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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo ene./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7412 

Artigos

Crise ambiental, consumo e artefatos culturais: provocações ao tempo contemporâneo

Environmental crisis, consumerism and cultural artifactis: instigation for contemporany times

Paula Corrêa Henning1 

Virgínia Tavares Vieira2 

Clarissa Corrêa Henning3 

1Doutora em Educação. Bolsista Produtividade 2 do CNPq. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental e do Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Líder do Grupo de Estudos Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia - GEECAF. paula.c.henning@gmail.com

2Doutora em Educação Ambiental. Professora Substituta do Curso de Música Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Pesquisadora do Grupo de Estudos Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia - GEECAF. vi_violao@yahoo.com.br

3Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Bolsista CAPES. Integrante do Grupo de Estudos Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia - GEECAF. clarissa.henning@gmail.com


Resumo

O presente artigo trata de uma pesquisa que tem como escopo articular o campo da Educação Ambiental e os estudos da mídia. Ao estudar alguns de seus discursos entende-se que a mídia coloca em operação uma relação de poder ao fabricar verdades, produzir sentidos e constituir sujeitos. Destacamos o forte apelo midiático na constituição de um sujeito contemporâneo preocupado com a vida humana no planeta Terra. Diante do cenário contemporâneo, problematizamos especificamente o campo da Educação Ambiental e discutimos fragmentos de discursos midiáticos que engendram o sujeito ecológico. Para este texto tratamos dois discursos profundamente divergentes - o da crise ambiental e o da incitação permanente ao consumo. Além disso, colocamos em suspenso os discursos apocalípticos de fim do mundo devido ao mau uso dos recursos naturais. Como conclusão, provoca-se o leitor a pensar atravessamentos de tais ditos em nossas vidas.

Palavras-chave: Consumo; Crise Ambiental; Discurso; Subjetivação

Abstract

This paper describes a research focused on articulating Environmental Education and media studies. By studying some of these discourses we are able to understand that the media starts a relation of power process by fabricating truths, producing meanings and shaping people. We highlight the strong mediatic appeal in the constitution of contemporaneous individuals concerned about human life on our planet. In face of this contemporaneous scenario, we specifically problematize the field of environmental education and discuss some fragments of mediatic discourses which engender ecological subjects. In this text we approach two profoundly divergent discourses - one about the environmental crisis and the other about the permanent encouragement to consumerism. We also question the apocalyptic discourses about the end of the world because of the misuse of natural resources. As a conclusion, the reader is challenged into reflecting about the importance of those sayings in our lives.

Keywords: Consume; Environmental Crisis; Discourse; Subjetivation

Introdução

O presente artigo trata de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida com o intuito de problematizar discursos contemporâneos presentes na mídia. A intenção é investigar como esses discursos constituem o sujeito ecológico (CARVALHO, 2008) e como o sujeito ecológico também constitui e mantem esses mesmos discursos.

Apresentamos inicialmente o contexto contemporâneo, problematizando especificamente o campo da Educação Ambiental (EA); a seguir, embasadas em nosso referencial teórico, discutimos pequenos fragmentos de discursos midiáticos que engendram o sujeito ecológico. Problematizamos a coexistência de dois discursos profundamente divergentes - o da crise ambiental e o da incitação permanente ao consumo. Quais são seus efeitos de verdade? Que laços existem entre o capitalismo flexível, a temática da sustentabilidade e os discursos midiáticos? Além disso, colocamos sob exame os discursos apocalípticos de fim do mundo devido ao mau uso dos recursos naturais feito pelo homem. À guisa de conclusão, provocamos o leitor a pensar conosco nos atravessamentos de tais ditos em nossas vidas.

A crise ambiental em exame

Este é um tempo de paradoxos, de quebra de fronteiras, de crise nas metanarrativas. Este é também um tempo em que espaços, antes bem demarcados, agora passam por um processo de apagamento de suas fronteiras. Cultura e economia são duas áreas que, para muitos teóricos, já não podem mais ser separadas.

No tempo do capitalismo cultural, a força propulsora da economia são as indústrias da cultura e da comunicação (LIPOVETSKY, 2012). A cultura-mundo passa ao largo das dicotomias criação/indústria, produção/representação, arte/moda, vanguarda/mercado - a cultura integra o conteúdo mercadológico e a economia torna-se elemento cultural. Quando os “empreendimentos criativos” são o padrão da economia cultural, explicitam-se os princípios fundamentais dessa conjuntura: o mercado, o consumismo, o progresso técnico-científico, o individualismo, a indústria cultural e da comunicação. É desse modo que a cultura-mundo cria novas significações culturais, normas e mitos.

De acordo com Lipovetsky (2012), o processo de ‘cultura-mundo’ seria exatamente a sobreposição entre cultura e economia. Além de terem oportunizado a ‘unificação’ do mundo, as novas tecnologias, a mídia de massa (e também a internet), os desastres ecológicos, a queda do muro de Berlim e o desenvolvimento dos transportes instigaram uma consciência do mundo. Assim, algo que aconteça no outro extremo do mapa pode provocar empatia, ódio, medo ou pavor deste lado do planeta, por exemplo. Dessa maneira, a compressão do espaço-tempo da cultura-mundo instiga ao surgimento de novos modos de vida que não reconhecem fronteiras, e favorece a sensação de que vivemos todos no mesmo contexto. O desdobramento dessas ideias é a consagração de duas grandes ideologias próprias de um mundo globalizado - a ecologia e os direitos humanos.

Vivemos uma mudança global que se deve a “modos de existência do poder que passam pela mudança permanente e pela prioridade atribuída à singularidade de cada um.” (EHRENBERG, 2010, p. 174) É por isso que uma das grandes marcas da contemporaneidade é a decadência das políticas de emancipação coletiva, que hoje dão lugar àquelas que apregoam a produção autônoma de si como projeto para alcançar a felicidade. A justiça, a concorrência, a imprevisibilidade e a realização pessoal são apontadas como os elementos principais dessa sociedade que atribui a cada um o lugar conquistado por si mesmo.

Também para Bauman (2001) a autoafirmação do indivíduo adquire uma ênfase nunca vista. A busca por uma ‘sociedade justa’, agora, está fatalmente ligada aos ‘direitos humanos’. O discurso é o de que cada um pode ser diferente do outro e que pode escolher “à vontade seus próprios modelos de felicidade e de modo de vida adequado.” (BAUMAN, 2001, p. 38) O aperfeiçoamento depende de cada pessoa, o que quer dizer que o Estado se livrou de seu caráter emancipatório. A sociedade dá forma à individualidade, e os indivíduos formam a sociedade a partir de suas ações na vida. O projeto de vida depende cada vez mais do indivíduo, assim como a responsabilidade pelas consequências de suas escolhas. Nesse sentido, Taylor (2008, p. 569, grifo do autor) alerta que uma das grandes leis que regem esse mundo é o princípio do dano:

[…] ninguém tem o direito de interferir na minha vida para o meu próprio bem, mas somente para prevenir dano a outros. […] o princípio do dano é amplamente endossado e parece ser a fórmula demandada pelo individualismo expressivo dominante. […] De fato, a ‘busca pela felicidade (individual)’ assume um novo significado no período pós-guerra.

Individualismo e consumismo são, de fato, duas características fundamentais deste tempo. O autor também atenta para o forte laço que uniu a expressão individual e a autodefinição da identidade com a venda de mercadorias: a linguagem da autodefinição aparece nos espaços de exibição mútua, e “essa linguagem é objeto de constantes tentativas de manipulação por parte das grandes corporações.” (op.cit., p. 567)

O consumismo hipermoderno, no entanto, não se limita ao econômico: existe também uma imposição dos direitos humanos na qual a palavra de ordem é o melhor viver, a otimização da saúde, a longevidade - ideias que tomam a força de imperativos racionais. Contudo, como ensina Lipovetsky (2012, p. 20-21), a crise ambiental é uma das contrapartidas dessa lógica:

Mas, se existe, apesar de tudo, uma dimensão moral no consumismo hipermoderno, também há algo de anárquico, de desarrazoado, de profundamente irresponsável, haja vista até que ponto o modo de viver daí derivado se mostra devastador do meio ambiente e impróprio para uma aplicação generalizada ao mundo inteiro. […] em sociedades caracterizadas pela inovação permanente e pelo individualismo extremado, há mais chances de ser posto em prática um hiperconsumismo durável que uma nova sociedade frugal. Assim, não é uma rígida economia que vai sendo elaborada, e sim uma economia ecológica com baixa emissão de carbono que, favorecendo a eficácia energética, seria capaz de reaquecer a demanda de maneira sustentável.

Vivemos a era da transformação, da informação, das mídias, da indústria digital e do consumo. Um tempo que refaz o mundo a todo instante e no qual a cultura invade todas as fronteiras. Essa é a sociedade ‘era hipermoderna’, capaz de modificar “a superfície social e econômica da cultura.” (op.cit., p. 7)

O consumo exacerbado, as toneladas de lixo que soterraram a Terra e a destruição da natureza são anúncios recorrentemente tratados no interior das mídias. Parece que em tempos atuais vivemos um paradoxo difícil de ser resolvido: na medida em que os meios comunicacionais nos informam e nos ensinam sobre a gravidade da devastação planetária e, diante disso, a importância de atentarmos cada vez mais para nossas ações cotidianas sobre a preservação do planeta, temos também um enunciado potente nos mesmos meios comunicacionais de que estamos perdendo o planeta e que, diante disso, fica difícil construirmos um novo mundo.

Certamente a crise ambiental é algo instalado em nossas vidas. No entanto, a forma como a mídia muitas vezes a vem apresentado leva à sensação de medo, com seus enunciados apocalípticos do fim de mundo. Pensamos então: até que ponto os veículos de comunicação vem nos ajudando a pensar ecologicamente sem fazer uso/apelo ao medo, à insegurança e à incerteza da vida humana? Talvez Bauman (2008, p. 32) nos ajude a pensar como vivemos o medo na atualidade líquida moderna que estamos experimentando:

O medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se aninham nas sociedades abertas de nossa época. Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável.

O autor nos provoca a pensar o quanto o medo está cada vez mais esparramado em nossa sociedade e o quão complexo é conseguirmos estancá-lo, detê-lo, barrá-lo, pois ele é escorregadio, vem de diferentes locais, toma uma proporção avassaladora em nossas vidas, a ponto de cada vez mais buscarmos por segurança, por espaços fechados, seguros, vigiados e protegidos de qualquer perigo. Cada vez mais buscamos uma vida tranquila e segura, mas será essa uma vida possível no mundo em que vivemos? E quanto aos perigos que não podemos prever, aqueles que nos ameaçam diariamente e que não sabemos enfrentar? Como lidar com tantos medos?

Mídia e artefatos culturais: engendrando o sujeito ecológico

Consumidores conscientes consomem produtos ecologicamente corretos, ou produtos que apelem para a ideia de natureza. Aqui aparece mais uma faceta da problemática que envolve a EA: a cisão entre natural e artificial, ou entre cultura e natureza. Amaral (2004) alerta para a importância de como a natureza é representada quando animais e paisagens exóticas aparecem atreladas a produtos tão diversos como xampus, carros, roupas e refrigerantes. A natureza é retratada como o lugar do não-humano, ou seja, do que pode ser apropriado e aprimorado pelo homem, que o transforma finalmente em mercadoria. É por isso que Amaral (2004) pode nos dizer que o saber aparece acoplado à representação e que o poder positivamente produz relações de força que disputam o sentido dessas representações.

Na sociedade da informação, estamos submetidos ao recorte de mundo promovido pela grande mídia, e tal abordagem adestra-nos quanto as formas mais adequadas de viver esse mundo. Para além de uma perspectiva mais certa ou errada sobre a EA e a crise ecológica, o importante é destacar que todas essas valorações são o resultado de disputas eminentemente determinadas pela cultura datada no tempo e fixada geograficamente. E que esta é uma sociedade profundamente marcada pelas tecnologias da comunicação, pela exaltação do consumo e pelo caráter cada vez mais fluido do capital.

Pensando no cinema como um artefato cultural potente para a produção desses discursos, é importante destacar o predomínio do cinema norte-americano no mercado mundial. Os enunciados acerca da natureza intocada ou ainda de uma natureza em oposição às questões tecnológicas vem sendo amplamente tratados no interior da mídia. E dessa captura faz parte o cinema, com seus discursos marcados pela EA, especialmente a partir da década de 90.

A mídia de massa ampliou as possibilidades de recepção, mas também padronizou modos de vida. Na sociedade do consumo, o cliente pode escolher à vontade que persona encarnar - desde que esta já esteja prevista. É assim que a pluralidade é aceita, ou seja, “na cultura de massa essa reverência ao diferente é a obediência e, ao mesmo tempo, produção de um novo dogma: a produção de diferenças que não façam diferença alguma.” (HARA, 2007, p. 5) Na organização discursiva contemporânea, toda diferença se recorta a partir de um fundo de igualdade - esta última, palavra de ordem fundamental de uma sociedade marcada pela livre concorrência. Nesse sentido é que Sloterdijk (2002, p. 112) destaca a profunda indiferença da diferença tão alardeada e difundida nos veículos de comunicação:

A sociedade contemporânea também não pode deixar de formar em todas as áreas possíveis escalas de valor, categorias, hierarquias - como sociedade de concorrência confessa, não pode fazer diferente. Mas ela deve conceder seus lugares sob premissas igualitárias - é condenada a supor que a diferença entre vencedores e perdedores nos mercados e nos estádios não produz e ocasiona diferenças essenciais, mas representa tão somente uma contínua lista hierárquica apta à revisão.

O autor explica que vivemos uma diferença horizontal: somos massa colorida, sem, contudo, deixarmos de ser massa fundamentalmente. O caráter de previsibilidade com relação às possibilidades de diferenciar-se, com relação à paleta de cores que temos à disposição, caracteriza a tecnologia da sociedade de controle: o biopoder. É este quem regula as divergências e delimita o campo de diferenciações possíveis. Assim, a sociedade de controle alia-se a um dispositivo de segurança que insere um dado fenômeno em uma série de acontecimentos prováveis e, “em vez de instaurar uma divisão binária entre o permitido e o proibido, vai-se fixar de um lado uma média considerada ótima e, depois, estabelecer os limites do aceitável, além dos quais a coisa não deve ir.” (FOUCAULT, 2008, p. 9) De acordo com tal perspectiva, então, a mídia pode ser vista como um processo de adestramento do sujeito, de acordo com os ideais da massa. E mais: de maneira permanente e contínua. É este o primado da comunicação: minuto a minuto ela molda nossa subjetividade com os ideais da massa ao nos convidar a participar, ao nos persuadir a jogar.

A mídia se tornou um instrumento importante para disseminação da EA entre a população perante a crise ambiental. Além de propagandas midiáticas e campanhas publicitárias, pontuamos o cinema, que também vem chamando a atenção para a crise ambiental e nos provocando a pensar no futuro do planeta. Filmes como 2012, Batalha por T.E.R.A e Wall.e provocam medo e terror diante de cenários apocalípticos. Em meio a ficções, os filmes (re) produzem discursos e verdades que vem nos atravessando em relação ao futuro do planeta e da espécie humana na Terra. Diante disso, ressaltamos a força com que a mídia vem nos interpelando e nos alertando para o futuro da vida na Terra, colocando em circulação discursos de medo da perda do planeta.

Podemos dizer que o medo, um sentimento que cada vez mais vem tomando conta de nossas vidas, tornou-se mais evidente na modernidade líquida: o medo da perda do planeta; o medo de que um dia podemos estar experimentando a vida de outra forma - como um mundo soterrado de lixo, por exemplo. Como nos diz (BAUMAN, 2008, p. 15), “a luta contra os medos se tornou tarefa para a vida inteira.”

Comunicação, consumo e sustentabilidade

Nossa vida, marcada que é pelo consumo, nos empurra cada vez mais para a descartabilidade das coisas. A abundância de lixo que produzimos cotidianamente já vem sendo fruto de amplas discussões e legislações. A sociedade de consumo continua atuando onde quer que estejam os indivíduos, independentemente dos espaços ocupados por nós. O consumismo continua operando conjuntamente com a descartabilidade e, em consequência, as pilhas de lixo não deixam de crescer.

Partindo da ideia de que a sustentabilidade, cada vez mais, aparece cotidianamente nos artefatos midiáticos - e lembrando que constituímos e somos constituídos pelo que circula nos veículos de comunicação - destacamos a indicação de Sampaio (2012) quanto à ampla aceitação de tal discurso. A autora comenta que, ao conciliar desenvolvimento econômico e proteção ambiental, o discurso da sustentabilidade apazigua interesses contraditórios e passa a ideia de complementaridade entre consumo e sustentabilidade. Tal estratégia minou modelos alternativos mais radicais e enalteceu soluções tecnológicas para o problema, em detrimento de uma mudança responsável e previdente nas formas de produção econômica. Assim, o mais importante é dar continuidade à economia de mercado, mitigando os efeitos da crise ambiental de modo a não afetar a reprodução econômica do capitalismo.

Se a sociedade atual reproduz desejos, mitos e condutas é porque determinadas reproduções correspondem à autonomia dos sujeitos - e é assim que a ardilosa ‘liberdade de escolha’ homogeneíza a cultura. O problema está, justamente, na emergência de uma sociedade que funciona baseada no consumo e na incitação contínua e permanente ao hedonismo. É possível perceber, aqui, o quanto a liberdade é limitada pelas relações de força e de sentido que nos constituem. Na sociedade de consumo, a incitação permanente para a reprodução de estilos de vida gerados pelas últimas ofertas do mercado é vista pelas pessoas como uma evidência de liberdade pessoal (BAUMAN, 2011). Para os habitantes da modernidade líquida, a vida exige um enorme dispêndio de energia: na lógica da diferença pela diferença, na perene caça a novas identidades, é preciso ter um bocado de dinheiro e força de vontade contínua.

A mídia é o lugar da comunicação, da informação e da visibilidade de uma certa hierarquia de importância. As palavras de ordem que a mídia faz circular (DELEUZE, 2006) apontam para o que devemos acreditar, para o que temos a obrigação de abraçar. Apelam para um comportamento que legitime a importância do que ela nos diz. É nesse sentido que Taylor (2008) adverte sobre os chavões que diariamente são usados para neutralizar qualquer discordância - ‘liberdade’, ‘direitos’, ‘respeito’, ‘não discriminalização’ etc. Dessa forma, liberdade de escolha e autodeterminação pegam carona no efeito de poder e de saber que atravessam essas palavras de ordem.

As palavras de ordem postas em circulação em muitos filmes contemporâneos que retratam a crise ambiental indicam modos de vida de certa forma já previstos pelo tipo de poder inerente à sociedade contemporânea: o biopoder.

[…] cada um de nós é interpelado, em todos os recantos do planeta, a promover o crescimento verde, o desenvolvimento sustentável, novas fontes de energia pura, o consumo ecológico. Essa peça da cultura-mundo, a exemplo da competição no capitalismo globalizado, se consagra não como uma escolha voluntária, mas como uma obrigação, uma reação de sobrevivência perante uma realidade amplamente incontrolável e indesejada. (LIPOVETSKY, 2012, p. 28)

Torna-se cada vez mais comum o apelo midiático de produtos e serviços ecologicamente responsáveis. Curiosamente, o discurso ecológico aparece em meio a uma incitação permanente ao consumo desenfreado. O capitalismo flexível alia-se à comunicação e cria a ilusão do consenso, dotando-a de uma lógica que se revela uma quimera. Não há aliança possível entre consumo irrestrito e preservação ambiental. Mas o que diariamente ouvimos, lemos e visualizamos em filmes com temáticas ambientais, chamadas publicitárias e manchetes jornalísticas é exatamente esse inusitado casamento. E é nessa impossibilidade que se engendra tanto o sujeito ecológico quanto o sujeito consumidor, numa típica aliança forjada no capitalismo flexível.

O cinema, como qualquer outra mídia, faz ver e falar, produzindo efeitos que engendram determinadas posições de sujeito. É por isso que a ampliação da recepção na era das redes também intensificou a padronização dos estilos de vida - a pluralidade é aceita, mas dentro de determinados limites. Por outro lado, é preciso reconhecer os benefícios dessa hipermodernidade. A cultura-mundo liberal vai além de simplesmente comercializar produtos ecologicamente corretos que aplaquem a culpa do hiperconsumismo atual (LIPOVETSKY, 2012). É necessário acentuar, assim, seu caráter positivo: é essa mesma cultura-mundo, estruturada sobre seu aparato técnico-científico, que viabilizou um aumento de oito anos na expectativa de vida da população dos países em desenvolvimento. Apesar de Lipovetsky (2012) indicar a cultura-mundo como uma cultura de hits e de desconfiar de teorias que equivalem os mercados de nicho ao dos grandes sucessos mundiais, ele também destaca as inúmeras resistências aos mecanismos do mercado: antiamericanismo, reclamações cultural-identitárias, lutas pelo reconhecimento de diferentes formas e estilos de vida fazem parte dessas resistências que cotidianamente acontecem nos mais diferentes contextos e países. A desforra da cultura aparece nas práticas do desenvolvimento sustentável, nas denúncias de desigualdades extremas, na busca de um sentido na vida que passe ao largo de uma existência voltada para o hedonismo e para o consumo. É assim que a cultura da globalização acaba abrindo espaço para possibilidades inéditas de pertencimento social e identificação coletiva.

Considerações finais

Falando a partir de uma perspectiva de relações de poder, está implícita a possibilidade de resistência e luta contra a ‘homogeneização’ da diferença. Assim, a complexidade evidente entre consumo e sustentabilidade precisa ser analisada sem perder de vista as mutações do capitalismo flexível. A resistência parece, afinal, tomar a forma de uma reapropriação civil desse mundo profundamente marcado pela aliança entre comunicação e dinheiro.

Frente a isso, vale pensarmos nos ditos emblemáticos que vem nos constituindo: o terror e medo da perda do planeta e o consumo desenfreado na sociedade líquida moderna. Talvez seja momento de travar alianças potentes que nos provoquem a pensar em micropolíticas possíveis para continuarmos a viver neste planeta. Uma escuta da vida, uma escuta do mundo que possibilite espaços de resistência e criação diante da crise ambiental que se instala. Talvez seja necessário pensar em pequenas ações diárias que nos provoque a compor um pensamento minoritário para a EA. Não se trata de um projeto de todos em prol do futuro do planeta, mas de pequenas ações que possibilitem a cada um uma ética política para pensar o futuro do planeta.

Referências

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Nota

Esta pesquisa conta com financiamento do CNPq Universal 14/2014 e CAPES/Estágio Sênior/Processo n. 88881.119773/2016-01.

Recebido: 15 de Maio de 2017; Aceito: 08 de Janeiro de 2018

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