SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número43La educación en el laberinto tecnológico: de la escritura a las máquinas digitales índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.43 São Paulo maio/ago 2017  Epub 11-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n43.7525 

Resenhas

Afrocentric education and its importance in African American children and youth development and academic excellence

Maurício Pedro da Silva1 

1PPGE-Uninove. maurisil@gmail.com

Afrocentric education and its importance in African American children and youth development and academic excellence. A compreensive analysis. , de, Cornelius, Cynthia Diana. ., United States: ,, CreateSpace Independent Publishing Platform, ,, 2014. .


Não é comum, mesmo no Brasil, nação em que o contingente de afrodescentes supera todos os países do mundo, encontrar estudos sobre o conceito de afrocentricidade e seus principais divulgadores (Molefi Asante, Maulana Karenga etc.) ou inspiradores (Marcus Garvey, Carter G. Woodson, W. E. B. Du Bois, Cheikh Anta Diop etc.). Com exceção de um reduzidíssimo número de estudos acadêmicos - entre teses e artigos científicos -, é praticamente impossível encontrar, por aqui, alguma obra que trate do assunto de modo mais consistente, mesmo entre as traduções de livros estrangeiros.

Não é, contudo, o que acontece em outros países - em especial nos Estados Unidos da América -, onde o assunto tem sido cada vez mais debatido e estudos a esse respeito têm sido realizados com frequência, sobretudo na área educacional, em que essa questão ganha incidência e visibilidade ímpares. Isso é o que demonstra, por exemplo, o recente trabalho da ativista e pesquisadora, cujo livro serve como um importante resgate da história e de alguns conceitos relativos à educação afrocentrada norte-americana, mas que, pelo alcance dos dados e pela amplitude de algumas ideias, pode ser facilmente aplicado ao contexto brasileiro, sem a perda de sua essência e sem o desvirtuamento de suas ideias.

Graduada em Estudos Africanos e mestre em Educação pela Universidade do Estado de São Francisco, Cynthia Diana Cornelius desde cedo preocupou-se com as desvantagens cotidianas dos africanos e afrodescendentes nos Estados Unidos. É criadora do The Chinue X Project, Inc. (TCXPI), um serviço de recursos online, que tem como objetivo, entre outras coisas, disseminar informações baseadas em conhecimento afrocentrado e instigar discussões sobre o assunto. Em Oakland, na California, sua cidade natal, instituiu a African-Centered Saturday School Program, que atua na complementação na educação básica.

Em seu Afrocentric Education, a autora começa afirmando que o sistema educacional norte-americano não oferece às crianças negras, em especial às crianças afro-americanas, oportunidades culturais apropriadas, tampouco um ambiente de aprendizado que assegure igualdade educacional, marginalizando-as. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de, historicamente, o currículo e as práticas docentes norte-americanas serem fundamentalmente eurocêntricas, sem correspondência com a variedade étnica e cultural verificada nas salas de aula, fenômeno comumente verificado também no Brasil. A resposta a essa realidade, segundo a autora, estaria na ideologia da Afrocentricidade: “a ideologia da Afrocentricidade torna-se uma resposta ao fracasso crônico do sistema educacional em oferecer iguais oportunidades educacionais aos afro-americanos.” (p. 2)1 Considerando que, por séculos, a hegemonia eurocêntrica nos Estados Unidos perpetuou a ideologia da cultura dominante, que, entre outras coisas, disseminou a ideia de inferioridade dos africanos e afro-americanos, não era de se espantar que os currículos refletissem tal distorção, levando os alunos africanos e afro-americanos a se perceberem a partir da imagem que os outros têm deles, ou seja, uma imagem bastante negativa, já que produzida por uma cultura pautada na figura do branco.

Resgatando um pouco da história do sistema educacional norte-americano, a autora lembra que os primeiros africanos escravizados chegaram aos Estados Unidos em 1619, quando então eram “educados” para serem escravos. Um sistema educacional formal para os africanos escravizados surge por volta de 1700, mas com o definido propósito de cristianizá-los, motivo pelo qual era totalmente dominado por missionários e católicos. Somente por volta de 1798, os afro-americanos começam, finalmente, a estabelecer suas próprias instituições educacionais formais, sobretudo com a atuação de Prince Hall (veterano da Guerra Civil e fundador da primeira Loja Maçônica negra) no norte e nordeste dos Estados Unidos. Em 1800, abolicionistas desempenham importante papel na fundação de escolas para africanos alforriados (nesta época, os afro-americanos passam a controlavar 18 escolas de nível superior, 34 escolas particulares e 51 colégios). Já no século XX, surgem as primeiras propostas de uma educação afrocentrada (African Centered Education), numa luta para que os valores africanos e afro-americanos passem a fazer parte dos currículos, atualmente fundamentados por uma perspectiva eurocêntrica.

Todos esses eventos demonstram o quanto a educação sempre foi considerada um importante valor - ligado à ideia de liberdade e empoderamento - para os afro-americanos, além de, historicamente, servir como estratégia de combate à discriminação, à escravidão, à exclusão e outras formas de segregação racial. A ideia de afrocentricidade afirma-se portanto, segundo a autora, como uma resposta “ao crônico fracasso do sistema educacional em oferecer iguais oportunidades educacionais aos afro-americanos” (p. 17).2 Influenciada por pensadores como Marcus Garvey, Du Bois, Maulana Karenga, Cheikh Anta Diop e outros, a afrocentricidade encontra um representante de destaque, atualmente, em especial na área educacional, em Molefi Asante, que a coloca como uma perspectiva crítica que pressupõe os ideais africanos no centro de toda análise que envolva a cultura africana. Há que se atentar ainda para o fato de que o conceito de afrocentricidade, tal como formulado por seus teóricos, estabelece uma relação intrínseca como a ideia de uma educação multicultural (Multicultural Education), uma vez que o próprio conceito de multiculturalismo supõe o reconhecimento da diversidade étnica e racial: “A rejeição da ideia de que conceitos políticos, tais como igualdade e cidadania, podem ser color-blind e culturalmente neutros, o argumento de que etnicidade e cultura não podem ser limitados a algumas chamadas esferas privadas, mas fazem parte de estruturas políticas e de oportunidade em todas as sociedades é uma das demandas fundamentais do multiculturalismo e das políticas da diferença. É a base da conclusão de que as democracias liberais neutras são parte das culturas hegemônicas que, sistematicamente, desetinizam ou marginalizam as minorias.” (p. 22)3 Por isso, completa a autora, o próprio Asante - em seu conhecido The Africentric Idea in Education - considera a educação multicultural como uma necessidade fundamental para que os estudantes conheçam as contribuições de todos os povos e culturas para a humanidade, defendendo que “uma válida e realística educação multicultural deve se basear na ideia afrocêntrica.” (p. 23)4

É dentro dessa relação entre a afrocentricidade e o multiculturalismo que a autora desenvolve e aplica em suas pesquisas a noção de relevância cultural (Cultural Relevance), a partir da obra de Gloria Ladson-Billings, para quem o ensino culturalmente relevante afirma-se como uma pedagogia capaz de empoderar intelectual, social, emocional e politicamente os estudantes, usando referentes culturais que lhes transmitam conhecimento, técnicas e atitudes. Assim, uma pedagogia culturalmente relevante deve resultar, entre outras coisas, em sucesso acadêmico, competência cultural e consciência crítica. É, aliás, o amplo estudo conduzido por Ladson-Billings junto a alguns professores e alunos da comunidade de Northern California, sobretudo no contexto da educação afrocentrada, que a autora irá analisar neste seu livro.

Como conclusão, a autora ressalta a intenção de, com este e com os estudos acerca da educação afrocentrada, contribuir para que o afro-descendente - em especial os afro-americanos, objeto desses estudos - sejam cada vez mais empoderados, tenham consciência e orgulho de se originarem de grandes civilizações e contribuam com a sociedade em que vivem; em resumo, “com essa educação nós começaremos a gerar crianças, jovens e adultos que emanam e exemplificam amor próprio, autoestima e respeito próprio, a fim de se tornarem indivíduos produtivos e cooperadores na sociedade.” (p. 45)5 O caminho para se alcançar esses objetivos está nas recomendações depreendidas da revisão de literatura apresentada no presente livro, podendo ser resumido em cinco ações gerais: um currículo afrocentrado, uma pedagogia culturalmente relevante, igualdade de oportunidades de aprendizado, inventimento adequado na tecnologia para a educação e uma reforma educacional que não se baseie em ranqueamento estudantil. De todas essas ações, a autora destaca a primeira não apenas como a mais geral, mas também como fundamental, uma vez que considera que “a afrocentricidade na educação revela a profunda necessidade de todas as pessoas africanas serem reposicionados histórica, econômica, social, política e filosoficamente. Trata-se da consciência de um povo que foi separado de núcleo de sua herança por meio da escravidão, de falsidades históricas e diferenças culturais.” (p. 45)6 Ainda que trate, particularmente, do contexto educacional norte-americano, como dissemos no início, pelos dados que apresenta, pelas ideias que desenvolve e pelas sugestões que aponta, especialmente no campo da educação básica, o livro de Cynthia Cornelius é obra que merece ser lida e discutida também no meio acadêmico brasileiro, uma vez que, em muitos aspectos, os problemas enfrentados pela comunidade afrobrasileira nas escolas são exatamente os mesmos vivenciados pelos alunos afro-americanos e discutidos pela autora

Referências

Cornelius, Cynthia Diana . Afrocentric education and its importance in African American children and youth development and academic excellence. A compreensive analysis. United States, CreateSpace Independent Publishing Platform, 2014 [ Links ]

Notas

1“[…] the ideology of Afrocentricity became a response to the chronic failure of the educacional system to provide equal educational opportunities for African Americans.” (p. 2)

2 “[…] to the chronic failure of the educational system to provide equal educational opportunities for African Americans.” (p. 17)

3“The rejection of the idea that political concepts such as equality and citizenship can be color-blind and culture-neutral, the argument that ethnicity and culture cannot be confined to some so-called private sphere but shape political and opportunity structures in all societies, is one of the most fundamental claims made by multiculturalism and the politics of difference. It is the basis for the conclusion that neutral liberal democracies are part of hegemonic cultures that systematically de-ethniticize or marginalize minorities.” (p. 22)

4“[…] a valid and realistic multicultural education must be based on the Afrocentric idea.” (p. 23)

5“[…] from this education, we will then begin to produce children, youth and adults that exude and exemplify self-love, self-worth, and self-respect in order to become productive and contributing individuals in society.” (p. 45)

6“[…] afrocentricity in education conveys the profound need for all African people to be relocated historically, economically, socially, politicaly, and philosophically. It deals with the consciousness of a people who have been separeted from the core of their heritage throught slavery, historical untruths and cultural awareness.” (p. 45)

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License