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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo ene./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7640 

Artigos

Concepções de professores sobre Educação Inclusiva no ensino superior privado

Conceptions of teachers about Inclusive Education in private higher education

Mauricio Resende Rodovalho1 

Geraldo Eustáquio Moreira2 

Djiby Mané3 

1Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás - UEG. Professor do Centro Universitário UniEvangélica de Anápolis, Anápolis, Goiás, Brasil. elalamy@hotmail.com

2Doutor em Educação Matemática pela PUC/SP. Professor Adjunto da Universidade de Brasília - UnB. Pesquisador dos Programas de Pós-Graduação em Gestão Pública e Educação da UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil. geust@unb.br

3Doutor e Mestre em Linguística pela Universidade de Brasília - UnB. Professor Adjunto da Universidade de Brasília - UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil, Brasília, Distrito Federal, Brasil. djibym@gmail.com


Resumo

Este artigo traz à tona uma situação-problema bastante atual, a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no Ensino Superior, dado o significativo aumento de vagas e de acesso aos cursos superiores no Brasil desde a década de 1990. Levantamos opiniões dos professores de uma instituição de ensino superior no interior do estado de Goiás e analisamos algumas de suas concepções a respeito de inclusão, necessidades educacionais especiais e formação de professores para a inclusão. Trata-se de um estudo cujos resultados mostram uma realidade vivenciada por um pequeno grupo de professores que parece ser semelhante àquela vivenciada pelos demais professores do ensino superior privado no Brasil.

Palavras-chave: Educação; Educação Inclusiva; Ensino Superior; Necessidades Educacionais Especiais

Abstract

This article brings up a rather current problem situation, the inclusion of students with special educational needs in Higher Education, since there was a significant increase in the number of places and access to higher education in Brazil since the 1990s. We raised the opinions of the teachers of a Higher Education Institution in the interior of the State of Goiás and analyzed some of their conceptions regarding inclusion, special educational needs and teacher training for inclusion. It is a preliminary study that shows in its results a reality experienced by a small group of teachers that seems to be similar to that experienced by the other teachers of Private Higher Education in Brazil.

Keywords: Education; Inclusive Education; Higher Education; Special Educational Needs

A expansão do Ensino Superior privado no Brasil

Tem havido relativa democratização do acesso às faculdades e universidades nas primeiras décadas do século XXI e a oferta de vagas foi aumentada consideravelmente por meio de políticas de incentivo e financiamento do Estado. Segundo Ferrari e Sekkel (2007, p. 640), houve no Brasil uma desordenada ampliação do ensino superior a partir da segunda metade dos anos 1990, com grande destaque para o setor privado. Essa ampliação das vagas trouxe consequências como a facilidade do acesso aos cursos por parte de todos os alunos que tivessem condições de arcar com as mensalidades cobradas, já que o número de vagas muitas vezes era maior do que o número de candidatos para elas inscritos.

Dados do Governo do Brasil mostram que a ampliação das vagas no ensino superior apontada pelas autoras continuou nos primeiros anos do século XXI. “Entre 2003 e 2013, a oferta de cursos de graduação evoluiu de 16.505 opções para 32.049, o que representa um crescimento de 94%” e o “crescimento do número de cursos foi significativo tanto no setor privado quanto no setor público: no setor privado, correspondeu a 96,4%; no público, 91,6%.” (BRASIL, 2015, p. 22) Grande parte dessas vagas foi criada em cursos ofertados por instituições de ensino superior privadas e, no ano de 2010, a maioria absoluta de matrículas se deu nessas instituições, principalmente “no final do segundo governo do presidente Lula da Silva, o crescimento da rede privada permaneceu como tendência, chegando-se a 25,8% de matrículas nas IES públicas e 74,2% nas privadas.” (MANCEBO; VALE; MARTINS, 2015, p. 36)

Nesse contexto de ampliação da oferta de vagas chegou ao ensino superior um maior número de alunos com necessidades educacionais especiais. Segundo Ferrari e Sekkel (2007, p. 638), entre os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) que passaram a ter acesso ao ensino superior estão aqueles com deficiência intelectual, o que acabou causando, involuntariamente, situações constrangedoras em sala de aula. Diante de vestibulares não seletivos, as Instituições de Ensino Superior (IES), ainda sem preparo, passaram a receber alunos com as mais diversas trajetórias escolares. Assim, passaram a frequentar cursos superiores em muitas instituições privadas espalhadas por todo o território brasileiro estudantes com os mais diversos níveis e com diferentes experiências em sua formação educacional. Em uma mesma turma passam a ser encontrados alunos recém-saídos do Ensino Médio, alunos que passaram anos sem estudar desejando realizar o sonho da formação superior, alunos que tiveram excelentes desempenhos nos Ensino Fundamental e Médio e outros que não conseguiram resultados tão bons assim.

Para os estudantes, as ações do governo brasileiro foram fundamentais para que pudessem permanecer no Ensino Superior. E, por parte das IES privadas, há a necessidade de contarem com a permanência dos alunos para se manterem no mercado. Por sua vez, os professores precisam manter os alunos em sala de aula, motivando-os a continuarem nos cursos até se formarem.

A promoção da acessibilidade financeira passa pelo desenvolvimento de ações que diminuam os custos associados aos estudos superiores - matrícula, mensalidade, materiais, livros, alimentação e moradia. […] Como exemplos de soluções do governo federal para esses desafios, pode-se citar programas como o Fies e o Prouni. O primeiro ganhou novo fôlego após reestruturação completa em 2010, e o segundo, criado em 2004, tornou-se um dos programas de maior sucesso do Ministério da Educação. (BRASIL, 2015, p. 23)

Sem os alunos, os professores não conseguem manter seu salário, diante da realidade de a maioria ter regime de trabalho horista. Dependem do preenchimento de sua grade de horas-aula para manterem e/ou aumentarem seus rendimentos. Quanto mais alunos permanecem na instituição até sua formatura nos cursos, maior capacidade de se manter no mercado terá a IES.

Diante desse quadro, a orientação é atender os estudantes em todas suas necessidades e conduzi-los à conclusão do curso com bom aproveitamento, administrando e orientando sua formação diante de suas reais capacidades. Porém, nem sempre os professores possuem as habilidades e competências necessárias para lidar com tais necessidades, muitas vezes NEE, e podem não estar preparados para promover a educação inclusiva. Um estudante com NEE terá provavelmente maior dificuldade de aprendizagem, pelo menos em um momento inicial. Para que consiga alcançar o mesmo nível de aprendizagem que os outros alunos terão, possivelmente, maior necessidade de ajuda de outros, incluindo de seus professores.

A teoria de Lev S. Vygotsky chama nossa atenção justamente para a importância das interações pessoais e sociais no desenvolvimento e aprendizagem humana, porque “[…] os animais são incapazes de aprendizado no sentido humano do termo; o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam.” (VYGOTSKY, 1991, p. 99) A grande diferença no desenvolvimento e aprendizagem humanos é a produção de cultura. As influências daqueles que participam das aulas causam modificações mediadas pela convivência social e pela linguagem.

Vygotsky nos apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que considera a importância e a necessidade da interação e da ajuda de outros no processo de aprendizagem. Com a mediação de um professor ou outra pessoa mais experiente do que o aprendiz, o nível de desenvolvimento deste será sempre maior do que se ele estivesse atuando de maneira independente. Assim, na teoria vygotskyana, esse desenvolvimento tem um caráter bastante social. Ele define ZDP como:

[…] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1991, p. 97)

Para o autor, a ZDP define as funções que estão em processo de maturação, funções que ainda vão amadurecer e estão em estado embrionário:

Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. (id. ib.)

Assim, acreditamos que os alunos que possuem NEE serão mais beneficiados em seu processo de adaptação e de aprendizagem se tiverem a atenção e o apoio tanto de seus professores quanto da instituição de ensino, e também de seus colegas de curso. É provável que passem por um período de adaptação e, com as ajudas necessárias, modifiquem aos poucos a maneira de pensar que trouxeram de seu histórico de vida e, após algum tempo, alcancem os mesmos níveis de compreensão e de facilidade que possuem os demais colegas. “Na perspectiva assumida pela teoria vigotskyana, o comportamento humano não é algo meramente natural da espécie, mas é produzido, transformado e aprendido pelo próprio homem, mediado por uma cultura.” (PORTO; OLIVEIRA, 2010, p. 63)

Voltando-se ao ambiente da escola, os autores continuam pontuando sobre o desenvolvimento das potencialidades humanas e sobre o papel do professor nesse processo de transformação, pois “[…] o contexto escolar torna-se um espaço social privilegiado, capaz de promover os relacionamentos interpessoais, favorecendo o desenvolvimento das potencialidades humanas contidas em cada ser.” Nesse sentido, “destacamos a atuação do professor como decisiva para o sucesso desse processo.” (op.cit., p. 65)

E, por isso mesmo, é tão importante que esse ambiente escolar deve estar preparado para receber, perceber e valorizar as diferenças, fazendo-as potencialidades para crescimento de todo o grupo, incluindo também todos os professores e demais responsáveis pela gestão e funcionamento institucional. Especialmente o professor deve possuir e desenvolver capacidades para promover interações positivas:

[…] se o professor ousar propiciar interações que permitam ao aluno a construção de uma melhor autoestima e autoconfiança, assim como proporcionar vivências geradoras de sentidos e significados que proporcione o desenvolvimento de novas configurações subjetivas, provavelmente o aluno terá condições de enfrentar melhor as dificuldades que surgem ao longo do processo educativo. (op.cit., p. 66)

No caso dos alunos que apresentem NEE, é necessário que tais interações sejam capazes de melhorar situações internas de cada um deles, levando-os a se sentirem confortáveis e acolhidos no meio acadêmico. O estudante “necessita de condutas que lhe permitam sentir que suas diferenças individuais serão respeitadas e valorizadas, como pessoa capaz de aprender e ser sujeito de sua aprendizagem, as quais passam a ter um sentido dentro de condição singular do sujeito.” (op.cit., p. 66) Para o aluno, é muito importante sentir a confiança e o respeito que seus professores depositam nele. É fundamental para que sua autoestima se fortaleça e para que ele crie confiança própria e relativa autonomia em relação aos estudos e à sua aprendizagem. Sentindo-se valorizado e sabendo-se capaz, o ensino e a aprendizagem terão êxito.

Formação dos professores do Ensino Superior para a inclusão de alunos com NEE

É recorrente a preocupação acerca da preparação de professores para todos os níveis de ensino e muitos daqueles que lidam direta ou indiretamente com a educação muitas vezes conseguem perceber o quanto o tema é diverso e complexo. Acreditamos não ser fácil oferecer formação inicial satisfatória. Provavelmente, é impossível oferecer formação completa. Por isso mesmo cremos na necessidade da oferta de formação continuada e atualizações para subsidiar os professores em seu ofício.

Sobre a necessidade de preparação dos professores do ensino superior para a educação inclusiva e sobre os efeitos desta modalidade de educação nos diversos atores, esclarece Zanoni (2010, p. 17-18), baseada em pesquisas com futuros professores, que, “em meio ao cotidiano do trabalho docente, surge, nos anos recentes, uma demanda que deve ser investigada, de forma que revele quais modificações a inserção de alunos com deficiência introduz no trabalho dos professores de Ensino Superior.”

Acredita-se que formar e preparar professores para a Educação Especial e Inclusiva não é tarefa fácil nem rápida. Possivelmente um bom trabalho de preparação para tal missão deverá atravessar pelo menos toda uma geração de professores e estudantes. Os preconceitos tendem a se manifestar repetidamente em ciclos e quebrar tais ciclos de reprodução de atitudes sociais é tarefa árdua e longa. E não é nada diferente na educação em todos os seus níveis.

Ao pensar na inclusão escolar, em qualquer nível escolar, é necessário remeter às questões de preconceito que vivenciam em nossa organização social. Num mundo de ideais e princípios presentes na história social da humanidade, percebe-se a contradição da falsa ideia de que “todos são iguais e detentores dos mesmos direitos”, na medida em que somente a partir de um significado atribuído a um objeto por um determinado grupo, em suas diferentes práticas sociais, o que implica afirmar que os valores e os compromissos culturais sempre serão diferenciados de uma sociedade para outra, bem como no interior de cada sociedade. (ZANONI; NOGUEIRA, 2014, p. 435)

A compreensão e entendimento do preconceito, segundo Ferrari e Sekkel (2007), começam na formação pedagógica do docente do Ensino Superior, sendo necessário um trabalho de conscientização e de reflexão sobre as ações necessárias para sua superação.

Se entendermos o preconceito como manifestação individual cuja origem é social, podemos antever sua presença nas relações em sala de aula. Isso torna necessário um trabalho de conscientização dessas determinações presentes nas relações e de reflexão sobre as ações para sua superação. Tal trabalho deve ser iniciado na formação do professor, o que reforça a necessidade de formação pedagógica do docente do ensino superior que contemple a reflexão sobre as atitudes frente às diferenças. Essa reflexão revela-se tão importante quanto o domínio de conteúdos específicos das áreas de conhecimento, pois ambos os fatores podem ser decisivos para a efetividade das ações educativas. (op.cit., p. 642)

Nota-se a fundamental importância, na formação de professores, da educação para as diferenças: “A competência técnica não garante a condição de reconhecer e trabalhar com as diferenças em direção à emancipação, e não podemos perder de vista que todo conhecimento deve servir às finalidades humanas.” (ADORNO apud FERRARI; SEKKEL, 2007, p. 646) Essa constatação torna-se mais grave se pensarmos que a formação docente específica não tem sido considerada uma exigência no Ensino Superior.

A característica das políticas de formação de professor no âmbito da didática de ensino superior permanece silenciada, se comparada a outros níveis de ensino. Pressupõe-se que a competência do docente de ensino superior advém do domínio da área de conhecimento na qual atua. (ZANONI, 2010, p. 15)

Zanoni e Nogueira (2014) reforçam e complementam com histórias que se repetem na formação inicial, no início de vida profissional docente e na busca de formação continuada desses professores do ensino superior:

É pertinente pontuar que o docente de Ensino Superior nem sempre possui formação específica para dar conta das questões didáticas e pedagógicas, pois geralmente iniciam na carreira docente pela sua experiência de prática profissional, com a intenção de ministrar conteúdos relativos a ela, e então desenvolvem carreira docente com formação continuada com especializações, mestrados e doutorados. (op.cit., p. 437-438)

O professor deveria estar sempre razoavelmente preparado para reconhecer e lidar com as diferenças e, continuamente, ser preparado para os desafios diários da inclusão de todo e qualquer estudante em sala de aula, com foco em resultados sempre positivos. Um dos desafios dessa preparação é o de tornar o professor competente para identificar, acolher e trabalhar com as diferenças em suas salas de aula. Para Moreira (2014, p. 41), “em qualquer atividade pedagógica, em qualquer aula, importa-nos, primeiro, conhecer o aluno. Ao conhecê-lo, a professora e o professor ajudam na construção das ideias e na elaboração de conceitos de uma forma mais esquematizada.”

Porém, o professor não é o único responsável por essa atenção na identificação e acolhida aos estudantes com NEE. Consideramos que o professor não está sozinho nessa importante missão. Ele está no mesmo nível, resguardadas as diferenças de papéis, que outros atores do processo educacional. Assim, torna-se necessário que todos tenham atenção e sejam preparados para conviver com as diferenças. E é preciso acreditar que podemos transformar nosso meio, como acredita Moreira (2016b, p. 743):

[…] ao acreditar que cada um de nós pode transformar a nossa própria realidade e a realidade daqueles que nos rodeiam, temos a certeza que podemos fazer a diferença no grupo em que estamos inseridos. É a capacidade de nos guiar pelas nossas próprias ideias e convicções. É assim que penso acerca da educação dos estudantes com necessidades educativas especiais.

Acreditamos que a situação de desempenho de cada um dos atores precisa ser verificada e estudada permanentemente, dada a importância crucial de seus papéis. Assim, para Moreira e Manrique (2014, p. 133), “[…] é necessário que os professores, principais atores envolvidos no processo democrático inclusivo, conheçam as exigências socioculturais que se apresentam no desenvolvimento e na educação do aluno com necessidades especiais.”

Diante da situação exposta, relativa ao contexto no qual se encontram os professores do ensino superior, constata-se a necessidade de discussões acerca das posições e conceitos que tais professores possuem relativamente à Educação Especial e Inclusiva, já que a presença de pessoas com NEE no Ensino Superior é um desafio atual. É essencial investigar a realidade da formação inicial, da formação continuada e das condições de trabalho e apoio enfrentadas por esses profissionais.

Como professores do Ensino Superior, estivemos por muitas vezes diante das demandas de estudantes com necessidades especiais e discutimos inúmeras vezes com outros colegas de trabalho a respeito da falta de preparação e apoio para lidar com tais situações. Muitas vezes foi colocada em dúvida a capacidade de certos estudantes em continuar sua formação em cursos específicos. Ferrari e Sekkel (2007, p. 646) alertam para tal circunstância:

A questão da certificação para o exercício profissional se coloca como central para a tomada de decisão com relação à elegibilidade do alunado dos cursos. Pode um aluno cego se tornar um cirurgião? Talvez não, mas isso não o impede de ser médico. E um aluno com déficit cognitivo, quais os limites para o seu exercício profissional? A elegibilidade através do mérito, num vestibular competitivo, elimina essa questão, já que o aluno com déficit cognitivo não terá condições de ultrapassar essa barreira. Mas quando se coloca o objetivo de democratização do acesso ao ensino superior e a ampliação do número de vagas, tais fatos fazem com que a competição não seja mais um impedimento e que essas questões tenham que ser pensadas com cuidado e respeito por todos os envolvidos.

Por esses motivos, acreditamos que os professores do Ensino Superior e, principalmente, aqueles das IES privadas, estão diante de questões de difícil solução e, portanto, devemos promover a ampliação dos debates sobre tais questões e circunstâncias. Como foi dito, cabe levar adiante esse pensar e repensar com bastante cuidado e respeito por todos os envolvidos.

Com a finalidade de verificar a realidade dos professores do Ensino Superior privado no Brasil foi realizada uma investigação na qual levantadas as concepções dos professores de uma IES privada da cidade de Anápolis, estado de Goiás, a respeito da Educação Inclusiva no Ensino Superior. Procuramos verificar seus conceitos sobre Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais, caracterizar seu preparo e sua formação para a inclusão dos alunos com NEE e verificar situações vivenciadas, dificuldades e soluções por eles encontradas ao lidar com alunos com NEE.

Para o desenvolvimento deste estudo, optamos por uma abordagem qualiquantitativa, utilizando como instrumentos de pesquisa a Escala Mutidimensional de Inclusão de Alunos com NEE em Aulas de Matemática (MOREIRA et al, 2016), adaptada para a inclusão no ensino superior, e entrevistas semiestruturadas. Consideramos a possibilidade de os indivíduos falsearem as respostas pela possibilidade de existência de desconfianças em relação aos verdadeiros propósitos da pesquisa. Como se trata de uma IES privada, é possível que os professores respondentes possam ter receio em expor suas verdadeiras opiniões, o que poderia supostamente colocar em risco seus empregos.

Resultados e discussões

De maneira geral, esperava-se que os professores apresentassem opiniões mais diversificadas a respeito da inclusão e das dificuldades que costumam enfrentar em sua prática pedagógica diária, já que as manifestam espontaneamente nas salas de professores e em conversas casuais com os colegas de profissão. Entretanto, nas respostas à pesquisa parecem ter preferido se manter neutros a tomar uma posição mais radical. A grande maioria dos professores participantes da pesquisa já teve alunos com NEE em sua sala de aula, mas pouco mais da metade acredita que é de moderada a grande a probabilidade de vir a trabalhar com alunos desse tipo. Somente 4% dos professores dizem sempre ter contato com alunos com NEE e 16% dizem ter contato frequente com esses alunos.

O fato de as salas de aulas desses professores serem razoavelmente grandes, apresentando em sua maioria de 40 a 50 alunos, e o fato de não terem sido adequadamente preparados para reconhecer e atender as diferenças e as NEE de seus alunos, possivelmente pode levá-los a nem mesmo se aperceberem que possuem frequentemente alunos com NEE em suas salas de aula.

Além disso, os professores do Ensino Superior privado são penalizados pelo sistema de contratação do seu trabalho (professores horistas) e o fator tempo de dedicação à inclusão dos alunos com NEE fica ainda mais prejudicado. Com um número muito grande de alunos em sala de aula e em situações desfavoráveis de contrato e condições de trabalho, a possibilidade de atender bem às demandas da inclusão de alunos com NEE acabam bastante diminuídas. É assim que quase a metade do total dos respondentes considera pequena a probabilidade de vir a trabalhar com alunos com NEE, o que nos preocupa bastante, pois se muitos consideram ser raro ter esses alunos em suas salas de aula provavelmente serão poucos os interessados em se preparar para lidar com eles.

[…] apesar de existirem muitas críticas acerca do aluno que apresenta deficiência, muitas professoras e muitos professores continuam atuando na linha do menor esforço, não considerando a necessidade de uma preparação psicopedagógica mais adequada por parte desses profissionais que lidam com esses alunos. (MOREIRA, 2012, p. 33)

Nesse sentido, corrobora com as constatações sobre a não consideração da necessidade de se prepararem para a inclusão de alunos com NEE o fato de a esmagadora maioria dos professores respondentes nunca ter participado de qualquer formação sobre esse tema.

Nas respostas, os professores dizem concordar com os benefícios, para os próprios alunos, quando são incluídos na sala de aula regular, a não ser que as NEE sejam consideradas graves. Nesse caso, 44% dos respondentes discordam desse benefício.

Em relação aos benefícios da inclusão de alunos com NEE para a comunidade e para a família deles, a esmagadora maioria dos professores respondentes concorda que comunidade e família são beneficiadas. Isso parece demonstrar que os professores ou acreditam mesmo nesse benefício ou podem estar tentando apenas ser politicamente corretos, já que a inclusão tem sido tema amplamente divulgado na mídia. Se os docentes respondentes dizem não se sentirem preparados para promoverem a inclusão dos alunos com NEE, parece-nos incoerente que a imensa maioria concorde que seja beneficiada com tal inclusão. O discurso parece demostrar posições politicamente corretas, talvez por acharem o mais correto em relação às questões da inclusão.

Mesmo reconhecendo que já tiveram ou têm alunos com NEE em suas salas de aula, muitos professores consideram não ter experiência no ensino para esses alunos. Essa impressão pode estar relacionada ao sentimento de impotência que alguns professores passam a ter se não consideram que houve efetividade no processo ensino-aprendizagem quando têm um ou outro aluno com NEE em sua sala de aula.

Quanto à preparação para a promoção da inclusão, persistem muitos mitos entre os professores. Em especial o mito de que cursos de formação específicos para lidar com alunos com NEE trarão como solução práticas pedagógicas padronizadas, conforme apontam Porto e Oliveira (2010, p. 96), porque “geralmente os professores têm a expectativa de que nos cursos, eles serão preparados para ensinar os alunos com deficiência predefinindo o trabalho pedagógico em sala de aula, garantindo-lhes a solução de todos os problemas que presumem encontrar […]”

Além de sentirem falta de formação continuada que lhes forneça subsídios para lidar com os alunos com NEE, os professores relatam que uma das principais dificuldades enfrentadas é a falta de apoio institucional. Alguns reclamam da falta de condições para o trabalho, incluindo as condições materiais. Compreendemos as dificuldades dos professores, pois não é nada fácil lidar com as diferenças e com as peculiaridades de cada aluno com NEE sem o devido apoio. Moreira e Manrique (2014b) alertam exatamente para esse fato, o de que é preciso dar condições de trabalho adequadas aos professores, incluindo-os primeiro, para que possam estar preparados para promover a inclusão dos alunos com NEE. “Deve-se, primeiro, incluir o professor na educação especial, ofertando-lhe condições de trabalho satisfatórias, uma vez que a inclusão dá o direito da pessoa com deficiência ter acesso ao espaço comum na vida em sociedade.” (op.cit., p. 150)

Alguns professores alertam também sobre a necessidade de as IES estarem preparadas com equipamentos e pessoal qualificado para a inclusão dos estudantes com NEE, pois, em caso contrário, o aluno pode se sentir desmotivado e deslocado do ambiente, podendo até resultar em desistência e abandono do curso.

O fato de os professores não receberem apoio das IES onde ensinam faz com que a inclusão possa representar um fardo muito grande a esses profissionais. Fica muito no plano individual. Se o professor decide promover a inclusão é possível que ela esteja baseada em crenças e convicções pessoais, mas seria fundamental que houvesse uma política da IES relativa à inclusão de alunos com NEE.

Os entrevistados acreditam que as estratégias a utilizar para a eficiência do processo ensino-aprendizagem com os alunos com NEE nascem da interação com cada um desses alunos. Aos poucos, com muita boa vontade, é possível conseguir resultados ótimos. E com o tempo e as várias experiências é possível amenizar as dificuldades encontradas, mas quase sempre sem a ajuda institucional, como reforça Zanoni (2010, p. 60), uma vez que é perceptível “que se trata sempre de posturas individuais dos professores para lidar com a questão da inclusão, não da instituição. A inclusão sem a cobertura institucional acaba responsabilizando o professor para busca de caminhos para o acolhimento.”

Além da boa vontade individual dos professores e dos caminhos encontrados por cada um deles para o acolhimento dos alunos com NEE, há aqueles docentes que se esforçam em encontrar cursos de formação continuada que lhe possa fornecer ajuda em sua prática pedagógica. Apesar de não conhecerem cursos de formação continuada ou bom material de apoio aos professores na inclusão de alunos com NEE, acreditam que é possível a existência de tais cursos de formação que consigam trazer ajuda significativa para o trabalho do professor.

Porém, mesmo não se sentindo preparados e vivendo suas angústias, a maioria dos respondentes parece não demonstrar muito interesse ou motivação para procurar tais cursos de formação, pois questionados se em sua formação continuada procuraram cursos que abordassem a inclusão de alunos com NEE nas salas de aula regulares, 87,5% dizem não tê-lo feito. Talvez o motivo seja a falta de tempo, já que muitos trabalham como professores em mais de uma instituição ou trabalham como professores e também em outra atividade profissional. Talvez muitos não tenham procurado tais cursos, simplesmente pelo fato de eles não estarem disponíveis na região ou por serem muito raros. Ou talvez eles não os tenham procurado por não darem a devida importância à inclusão, já que consideram pequena a possibilidade de terem sempre, e de forma crescente, novos alunos com NEE em suas salas de aula.

Os resultados de pesquisa encontrados são bastante parecidos com outros resultados de pesquisas que se utilizaram da Escala Multidimensional de Inclusão de Alunos com NEE em Aulas de Matemática para sua validação, conforme descrição de Moreira et al. (2016, p. 95):

[…] a maior parte dos depoentes não participou de cursos ou capacitações e não teve em sua formação inicial, nem continuada, um trabalho efetivo relativo à educação para inclusão […] os depoentes demonstraram ser favoráveis à inclusão e aos benefícios que ela proporciona aos alunos com e sem deficiência, aos seus familiares, aos seus professores e à comunidade na qual estão inseridos, quando se trata de deficiências leves e moderadas […] quando se trata de deficiências mais severas, houve uma divisão de opiniões entre os professores que concordam e os que discordam […]

Os resultados nos mostram que as percepções dos professores são parecidas e divergem muito pouco. Os resultados também evidenciam a necessidade de disponibilizar ao quadro de docentes e demais funcionários das IES informações adequadas e, oportunamente, formação continuada apropriada ao processo de inclusão de alunos com NEE.

Notadamente, isso se faz com tempo livre para essas atividades, sem ônus para os professores, durante as coordenações pedagógicas ou em horários alternativos, desde que não comprometam o trabalho em sala de aula e, tão pouco, exija do docente esforço exagerado e fora do horário normal de atividades escolares, o que pode garantir a desacentuação das diferenças, oportunizar maior acesso, interação e promoção de ações que visam concentrar-se na inclusão […] (MOREIRA; MARTINS, 2016, p. 76)

Entretanto, para promover informações úteis e formação continuada adequada a um grupo de professores, é preciso antes conhecer seus alunos, assim como a estrutura da instituição de ensino em que atuam e as necessidades especiais que fazem parte de sua realidade cotidiana. E, a seguir, continuar desenvolvendo estudos e projetos que possam ser eficazes para a efetivação da inclusão dos alunos com e sem NEE.

Considerações finais

Escrever sobre a inclusão de alunos com NEE no ensino superior demanda diferentes olhares sobre os diferentes contextos e realidades. Foram muitas as dificuldades apontadas pelos professores e muitas as demandas por ajuda e suporte institucional, assim como demandas por novos saberes, sem ao menos terem garantias de continuidade de trabalho na profissão docente.

A inclusão de alunos com NEE é um assunto polêmico e ainda pouco pesquisado. Polêmico porque envolve estruturas um tanto cristalizadas e arcaicas, além de mexer com convicções e crenças pessoais arraigadas e difíceis de ser mudadas. Então, muitas vezes a ação dos envolvidos se dá pelo menor esforço e as opiniões por eles emitidas coincidem com aquelas consideradas politicamente corretas.

Alertamos que as concepções dos participantes da pesquisa não podem ser generalizadas para todos os professores do ensino superior, visto que o universo pesquisado se restringiu a uma única IES da cidade de Anápolis, no Brasil.

Chamou-nos a atenção a maneira como os professores do ensino superior privado lidam com as demandas para a inclusão de alunos com NEE. Eles não reclamam nunca nem se recusam a trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais, sejam quais forem elas. Quando falam sobre casos específicos, geralmente é com os próprios colegas de trabalho. No entanto, é muito possível que essas atitudes, aparentemente louváveis, só aconteçam porque os docentes são pressionados pela instituição e pretendem se manter em seus empregos. É claro que se trata de mera especulação, pois não temos esses depoimentos e também acreditamos que muitos docentes, de fato, prezam por seu crescimento enquanto profissionais e seres humanos.

Acreditamos que os professores são parte fundamental no sucesso da inclusão no ensino em todos os níveis, inclusive no ensino superior. A pesquisa realizada procurou entender as concepções dos professores de IES privadas brasileiras, sabendo que o tema inclusão no ensino superior ainda foi pouco explorado no meio acadêmico. Esperamos, com isso, ter trazido alguma contribuição para novas reflexões, investigações e publicações, o que pode qualificar o debate acerca da temática.

Referências

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Recebido: 03 de Agosto de 2017; Aceito: 08 de Janeiro de 2018

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