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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.43 São Paulo maio/ago 2017  Epub 11-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n43.7505 

Resenhas

Walter Benjamin: uma biografia

Márcia Fusaro1 

1Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Mestra em História da Ciência (PUC-SP). Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE) e da Licenciatura em Letras da Universidade Nove de Julho. profmarciafusaro@gmail.com

Walter Benjamin: uma biografia. , de, Witte, Bernd. Tradução de Romero Freitas, Belo Horizonte: Autêntica, 2017. 160 pp.


O reconhecimento póstumo costuma ser uma espécie de privilégio sombrio legado aos intelectuais inquietos e inquietantes. Caso do filósofo, crítico literário, ensaísta e tradutor Walter Benjamin. Ainda que, ao presente século, já não reste dúvida de que se trata de um dos maiores pensadores do século XX, nem sempre foi assim. Embora a rebeldia intelectual, marca destacável de sua herança intelectual, tenha sido o que o manteve à margem da academia, em sua época, inclusive levando sua tese de livre docência a ser rejeitada, foi justamente a originalidade de seu pensamento, a contrapelo de seu tempo, que lhe trouxe merecido reconhecimento intelectual, ainda que póstumo.

Essa biografia intelectual de Benjamin, publicada originalmente em alemão, por Bernd Witte, pesquisador presidente da Sociedade Internacional Walter Benjamin desde 2001, chega-nos, finalmente, em língua portuguesa, por meio da tradução atenta do também pesquisador Romero Freitas, tão especializado na obra de Benjamin quanto o próprio autor. Preenche-se, dessa forma, uma lacuna biográfica em língua portuguesa. Da infância e juventude, em Berlim, à morte trágica, fugindo do nazismo, passando pela formação intelectual e os momentos de crise emocional que interceptam o período da Segunda Guerra Mundial, a figura de Benjamin vai se delineando pelo texto de Witte em um tom narrativo equilibrado entre a paixão inegável dos biógrafos e a precisão acadêmica.

Já nas primeiras páginas tem-se um exemplo de originalidade na maneira como Witte mostra Benjamin descrevendo a si mesmo, e ao irmão, em uma fotografia tirada na época em que o futuro filósofo estava com dez anos. À luz dessa mesma perspicácia crítica, dois anos antes havia realizado leitura muito semelhante de uma fotografia de Kafka aos cinco anos de idade, também apresentada por Witte. Para compor tal leitura, é perceptível que o biógrafo se utiliza, em ampla medida, não somente da tessitura biográfica sobre Benjamin, mas de aplicação da própria técnica de leitura crítica dedicada a imagens e fotografias elaborada pelo filósofo ao longo de sua obra. Como resultado, dá-se um introito biográfico não somente original, mas também dimensionador, de saída, do tom que marcará o restante desse acesso ao acervo memorial-intelectual de Benjamin. Nessa leitura fotográfica, a comparação entre o olhar para a infância do filósofo e o de Kafka, por meio de fotografias de ambos, é particularmente marcante pelo corte antipsicológico e anti-idealista com que Benjamin revela sua identidade infantil profundamente influenciada pelos ritos judaicos, advindos de sua família, pertencente à burguesia alemã. Witte salienta, então, por oportuno, que não se deve identificar a posição de Benjamin às tendências assimiladoras do judaísmo triunfante, conservador, mas sim a uma tendência bastante clara sobre seu próprio papel e condicionamento singulares no âmbito daquele contexto. Na fase mais madura, o filósofo se revolta contra sua ascendência burguesa, mas se nega a uma leitura meramente social e política de seu posicionamento: “Eu penso (não em termos socialistas, mas em algum outro sentido) na multidão dos excluídos e no espírito que é aliado daqueles que dormem.” (BENJAMIN apud WITTE, 2017, p. 26)

Posicionamento crítico que o filósofo retomaria em uma de suas obras principais, Infância berlinense: 1900, escrita aos quarenta anos, em uma espécie de profecia retrospectiva em que “procurou rastrear, na proteção de sua infância grão-burguesa, o germe da aniquilação na qual o século XIX deveria perecer, em meio à guerra e inflação.” (WITTE, 2017, p. 12) Mantendo reflexões sempre referenciadas por literatura e arte, em diálogo com filosofia e política, é que incorpora, entre seus alcances de literato-filósofo, pensadores do porte de Proust, Goethe, Nietzsche, Dostoiévski, Lukács, Kant, Heidegger, Valéry, Baudelaire, entre tantos outros, servindo a obra deste último como tema de alguns de seus principais escritos.

O olhar de Benjamin para a educação também se destaca na biografia. Leva-nos, inclusive, a entender melhor por que passou a servir de referência também sobre esse tema no século XX e ainda se mantém no século XXI. Foi crítico severo do sistema de educação pública, em que o horrorizava, por exemplo, o uso de palmatória e outros castigos, a seu ver, absurdos. Inaceitáveis. O isolamento na multidão, intensa marca de sua personalidade, também já se evidencia no período escolar, quando demonstra desgosto por ter de subir escadas com “selvas de panturrilhas e pés à sua frente.” (Ibid., p.19) Norteado por tais indignações, tornou-se enérgico defensor da reforma escolar, passando a se engajar em grupos de lideranças juvenis voltadas a essa causa.

Ainda no período escolar inicia seus primeiros escritos e começa a delinear a base de seu pensamento filosófico, fundamentado pela literatura e a crítica. Estilo que marcaria toda sua trajetória intelectual. Identifica-se como literato disposto a decifrar o espiritual em todas as manifestações da vida. Para ele, a pureza do espírito não se encontra na vida, mas na linguagem poeticamente estruturada, não identificada na prática social, mas no uso da linguagem sóbria exercitada pela prosa da crítica. “O poeta é o ‘princípio da forma’, princípio que é fundador da unidade e que mantém unido o mundo desintegrado.” (Ibid., p. 30) Para Benjamin, a literatura está a serviço da “alfabetização das massas” (Ibid., p. 80), em sua emancipação política. Suas reflexões comportam, entre tantas outras questões, o papel do escritor em meio às crises sociais de seu tempo. Papel este em que ele próprio se situa, em autorreflexão literário-filosófica pela qual busca, como crítico, identificar-se socialmente. Dentre as reivindicações nesse sentido, propõe-se, inclusive, a tornar mais nobre e reconhecido o gênero da resenha “transformando-a em uma forma de prosa literária breve que deveria desvelar as antinomias da consciência pública.” (Ibid., p. 89) Esse viés enaltecedor da resenha como gênero nobre de escrita sem dúvida acrescenta mais um valor de atualização ao legado intelectual de Benjamin. Não somente por nos alertar sobre as veredas educadoras vinculadas a esse gênero textual, mas também por destacar suas possibilidades didático-argumentativas no ambiente da produção acadêmica bem pensante.

Ao contextualizar o suicídio de Benjamin, por overdose de morfina, tentando entrar na Espanha pelos montes Pirineus enquanto fugia dos nazistas, Witte reveste de fino trato reflexivo o aspecto trágico com que se encerra de forma muito prematura a vida do filósofo. Aliando as já famosas reflexões do próprio Benjamin sobre a obra Angelus Novus, de Paul Klee, adquirida pelo filósofo em 1921, a uma frase de Kafka, que serviria também a ele, de que há esperança infinita, só que não para nós (Ibid., p.142), Bernd Witte encerra essa biografia breve, mas suficiente em singularidade. Como a própria vida de Benjamin

Referências

Walter Benjamin: uma biografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2017 [ Links ]

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