação entre ela e o modo social da produção a que pertence.” Para tanto, o mesmo autor afirma que, ao ser criada, toda técnica procura satisfazer uma necessidade humana, em razão da submissão ao regime de produção vigente. Sendo assim, o objetivo da categoria proposta, posicionamento ideológico, é o de problematizar as intenções transmitidas aos sujeitos por meio de diferentes tipos de gêneros textuais.

Mesmo verificando e avaliando tais informações presentes em imagens e vídeos por meio da categoria representação e, nos distintos gêneros textuais em que se apresentam, investigando posicionamentos ideológicos, é necessário identificar: Quem está por trás dessas produções e a que fins e interesses servem sua disseminação? Por isso, a terceira categoria, denominada Produção Ideológica, é imprescindível para tais análises, pois propõe-se a identificar quem produz, por que e para quem no contexto digital. A partir das ideias problematizadoras de Pinto (2005), que falam da capacidade que o homem possui para projetar e produzir aquilo que lhe é necessário, por meio das técnicas5 e das relações que estabelece, o objetivo dessa categoria é identificar a autoria ou fonte das informações no contexto digital.

A ideologia também aparece na relação do homem com a técnica. Vieira Pinto (2005) diz que o homem trabalhador sabe que a técnica utilizada por ele tem como finalidade a produção de bens, porém, não se entende como único agente real de todo o processo. Isso ocorre em consequência da alienação que enfeitiça e “conduz a outra direção, à sublimação, à ideologização da técnica pelo progressivo desligamento de suas bases materiais.” (PINTO, 2005, p. 290) Pelo processo de alienação, o homem, o trabalhador ou o técnico esquece que é o autor da máquina, que essa produção é resultado de suas finalidades interiores e que foi realizada mediante suas ideias. Ao contrário, pensa que deve “deixar-se possuir pela tecnologia, porque só assim poderá adquirir um nome e uma essência humana, a de ‘técnica’.” (op.cit., p. 291) Reconhece-se essa capacidade produtora do homem similarmente na produção de informação no contexto digital. Nesse espaço, especialmente o da internet, o homem produz sites, escreve em blogs, participa das redes sociais, emitindo opiniões ou as reproduzindo, muitas vezes sem qualquer pesquisa ou análise crítica.

Em um rápido navegar pela Internet é possível acessar tanto os sites governamentais quanto os das organizações não-governamentais (ONGs), os produzidos por movimentos sociais, os dos segmentos socialmente discriminados, aqueles especializados em política, etc. E o espectro ideológico varia da direita à esquerda, passando por sites fascistas e racistas às organizações de extrema-esquerda. (SOARES; GURGEL, 2011, p. 5-6)

Diante das mais diversas informações divulgadas, é preciso que todas as pessoas, principalmente crianças e jovens, desenvolvam as qualificações necessárias para uma literacia digital crítica, de modo a interferir de maneira reflexiva e crítica. Assim se poderá construir e constituir uma cidadania digital que permita identificar as formas de manipulação das informações, suas origens, fontes e intencionalidades.

4 Conclusão

Neste estudo, os textos acadêmicos estudados abordaram a necessidade de os sujeitos desenvolverem competências e habilidades para o uso das tecnologias digitais como selecionar, avaliar e interpretar a informação e transformar essa informação em conhecimento. Porém, compreende-se que é imprescindível ao sujeito não apenas essas habilidades e competências, mas a apropriação de conhecimentos prévios para agir criticamente frente às informações mediadas por essas tecnologias. Esses conhecimentos foram estabelecidos, neste estudo, por meio de três categorias de análise, com objetivo de responder à seguinte questão norteadora: Quais conhecimentos podem contribuir para uma literacia digital crítica?

Na perspectiva crítica que aqui adotamos, as variadas formas de expressão da informação na internet (vídeos, imagens, textos etc.) necessitam ser interpretadas na sua intencionalidade e posicionamento ideológicos, contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência que perceba as relações de poder que se estabelecem nos meios digitais na atualidade. Sendo um letrado digital crítico, o sujeito terá condições de elaborar juízos (questionar, argumentar, significar) e verificar a veracidade das informações, dessa forma construindo criticamente seu ponto de vista, pensando sobre as implicações para seu cotidiano e a vida em sociedade. Apropriando-se dos conhecimentos que pressupõem uma literacia digital crítica, esse sujeito poderá fazer análises tanto do contexto digital quanto do contexto real, produzindo outros sentidos nesse movimento de apropriação.

Em relação ao ambiente digital, pretende-se que o sujeito que se apropriou de uma literacia digital crítica possa confrontar diferentes perspectivas e compreender discursos diversos, identificando os interesses associados a eles. A ideia de uma literacia digital que, além de desenvolver capacidades e habilidades de leitura, funcionais ou não, seja crítica e possa ser desenvolvida nos diferentes contextos educativos, formais ou não formais. Mesmo não apresentando, aqui, possibilidades de trabalho especificamente no ambiente escolar, entende-se que as categorias de análise sugeridas podem ser utilizadas pelos professores na promoção de uma literacia digital crítica no seu contexto individual e/ou no contexto de formação dos estudantes, a fim de trabalhar o desenvolvimento de uma consciência crítica, preparando-os para verificar que existem representações e posicionamentos explícitos e, muitas vezes, implícitos no meio digital, e compreendendo a existência de ideologias que justificam interesses culturalmente e politicamente difundidos.

Compreendeu-se, por esta pesquisa, que há conhecimentos que pressupõem essa análise crítica da realidade, tanto a virtual quanto a objetiva, e sugeriram-se categorias propositivas de análise sobre o meio digital, discorrendo-se sobre tais apropriações necessárias para qualificar um sujeito como letrado crítico.

Para a estruturação dessas categorias de análise denominadas: Representação Ideológica, Posicionamento Ideológico e Produção Ideológica, buscou-se, nas bem elaboradas análises sobre tecnologia, a conceituação de Pinto (2005). E também foram incluídas, na análise, as problematizações de David Buckingham (2007, 2010) sobre a necessidade do sujeito - criança, jovem, adulto - de questionar e refletir tanto na posição de consumidor das informações disponíveis por meio das TDIC - interpretando, fazendo julgamentos sobre o que lê, assiste e ouve - quanto na posição de produtor nas redes sociais: escrevendo em blogs, criando vídeos, expressando seus pontos de vista.

Finalizando, constata-se que as categorias conceituais de análise conduzem a vários questionamentos no que respeita às relações com as TDIC, por exemplo, sobre qual a fonte da informação, qual o interesse de quem a produziu, quais as concepções, valores, ideias e modos de ver o mundo imersos nessa informação. E, finalmente, como transformar tais reflexões em conhecimento, levando-o para a prática social.

Entende-se que a temática da Literacia Digital Crítica é vasta e suscita continuidade e aprofundamento teórico, não sendo possível esgotar todo o campo de investigação neste estudo

Referências

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Notas

1Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

2Grupo de Pesquisa CNPq coordenado pela Professora Dra. Graziela Fatima Giacomazzo

3Álvaro Vieira Pinto (1909-1987). Esse filósofo estudou profundamente o conceito de tecnologia e escreveu sobre o mesmo, terminando a segunda revisão das 1.410 laudas da obra organizada em dois volumes, em 1973. Porém, apenas após a sua morte seu livro pode ser publicado, no ano de 2005. Na obra O conceito de tecnologia o autor reflete, de maneira abrangente, sobre o tema, pautando-se no pensar dialético e na transição de uma consciência ingênua para uma consciência crítica em relação à técnica e à tecnologia

4Em texto introdutório ao livro O conceito de tecnologia (2005), de Pinto, Freitas afirma que esse autor utilizava, em seus escritos, o conceito centro-periferia ao se referir, respectivamente, aos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Para Freitas (2005, p. 4), no entendimento de tecnologia desse autor “o centro capturava um dos significados da tecnologia e ideologicamente o proclamava como universal, reservando ao mundo da periferia a condição de ‘paciente receptor’ das inovações técnicas quando, na verdade, já se prenunciava uma ‘fase histórica’ na qual era possível atuar como ‘agente propulsor’ do próprio desenvolvimento.”

5Sobre técnica e tecnologia e suas relações postula o autor: “Se a técnica configura um dado da realidade objetiva, um produto da percepção humana que retorna ao mundo em forma de ação, materializando em instrumentos e máquinas, e entregues a transmissão cultural, compreende-se tenha obrigatoriamente de haver a ciência que o abrange e explora, dando em resultado um conjunto de formulações teóricas, recheadas de complexo e rico conteúdo epistemológico. Tal ciência deve ser chamada de tecnologia.” (PINTO, 2005, p. 221)

Para referenciar este texto

OLIVEIRA, M. M.; GIACOMAZZO, G. F. Educação e cidadania: perspectivas da literacia digital crítica. EccoS, São Paulo, n. 43, p. 153-174. maio/ago. 2017

Recebido: 10 de Maio de 2017; Aceito: 14 de Junho de 2017

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