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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo jan./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7468 

Artigos

Trabalho e formação política dos professores da educação básica

Work and political formation of the basic education teachers

Itacir Carlos Valmorbida1 

Maurício Roberto da Silva2 

1Mestre em Educação. Professor da rede pública estadual de Santa Catarina, militante da base do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública de Santa Catarina (SINTE) itacircarlos@gmail.com

2Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina, Doutor em Ciências Sociais Aplicadas à Educação pela UNICAMP - São Paulo, Campinas, Brasil. mauransilva@gmail.com


Resumo

O artigo tem como objetivo propor a reflexão sobre alguns elementos teórico-práticos que caracterizam a formação política dos professores da rede pública estadual do município de Chapecó (SC). O texto tem por referência pesquisa (dissertação) cujo elemento motivador foi o desafio da tripla militância: escola, sindicato e academia. Metodologicamente, utiliza-se o estudo de caso exploratório, visando problematizar os elementos teórico-metodológicos e teórico-empíricos que propiciam repensar a formação política dos professores enquanto intelectuais orgânicos. O texto é norteado por categorias do materialismo histórico-dialético e pelos conceitos de pedagogia crítica, intelectual orgânico, formação política, militância e resistência ativa. As conclusões provisórias e propositivas apontam para os desafios de uma formação política permanente dos professores de natureza crítico-superadora, centrada na consciência de classe e nas lutas coletivas e que tenha como cerne ontológico, epistemológico e político-pedagógico a unidade inseparável entre teoria e prática.

Palavras-chave: Docência; Formação Política; Práxis

Abstract

The article aims to present and reflect on some theoretical-practical elements that characterize the political bases of teachers of the state schools of Chapecó (SC). The text is based on the research (master’s dissertation) of the author, whose motivating element was the challenge of the triple militancy (school, union and college). The triple militancy proposes a reflection on the main ideas about politics, political formation and class consciousness related by the investigated teachers. Methodologically, the exploratory case study is used, aiming to problematize the theoretical-methodological and theoretical-empirical elements, in order to think and rethink the political formation of teachers, as organic intellectuals. In this line, the text is guided by some categories of historical-dialectical materialism, such as praxis, which is flanked by the concepts of critical pedagogy, organic intellectual, political formation, militancy and active resistance. The provisional and propositional conclusions, due to the current misconduct of Brazilian politics (antipolitics), point to the challenges to the permanent political formation of teachers, of a critical-surpassing nature centered on class consciousness and collective struggles, whose ontological, epistemological and political-pedagogical aim must be on the inseparable unity between theory and practice.

Keywords: Teaching; Political Formation; Práxis

Introdução: o problema de investigação, relevância e delimitação

O presente artigo tem como escopo expor e problematizar os diversos aspectos e características da formação política dos docentes da rede pública estadual pertencente ao município de Chapecó. A exposição dos dados, análise e discussão levam em consideração o trabalho de pesquisa realizado para dissertação de mestrado em educação cuja hipótese parte do pressuposto de que a formação política dos professores carece de bases teórico-metodológicas, epistemológicas e ideológicas de caráter mais permanente, crítica e radical. Essa hipótese foi construída à luz de nossa inserção na base do sindicato dos professores Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (SINTEC/SC) e faz referência a uma suposta carência de formação política, com a especificidade mencionada, que, se confirmada, provavelmente tem relação com as outras dimensões materiais e imateriais presentes na vida cotidiana desses sujeitos.

Nesse texto, optou-se por uma pergunta-problema derivada das questões de investigação oriundas da pesquisa já mencionada, qual seja: O que pensam os professores sobre a noção de política e suas relações com as questões de classe?1 Nesses termos, o texto também visa refletir sobre as principais representações acerca da formação política dos docentes investigados e, mais especificamente, sobre as possibilidades e limites que esse processo formativo político-pedagógico nos coloca. Também nos desafia a buscar outras formas de resistência e luta política, numa perspectiva radical e superadora (resistência ativa).

A transversalidade do debate procura identificar e problematizar a formação política dos docentes e sua possibilidade de ser ou não ser compreendida como uma práxis para além do capital. Vale destacar que, para realizar este estudo, o grande desafio, diante da multimensionalidade e complexidade que o vocábulo política enseja em termos epistemológicos e ideológicos, foi preciso fazer uma pequena digressão, para pensar e problematizar a teoria e prática da política na docência, articulada com os problemas concretos do cotidiano político do país, e os rumos das políticas públicas sociais e educacionais na atualidade.

Nesse sentido, reconhecemos que a política se encontra na ordem do dia, uma vez que passou a ser discutida nas diversas instâncias do cotidiano, sobretudo no que se refere à ética e, consequentemente, à ética na política. Por outro lado, é reconhecida a existência de manifestações antipolíticas (CLETO, 2016, p. 43)2 - mas que não deixam de ser políticas -, que procuram descaracterizar a importância das discussões sobre o tema, enquanto atividade mediadora e transformadora das relações sociais.

Por esses motivos, a delimitação do problema de pesquisa procurou abarcar a concretude do momento político do país, no que tange ao fenômeno multifacetado do golpe à democracia e a ascensão de políticos neoconservadores e neoliberais (CHAUI, 2016). Nesse limiar, se impõe a importância de se pensar as questões objetivas da micropolítica que atravessam o cotidiano da escola, do sindicato e da academia, e suas relações com a macropolítica e as políticas educacionais, principalmente nesses tempos difíceis de golpe de Estado e de Estado de exceção. Em suma, tempos de retrocesso (desmonte do Estado, destruição dos direitos dos trabalhadores e outros), opressão e, simultaneamente, tempos de resistência ativa ao golpe de Estado, como evidenciam as ocupações das escolas pelos jovens em 2016, manifestações e protestos dos movimentos sociais e sindicatos do campo e da cidade.

Quanto às questões teórico-metodológicas, tivemos por referências as categorias e princípios do materialismo histórico-dialético, principalmente a lei da contradição. O método dialético, entendido como o percurso feito pelo pesquisador para a construção do objeto de estudo, de caráter interativo, pelo qual sujeito e objeto se constroem simultaneamente, representa a possibilidade de compreender o movimento do real em sua essência: unidade e diversidade (detalhes, limites e potencialidades), tendo por base a organização da vida social dos homens. Nessa linha de pensamento, procuramos, a partir do recorte e delimitação do objeto, realizar teorizações que permitissem representar a reconstituição, tradução, exposição e análise crítica e objetiva do movimento da realidade investigada. Tal procedimento teve por objetivo evitar que a pesquisa se transformasse numa construção abstrata, ou seja, imersa na pseudoconcreticidade do problema.

A práxis, a formação política permanente dos docentes e a resistência ativa

Para falar de formação política permanente dos professores e as possibilidades de resistência para além da lógica capitalista neoliberal torna-se necessário refletir primeiramente sobre o significado da práxis. Em sua obra Filosofia da práxisSánchez Vázquez (2007) a apresenta como atividade social transformadora por meio da qual interpreta-se e transforma-se o mundo. No nosso entendimento, essa noção de práxis, enquanto atividade que se dá na unidade teórico-prática consciente, na perspectiva da transformação, abarca as duas dimensões da ação do professor: a de refletir (de forma radical, rigorosa e de conjunto, ou seja, de forma filosófica) e de agir a partir de uma ideologia que é organizadora da ação transformadora. Numa palavra, o professor enquanto sujeito “ideopolítico”. (SAVIANI apud VIDAL, 2011)

A formação política é elemento fundamental do processo permanente de formação humana, componente do processo educativo. Ocorre a todo o momento e durante toda a vida. É uma construção cotidiana que se dá pelas interações recíprocas entre os pares, nos diversos espaços/tempos (no trabalho, no sindicato, na igreja, nos movimentos sociais, no partido, na família etc.), enfim, no processo de formação política que se dá nos espaços de educação formal e não formal. De forma articulada, a formação política abrange, além dos aspectos da formação humana, a constituição do processo de valorização dos profissionais da educação. Nessa linha de discussão, tanto a formação quanto a valorização profissional podem contribuir para a formação do professor-intelectual, com possibilidade de intervenção nos contextos em que se insere.

Portanto, a práxis política assume importância sine qua non em razão da necessidade de formação política, crítica, radical, criativa e superadora dos professores como intelectuais críticos e transformadores. Nesse constructo teórico-metodológico, a prática de formação política, que corresponde a um fim, exige um conhecimento profundo da realidade e sensibilidade para perceber a resistência da matéria social, ou seja, a presença ou ausência de determinados fatores ou condições objetivas e subjetivas (particularidades do contexto histórico-social). Sob esse enfoque, a luta - política, econômica, teórica - deve ser consciente, organizada e dirigida, em consonância com a ideia de resistência ativa, que pode ser materializada no exercício da “multimilitância” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 231; VALMORBIDA, 2016, p. 152). Nesses termos, urge lançar mão da noção de resistência ativa cunhada por Saviani (2015, p. 57), para o qual significa um processo de mobilização, de forma individual e coletiva, que pretende formular um conteúdo alternativo às medidas vigentes, mas que, fundamentalmente, não se limite a manifestar discordâncias, críticas e objeções.

A práxis, a política e a militância na vida cotidiana do trabalho docente

Para a discussão mais apropriada da relação práxis e a formação política faz-se necessário, neste primeiro momento, explicitar os contornos assumidos pelas categorias ou conceitos-chave que irão alicerçar a construção de nossa linha teórica, quais sejam: práxis, política, militância, na perspectiva da tradição teórica da pedagogia crítica.

O conceito de práxis que adotamos nesta reflexão, em torno das potencialidades e limites de um processo de formação política permanente para os docentes, articulando-se elementos das diversas militâncias e, em específico, da tripla militância, tem como referência as contribuições do filósofo hispânico-mexicano Adolfo Sánchez Vázquez. A práxis é entendida como a ação real, objetiva, transformadora e consciente sobre uma dada realidade natural, ou humana. Desse modo, não é atividade puramente material, tampouco puramente espiritual; a noção de práxis está no cerne da compreensão da relação entre teoria e prática e, assim, a superação da falsa dicotomia entre os aspectos objetivos e subjetivos. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 219)

A política surge como possibilidade de resolução de conflitos ou lutas de classes (luta entre os ricos e lutas entre ricos e pobres), a fim de não transformá-los em guerra total. Sob essa premissa, a política, criação humana, é o modo pelo qual as pessoas podem expressar suas diferenças, regular e ordenar interesses conflitantes, seus diretos e obrigações enquanto seres sociais (CHAUI, 2005, p. 351). Decorre dessa noção a percepção da importância da participação dos sujeitos na vida política nas diversas dimensões culturais e de classe, no que diz respeito às visões de mundo, homem e sociedade e, fundamentalmente, às diferenças político-ideológicas. Tudo isso deve ser compreendido como forma de admitir e encarar os conflitos políticos e como forma de aprofundamento e garantia da construção do processo democrático.

No contexto contemporâneo, Chaui (2005) desmembra três significados para a política, que se apresentam de modo interrelacionado e, por vezes, paradoxal. O primeiro é o significado de governo, entendido como a direção e a administração do poder público; relacionado às ações do governo que detém a autoridade para dirigir a coletividade e às ações da coletividade em apoio ou contrárias à autoridade do governo. O segundo significado, mais distante da sociedade, comparativamente ao primeiro, é o da atividade realizada por eles, os especialistas (os políticos), ligados às organizações sociopolíticas (os partidos). O terceiro significado, decorrente do segundo, está ligado ao senso comum social, aos interesses particulares, dissimulados e contrários aos interesses da sociedade.

Esse terceiro significado, da política secreta, é o que confere o sentido pejorativo à política. Pode-se perceber, portanto, que há um paradoxo entre o primeiro e o terceiro significados, ou seja, a política enquanto interesse da sociedade como um todo, criando espaços de contestação, reinvindicação e resistência, para a política fora do alcance das pessoas, algo perverso e maléfico à sociedade. O curioso, como observa a autora, é que esse paradoxo se dá justamente pelo que se observa no segundo significado, a política reduzida à ação de profissionais, leia-se: os políticos. Para além desse entendimento, “é preciso ultrapassar o significado geral e perceber a política como um produto da história.” (MAAR, 2013, p. 13, grifo nosso) A noção de política enquanto produto da história, construída de forma permanente por meio das relações sociais e históricas e, portanto, permeada por interesses diversos, não trata de relações naturais. Isso nos faz pensar que, por ser essa uma atividade como tal, continua em transformação, embora com ingredientes que pouco têm se modificado, como é o caso do Estado e dos partidos. Temos, na contemporaneidade, uma política que tem ocorrido cada vez mais nos diversos espaços e tempos da vida cotidiana: nos locais de trabalho, na família, nos movimentos sociais etc., o que reforça a ideia de que todos os espaços socais são espaços políticos.

Quando está em estudo a questão da formação política dos professores e, nesse contexto, as diversas instâncias e possibilidades de militância, necessário se faz esclarecer também o senso comum subjacente ao termo militância (que carece também de uma reflexão crítica a respeito) em tempos de assalto à democracia e de ambiguidade da expressão militância política. Em linhas gerais, a militância pode estar associada aos membros ativos de uma causa e que se posiciona de uma forma similar àquela ideologia, trabalho, profissão ou causa envolvida direta e ativamente, a qual se identifica pela postura pessoal. Mais ainda, pode estar ligada àquelas pessoas que defendem uma causa e que buscam a transformação da sociedade por intermédio da ação, isto é, pela militância política, social, estudantil dos que participam ativamente a favor de um ideal político-social.

Esse debate em torno do uso do termo militância requer que contextualizemos seus diversos significados, sobretudo buscando a superação da ideia de autoritário e hierárquico, supervalorizando um vocabulário institucionalizado, em detrimento de toda uma infinidade de conceitos produzidos a partir da luta real e histórica de organizações populares e específicas, na busca por uma sociedade mais justa. Esse exercício é imprescindível, considerando que há, muitas vezes, um claro desrespeito ao histórico de lutas do trabalhador, que cunhou cada um desses conceitos com o próprio sangue e dedicação ao longo dos tempos e em diversos lugares. Nessa linha de reflexão, a militância política necessita ser diferenciada do mero ativismo. Militância3 pressupõe um grau de entrega, seriedade e compromisso político que, via de regra, não estão presentes no ativismo, assim como o desenvolvimento de um trabalho regular que busque envolver na luta revolucionária os mais diversos setores explorados e oprimidos da sociedade. Ademais, a militância política, de caráter crítico e radical, pressupõe uma luta teórico-prática. Nessa perspectiva, para a pedagogia crítica, a militância democrática e radical deve pressupor o advento da crítica e da práxis enquanto categorias consideradas de forma articulada, quando se pensa nas transformações das condições materiais para a emancipação dos indivíduos. Em suma, a militância política, em geral, e, no caso, dos trabalhadores da educação, deve ser compreendida enquanto práxis social, enquanto práxis política orientada para a transformação do ser social e, por isso, destinada a mudar as relações econômicas políticas e sociais. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 230)

A formação política dos docentes, tendo por referência as reflexões de Marx (e Engels)3 acerca de uma teoria e uma prática, é revolucionária, abarcando a luta política, econômica e teórica - é essencialmente práxis! Nessa perspectiva, a luta dos professores por valorização profissional, ou seja, por condições de emprego, carreira, salário e formação, deve se agregar à luta política mais geral. A práxis política ou práxis social, atividade individual e coletiva destinada a mudar as relações econômicas, políticas e sociais (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007), é luta de classe, pelos interesses da classe trabalhadora. Se a meta são os interesses da classe trabalhadora, a resistência ativa poderá ser uma das estratégias de luta, conforme evocamos anteriormente.

Os trabalhadores da educação e a formação política: o que revelam os discursos e as práticas?

Para a discussão da questão anunciada no item anterior, tomamos como referência do processo analítico dos dados os constructos teórico-conceituais forjados na pesquisa, além das análises realizadas a partir do material empírico (evidências empíricas) durante e após o trabalho de campo (diário de campo e entrevistas). Assim, tomamos como referência as sínteses entre as categorias teórico-conceituais e operacionais e as categorias empíricas, emergidas durante o processo de construção da investigação. As análises das evidências empíricas que se seguem foram realizadas tomando como estratégia de abordagem da realidade os seguintes procedimentos de coleta de dados: i) diário de campo observação participante com registro (por escrito) sistemático a partir das diversas manifestações dos professores e professoras, realizadas no decorrer das atividades organizadas pelo sindicato dos professores da rede pública estadual de Santa Catarina, no período compreendido entre 2013 e 2016; ii) entrevista semiestruturada, com a finalidade de trazer elementos ou dados que não puderam ser observados com as observações participantes, numa perspectiva de intercomplementaridade. As entrevistas foram realizadas durante o mês de junho de 2016 com doze professores da rede pública de ensino que trabalham nas escolas de Chapecó (SC). O número de entrevistados foi obtido tendo por referência o método da amostra aleatória simples sem repetição.

O conjunto dos dados empíricos que emergiram do campo foi disposto em um quadro composto pelas categorias empíricas (conjuntura, desencanto e desesperança, instinto de classe e consciência de classe, militância e resistência, formação humana, precarização do trabalho docente e formação política), seguido das unidades de contexto e de registro.

Pelas limitações de espaço que um artigo impõe, optamos pela não apresentação de todo o conjunto dos dados empíricos da pesquisa. Apresentamos, assim, algumas narrativas que consideramos ser significativas para as reflexões feitas no decorrer do texto, falas como: “O professor está muito desmotivado, descrente de todas as formas de luta, de representação política e sindical”; “Um grande número de filiados só pensa em si próprio, em interesses particulares, para conseguir algo de graça”; “A participação do professor está voltada para as questões imediatas, voltada apenas para as questões financeiras”; “O professor tem dificuldade de compreender que as demandas são coletivas”; “Estamos sendo sufocado pela falta de formação, falta de preparo, isso nos tem derrotado”; “A formação política é nosso instrumento de luta”; “A dissertação de mestrado é uma formação política”; “Para ter uma formação política, é preciso ser militante”; “Vivemos um momento em que parece que a militância deu uma enfraquecida”.

As representações dos professores expressas em seus discursos apontam que a participação do professor está voltada para questões imediatas, quase que exclusivamente voltadas para as questões financeiras. A preocupação preponderante é com os interesses particulares; o professor tem dificuldade de perceber as demandas coletivas, as questões de classe. Quer dizer, há uma preocupação exacerbada com o imediato em detrimento dos interesses estratégicos da categoria.

Na linha das constatações anteriores, a tendência tem sido de individualizar as questões e as lutas e, com isso, uma busca cada vez maior da via judicial, recurso que deve ser buscado somente quando são esgotadas as vias coletivas e políticas. Outra constatação que temos feito, a partir da participação ativa no sindicato, é a de que existe entre os filiados ao sindicato uma procura crescente por pequenos descontos e pequenas vantagens que possam ser obtidos em convênios com as mais variadas instituições de comércio e prestadoras de serviços (médicos, odontológicos, academias, salões de beleza etc.). Em alguns casos, o professor tem buscado a filiação apenas para usufruir desses benefícios. O fato é que essas questões podem levar a um processo de desvirtualização ou descaracterização do sindicato docente, que em última instância poderia transformá-lo numa agremiação com fins meramente econômicos e lúdicos. Desse modo, há pouco espaço para a discussão de práticas coletivas, assim como descrédito para com a organização sindical como propulsora social com capacidade de agregar a categoria.

A pouca importância atribuída às questões de interesse de classe sugere a presença do que conceituamos ser instinto de classe (predomínio de ações espontâneas e inconscientes), reflexo da busca apenas da satisfação das necessidades particulares e imediatas. Dessa forma e na linha do que pudemos constatar, há uma carência de consciência de classe enquanto consciência dos verdadeiros interesses da classe trabalhadora docente.

E o que podemos dizer quanto à questão central da nossa reflexão, que se propôs a investigar se a formação política dos docentes apresenta elementos de uma formação crítica e superadora para além do capital. A presença da noção de luta de classes no cotidiano dos docentes, sobre adquirir ou ascender à consciência de classe, é um dado revelador do grau de politização de uma categoria ou classe social. No pensamento marxista, as classes sociais são grupos com interesses antagônicos, decorrentes das relações sociais de produção. O indivíduo pertence a uma das classes fundamentais, de acordo com o lugar que ocupa na estrutura econômica de um modo de produção. Já os interesses de classe podem se dar em dois níveis: os interesses espontâneos imediatos - aspirações motivadas por problemas atuais, objetivando um bem-estar imediato, como a luta dos docentes pela melhoria dos salários - e os interesses estratégicos, que surgem da condição específica de cada classe na estrutura econômica da sociedade (HARNECKER, 1980, p. 165). Em síntese, para esse autor, um indivíduo ou grupo social tem consciência de classe quando está consciente dos verdadeiros interesses da classe. Outro aspecto importante é que a consciência de classe não surge ou nasce espontaneamente; isso porque, entre o instinto de classe, que é manifestação subjetiva e espontânea, ou a maneira de agir de uma classe, e a consciência de classe (algo objetivo e racional), interpõe-se a ideologia dominante.

As reflexões supramencionadas colocam em relevo a importância dos partidos políticos e, sobretudo, das instituições de classe (sindicatos) que, por meio de processos formativos de natureza crítica e superadora, podem contribuir para a promoção da consciência de classe. A esse respeito, Marx e Engels, já no Manifesto do Partido Comunista, chamam a atenção sobre o papel do partido ao afirmarem que esse não deve jamais “[…] se descuidar de despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado.” (MARX; ENGELS, 1999, p. 64) A propósito de termos recordado Marx, é pertinente lembrar também da observação que este fez sobre a necessidade que a classe trabalhadora tem de se transformar de “classe em si” para “classe para si” (MARX, 2008). Articulada a essa observação está a afirmação de Saviani de que “sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização não é possível a transformação revolucionária.” (SAVIANI apud VIDAL, 2011, p. 100)

Pelo que foi observado na pesquisa de campo, o entendimento que os professores investigados expressam sobre política e formação política distancia-se da ideia que procuramos explicitar tendo por referência o materialismo histórico-dialético e a pedagogia crítica. Visto que, em suas colocações, e pelo que vimos observando cotidianamente na escola e no sindicato, a política raramente aparece relacionada às disputas por interesses antagônicos ou com a luta de classes propriamente. A política aparece como algo que se relaciona com tudo: com regras, normas, direitos, deveres, atos, medidas, leis… e até mesmo como algo automático. Não conseguimos identificar alguma manifestação (implícita ou explícita) que pudesse relacionar a política como um lugar ou território de disputas, ou enquanto construção histórica. Tampouco fazem relação da política com as questões econômicas, com a base econômica da sociedade, com os interesses de grupos econômicos e com o modo de produção dominante, o capitalismo, em sua dimensão ontológica, ideológica e política neoliberal. Além disso, política é concebida como algo que encaixa a população como algo dado e que está aí para ser aceito, que não tem relação com as nossas escolhas ou com interesses de grupos; em duas palavras: puro determinismo.

Em vários relatos dos professores entrevistados a política aparece como sendo toda a ação do ser humano, ações naturais. Sobram expressões para adjetivar a noção ou ideia de política que se pode tirar dessas manifestações: a política enquanto ação espontânea, mecânica, automática, inocente, ingênua, isenta, neutra e livre de perspectivas axiológicas. O que nos parece é que, para grande parte dos professores entrevistados - e também pelas nossas observações participantes -, as ações ou práticas políticas são a-políticas, a-históricas, mistificadas e não refletem posições de classe. Tampouco se aproximam da perspectiva de política que queremos levar adiante: a ideia de ação política ou ação revolucionária, ou seja, da política enquanto práxis.

Esse entendimento mistificado (e contraditório) acerca da política tem se refletido no cotidiano das lutas e dos enfrentamentos aos desafios que se apresentam, seja na escola e no sindicato seja no contexto maior da luta de classes. De fato, os discursos e as práticas, tanto nas ações organizadas pelo sindicato quanto naquelas que podem ser bancadas nos locais de trabalho, são reveladores de um nível de consciência de classe ainda incipiente e eivado de senso comum. Dessa forma, nos planos teórico e prático, a noção ou ideia de política identificada nos discursos e atitudes (ações ou a falta delas - omissão) dos professores pouco se aproxima do conceito de política cujo fundamento reside na ideia de práxis (práxis política, atividade teórico-prática coletiva, consciente e transformadora) referenciada neste texto. Essa é uma questão que deve ser considerada, em qualquer esfera, no processo de formação dos professores - no sindicato, nas escolas e nas universidades.

No entanto, e felizmente, há um grupo significativo de docentes que, articulados aos sindicatos e aos diversos movimentos sociais, levam adiante a esperança (de esperançar) por meio da prática consciente do exercício das formas de militância. Eles fazem da escola, mais do que um local de trabalho, um espaço de luta e politização; buscam manter viva a utopia dialética ou a utopia enquanto possibilidade. Não esperam que as iluminadas lideranças sindicais tenham superpoderes e que consigam, como representantes da categoria, fazer o enfrentamento aos governos de tendência neoliberal. E, principalmente, para eles a história não acabou. São militantes da esperança de construção de uma sociedade mais justa e democrática; acreditam na força e na luta coletiva, provocam agitação política (para usar uma expressão de Lênin), produzindo, assim, de forma permanente, resistência ativa. Aliam-se aos outros milhares de trabalhadores, aos diversos movimentos sociais e organizações não-governamentais e enfrentam os desafios cotidianos que a nova conjuntura ilegal, neoliberal e neoconservadora impõe autoritariamente à classe trabalhadora.

O levante por direitos (“sem um direito a menos”), como já vimos nas últimas manifestações, é uma resposta da classe trabalhadora, e nesta se incluem os trabalhadores da educação que lutam contra o desmonte dos serviços públicos, a penalização aos servidores já precarizados e a violência da política de criminalização dos movimentos sociais e sindicais. Tal contexto exige unidade, organização e luta em torno daquilo que nos motiva a manter vivos nossos sindicatos: a defesa dos direitos dos trabalhadores da educação (carreira docente da Educação Básica e Superior e valorização salarial dos ativos e aposentados) e do caráter público, gratuito, democrático e laico da universidade. Todas essas questões colocam também a nós, lideranças sindicais, a tarefa inadiável do trabalho de formação política.

Conclusões provisórias e considerações propositivas

Como foi evocado na Introdução, o objetivo central deste artigo foi refletir sobre alguns elementos teórico-práticos que caracterizam a formação política dos professores da rede pública estadual do município de Chapecó (SC), visando identificar e problematizar as representações que os docentes têm sobre política e a relação que estabelecem com as questões de classe. Para tanto, levamos em consideração a hipótese de que a formação política dos professores carece de bases teórico-metodológicas, epistemológicas e ideológicas de caráter mais permanente, crítica e radical, que possibilite elementos para uma práxis de enfretamento dos problemas educacionais e para se pensar numa educação para além da lógica do capital.

Primeiramente, devemos considerar o fato de que os docentes compreendem o significado da dimensão política do homem e que todos os espaços sociais são espaços políticos. Eles têm uma representação da política enquanto um conjunto de relações que se desenvolvem naturalmente na sociedade, o que tem dificultado a percepção do caráter histórico, complexo, relacional e antagônico que a política enseja. Tal noção precisa ser superada, uma vez que contribui para a passividade dos docentes frente aos problemas sociais mais gerais e, especificamente, dos problemas educacionais. Em outras palavras, e parafraseando Gramsci, a formação política tem importância fundamental na superação da dimensão humana do homem-massa e, superada essa dimensão, é possível ascender a uma nova dimensão, a do homem-participante. A perspectiva gramsciana de homem-participante permite-nos, inclusive, pensar que o homem pode superar a noção de classe em si e atingir a perspectiva marxiana de classe para si.

No que tange à relação entre política, consciência e interesses de classe, é importante destacar que a noção de política apresentada pelos docentes está mais relacionada com ações mecânicas, livres e neutras. Pode-se dizer que a política, para parcela significativa deles, não está associada às questões de classe, aos interesses de grupos. Com esse entendimento mistificado do que é a política e do papel que esta, historicamente, exerceu e exerce numa sociedade de classes com interesses antagônicos, os docentes também demostraram, nas práticas e nos discursos, preocupantes limitações com relação à consciência de classe. Afirmamos, inclusive, com base nas análises empíricas, que parcela significativa dos docentes apresenta instinto de classe, isto é, suas ações são motivadas por manifestações subjetivas e espontâneas, em oposição às ações motivadas pela consciência de classe, que são objetivas e racionais.

É na linha dessas conclusões provisórias que explicitamos algumas considerações propositivas, principalmente para as lideranças do Sindicato dos Professores da Região de Chapecó (lócus da pesquisa), uma vez que o desafio para os sindicatos é fazer o enfrentamento político nos planos teórico e prático. Há a necessidade urgente de organização e viabilização, nas unidades escolares, de um processo de formação política permanente de caráter ético e ideológico. O conteúdo dessa formação pode ser construído tendo por referência os trabalhos de pesquisa que apontam para a necessidade de superação das limitações apresentadas no que se refere às questões de classe, política, consciência de classe, organização e da conjuntura atual da sociedade, principalmente no que se refere ao golpe à democracia produzido no Brasil em 2016. Tal processo de formação também precisa ter como desafio buscar a unidade de luta, ou seja, trazer para o debate outros movimentos sociais tais como: jovens do movimento de ocupação das escolas, acadêmicos do movimento negro, comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), movimento de mulheres camponesas e da Agricultura Familiar etc.

Referências

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VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Dermeval Saviani: pesquisador, professor e educador. Belo Horizonte: Autêntica/Autores Associados, 2011. [ Links ]

Notas

1 Essa questão se originou da pergunta-problema mais abrangente, a saber: a formação política de professores da rede pública estadual de educação no município de Chapecó (SC) apresenta elementos de uma formação crítica, radical e superadora para além do capital?

2 Por antipolítica (CLETO, 2016) entende-se, por exemplo, todo o conjunto de discursos e ações que se procura imprimir à sociedade brasileira de ódio à política, contemplando perseguições e criminalização dos movimentos populares, criminalização de práticas ideológicas em sala de aula, a cura gay etc.

3 Federação Anarquista do Rio de Janeiro: Luta Libertária - Militância e Ativismo. <https://anarquismorj.wordpress.com/…/luta-libertaria-militancia-e-ativism. Acesso em: 27 jun. 2016.

4 Para Marx e Engels (1999, p. 22), toda luta de classe é uma luta política, é o poder organizado de uma classe para a opressão da outra, enquanto a educação política representa a arma de luta para a tomada do poder político, objetivo (inicial) do proletariado.

Recebido: 28 de Maio de 2017; Aceito: 24 de Janeiro de 2018

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