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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo jan./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7300 

Artigos

A atividade experimental como estrutura para o ensino de Ciências no CECINE nos anos de 1960 e 1970

The experimental activity as a structure of Sciences teaching at CECINE in the 1960’s and 1970’s

Kênio Erithon Cavalcante Lima1 

Francimar Martins Teixeira2 

1Doutor em Educação. Professor do Programa Mestrado Profissional em Ensino de Biologia (PROFBIO) da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE - Brasil. keniolima77@gmail.com

2Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE - Brasil. teixeirafrancimar@gmail.com


Resumo

Este estudo tem por objetivo caracterizar o ensino e as estratégias com experimentações realizadas no Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE), nas décadas de 1960 e 1970, para as intervenções nos cursos de atualização e de formação aos professores das Ciências Naturais nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Realizamos pesquisa documental nos arquivos do CECINE e entrevistas a ex-professores formadores de professores que trabalharam no Centro na época. Constatamos que muitas das intervenções buscavam disseminar uma nova proposta de ensino, baseada nos currículos estadunidenses, tomando como referencial as atividades práticas experimentais. Desejava-se que os professores em formação se apropriassem das técnicas e modelos experimentais orientados nos currículos para replicarem entre seus alunos, com adaptações e ajustes, disseminando o conhecimento científico, no intuito de popularizar a Ciência na região.

Palavras-chave: Atividade Experimental; Currículos Estadunidenses; Formação de Professores

Abstract

This study aims to characterize the teaching and the strategies with experiments conducted at Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE) in the 1960’s and 1970’s for interventions in refresher courses and professional qualification for teachers of Natural Sciences in the North and Northeast of Brazil. We carried out a documentary research in the archives of CECINE and interviews with ex-teachers which formed teachers and worked at CECINE in that time. We verified that many of the interventions aimed to spread a new teaching proposal, based on the US curricula, taking as reference the practical experimental activities. It was expected that undergraduate teachers would take possession of the techniques and experimental models oriented in the curricula to replicate among their students, with adaptations and adjustments, disseminating scientific knowledge in order to popularize Science in that region.

Keywords: Experimental Activity; US Curricula; Teacher Training

Situando no tempo: o que foi o Centro de Ensino de Ciências do Nordeste?

Fundado oficialmente em 1965, o Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE) foi pensado para contribuir na formação e atualização de professores, com novas propostas de ensino no campo das Ciências Naturais (SILVA, 2012). O CECINE foi criado com recursos provenientes de programas da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), além dos investimentos e doações feitas por fundações internacionais e da colaboração via parcerias com governos estaduais e secretarias municipais da região (NASCIMENTO, 2014; LIMA, 2015; TEIXEIRA, LIMA, NARDI, 2017). Os financiadores custearam a estrutura física, a aquisição de equipamentos, o pagamento das bolsas dos professores formadores, dos técnicos de laboratório e dos bolsistas (estagiários) e os auxílios aos professores em formação. (SILVA, 2012; LIMA, 2015)

Em suas intervenções, o CECINE objetivava modificar pressupostos de um ensino de Ciências predominantemente livresco e conteudista ao implantar estratégias de ensino e recursos didáticos diversos, no propósito de qualificar cientificamente e tecnologicamente a população escolar do Norte e Nordeste brasileiro. É certo afirmarmos que foram muitos os desafios, no entanto, as condições em que aconteceram as intervenções para a atualização e formação de professores para o ensino de Ciências no Centro ainda são questões a serem esclarecidas.

Para esse recorte, questionamos: Que tipos de experimentos / atividades experimentais e em que circunstâncias foram divulgados pelos materiais utilizados no CECINE nas décadas de 1960 e 1970, orientados pelos currículos estadunidenses? Por objetivo, desejamos caracterizar as intenções de ensino e as estratégias com experimentações realizadas no CECINE, nas décadas de 1960 e 1970, para as intervenções nos cursos de atualização e de formação aos professores das Ciências Naturais nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Pressupomos que muito do que foi ensinado e disseminado na época ainda ecoa em muitas de nossas práticas nos dias atuais.

Nossa pesquisa se caracteriza como documental e por levantamento por meio de entrevistas semiestruturadas (RICHARDSON, 2011). Consultamos registros - atas de reuniões - do CECINE e entrevistamos nove de seus ex-professores e dois ex-professores colaboradores das atividades do Centro. Para procedermos à análise das experimentações e de suas aplicações ocorridas nos cursos oferecidos pelo CECINE tomamos como referência teórica o conceito de discurso proposto por Foulcault (2008a; 2008b).

Concretamente, buscamos identificar o entendimento do que é experimentação, suas implicações e meios didático-metodológicos, e como ela foi conduzida no e pelo CECINE nas décadas de 1960 e 1970. Na construção deste trabalho, temos que o discurso define as concepções e orienta os comportamentos na formação dos sujeitos, estes envolvidos por uma série de conhecimentos e normativas que lhes permite estar no e pertencer ao discurso (FOUCAULT, 2008a; FOUCAULT, 2008b). Em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita, o discurso sempre sofre seleção, organização e redistribuição na sua produção, por haver mecanismos nas sociedades que o controlam. Perpassa por certo número de procedimentos que conjuram seus poderes e perigos, não permitindo ao sujeito falante dizer tudo, falar de tudo em qualquer circunstância, de acreditar que será fácil pronunciar coisas novas e estas serem aceitas sem contestações.

A experimentação como norte das atividades no CECINE

O ensino experimental seria a referência e o diferencial nas atividades do CECINE, distinguindo-se do que era entendido por ensino tradicional, presente em suas intervenções, planejamentos e metas, como destacado na passagem seguinte: “a seção de Física precisa com urgência de material para fazer o ensino experimental, do contrário limitar-se-á ao ensino tradicional com giz e quadro negro.” (CECINE, Ata do Conselho Científico CECINE, p. 43A, 14/07/1967) Sob a mesma premissa, há o comentário na própria ata de que “o presidente [do Conselho Científico do CECINE] informou que uma das metas prioritárias do CECINE é incentivar o fabrico de material, organização dos kits e publicações” (id.ib.), demarcando um espaço e um compromisso com a propagação dos modos de ensino para apropriação dos conhecimentos científicos pela realização de experimentos. Sendo assim, evidencia-se que o limiar entre ensino tradicional e educação científica moderna que se propuseram a ensinar pairava entre realizar ou não realizar o ensino das Ciências Naturais com experimentos.

Tornar-se-ia uma prática constante submeter os professores em qualificação e/ou formação a atividades orientadas por roteiros e manuais, deixando-os com a liberdade de manusear equipamentos e os procedimentos experimentais para se fazerem ativos, e não espectadores no processo de apropriação dos conhecimentos científicos. Dessa forma, desejava-se que reproduzissem em seus espaços de sala de aula práticas e rituais conforme orientados e ensinados, na perspectiva de apontarem para seus alunos que “o importante era a investigação científica dos problemas [pois] investigando, o aluno participaria, ativamente, da descoberta dos conhecimentos contidos no fenômeno pesquisado.” (GOUVEIA, 1992, p. 107)

Defendia-se que era necessário apropriar os professores com as técnicas e procedimentos de segurança de laboratório - curso obrigatório ofertado pelo CECINE antes dos cursistas iniciarem as atividades práticas -, no compromisso de familiarizá-los com os recursos, equipamentos e estratégias a que deveriam reproduzir - se assim os tivessem - em suas escolas (BYBEE, 2007; KILPATRICK, 2009). As interferências deveriam ser mínimas, comumente em situações de inconsistências na execução dos roteiros ou no incorreto uso dos equipamentos. Os cursistas necessitavam se apropriar e apresentar “comportamento do cientista” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P2, 11/2014) para que “pudessem conduzir a um melhor entendimento para os alunos, isso a gente fazia.” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P3, 11/2014)

A teoria sobre os conhecimentos científicos validados na época se relacionava com a prática experimental de forma consistente, entendendo que “não tinha nenhum curso no CECINE que não fosse experimental” (CECINE Entrevista Ex-professor CECINE P7, 11/2014, grifo nosso), assumindo que a experimentação “era a base do CECINE. Experiência acima de tudo. Então eles montavam as experiências. Apenas nós orientávamos.” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P4, 12/2014, grifo nosso) Descreve-se, com valores diferentes, que a relação teoria e prática com experimentos nas intervenções do CECINE estariam de 40% a 70% para a parte prática, firmando uma concepção de ciências na ideia de se “aprender fazendo” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P4, 12/2014, grifo nosso), do “experimental excessivamente” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P2, 11/2014, grifo nosso), para apropriar as pessoas das técnicas e criar comportamentos num contexto que imitasse a prática do cientista.

Dentre os cursos ofertados pelo CECINE estavam os chamados “cursos de férias”. Toda a execução desses cursos fora orientada para a aquisição dos novos conhecimentos científicos, acrescido de aprendizado de estratégias e de recursos didáticos, orientados pelo uso dos livros e dos manuais que eram acompanhados dos kits destinados aos experimentos. As discussões teóricas eram referendadas e ratificadas com atividades experimentais, isto é, um ensino firmado em evidências que confirmavam conhecimentos científicos e, em alguns casos, com a necessidade de manuseio de equipamentos sofisticados. Assim, a prática assumia claro propósito de reproduzir técnicas.

As atividades experimentais instituídas nos cursos e treinamentos do CECINE instruíam sobre como realizar tais práticas. Para tanto, conforme verificamos nas Atas do CECINE, foram introduzidos nos cursos o aprendizado de manuseio de equipamentos e de materiais adquiridos pelo CECINE para tal propósito, atestado pela “necessidade de um sapário com instalações confortáveis para a seção de Biologia” […], e ratificado como compromisso de que “o sapário poderá ser adquirido com verba do MEC.” (CECINE, p. 37A, 21/03/1967, grifo nosso)

O propósito de se vivenciar os experimentos nos cursos ofertados pelo CECINE se justificava para o aprendizado de técnicas que depois eram replicadas em atividades práticas, com ou sem adaptações, orientadas nos currículos estadunidenses (KRASILCHIK, 1972; NARDI, 2005; BYBEE, 2007; KILPATRICK, 2009; TEIXEIRA, 2013; TEIXEIRA, LIMA, NARDI, 2017). A qualificação dos professores tinha por propósito a reprodução dos recursos e das estratégias trabalhadas nos cursos de atualização e de formação nas salas de aula e nos laboratórios das escolas. Na concepção de ensino de Ciências disseminado pelo CECINE, a apropriação dos kits de experimentação, para a execução de muitas das atividades práticas inseridas como novos métodos de ensino, oportunizaria relacionar a prática dos experimentos com a teoria científica que colocaria qualquer sujeito compartilhando dos mesmos campos de saberes disciplinares - pertencia a um discurso científico da modernidade firmado com os currículos estadunidenses. (KRASILCHIK, 1972; NARDI, 2005; BYBEE, 2007; KILPATRICK, 2009; TEIXEIRA, 2013; TEIXEIRA; LIMA; NARDI, 2017)

As intervenções e os objetivos aplicados pelo CECINE ratificavam orientações da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 - Lei 4.024 (Brasil, 1961), a qual instituía, dentre outras orientações, a proposta de um novo paradigma para o ensino de ciências, orientado por métodos experimentais a serem aplicados frequentemente nos laboratórios escolares, constituindo, para o Brasil dos anos de 1960, uma nova metodologia (GOUVEIA, 1992). O método experimental, posto como estratégia de ensino, só ratificou uma compreensão vigente de que a Física - o mesmo valendo para as outras áreas das Ciências Naturais como a Biologia e a Química - apresentava como componente mais importante para a sua execução “as experiências de laboratório que devem ser feitas pelos próprios estudantes.” (CARVALHO, 1972, p. 109) A intenção de criar situações favoráveis ao incentivo para a formação de cientistas, premissa instituída no CECINE para os professores cursistas com propósito de alcançar os alunos do Ensino Secundário e Superior das regiões Norte e Nordeste brasileiro, edificou um ambiente que simulava e vivenciava como rotina os hábitos e gestos de um cientista. Os cursistas eram estimulados a manipular, observar, propor hipóteses e concluir, com e na base de teorias, conhecimentos a que os experimentos foram relacionados.

O experimento, como novo modelo de estratégia de educação científica, envolveu e seduziu os professores a compartilharem dos mesmos procedimentos nas demonstrações e/ou investigações quando se colocaram no desafio de manipular os fenômenos naturais. Os experimentos se mostrariam a parte mais relevante e representativa, sendo entendido como proposta e estratégia “fundamental, revolucionária, encantadora” (CECINE, Entrevista Ex-professor CECINE P4, 12/2014, grifo nosso) no contexto e nos procedimentos das transformações efetivadas para o ensino das Ciências no e pelo CECINE, orientados ao uso seguro e correto do laboratório e de seus equipamentos.

Tudo acontecia com experimentos, para se confirmar o conhecimento teoricamente trabalhado, na certeza de que o método experimental revolucionaria o ensino das Ciências Naturais por dar maior credibilidade e “certeza” ao conhecimento teoricamente instituído pelos campos de saberes disciplinares da Biologia, da Física e da Química. Tratar-se-ia de uma tendência mundial, focada no desejo de qualificar o ensino das Ciências e então criar condições favoráveis para formar novos e qualificados cientistas, instituindo o laboratório como ambiente mais significativo para o novo modelo de ensino das Ciências Naturais, ao constituí-lo em espaço prioritário para o trabalho experimental (CARVALHO, 1972, p. 19). As Ciências Naturais sairiam de uma proposta metodológica de aulas expositivas e demonstrativas, caracterizadas por pouca participação e envolvimento dos estudantes no processo de construção do conhecimento, para uma apropriação de abordagens mais técnicas e elaboradas, deixando o estudante um pouco mais na condição de sujeito participativo e investigativo (CARVALHO, 1972; KRASILCHIK, 1972). De certa forma, essa foi a proposta e a intenção dos projetos implantados com os currículos estadunidenses adotados pelo Brasil, trabalhados pelo CECINE e demais Centros de Ensino de Ciências pelo país. Entretanto, não aconteceu tudo como planejado, dada a própria fragilidade estrutural e de disponibilidade de recursos das escolas que não foram satisfatoriamente capacitadas. (LIMA, 2015)

Certamente, a intenção de relacionar o estudo dos conhecimentos científicos a atividades experimentais objetivava testar novas propostas de ensino e implantar uma nova compreensão de educação científica, elegendo os experimentos como mecanismos de apropriação de técnicas e do conhecimento então ensinado. Colocou-se, na compreensão do CECINE, como o diferencial entre o ensino tradicional e o ensino moderno, revolucionário e necessário para desenvolver o Nordeste, dando a oportunidade de estudantes do Ensino Secundário e Superior se apropriarem de uma teoria científica confirmada e testada com o método experimental. Da mesma forma, apropriariam a sociedade da capacidade de relacionar conhecimentos científicos com os acontecimentos e potencial da natureza, a qual deveria ter seus recursos explorados como condição de desenvolver a região por pessoas racionais que, com embasamento científico, atuariam dentro das orientações científicas para explorarem e usarem os recursos naturais. (FURTADO, 1959)

Por meio do CECINE, o projeto de inserção dos currículos estadunidenses (KRASILCHIK, 1972; NARDI, 2005; BYBEE, 2007; KILPATRICK, 2009; TEIXEIRA, 2013) encontrou um importante espaço para se testar e disseminar a proposta de uma educação científica arraigada em modelos de experimentação. Pois dentro da compreensão de ex-professores do CECINE e de referenciais (REIS, 1968), o desejo de qualificar o ensino das Ciências Naturais e da Matemática se fixava na necessidade de se criar condições e estímulos para qualificar as pessoas à tarefa de desenvolver a região. Firmava-se no compromisso de um ensino focado no aluno, dando-lhe “oportunidade de realizar os experimentos propostos, levando-o a descobrir os conteúdos científicos a serem aprendidos, porém, dentro da estabelecida lógica científica.” (GOUVEIA, 1992, p. 91)

O uso de experimentos nas aulas claramente se confirma como essencial, na concepção de muitos dos ex-professores, ao compreenderem que o papel do CECINE nesse processo era oportunizar ao estudante o “aprender fazendo” - concepção de ensino baseado nos princípios tecnicistas, ou de que é necessário criar condições para o estudante “aprender a aprender” -, concepção de ensino baseado nos princípios escolanovistas. (GOUVEIA, 1992; CAMPOS, SHIROMA, 1999; SANTOS, PRESTES, VALE, 2006; BYBEE, 2007; KILPATRICK, 2009)

O tecnicista entraria na educação cientifica brasileira da época, com toda uma proposta e concepção estrutural-funcionalista, para se somar à ideologia da teoria do capital humano, contextualizando e dando sentido à modernidade: “na pedagogia tecnicista o elemento principal é a organização racional do trabalho educativo; o professor e o aluno são secundários e colocados na função de executores do processo pedagógico elaborado e coordenado pelos especialistas.” (GOUVEIA, 1992, p. 36) Nesse caso específico, atrelado às atividades do CECINE, coube aos professores formadores definir que cursos e conteúdos, que atividades experimentais seriam ofertadas aos professores cursistas, no compromisso desses reproduzirem em suas salas de aula o que foi apreendido como prática docente. Pois, na ordem do discurso da época, os cursistas não estavam qualificados a discutir o conhecimento, apenas reproduzi-lo e executá-lo como aprenderam. (op.cit.)

Não coube aos professores do Ensino Secundário participar da elaboração das propostas de ensino com experimentos, por serem atribuições definidas e privilegiadas de um grupo de especialistas responsáveis por elaborarem as propostas para os professores cursistas executarem. Tal concepção dos especialistas dificultou um aspecto essencial no processo de apropriação do conhecimento dos professores que se atualizavam e/ou se formavam: o de propor situações de ensino que atendessem também às necessidades particulares das regiões e de seus alunos. Pois quando se participa do processo de construção do que será ensinado, maior e melhor tende a ser a apropriação do conhecimento a ser disseminado (MELO, 2000; SOUSA, 2013). Mas a concepção da época se situava em ofertar a proposta pronta - planejamento e orientações - para ser executada pelos professores, o que reforçou ainda mais “a dependência dos professores em relação aos especialistas de ensino das ciências.” (GOUVEIA, 1992, p.78)

Sob o argumento de que a evolução tecnológica e industrial do Brasil exigia diversidade de especialidades para atender à divisão do trabalho, o modelo de ensino com experimentação colocou o aluno na condição de sempre “aprender a fazer” coisas para se conduzir adequadamente à apreensão de técnicas que melhor o apropriaria de conhecimentos, contrariando a premissa do sistema formal de educação, responsável por conduzir o aprendiz a descobrir por ensiná-lo a aprender (TEIXEIRA, 1977). Para esse autor escolanovista, “não se deve ensinar pela informação, mas levando o aluno a apreender a ‘estrutura’ do saber que estiver estudando” (op.cit., p.243), conduzindo-o, na compreensão da época, a descobrir e produzir conhecimento novo não resultante de pesquisas, mas do que já é de conhecimento do aprendiz. Assim, nessa nova concepção de educação científica no modelo experimental, o mesmo autor define seu contexto:

[…] visando à educação de muitos, senão de todos, não pode ter a pretensão de fazê-los todos ‘intelectuais’, no velho e costumeiro sentido da prestigiosa palavra. Mas se todos não serão intelectuais, todos deverão ser instruídos e formados para participarem de uma civilização que não é simplesmente empírica, mas racional e científica, intencionalmente construída pelo homem e toda construída sobre tecnologias e técnicas cada vez mais dependentes da inteligência compreensiva, informada e orientada, socialmente ajustada e individualmente cooperante, na medida dos próprios meios. (op.cit., p. 144)

A própria composição dos professores formadores no CECINE - em sua maioria engenheiros e bacharéis das Ciências Naturais e Médicas - confirmava o desejo de que a educação científica que propagavam nos cursos de atualização e nos Seminários Programados - atividade complementar do CECINE - abordassem temas diversos para capacitar e formar futuros pesquisadores, reproduzindo nas práticas experimentais comportamentos a serem replicados nas escolas. O laboratório se constituiu como o espaço condizente para reproduzir o modo de ensinar e o modo de se comportar, com domínio das técnicas pelos praticantes da experimentação, o que foi investido como política instituída por órgãos e instituições, a exemplo da Sudene. (NASCIMENTO, 2011; TEIXEIRA, LIMA, NARDI, 2017)

Entendia-se que era importante aprender fazendo. Foi necessário estar no laboratório, testar para confirmar o conhecimento científico, o que não se distanciaria das concepções escolanovistas, por muito tempo defendidas, do aprender a aprender. Fato maior desta preocupação existente no CECINE se manifestou nas exposições das Feiras de Ciências, coordenadas pelo referido Centro, com objetivos claros e defendidos, os quais se colocam objetivos como: “[…] despertar no estudante de nível médio o interesse pela pesquisa (…) despertar nos estudantes o interesse pelas ciências básicas; dar ao público o que ele precisa, isto é, despertar-lhe o interesse pela pesquisa em nível mais elevado […]” (CECINE, p. 27A, 29/09/1966, grifo nosso) Em outra passagem da mesma ata sugere-se “[…] que a Comissão Julgadora da II Feira fosse composta de cientistas evitando a penetração de leigos como na I Feira […]” (grifo nosso), o que reforça o desejo da perfeição e o propósito de expor a Ciência com seriedade, compromissada com o paradigma em que o CECINE se sustentava.

A forma do CECINE planejar e executar as Feiras de Ciências só ratifica o desejo de crescimento e popularização do conhecimento científico na região Nordeste. Era o desejo e o propósito de disseminar e fortalecer a ciência então estabelecida no Centro, para ultrapassar o simples propósito de atualizar e formar os professores; mas, antes de tudo, qualificar o ensino para ampliar a possibilidade de se formar cientistas para atuar no projeto de desenvolvimento da região (FURTADO, 1959). As Feiras de Ciências seriam a consagração de um processo de elaboração, execução, interpretação e conclusões de hipóteses que o estudante do Ensino Médio Secundário necessitaria passar para melhor se apropriar do que é exigido para um futuro cientista.

O melhor resultado dessa expressão científica e tecnológica no Ensino não consistiria nem se restringia à “exibição de aparelhos e cartazes, mas na apresentação de experiências ou observações bem documentadas, com a presença de seus autores, que explicam ao público aquilo que estão expondo.” (REIS, 1968, p. 305). Por certo, houve todo um compromisso do CECINE na disseminação do conhecimento científico, materializado nas Feiras de Ciências, o que assumiu significância e reconhecimento pelo investimento e planejamento então despendidos por parte dos professores e coordenação ao assegurarem toda uma estrutura e se comprometerem nas feiras.

Ao analisar as propostas e intervenções com as atividades experimentais aplicadas pelo CECINE, claramente se confirma o real desejo e compreensão de que é manipulando, testando as sequências de eventos dos experimentos que os estudantes - professores cursistas em formação e, posteriormente, seus estudantes do Ensino Secundário e Superior - efetivamente aprenderão e confirmarão o que já é definido e certificado cientificamente. O CECINE - seus professores formadores - claramente se orientou pelos currículos estadunidenses para aplicar seus recursos didáticos. Recursos embasados nas teorias científicas disponibilizadas pelo acervo bibliográfico - diverso e qualificado cientificamente - de que dispunha para a consulta de quem se interessasse.

Propositadamente, as intervenções nos cursos envolveriam o professor em formação com atividades para que esse pudesse “aprender a aprender”, não somente o conhecimento, mas muito mais: apropriar-se das novas estratégias e recursos - “aprender a aprender a ensinar” (CAMPOS; SHIROMA, 1999) - para depois, em seus espaços escolares, colocar-se na condição de disseminador do conhecimento assimilado aos seus estudantes, no desafio de proporcionar condições semelhantes às que tiveram nos cursos de atualização e formação ofertados pelo CECINE.

Agradecimentos

Agradecemos à coordenação do CECINE por nos disponibilizar a consulta aos seus documentos e registros; aos ex-professores que dispuseram de seu tempo para contar um pouco mais de suas histórias, as quais se confundem com a própria história do Centro.

Referências

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Recebido: 11 de Abril de 2017; Aceito: 16 de Janeiro de 2018

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