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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo jan./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7887 

Artigos

A política de institucionalização de polos de apoio presencial da Universidade Aberta do Brasil

The policy of institutionalization of presential support poles of the Open University of Brazil

Tânia Barbosa Martins1 

1Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP - Brasil. taniabmartins@yahoo.com.br


Resumo

O artigo trata da política de institucionalização de polos de apoio presencial do Sistema Universidade Aberta do Brasil. Apresentam-se os significados administrativos, pedagógicos e organizacionais atribuídos à institucionalização dos polos com a finalidade de expansão e interiorização do ensino superior e uma discussão sobre o conceito de “institucionalização”, considerando as políticas públicas de Educação a Distância e o Sistema Universidade Aberta do Brasil. O percurso metodológico se fundamenta na pesquisa qualitativa, com discussão da literatura, complementada por análise de entrevistas com coordenadores de polos. Conclui-se que há uma noção restritiva do conceito de institucionalização, atrelada a aspectos pedagógicos, administrativos e organizacionais da modalidade de ensino a distância que desconsidera ou menospreza as próprias políticas públicas e educacionais. O consórcio que institui os polos, oriundos de uma concepção que flexibiliza uma organização, patrocina sua própria (des) institucionalização.

Palavras-chave: Educação a Distância; Expansão do Ensino Superior; Institucionalização de Polos; Polos de Apoio Presencial

Abstract

The article treat of the policy of institutionalization of presential support poles of the Open University of Brazil system. It presents the administrative, pedagogical and organizational meanings attributed to the institutionalization of the poles for the purpose of expansion and internalization of higher education and a discussion about the concept of “institutionalization”, considering the public policies of Distance Education at the Open University System of Brazil. The methodology used is based on the qualitative resource, with discussion of the literature, complemented by analysis of interviews with polo coordinators. It is concluded that there is a restrictive notion of the institutionalization, interconnected to pedagogical, administrative and organizational aspects of the distance education modality, which disregards or belittles the public and educational policies themselves. The consortium that establishes the poles, from a conception that flexibilizes an organization, sponsors its own (dis) institutionalization.

Keywords: Distance Education; Expansion of Higher Education; Institutionalization of Poles; Presential Support Poles

Introdução

O Polo de Apoio Presencial é um elo de referência do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)1, pois é o espaço de apoio administrativo e pedagógico para o desenvolvimento de cursos e programas a distância (BRASIL, 2006). É no polo que os alunos realizam as atividades presenciais obrigatórias, incluindo avaliação, estágios, defesa de trabalhos ou prática em laboratório. O Decreto no 6.303/07, que versa sobre o processo de credenciamento da instituição, ao considerar a obrigatoriedade de momentos presenciais assegura que o êxito do Sistema UAB depende das condições de funcionamento do polo. (BRASIL, 2007)

Para um polo poder funcionar legalmente, há uma série de requisitos exigidos pelo sistema UAB/CAPES. Os Estados ou municípios mantenedores são os responsáveis “[…] por prover a infraestrutura física e tecnológica e os recursos humanos e materiais requeridos para o desenvolvimento dos cursos EaD no polo de apoio presencial […]” (WOLF, 2014, p. 64) Nos polos deve constar: (a) as dependências administrativas e o equipamento e o mobiliário especificado por dependência administrativa; (b) os recursos humanos referentes à equipe técnica, administrativa e docente (tutores presenciais e coordenador), conforme Wolf. (op.cit., p. 16)

Em relação aos aspectos financeiros, os polos recebem recursos provenientes do Sistema UAB, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), para custear as bolsas dos coordenadores e tutores. Os custos com a remuneração dos demais profissionais e com organização e manutenção dos polos são de responsabilidade dos municípios e estado, considerados mantenedores do polo. Apesar da política de compartilhamento das responsabilidades, há muitos municípios e/ou estados com dificuldades de cumprir seus compromissos. Com isso em vista, o Governo Federal, por meio da Lei no 12.695, de 25 de julho de 2012, incluiu os Polos de Apoio Presencial do Sistema UAB na assistência financeira do Programa “Dinheiro Direto na Escola”.

Os polos de apoio presencial são vulneráveis às mudanças políticas e enfrentam dificuldades de implementação e continuidade, portanto, de institucionalização. Observa-se que o acordo de cooperação técnica entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), universidades e municípios e/ou estados, denominados Consórcio, não garantem de imediato a institucionalização dos Polos de Apoio Presencial. Alguns municípios, por iniciativa e mobilização pessoal de seus coordenadores, conseguiram se institucionalizar conforme as regras estabelecidas pela Capes (termo de acordo e cooperação e lei de criação dos polos).

Tendo em vista a importância assumida pelos polos de apoio presencial, neste artigo propõe-se discutir os significados administrativos, pedagógicos e organizacionais atribuídos ao processo de institucionalização dos polos de apoio presencial do sistema UAB, tendo em vista sua finalidade de contribuir com a política de expansão e interiorização do ensino superior no país. Para ampliar as perspectivas de análise acerca da política de institucionalização dos polos de apoio presencial, apresentamos também parte da análise das entrevistas semi-estruturadas realizadas com 3 coordenadores de polos de 3 cidades localizadas no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, a fim de apresentar uma compreensão mais cotidiana dos problemas e das dificuldades enfrentadas pelos polos para se institucionalizar.

Os significados de institucionalização

Alguns autores como Ferreira e Mill (2013) e Ferreira e Carneiro (2015) discutem certos parâmetros que podem ser considerados para configurar um processo de institucionalização da educação a distância (EaD). Os critérios tratam de um modelo ainda idealizado de EaD, um projeto utópico de como deveria ser uma educação a distância de modo a institucionalizar-se, isto é, a sedimentar-se como modalidade educativa tal como previsto na modalidade de ensino presencial. Alguns parâmetros elencados pelos autores para institucionalização da EaD são, por exemplo, a) os aspectos políticos e filosóficos de uma concepção educativa própria e singular, isto é, a consideração da educação a distância como um modelo educativo que exige um planejamento adequado e flexível, bem como políticas ajustadas à educação a distância; b) os aspectos de organização, que devem necessariamente mesclar e articular as modalidades presenciais e a distância, numa mesma unidade gestora e acadêmica; c) os aspectos relacionados à infraestrutura que dão o suporte necessário e contínuo a uma gestão técnico-pedagógica e administrativa; d) os aspectos de pessoal para garantir a formação e a capacitação necessária à modalidade de educação a distância; e) e os aspectos relacionados às políticas voltada aos alunos: suportes acadêmicos, pedagógicos e auxílios (ajuda de custos, bolsas etc.), ou seja, políticas universitárias voltadas aos estudantes. Com essas dimensões sendo satisfeitas poder-se-ia afirmar que a EaD caminha no sentido da sua institucionalização, tal como a modalidade de ensino presencial.

Dessa forma, a institucionalização é conceituada, sobretudo, pelo status de instituição, em outras palavras, remetendo a uma forma de organização que permita a perenidade das ações e dos objetivos e finalidades. Essa concepção fundamenta-se em estudos organizacionais vinculados à Teoria Institucional, de Meyer e Rowan, que discorrem relacionando a similaridade e estabilidade das organizações (NASCIMENTO; VIEIRA, 2016). Assim, ainda que Ferreira, Mil e Carneiro tratem da questão filosófica e política, não focam ou se aprofundam nas políticas públicas e educacionais de EaD/UAB; em geral, uma concepção mais progressista do processo de institucionalização se concentra na análise das condições de infraestrutura e recursos humanos, isto é, no conjunto dos recursos físicos, materiais, tecnológicos, acadêmicos e de pessoal qualificado para a execução dos objetivos e finalidades do sistema UAB.

De alguma forma, é um parâmetro bastante correto de análise da institucionalização da EaD, mas incompleto e insuficiente na consolidação da modalidade. Mesmo considerando a EaD uma modalidade singular que exige flexibilidade organizacional e institucional, os parâmetros são correlatos e tomados de empréstimo à modalidade presencial, em outras palavras, do modelo hierárquico burocrático universitário de ensino superior público-estatal. Além do mais, mesmo nos aspectos filosóficos e políticos, considera-se a institucionalização do ponto de vista estritamente interno à empresa universitária, seja nos aspectos educacionais e pedagógicos, seja nos aspectos gerenciais e organizacionais da instituição universitária.

Uma concepção mais ampla de institucionalização deveria considerar ainda e, sobretudo, o aspecto histórico e contextual em que se inserem as políticas educacionais voltadas à EaD no programa da Universidade Aberta do Brasil. Na realidade, são as políticas públicas e educacionais, o programa UAB, que definem concretamente o entendimento de institucionalização da EaD/UAB. Em geral, a literatura enfatiza mais a modalidade (na EaD) e menos o Programa (no sistema UAB) ao se referir à institucionalização. Assim, a institucionalização não pode se resumir apenas aos aspectos administrativos, burocráticos, técnicos, pedagógicos e gerenciais, nem mesmo estritamente aos aspectos de infraestrutura e recursos humanos, mas, sobretudo, às políticas públicas e educacionais da UAB, isto é, aos objetivos e finalidades de um determinado contexto histórico, dos interesses governamentais, dos agentes e instituições envolvidas, enfim, das políticas públicas e educacionais, que são justamente as que garantem efetivamente a perenidade do ensino superior a distância como modalidade de ensino própria e independente e como política de Estado. Somente essas são capazes de dizer ou predizer sobre o futuro da EaD institucionalizada ou sobre a forma de institucionalização como política de Estado.

Obviamente o programa UAB tem sido responsável pela ‘consolidação’ e/ou servido de ‘incentivo’ à expansão da modalidade EaD no Brasil, e, de forma geral, de expansão do ensino superior. Mas é preciso analisar a política do programa UAB e o Consórcio que se estabelece para criar e consolidar os Polos de Apoio Presencial, de modo a definir o conceito de institucionalização da modalidade e do programa (para deixar de ser um programa). Em outras palavras, a institucionalização dos Polos de Apoio Presencial é reflexo direto do próprio processo de institucionalização, não apenas da modalidade EaD, que muitos estudam e pesquisam, mas, especialmente, do programa de UAB que se fundamenta numa institucionalização via Consórcio. São, portanto, as políticas públicas e educacionais em matéria de educação a distância público-estatal que vão, em definitivo, definir a perenidade da modalidade e do programa. De toda forma, a metodologia mais adequada ao estudo da institucionalização deve considerar necessariamente o espaço empírico dos Polos de Apoio Presencial e suas reais condições de institucionalização, com todos os reveses e obstáculos oriundos do Consórcio.

Os critérios estabelecidos pelos órgãos oficiais (CAPES, s/d) de credenciamento de polos para a ‘institucionalização’ e assinatura de um contrato, criando um consórcio entre o mantenedor e uma instituição de ensino superior, são: a) Assinatura do Termo de Compromisso, b) Assinatura do Acordo de Cooperação Técnica, c) Publicação da Lei de Criação do Polo de Apoio Presencial da UAB, d) Publicação da Lei Orçamentária do Polo de Apoio Presencial da UAB, e) Criação do Conselho de Polo, f) Criação do Regimento Interno do Polo de Apoio Presencial da UAB e g) Elaboração do Plano de Gestão do Polo de Apoio Presencial da UAB.

A estruturação dos Polos de Apoio Presencial é bastante complexa (MILL et al., 2017; VICENTE et al., 2013) e exige, sobremaneira, a responsabilidade do mantenedor (estado ou município), proponente da proposta de polo; há ainda um termo de cooperação entre a CAPES e a instituição de ensino superior, com a respectiva responsabilidade de cada participante no Consórcio (BRASIL, 2005). O mantenedor tem a responsabilidade de arcar com a infraestrutura do Polo: salas para coordenação, para tutores presenciais, para secretaria acadêmica, para professores e para biblioteca; laboratórios de informática (conectado à internet) e pedagógicos, de acordo com os cursos ofertados; sala de aula presencial; recursos humanos, composto de coordenador e secretaria do Polo; bibliotecário ou auxiliar de biblioteca; técnico em informática; técnicos de laboratórios pedagógicos; serviços gerais; técnico de apoio para manutenção predial. Como já referido, a mera existência das condições materiais e humanas, embora fundamentais à institucionalização, em si mesmas, não garantiriam a institucionalização do Polo de Apoio Presencial

Desse modo, a institucionalização não pode se restringir fundamentalmente ao plano e ao espaço cotidiano dos polos de apoio presencial; a noção de institucionalização deve estar relacionada à totalidade, que explicita e define a proposta EaD/UAB, isto é, ao Consórcio e à maneira como as políticas públicas e educacionais direcionam o processo de institucionalização. Assim, mesmo considerando os polos como referências fundamentais à institucionalização, não pode se constituir somente de aspectos que meramente dizem respeito ao funcionamento e à manutenção, em dados momentos e contextos específicos - é preciso perenidade histórica.

Até mesmo a definição de polo de apoio presencial deve ser entendida de forma mais ampla a partir do programa (UAB) e não simplesmente da modalidade (EaD), pois não existe uma condição sine qua non da autonomia e independência do polo, da sua própria existência, sendo sua definição essencial cercada pelo acordo estabelecido pelo consórcio e planejada segundo as diretrizes do programa. Assim, os critérios de institucionalização que tomam por base a perenidades dos aspectos didáticos, pedagógicos e educacionais que consideram a modalidade de ensino a distância, também não dão conta de definir uma modalidade de organização e de instituição capaz de lidar com aspectos de um ensino que preza justamente o contrário da rigidez, cuja bandeira é o ensino e a aprendizagem a distância em sua inerente flexibilidade.

Há, portanto, certa confusão quando se considera o processo de institucionalização da modalidade EaD de forma indistinta da institucionalização do programa UAB. Ocorre que este último, longe de ser uma proposta de flexibilização de uma organização institucional, de criação de parcerias, de compartilhamento de responsabilidade e de otimização de recursos financeiros e humanos, é, ao contrário do que se propõe, uma proposta cujo princípio fundamental parece ser a própria desregulamentação de qualquer vínculo com a formalidade política e jurídica das organizações e das instituições público-estatais. Nesse sentido, os polos de apoio presencial foram criados e implementados justamente dentro de uma lógica altamente flexibilizada que parece não incentivar nenhum vínculo de continuidade e perenidade.

Embora seja fundamental discutir a questão da infraestrutura e dos recursos materiais na manutenção e operacionalização dos Polos, sem os quais não se realiza a institucionalização dos Polos de Apoio Presencial, a questão que se apresenta em primeiro plano são as condições próprias e efetivas da institucionalização do programa UAB enquanto política de Estado, e a mediação pelo Consórcio, enquanto política de governo.

As contradições da institucionalização

Apesar das especificidades relacionadas à localização na pesquisa intitulada Políticas de Institucionalização dos Polos de Apoio Presencial da Universidade Aberta do Brasil, financiada pelo CNPq no período de 2015 a 2017, observou-se, na análise de entrevistas semiestruturadas com coordenadores de três polos de apoio presencial do sistema UAB localizados no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia que há muitas aproximações entre os polos no que se refere à organização, ao funcionamento, à abrangência regional, à quantidade de alunos atendidos, entre outros. A referida pesquisa mostra, ainda, que algumas respostas dos entrevistados foram pontuais e individuais, outras se complementaram, algumas ganharam destaque, se aproximando das discussões da literatura.

De modo geral, a institucionalização dos Polos de Apoio Presencial é um processo complexo e com certos limites. Normalmente, as dificuldades são inerentes aos problemas cotidianos que o próprio consórcio gera para o cumprimento do acordo, que transcorre em consonância à importância que cada municipalidade devota ao ensino superior a distância e da mudança periódica de governos, em conformidade ao jogo político local.

O sentido de institucionalização está, em geral, atrelado à criação dos polos de apoio presencial, de sua formalização jurídica pelo parlamento municipal e da formalização política pelo poder executivo, respectivamente, pela lei municipal de criação do polo e pela realização de um termo de acordo estabelecido pela prefeitura no Consórcio com a Capes e a Universidade. A coordenadora de polo localizado no estado de São Paulo relata: “A primeira coisa que me disseram foi que a gente tinha que institucionalizar o polo, criar legislações na cidade para que as mudanças políticas, como de prefeito, não mexessem na instituição.” (Coordenadora de Polo, São Paulo)

Assim, a institucionalização é garantida pela lei de criação do polo, não dependendo mais da figura do prefeito e de seus interesses e perspectivas pessoais. De todo modo, a manutenção é sempre uma tarefa dos prefeitos em exercício, pois além da lei de criação do polo, depois de efetuado o termo de acordo com o executivo municipal, é preciso, para institucionalizar, garantir os aspectos administrativos e burocráticos do polo como o conselho de polo, com toda uma documentação e um regimento interno.

Então, em 2009, criamos a lei de criação do polo, já logo no início, em 2010 nós criamos o conselho de polo, o regimento interno, já no ano seguinte e daí nós começamos as reuniões de conselho de polo. Temos, a unidade executora, também foi uma das primeiras, porque depois nós recebemos um manual e em cima do manual eu montei essa unidade executora, tem registro na receita federal, porque a gente aguarda há anos os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola para o polo, que é o dinheiro que vai direto nas escolas, que os polos foram incluídos, faz 1 ou 2 anos que eles incluíram o polo. (Coordenadora de Polo, São Paulo)

É por meio da Unidade Executora, composta de um conselho de polo, que o Polo tem direito a receber a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Apesar de o polo de São Paulo atender às exigências, até o momento não recebeu nenhuma verba, estando dependente da manutenção pela prefeitura. De qualquer forma, o polo localizado no estado de São Paulo está satisfazendo as exigências da CAPES de institucionalização, com termo de acordo, lei de criação, unidade executora com um conselho de polo e membros eleitos, CNPJ e registro na receita federal, e ainda assim, sem as condições de garantia da permanência do polo de apoio presencial e de suas atividades educacionais e de ensino na cidade. Esse polo, em termos ‘teóricos’, de acordo com certas definições, é basicamente institucionalizado.

Em relação ao polo localizado no estado da Bahia, há lei de criação e, apesar da existência formal de um Conselho Gestor e de sua atuação esporádica, este não foi registrado e, consequentemente, o polo não recebe recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola.

Nós formamos o conselho, tem estatuto, tem a lei de criação, a lei foi aprovada em 2013, justamente quando mudou a gestão, e assim que mudou a gente correu logo para poder aprovar a lei de criação do polo, e aí começou, tem o estatuto, tem o conselho formado […] A gente entra com o pedido, tem a audiência, e depois a prefeita aprova a lei ou não […] No momento apesar de termos conselho, a gente não recebe recurso […] Não, no momento não [não há reuniões periódica do conselho]. O conselho não está registrado, a gente reúne assim, às vezes quando precisa resolver alguma coisa, mas não precisa registrar conselho em ata, isso ainda não. […] O conselho tem representantes de alunos, de funcionário, eu como coordenadora estou como presidente, tem representante da secretaria de educação, que é do mantenedor e tem representante de tutor presencial. (Coordenadora de Polo, Bahia)

Já o Polo localizado em Minas Gerais se assemelha ao da Bahia, embora tenha também a Lei de Criação do Polo, o processo de institucionalização está sendo prejudicado em decorrência da não existência do Conselho Gestor:

É preciso dar continuidade a esse conselho gestor, para poder cadastrar e receber a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola […] Primeiro formar um conselho gestor, criar unidade, porque ela precisa ter um CNPJ, então precisa ser feito isso e a partir daí, cadastrar para estar recebendo. Isso começou na administração da ex-secretária municipal de educação, porque também não tinha, só que não houve continuidade e eu ainda não tive oportunidade de estar retornando a isso, porque nós tivemos um período de greve, aí parou, e a gente precisa ter alunos, tutores, não adianta ter só a parte administrativa, tem que ter representante de todos. (Coordenadora de Polo, Minas Gerais)

No polo localizado no estado de Minas não tem conselho, portanto, não é ainda uma unidade gestora; já o polo da Bahia tem Conselho Gestor supostamente inativo, mas isso até certo ponto é indiferente comparado com o polo localizado em São Paulo, pois neste último há uma unidade gestora registrada e, ainda assim, não se tem a garantia da autonomia e da estabilidade do polo. Supondo receber os recursos do PDDE-FNDE, ainda assim permanece a questão da possibilidade da autonomia, mas certamente seria um passo importante nesse sentido, o que poderia constranger ou mesmo incentivar as políticas públicas e educacionais a pensar sobre o processo de institucionalização dos polos de apoio presencial.

A unidade executora permite ao polo uma mínima organização burocrática e administrativa interna, bem como uma gestão democrática e participativa, mas ainda assim dependente dos membros consorciados. Pode-se constatar, apesar de tudo, que a unidade executora e suas reuniões periódicas do conselho fica sempre à mercê do interesse da coordenadora de polo e da motivação dos envolvidos do que propriamente constituir uma exigência administrativa e legal para seu funcionamento, configurando, portanto, mais como um simples conselho consultivo que realizando a discussão sobre as demandas do polo ou ainda um mero registro interno das deliberações do conselho. Este é o único tipo de organização interna existente no polo.

Especificamente, o conselho de polo do estado de São Paulo é presidido pela coordenadora de polo que, por sua experiência pessoal de professora, diretora etc., ‘faz a coisa funcionar’, inclusive com um modelo de ata considerado exemplo. Assim, o conselho pode ser considerado uma mera organização administrativa ou burocrática interna do polo, entretanto, por incluir representação que envolve a comunidade, uma vantagem destacada é refrear certas vulnerabilidades com as mudanças constantes na governança local. Interessante notar ainda que o polo funciona quando há interesse e vontade pessoal da coordenadora de polo, especialmente sua motivação pessoal e sua experiência profissional anterior.

É uma organização interna que precisa ter, porque, quando você monta um conselho desse, você envolve a comunidade, então fica mais difícil, você fica vulnerável, mas não fica tão vulnerável as políticas públicas, quando se muda o prefeito, mas se tiver alguém da câmara aqui dentro, se tiver alguém do departamento da educação, porque são da comunidade que formam o conselho do polo, tem tutor, aluno. […]. Eu montei, dei uma pesquisada em legislação sobre criação de conselho e essas coisas, e tem vários modelos na internet quando você procura, e daí eu montei um de acordo com a nossa realidade e mandei para o jurídico da prefeitura, eles analisaram e depois nós mandamos para a câmara, eu mandei vários modelos para o jurídico e a gente montou o nosso. (Coordenadora de Polo, São Paulo)

Apesar de tudo o conselho é também uma entidade política, que necessita de apoio de pessoas motivadas e dispostas a se apresentar como representantes da comunidade e com interesse na continuidade da empreitada do polo. O interessante, segundo os depoimentos, é que no conselho se tenha representantes da prefeitura, por exemplo, do setor de educação, e também da câmera de vereadores, configurando, novamente, o conselho com uma entidade política, ficando, agora, à mercê do jogo da pequena política, isto é, da política que se realiza nos meandros da sociedade política e no cotidiano da sociedade civil. Do ponto de vista administrativo, o conselho de polo é quem define as demandas e, embora haja uma reserva técnica mensal na prefeitura para a manutenção do polo, há também outras demandas, que são enviadas à prefeitura e a quem cabe a decisão de liberar ou não a verba e realizar ou não as ações demandadas pelo conselho. O setor da educação mencionado pode ser representado tanto pela administração quanto especialmente pela figura do próprio secretário municipal de educação, pois é ele quem define as prioridades e a política educacional do município. A gestão administrativa é feita no setor de educação da prefeitura, seguindo trâmites, prazos e regulamentos da administração municipal. O polo, por ser uma instituição vinculada a um consórcio entre partes que dividem responsabilidades, não tem nem precisa ter um departamento administrativo (jurídico, contábil etc.) próprio, como as instituições autônomas. Em síntese, a gestão acaba sendo responsabilidade e realizada efetivamente no próprio setor de educação da prefeitura, que é a instância última de deliberação, portanto, de poder de fato.

Não, conforme a necessidade, já tem uma reserva técnica lá, e conforme a necessidade do polo, a gente vai mandando e o departamento de educação é que faz essa gestão. Quem decide as necessidades é a unidade executora mesmo, as pessoas aqui, os tutores, coordenação. (Coordenadora de Polo, São Paulo)

Mais direto é o secretário de educação, e a gente precisando da prefeita, ele contata a prefeita, algumas vezes precisa de um documento, precisa conversar, mas o contato direto é com o secretário de educação. (Coordenadora de Polo, Bahia)

No caso, depende da prefeitura. Então a gente vê que está precisando de reforma, mas daí tem processo de licitação, tudo tem um procedimento para chegar aqui. Então nós temos que aguardar, não adianta falar “olha vou pintar hoje”, porque não existe essa verba deste jeito, não existe o PDDE, então espero que a gente regularize tudo. (Coordenadora de Polo, Minas Gerais)

Com relação à pessoa da coordenadora de polo, em função das atividades inerentes à função, fica evidente que o cargo é realmente (prioritariamente) político, tanto que mesmo que a coordenadora assuma uma postura autônoma com relação à política - e, geralmente, é assim mesmo -, já que é sempre uma pessoa diretamente vinculada à educação, militante educacional e respeitada entre os pares, o cargo é informalmente considerado um cargo de confiança. Cabe ressaltar que a indicação da prefeitura ao cargo de coordenadora de polo não conduz imediata e necessariamente à função, sendo respeitado os critérios estabelecidos pelo Capes, com posterior indicação de nomes numa lista tríplice, mas na prática nem sempre funciona dessa forma. Assim, o perfil de coordenador de polo para que o projeto tenha realmente sucesso e vida longa (institucional) deve ser polivalente, especialmente do ponto de vista político e empreendedor.

Eu acho que também é um problema político, o coordenador de polo tem que ser uma pessoa política também, porque se eu resolver não me dar bem com o secretário municipal da educação, meu trabalho aqui seria inviável, se eu não tivesse um bom relacionamento com as pessoas dentro da prefeitura, como é que eu ia desenvolver um trabalho aqui? Não ia poder comprar nada, pedir nada, porque todas as necessidades do polo, como uma fechadura que quebra, eu tenho que pedir para o departamento de educação, mesmo que a gente tenha a nossa reserva técnica, eles têm toda uma estrutura de fazer esse gasto, de cotar preço, eu não tenho isso dentro do polo […] (Coordenadora de Polo, São Paulo)

Nesse sentido, a relação do coordenador de polo com a prefeitura é uma relação política, procurando justificar uma necessidade e legitimar um empreendimento, em busca não apenas da manutenção do polo, mas de apoio para abertura de novos cursos e na busca de mais verbas, de melhor infraestrutura, de mais pessoal etc. Na verdade, é uma relação quase pessoal de envolvimento da coordenadora de polo com o secretário municipal de educação e com a prefeitura. Há necessidade de certo jogo de cintura e de algumas qualidades pessoais que o coordenador de polo deve possuir para assumir o cargo e a difícil empreitada. Assim, do ponto de vista do polo, não há nenhuma autonomia financeira, administrativa e organizacional, ficando refém da boa vontade e do interesse da prefeitura, como também do jogo político local.

Observa-se que a realidade do processo de institucionalização dos polos de apoio presencial é mais difícil e complexa do que propõe a legislação, a literatura e os documentos oficiais. Sobressai o senso comum e não o caráter formal dos processos de institucionalização; não há teoria administrativa, pedagógica e educacional que dê conta, até o momento, de explicitar a complexidade do processo de institucionalização dos polos de apoio presencial. Nem mesmo o caráter administrativo, burocrático e organizacional consegue contemplar um processo que possa ser denominado de institucionalização dos polos de apoio presencial.

Não se trata de (des) institucionalização, mas certamente de uma (não) institucionalização, ou mais propriamente, de se recorrer a uma novidade e criar um conceito de (inter) institucionalização para contemplar uma parceria de responsabilidades em que os processos de institucionalização estejam igualmente divididos entre os entes do consórcio, mas não no objeto do consórcio em si, no caso, os polos. Nesse último caso, poder-se-ia concluir que a forma de institucionalização dos polos de apoio presencial inerente à política de expansão do ensino superior a distância via UAB configura-se nos mesmos moldes da produção e da administração denominada flexível. Por isso, fica evidente que diante dos esforços quase que pessoais de alguns sujeitos envolvidos diretamente com o consórcio, ainda permanece o receio e a dúvida da perenidade dos polos de apoio presencial.

Considerações finais

A investigação desenvolvida teve como objetivo tratar da política de institucionalização dos polos de apoio presencial, considerando os sentidos atribuídos à institucionalização dos polos de apoio presencial. Nessa perspectiva, em relação à definição de institucionalização, há entendimentos restritivos tanto dos coordenadores de polos quanto da teoria e da literatura: ora restringe a institucionalização aos aspectos das condições materiais de funcionamento e de manutenção, ora aos aspectos administrativos e burocráticos, ora ainda às organizações institucionais oriundas das teorias da administração.

O estudo ou a compreensão dos polos de apoio presencial em sua totalidade histórico-política e, portanto, em referência à inerente caracterização do Consórcio como nova modalidade institucional de fomento e de expansão do ensino superior, é pouco tratado ou mesmo ignorado. Desse modo, não há uma compreensão objetiva e clara de que os polos de apoio presencial são frutos de uma política pública e educacional que é parte integrante de uma proposta de expansão do ensino superior em novos patamares de gestão gerencial, uma nova racionalidade fundamentada numa política de reforma do Estado.

Esta política de reforma do Estado e da educação gera como consequência um rearranjo institucional das instituições público-estatais nos moldes de uma administração flexível e portadora de um projeto de ajustes que se traduz pela informalidade organizativa e administrativa, pela redução de gastos e custos educacionais e pela descaracterização da tradicional institucionalidade, inclusive da universidade presencial.

Enfim, o que se evidencia não é o desenvolvimento de um processo crescente de institucionalização dos polos, garantindo-se sua consolidação e sua continuidade, isto é, sua perenidade enquanto modalidade de ensino, mas um processo inverso, não de (des) institucionalização, mas propriamente de (não) institucionalização.

Referências

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Notas

2O presente artigo é resultado de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), intitulada “Políticas de Institucionalização dos Polos de Apoio Presencial da Universidade Aberta do Brasil”, e foi realizada no período de 2015 a 2017.

1A Universidade Aberta do Brasil (UAB) é “um sistema voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos superiores e programas de educação superior no país.” (BRASIL, 2006)

Recebido: 29 de Setembro de 2017; Aceito: 08 de Janeiro de 2018

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