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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.44 São Paulo set./dez 2017  Epub 20-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n44.7708 

Artigos

Visões de futuro em Freire e Dewey: perspectivas interculturais das matrizes (pós)coloniais das Américas

Visions of future in Freire and Dewey: Intercultural perspectives on the (post)colonial matrices of the Americas

Maria Manuela Duarte Guilherme1 

1Doutora em Ciências Sociais - Educação pela Universidade de Durham, Reino Unido. Pesquisadora sénior do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal. Projecto de Pesquisa: - GLOCADEMICS, financiado por Marie Curie Actions, Comissão Europeia, European Union’s Seventh Framework Programme (FP7/2007-2013) under REA grant agreement n° 625396. mariaguilherme@ces.uc.pt


Resumo:

Este artigo oferece uma análise comparada das visões de futuro que representam legados fundamentais nas obras de John Dewey e Paulo Freire, tendo em conta os diversos contextos culturais e epistemológicos que constituíram os cenários intelectuais e as bagagens socio-históricas das obras desses autores. As suas visões de futuro são aqui abordadas numa perspetiva intercultural, no enquadramento de duas matrizes (pós)coloniais diferentes incorporadas pelas Américas do Norte e do Sul. Este artigo tenta desvendar os substratos históricos, políticos e sociais que alteram a forma e a essência da retórica e da ideologia que presidem a esses dois marcos conceptuais e académicos de referência no campo da educação e da pedagogia no século XX. Finalmente, procura dar ênfase aos valiosos legados teórico-práticos desses dois filósofos-educadores para a ideia de futuro nas políticas de educação e nas práticas pedagógicas dos sistemas educativos das sociedades cosmopolitas do século XXI.

Palavras-chave: Dewey; Educação para a Cidadania; Freire; Futuro; Interculturalidade; Pós-colonialismo

Abstract:

This article offers a comparative analysis of John Dewey’s and Paulo Freire’s visions of the future, as a fundamental legacy of their work, having in mind the different cultural and epistemological environments that constituted the intellectual backdrop and socio-historical baggage of their works. Their visions of the future are here also approached from an intercultural perspective within the framework of two different (post)colonial matrices embodied by North and South Americas. This article attempts to unveil the underlying historical, political and social substrata influencing the form and essence of the rhetoric and ideology of such conceptual and academic frameworks of reference in the field of education and pedagogy in the 20th century. Finally, the valuable theoretical-practical legacies of both philosophers of education are here emphasized for the purpose of an idea of future in the educational policies and pedagogical practices of cosmopolitan societies of the 21st century.

Keywords: Dewey; Education for Citizenship; Freire; Future; Interculturality Postcolonialism

1 Introdução

Dewey e Freire viveram num século cheio de futuro, de caminho aberto, de esperança, talvez porque se partia da catástrofe de duas guerras mundiais, apesar de outros solavancos seguintes. O século XXI inicia-se de novo apocalíptico, cheio de desespero e sofrimento em fragmentos de guerra e de violência que os media se encarregam de, em tempo directo, propagar com estrondo e esmiuçar as feridas. Os sistemas educativos prometem e não cumprem, derrubam e não constroem, as políticas educativas regridem mas não duvidam. Precisa-se do futuro que se perdeu e há que ir atrás para retomar o impulso.

Este artigo empreende uma análise comparativa das visões filosóficas e das teorias pedagógicas de Freire e Dewey com um um olhar interdisciplinar sobre o entre-contexto (inter)cultural das Américas no século XX e com o objectivo final de buscar inspiração para uma teoria da interculturalidade, imprescindível para a construção de futuro no século XXI. Esses autores visionários, os pedagogos mais inspiradores do século XX, ofereceram-nos essencialmente um mapa para o futuro com educação para a cidadania democrática, políticas de educação, pedagogia crítica e pedagogia social e política que responde às exigências, a mais longo prazo, do século XXI. Essas suas teorias fundamentais foram, e são, inspiradoras também de outras especialidades em educação - filosofia e sociologia da educação, educação especial, metodologias de ensino e de investigação, didácticas específicas, ensino superior, administração escolar etc. - exactamente porque ofereceram pilares sólidos e fundamentais em educação. Suas ideias foram interpretadas, re-interpretadas e mal interpretadas, mas, de qualquer modo, elas conduziram e foram reclamadas constantemente para justificar mudanças. Foi precisamente o seu enfoque comum na transformação da sociedade que gerou sempre estímulo para a mudança, quer traduzindo quer traindo, tendo em vista os futuros possíveis da educação. Mais ainda, ambos os autores são reconhecidos hoje como os grandes pensadores da educação no seu tempo, precisamente porque as suas ideias oferecem caminhos novos para os planos educativos e as práticas pedagógicas que se pensam como adequadas ao nosso tempo e podendo orientar-nos nas respostas aos desafios das actuais sociedades tão culturalmente diversas e em constante mobilidade. Assume-se aqui que as suas obras partilham de ideais e ideias comuns entre si, mas que os contextos epocais e socioculturais determinaram ideais, discursos e propostas diferentes.

Este artigo propõe-se examinar várias linhas de análise crítica dos pressupostos, argumentos e indicações de ambos os autores num estudo comparativo que foca nos discursos e identidades culturais das suas obras, tendo em vista as suas diferentes visões de futuro determinadas, conforme aqui se argumenta, pelos seus referentes filosóficos e culturais e ainda histórico-geográficos. Sendo ambas as filosofias educativo-pedagógicas inovadoras, mesmo radicais, corajosas e ambiciosas, e tendo-se tornado universais, não deixam de estar elas próprias profundamente enraizadas no chão histórico-cultural que serve de base ao pensamento de cada um dos reconhecidos pensadores.

O artigo divide-se em quatro partes principais, a primeira incidindo sobre a sua localização no espaço e no tempo, que os posiciona no mesmo continente americano, mas que os separa na geografia Norte-Sul, na história, em diferentes matrizes coloniais e, por conseguinte, filosóficas e culturais, bem como em tempos diferentes, início e final do século XX. Segue-se uma secção que examina as posições filosóficas e ideológicas de ambos os autores e o modo como essas reflectem as suas bagagens históricas, culturais e filosóficas e determinam as suas visões de futuro. O pragmatismo de Dewey e a síntese que Freire fez de várias correntes filosóficas combinando, entre outras, o existencialismo europeu, o próprio pragmatismo de Dewey e a necessidade ontológica e política de lutar com mais veemência por novos rumos. Depois vem a secção intitulada “Pressupostos pedagógicos”, na qual se acentua a convergência de ambos os autores nas propostas educativas, no entendimento da função dos sistemas educativos e nas práticas pedagógicas, sem desmerecer as divergências entre ambos relativamente aos seus esquemas conceptuais e projetos educativos. Finalmente, o texto concentra-se na análise das diferentes visões de futuro que se fundamentam nos argumentos enunciados e debatidos em cima. Tanto Dewey quanto Freire nos ofereceram visões de futuro que, embora divergindo na medida em que resultam de estruturas políticas, sociais e culturais distintas, convergem no desenho de sociedades mais justas, participativas e democráticas que podem inspirar e beneficiar as actuais políticas educativas e práticas pedagógicas no sentido de as tornar mais críticas, fundamentadas e estimulantes, com respostas mais adequadas aos desafios das sociedades de hoje.

2 A localização no espaço e no tempo

John Dewey (1859-1952) e Paulo Freire (1921-1997) viveram, pensaram e trabalharam em tempos e espaços muito diferentes, no entanto, partilharam ambos o protagonismo das suas teorias e práticas, experimentações pedagógicas, no mesmo século e no mesmo continente, e ambos viram suas ideias merecer o interesse académico e a experimentação prática nos sistemas educativos de todo o mundo. Enquanto Dewey produziu a maior parte do seu trabalho na primeira metade do século XX e o seu pensamento emergiu do cenário da sociedade norte-americana de então, e a este era ajustado, para Freire foi a sociedade e a política brasileiras e o contexto mais amplo sul-americano, durante o exílio, da segunda metade do século passado, que terão moldado a sua vida e a sua obra. Foram contextos geográficos e sociopolíticos, até certo ponto, opostos e tempos distintos, com uma linha no meio, desenhada geograficamente, entre o sul e o norte quase sincrónicos. Politicamente, essa linha determina também, diacronicamente, o antes e o depois de um acontecimento marcante, o movimento dos direitos civis nos anos sessenta nos Estados Unidos, que deu visibilidade e voz ao Sul, contestou a superioridade do Norte e foi o primeiro movimento social a aproveitar a vantagem do então emergente poder dos media. Essas diferenças epocais não diminuem a comunhão de ideais entre as obras dos dois autores, mas justificam preocupações, estratégias e discursos distintos.

Os Estados Unidos da América e o Brasil foram duas colónias estruturadas a partir de matrizes coloniais e culturais muito diferentes e com processos de independência muito diversos. Nos dois casos, a vida política foi sendo estruturada por elites que seguiam modelos europeus e a vida social ia seguindo as normas tradicionais dos países de origem, reflectindo a cristalização, mesmo purificação e radicalização, das suas heranças, como é habitual nas sociedades imigrantes. Se pensarmos apenas nas estruturas social e política dominantes, Dewey nasceu e viveu nos estados do nordeste (Vermont) e norte (Illinois), numa sociedade democrática, de iguais entre os iguais, onde, apesar de ter nascido de uma família de poucas posses, sendo caucasiano isso não o impediu de seguir estudos universitários e carreira académica. Por coincidência, Freire também é oriundo do nordeste do Brasil, mas neste caso esta é uma das zonas mais pobres do Brasil e foi com mais dificuldades que chegou ao ensino superior. Ambos homens e brancos, o que foi determinante em ambas as sociedades de então, e inacreditavelmente ainda nas de hoje.

O Brasil da segunda metade do século XX passou por instabilidades políticas, com um golpe militar nos anos 1960 que foi o culminar de uma vivência política nada democrática e que levou Paulo Freire ao exílio. Freire é um “homem ‘no’ mundo” por circunstância, porque de facto ele estava no mundo, mas sempre com o olhar, não só no Brasil, mas com o olhar “do” Brasil, porque ele não decidiu partir, ele partiu, ficando. Esse detalhe é o que nos permite qualificá-lo como um “pensador do Sul” por excelência e o que o distingue essencialmente de John Dewey, para além do facto, acima explicado, do desfasamento temporal. Poderá dizer-se que Dewey também se sentia um homem do mundo, apenas por ser homem, com consciência da sua universalidade e do mundo porque o seu contexto representaria o epítome do mundo, esta era a visão puritana do novo mundo: “I believe that all education proceeds by the participation of the individual in the social consciousness of the race […] the individual gradually comes to share in the intellectual and moral resources which humanity has succeeded in getting together.” (DEWEY, 1897, p. 3) Dewey refere-se aqui ao indivíduo, a base da cultura política norte-americana, como representante da humanidade, e é nesse sentido que usa a palavra “raça”, partilhando os recursos morais e intelectuais que essa humanidade, na sua homogeneidade, conseguiu construir e partilhar. A visão da sociedade ideal de John Dewey não deixava de ser uma representação purificadora, porque puritana, do novo mundo, e elitista, nesse modelo ideal de Homem e de Humanidade.

Dewey e Freire têm, de facto, diferentes posicionamentos em relação ao mundo que espelham os legados filosóficos e culturais dos seus enquadramentos históricos e políticos, determinando suas visões de futuro. Freire, localizado no Brasil, este com o mundo dentro de si, mas fechado em si próprio, ao passo que Dewey se enquadra na sociedade norte-americana da época do ponto de vista cultural, embora não seja tanto assim do ponto de vista político, e vê-se refletido no mundo. É notório que, no primeiro caso, se constitui uma visão do Sul dominado, enquanto que no último caso transparece uma visão do Norte dominador. Contudo, tanto para Dewey quanto para Freire, que examinaram a desigualdade sobretudo com base na categoria sociológica da classe social, quer em contexto urbano, para Dewey, quer em contexto rural, em Freire, constituíram grandes preocupações as situações de pobreza material, de destituição política e de rejeição epistemológica em contexto pedagógico.

3 As posições filosóficas e ideológicas

Como pragmatista, Dewey rejeitava o projecto de uma sociedade ideal abstracta: “não podemos estabelecer, a nosso bel-prazer [na versão em inglês: “out of our heads”], algo que consideramos uma sociedade ideal”; e concentrou-se no aperfeiçoamento dos indivíduos e respectivas sociedades: “[…] o objectivo a estabelecer deve ser uma consequência das condições existentes […]” (DEWEY, 2007, p. 101) Fica evidente que Dewey seguia o modelo social tradicional norte-americano, com a predominância dos níveis individual e institucional. Segundo ele, a escola ideal deveria reflectir essa mesma estrutura: “I believe that in the ideal school we have the reconciliation of the individualistic and the institutional ideals.” (DEWEY, 1897, p. 17) A colectividade seria a sociedade hegemónica da “mainstream” e do “melting pot” e os outros grupos sociais seriam adstritos às margens da sociedade, às comunidades, também estes intra-hegemónicos e etnocêntricos, que se constituíam em estratégia de autodefesa numa sociedade de matriz cultural e étnica segregacionista. No entanto, a visão de Dewey era integradora, algo ambicioso na época, e é nesse âmbito que foi um radical. Ao contrário dele, Freire critica a visão individualista que considera ser própria do opressor e por isso mesmo lamenta a falta de visão e de ambição do oprimido que não almeja romper com o modelo vigente, mas pretende sobreviver dentro dele. Assim, afirma que aos oprimidos: “Falta-lhes a razão da opressão […] pretendendo, não a libertação, mas a identificação com o seu contrário […] Para eles, o novo homem são eles mesmos tornando-se opressores dos outros. A sua visão do homem novo é uma visão individualista.” (FREIRE, 2013, p. 28, grifo do autor) Freire prossegue apelando para a consciência de classe: “A sua aderência ao opressor não lhes possibilitou a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe oprimida.” (id.ib.)

Outro aspecto que ajuda a resumir a diferença filosófica e epistemológica entre Dewey e Freire poderia colocar-se entre uma pedagogia pragmática por objectivos de “problem-solving” (resolver o problema), no primeiro caso, e uma pedagogia crítica de “problem-posing” (colocar o problema), no segundo caso (BETZ, 1992). Em Dewey, o questionamento termina no momento em que se encontra a solução, e este é um ponto em que a sua teoria filosófica se aproxima do positivismo: “Dewey’s philosophy shares with positivism the same conception of answering as exclusively the dissolution of questions […]” e, nessa medida, só a solução conta como conhecimento: “[…] supposing instead that only the solution counts as knowledge […]” (TURNBULL, 2008, p. 49-50) Para Dewey, a reflexão não é contemplativa, dir-se-ia mesmo, sequer meramente analítica. A sua reflexão é um caminho ondulante, mas articulado, isto é, “[…] reflection involves not simply a sequence of ideas, but of a con-sequence - a consecutive ordering in such a way that each determines the next as its proper outcome, while each outcome in turn leans back on, or refers to, its predecessors […] The stream or flow becomes a train or chain […]” (DEWEY, 1933, p. 4-5) Para este autor, o acto reflexivo não perde de vista o problema concreto que o suscitou pois “[…] reflection Implies Belief on Evidence […]” (op.cit., p. 11) e “[…] the nature of the problem fixes the end of thought, and the end controls the process of thinking […]” (op.cit., p. 15), isto é, o problema concreto gera o acto reflexivo que se autojustifica ao encontrar a solução para o problema. E a antecipação desse processo deverá então ter ficado estampado no desenho do objectivo da reflexão-acção: “The Regulation of Thinking by Its Purpose” (op.cit., p. 14). Essa linha orientadora entre a reflexão e a acção é comum e muito importante para ambos os autores.

No entanto, enquanto que em Dewey é o desenho do objectivo, ainda que flexível e reformulável, e o correspondente planeamento estratégico subjacente que lideram o processo, em Freire esta articulação entre reflexão e acção é também um acto contínuo, mas muito mais fluido, já que se vai realizando pelo diálogo. Para Freire (1995, p. 54), “[…] existir é arriscar. Existir, no sentido mais indefinido possível, e por isso mesmo mais radical, é arriscar.” Em suma, para Dewey, educação e conhecimento é “fazer”, “manipular”, no bom sentido, e “atingir o objectivo”, “[…] in favour of a view which ties knowing to manipulating […]” e, desse modo,”[…] intricately connecting knowing and interest […]” (FEINBERG; TORRES, 1995, p. 66) A Freire preocupa-o o empreendimento de conhecer (“education is the ‘act’of knowing”) e, como lembram Feinberg e Torres (id.ib.), o seu método é baseado em palavras geradoras e na discussão de questões existenciais e políticas, o que o afasta das experiências da escola-laboratório de Dewey, mesmo tendo em conta a diferença de nível etário dos seus públicos.

Contudo, foi precisamente nos aspectos aqui enunciados que as visões de futuro de ambos os filósofos da educação foram mais traídas. Para ambos, apesar de se apoiarem em diferentes teorias filosóficas, a ligação da ideia ao acto, da teoria à prática, da ideologia ao compromisso efectivo, do ensinar ao aprender, do reconhecimento e validação dos saberes plurais à intervenção cívica não pressupõe uma ideia de sociedade, uma visão de futuro, em algo semelhante à que subjaz às políticas de educação oficiais de hoje, por mais que invoquem os seus nomes. As obras de Freire e Dewey radicam em quadros conceptuais e epistemológicos distintos, que podemos situar em referentes do Sul e do Norte nas Américas. Contudo, e apesar de Freire não citar Dewey, excepto tardiamente e para se distanciar (1988), há aspectos evidentes na obra de Freire que poderão ter sido inspirados pela teoria de Dewey (FEINBERG; TORRES, 1995), tais como a instância da relação entre a teoria e a prática, a insistência na articulação entre a reflexão e a acção, a importância dada ao papel do professor, embora com a aprendizagem centrada na experiência do aluno, para além da militância na função primordial escola/educação na democratização da sociedade, tendo a justiça social como fim último. Ao passo que, mais uma vez, para Dewey (1933, p. 14), “[…] on demand for the solution of a perplexity is the steadying and guiding factor in the entire process of reflection […]”, quer dizer, a solução do problema, seja ele uma perplexidade, é o que justifica a abertura de um processo reflexivo que, por sua vez, deverá ser fechado aquando da resolução do problema. A missão da educação, para Freire, vai muito para além disso, pois aspira à transformação radical da sociedade, visa a justiça social mas exigindo que se abanem estruturas, ao passo que para Dewey, como pragmático numa perspectiva anglo-saxónica, a estrutura pode ser aperfeiçoada a partir da depuração, purificação do ideal. Dewey, como progressivista que foi, clama, de dentro do sistema, pelo aperfeiçoamento do mesmo. O seu mote é o progresso, enquanto que o mote de Paulo Freire é a praxis política. (SHYMAN, 2011, p. 1045)

4 Pressupostos pedagógicos

Se há aspectos em que esses dois autores convergem são os que decorrem das pedagogias que propõem e do entendimento da educação como uma experiência de aprendizagem democrática, tal como é amplamente reconhecido: “We focus on these two philosophers […] because each, in distinct ways, understood the importance of what is taught as crucial to the development of a democratic society.” (FEINBERG; TORRES, 1995, p. 61) A atenção desses autores concentra-se nesses dois filósofos porque ambos, de maneiras distintas, perceberam a importância de que “aquilo que” é ensinado é crucial para o desenvolvimento de uma sociedade democrática.

No entanto, há que ter em conta as diferenças que decorrem dos fundamentos filosóficos e epistemológicos, tal como foram argumentados em cima, e também pelo facto de que a obra de Dewey tinha em vista crianças em ambiente urbano, ao passo que Freire se dedicou à educação de adultos em contexto rural. Por outro lado, Dewey fez aplicar a sua teoria à escola laboratorial da Universidade de Chicago (University of Chicago Laboratory School), ao passo que a teoria de Paulo Freire emergiu da sua própria prática pedagógica, em especial inspirada pela sua experiência nas campanhas de alfabetização. Nada mais diferente, nada mais decorrente das sociedades e das culturas em que se inseriam. Ambos apelavam à ligação da teoria à prática, mas cada um com o seu campo de visão, que podemos considerar muito distintos, dos pontos de vista histórico, cultural, sociológico, geográfico etc., uma vez que cada um tem também um pensamento muito situado nesses seus enquadramentos. Caminham ambos na mesma direcção, mas levando consigo bagagens muito diferentes.

Dewey, tal como Freire, considera a escola como uma instituição com uma função social na medida em que prepara o estudante para intervir na transformação da sociedade. “I believe that the school is primarily a social institution. Education being a social process, the school is simply that form of community life in which all those agencies are concentrated […]” (DEWEY, 1897, p. 7) O autor, no entanto, entende que a escola deve apresentar-se como um ‘laboratório’ onde se trabalha com uma imagem simplificada da sociedade: “I believe that the school, as an institution, should simplify existing social; should reduce it, as it were, to an embryonic form […]” (op.cit., p. 7) E foi desse modo que Dewey iniciou as suas experiências pedagógicas, como se refere acima. Mais precisamente, a escola funciona como um microcosmo da sociedade que transmite à criança “as heranças da raça” (minha tradução): “[…] more effective in bringing the child to share in the inherited resources of the race, and to use his own powers for social ends” (id.ib.). Aqui, Dewey usa o termo “raça”, mais uma vez, de forma ambígua. Esse termo pode significar a raça humana, num sentido universalizante da ideia do americano anglo, ou uma comunidade étnica mais restrita, referindo-se aos grupos específicos de imigrantes. Seria menos provável na época que incluísse afro-americanos ou americanos-nativos na sua visão universal de humanidade, os quais sofriam uma exclusão quase total no início do século passado, apesar de a escola-laboratório de Dewey se localizar em Chicago, uma cidade já com grande representação afro-americana na época, e a sua zona de acção se situar no nordeste, portanto, teoricamente menos segregacionista. O uso deste termo “raça” é frequente ao longo da sua obra, não só de uma forma mais ou menos ambígua, mas também com uma evolução conceptual evidente, e tem causado alguma controvérsia, tendo recentemente mesmo suscitado bastante interesse. (DEWEY, 1902; FALLACE, 2010, 2011, 2012)

O estudo da utilização do termo ao longo da obra de Dewey esclarece, em grande parte, os limites da democraticidade pedagógica preconizada por ele, que dependem dos horizontes da sua época, apesar de terem evoluído com as suas viagens e experiências académicas. Aqui unem-se os percursos dos dois filósofos da educação, cujas obras evoluíram muito com o decorrer das suas vivências académicas, com Freire mais prático e Dewey mais mentor, apesar de este último ser paradoxalmente mais pragmático a nível teórico. No que respeita às suas viagens, Dewey foi um observador mais superficial, de viajante voluntário temporário, e Freire como exilado, portanto vivenciando mais profundamente a sua experiência de visitante, mesmo que involuntário. Foram, no entanto, viajantes tardios, principalmente devido às condições financeiras das suas famílias, o que lhes motivou uma reflexão mais distanciada e madura sobre essas experiências.

Embora tenham muitos aspectos em comum no que concerne à educação e à pedagogia, Freire distancia-se de Dewey na sua visão da educação-formação que, embora “[…] realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço […]”, leva, e aqui está a diferença, “[…] o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito […]” (FREIRE, 1991, p. 106) A caracterização do educador, por Paulo Freire, entre educador “bancário”, aquele cujo objectivo é conduzir os estudantes a acumular conhecimentos informativos, e por oposição o educador problematizador, aquele que suscita o pensamento autónomo e crítico (FREIRE, 2007), não destoa dos princípios enunciados por Dewey. Mas temos de reconhecer que a pedagogia crítica de Freire envolve uma dimensão mais visionária do que a teoria educativa de Dewey. A ideia de uma educação para a cidadania, porque é comum a ambos, mostra bem a diferença das suas abordagens: Dewey preconiza uma educação mais planeada, por objectivos, mais eficiente; Freire promove o exercício de uma escola cidadã de forma mais colectiva e politicamente interveniente, que veio a inspirar os actuais movimentos sociais.

Também no que se refere à descrição do processo cognitivo, esses dois filósofos da educação se distanciam. Para Freire (2007, p. 32), “[…] a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil […]”. Para Dewey (1933, p. 3), o pensamento reflexivo “[…] consists in turning a subject over in the mind and giving it serious and consecutive consideration […]”, isto é, torna-se um processo de fechamento em si mesmo enquanto não se aplica à prática e encontra uma solução. Para ser mais claro, “[…] the nature of the problem fixes the end of thought, and the end controls the process of thinking” (DEWEY, 1993, p. 15), com o que o autor quer dizer que o pensamento reflexivo se circunscreve aos limites da necessária solução do problema que o gera.

Vimos, assim, os distanciamentos dos dois teóricos da educação considerados internacionalmente os mais importantes do século XX, que pugnam por causas muito semelhantes em contextos muito diferentes: por um lado, as sociedades pós-coloniais da América do Norte e do Sul, e, por outro, a primeira e a segunda metade do seu século. Enquadrá-los nas suas diferentes matrizes coloniais e culturais, padrões sociais e epocais, modelos e acontecimentos ideológicos e políticos, mostra no seu conjunto duas visões diferentes do mesmo problema, as epistemologias do Norte e do Sul desenvolvendo-se em ambiente pós-colonial.

5 Visões de futuro

As visões de futuro de Freire e de Dewey divergem exponencialmente revelando, a nosso ver, quadros conceptuais e culturais diversos. Para Dewey, o futuro é imediato, no máximo a médio-prazo, porque é impossível ter uma ideia concreta do que a “civilização” será daí, tão somente, a 20 anos e quais as capacidades que serão exigidas ao cidadão de então. Desse modo, a solução será prepará-lo para ser independente, autónomo, capaz de responder às situações que se lhe deparem num tempo de modernidade, que é sempre novo, porque em mudança constante e a exigir novas soluções, sendo essa a medida do desenho do futuro. Assim, o autor afirma:

With the advent of democracy and modern industrial conditions, it is impossible to foretell definitely just what civilization will be twenty years from now. Hence it is impossible to prepare the child for any precise set of conditions. To prepare him for the future life means to give him command of himself. (DEWEY, 1897, p. 6)

Podemos, pois, concluir que Dewey, como pragmatista, considera o futuro pela linha do horizonte definida até a possibilidade de previsão e, sobretudo, de intervenção. É, pois, um futuro quase imediato, que só se pode imaginar na prática, na medida em que é passível de ser planeado. Sendo assim, dedica um capítulo da sua obra de referência Democracia e Educação ao tratamento dos objectivos da educação, sobre os quais o autor esclarece que “[…] na nossa investigação dos objectivos da educação não nos preocupamos em encontrar um fim exterior ao processo educativo ao qual a educação está subordinada […]”, e especifica que “[…] o nosso primeiro problema é definir a natureza de um objectivo que exista dentro de uma actividade, em vez de ser proporcionado a partir do exterior […]” (DEWEY, 2007, p. 98) Aqui, ambos os autores coincidem na medida em que o futuro responde directamente ao presente, é no desenrolar do presente que se prepara e, apenas até certo ponto, se vai determinando o futuro. Para um e para outro, a educação tem capacidade de intervenção, de transformação da sociedade, tem estatuto de agente, e é nessa medida que ambos se afastam, num caminho de estratégias e propósitos comuns, mas não semelhantes, da crítica marxista e neo-marxista para a qual a educação apenas reflecte as desigualdades e os conflitos sociais e só a sociedade, pela luta de classes, pode desencadear mudanças. Igualmente, mas não na mesma medida, Dewey e Freire acreditam no poder da educação, escolar ou para-escolar, e no papel de professores, estudantes e do conhecimento criado entre ambos, para a transformação da sociedade numa sociedade mais justa e mais inclusiva.

Dewey considera ainda que “um objectivo implica uma actividade metódica e ordenada, em que a ordem consiste no completar progressivo de um processo”, isto é, em educação, tal como na vida quotidiana, o futuro é determinado pela descoberta de um problema, um impedimento, que procura resolver-se no seio de uma actividade, por meio de um processo organizado de “problem-solving”, resolução de problemas, isto é, com um plano esquematizado, conducente a objectivos claros e práticos, não necessariamente definitivos e, portanto, que podem ser posteriormente revistos com base na avaliação da solução encontrada anteriormente. O que não quer dizer que não reconheça que “[…] um objectivo verdadeiramente geral amplia a visão do mundo´[…]”, mas com restrições, uma vez que uma ideia “[…] não pode ser demasiado geral […]”, pois “[…] lança-nos, uma vez mais, no ensino e na aprendizagem como um simples instrumento de preparação para um fim separado dos meios […]” (DEWEY, 2007, p. 105) Tal como referem Aronowitz e Giroux (1991), Dewey é um representante do pensamento moderno, acreditando nos ideais modernistas do pensamento crítico, da responsabilidade social, da razão e da liberdade: “[…] a faith in those modernist ideals that stress the capacity of individuals to think critically, to exercise social responsibility, and to remake the world in the interest of the Enlightenment dream of reason and freedom […]” (1991, p. 57)

Apesar de considerar muito seriamente a importância de um pensamento crítico para a revogação das soluções encontradas, Dewey parte de uma visão positivista do conhecimento e da experiência. Para ele, a solução do problema é o horizonte a breve prazo, embora não deixe de considerar suas consequências a longo prazo e, sobretudo, admitir a visão de um ideal que vai presidindo a busca de soluções para problemas específicos, alimentando o espírito crítico e inspirando uma reformulação criativa das soluções. Essa é, portanto, a sua visão de um futuro mais controlado pela acção organizada do Homem, assim, no masculino e com letra maiúscula.

Por outro lado, para Freire, os homens, embora ainda muito no masculino, mas de letra minúscula e no colectivo, isto é, o ser humano, é, por natureza, incompleto, inacabado, inconclusivo, daí que a sua actividade apresente essas mesmas características (ROMÃO, 2005, p. 105). Mais ainda, Freire (2007, p. 73) argumenta “[…] que, na inteligência mecanicista portanto determinista da História, o futuro é já sabido. A luta por um futuro assim “a priori” conhecido prescinde da esperança […]”

As diferentes percepções de futuro de Dewey e de Freire residem, portanto, em concepções diversas de esperança, isto é, de utopia. Para Dewey, a utopia está desenhada e há que lhe afinar o traço, corrigir os desvios, reforçar o compromisso. Ao invés, para Freire (1993, p. 98), “[…] não podemos ‘existir’ sem nos interrogar sobre o amanhã, sobre o que virá, a favor de que, contra que, a favor de quem, contra quem virá […]”, o que não quer dizer que não se preocupe com o concreto, isto é, “[…] sem nos interrogar em torno de como fazer concreto o ‘inédito viável’ demandando de nós a luta por ele […]” (1993, p. 98) A ideia poética de “inédito-viável” constitui uma visão de futuro intrinsecamente diferente da noção de “objectivo” de Dewey, embora em ambos se verifique a necessidade da relação entre pensamento e acção, teoria e prática, problema e solução. O imaginário de futuro no conceito de “inédito-viável” caracteriza bem o quadro ontológico-epistemológico das Epistemologias do Sul. Em consequência, as visões de futuro de Dewey e Freire emergem simbolicamente de duas construções semióticas distintas de sociedade: a do Norte assente na “objectividade” da “The good society”, e a do Sul na “subjectividade” do “Buen vivir”. Dewey e Freire são dois exímios representantes dessas duas possibilidades de construir conceitos de educação, cidadania e emancipação distintos, mas complementares, juntando hipóteses opostas, mas conciliáveis, no que seria “o melhor de dois mundos”.

As notas que Ana Maria Araújo Freire (1993, p. 206) coligiu a partir dos escritos de Paulo Freire explicam que

[…] esse ‘inédito-viável’ é, pois, em última instância, algo que o sonho utópico sabe que existe mas que só será conseguido pela práxis libertadora que pode passar pela teoria da acção dialógica de Freire ou, evidentemente, porque não necessariamente só pela dele, por outra que pretenda os mesmos fins […]

A utopia de Freire está mais desfocada e permite um desenho novo, de traço mais forte, mais ousado e, por tudo isso, com menos hipóteses de uma concretização não tão organizada nem tão completa ou previsível como a proposta de Dewey. Ambos sonham o futuro de modos diferentes, com processos de realização diversos, isto é, não vão pelos mesmos caminhos, embora se deixem iluminar por princípios de liberdade e de democracia que não se contradizem. Convém não esquecer, no entanto, que escrevem em épocas diferentes e que o enfoque de Dewey era a educação de crianças em contexto urbano, enquanto que Freire se ocupou da educação de adultos em contexto rural, o que tem necessariamente impacto na formulação de objectivos pedagógicos, mas que obviamente não explica tudo.

Tal como Moacir Gadotti (2007, p. 15) testemunha: “Paulo Freire era um educador virado para o futuro […]” Freire via o futuro na forma de uma utopia concretizável, a que ele chama, pois, o “inédito viável”. Gadotti (op.cit., p. 16) cita Freire na explicitação desse conceito:

O sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática; exige de mim a descoberta, a descoberta constante dos limites da minha própria prática, que significa perceber e demarcar a existência do que eu chamo espaços livres a serem preenchidos.

Em Freire, as ideias de descoberta, esperança, autonomia, empoderamento e mudança marcam a sua pedagogia de tal forma que lhe dá uma força nova, que transmite as sinergias da segunda metade do século XX e que pavimenta o caminho das Epistemologias do Sul na sua inteira legitimidade, no ímpeto de uma verdadeira “sociologia das emergências” (SOUSA SANTOS, 2002). Para Freire, o sonho é o motor da transformação social, da criatividade feita realidade, da concretização possível da ideia. Por isso, segundo Gadotti (2007, p. 15), Freire trata a utopia como um tema epocal, que “[…] sintetiza uma preocupação ampla e convergente de toda uma época […]”, quer dizer, não deixa de restringir o horizonte de futuro, não tanto como Dewey, de modo a que seja concretizável e corresponda aos desejos e necessidades imediatos de uma conjuntura particular.

De qualquer modo, ambos os autores concordam no facto de que o futuro se constrói, com o esforço de cada dia, contando com os contributos, as vontades e as vozes de aqueles que tinham até aí sido silenciados, na “sociologia das ausências” (SOUSA SANTOS, 2002) É assim que tanto Dewey quanto Freire veem o futuro, embora sob olhares diferentes.

6 Considerações finais

Este artigo se propôs ler, nas entrelinhas dos textos desses dois pensadores, as suas visões de futuro. Faz-se aqui por intermédio de um quadro de análise intercultural, dentro de parâmetros contemporâneos, mas tendo em conta os seus respectivos enquadramentos conceptuais e epistemológicos, contextos históricos e culturais. São aqui consideradas as suas perspectivas diversas, mas não descurando as linhas de diálogo que se podem estabelecer entre as suas obras. Sendo assim, ainda nas palavras de Freire (1991, p. 43), procurando desvendar como, “[…] a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão […]”, cada um foi “[…] dinamizando o seu mundo[…] ” e “[…] faz[endo] cultura[…] ”

Apesar de tudo, é impossível deixar de notar que ficamos aqui, nos dois casos, apenas com o olhar masculino, branco, maduro, académico, instruído, com consciência de classe, um modelo bem próprio da modernidade, no entanto, solidário, visionário e bem-intencionado, enquanto representantes do Norte e do Sul, sobre a educação e a pedagogia no século XX. Isso não os impede de se constituírem como legados fundamentais, inspiradores e geradores para o século XXI global. Aqui ficaram evidentes as visões de futuro de cada um para cada uma das suas sociedades, o Norte e Sul das Américas, bem como os seus legados para que hoje se possam constituir novas visões de futuro a partir da nossa contemporaneidade. As políticas educativas actuais perdem por se imaginarem adequadas a um futuro que se entende como objectivo, mas na realidade decorrente de um presente ficcionado, que não tem em conta nem uma “sociologia das ausências” nem uma “sociologia das emergências” (SOUSA SANTOS, 2002), ignorando a maior parte das populações e desperdiçando o seu poder criativo e transformador.

O presente artigo também pretendeu mostrar que pode encontrar-se, por caminhos diferentes, sonhos realizáveis de sociedades realmente democráticas, multi e inter-culturais, plurilíngues, para o século XXI. Teve também a veleidade de procurar, sem trair, indicações para, pelas políticas de educação e das práticas pedagógicas propostas nas obras de Freire e Dewey, responder aos desafios do mundo de hoje. O futuro, desde então, tem construído as suas próprias versões de futuro, realizando-as através de hermenêuticas e heurísticas dos objectivos, planos, sonhos e utopias de Dewey e de Freire, que muito frequentemente se contradizem e se negam entre si. Pior quando os seus axiomas são simplificados a tal ponto que os desmerece, como se não oferecessem nem levassem a dúvidas ou interrogações.

As visões de futuro de Dewey e Freire lembram-nos que aquele não nos é entregue na concha da mão e que todos, sem excepção, temos contributos a dar para um futuro que será então mais rico, mas mesmo assim incompleto. Apesar de tudo, atrevo-me a concluir e a afirmar, com uma certa “audacidade”, que há futuro, que pode haver um futuro melhor, mas que temos de ir mais fundo, ao pensamento complexo, a uma pedagogia crítica, a uma prática comprometida com um ideal de democracia pluralista e cidadania que responda aos legados de Freire e Dewey

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Nota

1A escrita deste artigo não segue o novo Acordo Ortográfico. Todas as traduções do inglês para português são da responsabilidade da autora do artigo

Para referenciar este texto

GUILHERME, M. M. D. Visões de futuro em Freire e Dewey: perspectivas interculturais das matrizes (pós)coloniais das Américas. EccoS, São Paulo, n. 44, p. 205-223. set./dez. 2017

Recebido: 09 de Agosto de 2017; Aceito: 30 de Outubro de 2017

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