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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.45 São Paulo jan./abr 2018  Epub 07-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n45.7840 

Resenhas

A construção da Pedagogia Socialista, de Nadezhda Konstantinovna Krupskaya São Paulo: Expressão Popular, 2017, 344 páginas.

Sebastião Carlos Pereira Filho1 

1Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho, São Paulo-SP, Brasil. Bolsista CAPES/PROSUP. cacau.adv@gmail.com

A construção da Pedagogia Socialista. Krupskaya, Nadezhda Konstantinovna. Expressão Popular, São Paulo: 2017.


1 Ossos brancos, ossos pretos1

A publicação em português de parte da obra de N. K. Krupskaya (1869-1939) dedicada aos estudos sobre a educação resgata a contribuição da autora neste terreno, vivenciada em um momento histórico marcante para a humanidade. “A Construção da Pedagogia Socialista” nos traz textos selecionados, inéditos em português, traduzidos dos originais russos arquivados na Academia de Ciências Pedagógicas e abrange a produção intelectual da autora entre 1899 e 1938. O material, organizado por Luiz Carlos de Freitas e Roseli Caldart, oferece-nos ainda, como apêndice da obra, quatro declarações editadas pelo governo bolchevique, que lançam as bases para uma nova escola pública estatal sob o regime socialista.

Nos anos preparatórios ao levante que levou os bolcheviques ao poder, em 1917, Krupskaya teve importante atuação militante, com destaque nas tarefas de organização e formação política revolucionária. Entre 1917 e 1933 cumpriu papel de relevo na elaboração dos currículos e programas escolares, tendo ocupado cargos no Ministério da Educação (Narkompros) e na Seção Pedagógica da Comissão Cientifica Estatal. Sua obra não se limita aos temas relacionados à educação, mas foi, sem dúvida, nessa área, que deixou seu maior legado teórico.

2 A pedagogia socialista

Há um fio condutor, que confere unidade e coerência aos textos selecionados: o papel da educação numa futura sociedade sem classes, fundada na crítica ideológica ao papel da escola como instrumento de educação de massas pelas classes dominantes, no capitalismo. Dentro desse tema geral, a transição da escola de ensino burguesa para uma escola de trabalho, socialista, e a concepção politecnicista da educação são os dois eixos ordenadores fundamentais da elaboração pedagógica de Krupskaya e, poderíamos dizer, dos órgãos estatais responsáveis pela educação desde a tomada do poder pelos revolucionários russos até1931, quando a experiência é abandonada e o ensino tradicional é retomado.

Em “A mulher e a educação das crianças” (1899), de forma simples e direta, Krupskaya se dirige às mulheres operárias na defesa da educação pública e do socialismo. “Ao Congresso dos Professores Públicos” (1913) apresenta as reivindicações dos bolcheviques para a construção de uma escola democrática, laica e gratuita e no artigo “Materiais para a revisão do programa do partido” (1917) expõe suas divergências com o programa bolchevique para a educação, em meio às tensões que marcam o período entre as revoluções de fevereiro e outubro de 1917.

Em “Educação pública e democracia” (1915) desenvolve a concepção da transformação da escola do ensino em escola do trabalho e em “Sobre a questão da escola socialista” (1918) discorre sobre a educação no estado burguês, analisa e compara as experiências educacionais da Inglaterra e dos Estados Unidos, na perspectiva da construção da escola numa sociedade sem classes. A defesa da escola única para o trabalho e da educação politécnica são retomadas em “A questão da educação comunista” (1921).

Para a juventude Krupskaya escreve “Sobre a questão da educação comunista da juventude” (1922). Em “A ideologia proletária e a cultura proletária” (1922) polemiza com os idealizadores do movimento Proletkult e em “As tarefas da escola de primeiro grau” (1922) desenvolve os conceitos da escola do trabalho adequados ao ensino nos primeiros anos. Em “Auto-organização escolar e organização do trabalho” (1923) descreve como os problemas de organização afetam o desenvolvimento da educação, enquanto no artigo “Sobre os complexos” (1925) dialoga com as dificuldades e fetiches criados a partir dessa construção pedagógica, uma das bases fundamentais da organização escolar soviética naquele período.

A defesa da escola como fomentadora do ativismo social é a temática do artigo “Sobre a questão do trabalho socialmente necessário na escola” (1926) e a defesa da educação politécnica está presente, mais especificamente, nos artigos “Sobre o politecnicismo” (1929) e “A escola politécnica e a organização dos pioneiros” (1932). Já o papel do professor é tratado em “O que o professor deve dominar para ser um bom educador soviético” (1933).

A autora discute ainda as contribuições de Lenin e Marx para a educação. As contribuições do líder bolchevique são tratadas em “Lenin: sobre a educação e o professor público” (1927), “As operárias e camponesas nos conselhos” (1927), “Dias de Lenin” (1931), “O papel de Lenin na luta pela escola politécnica” (1932), “Lenin como propagandista e agitador” (1933) e “Lenin e a moral comunista” (1937). Outros três textos discorrem sobre a contribuição do fundador do socialismo científico: “Marx e a educação comunista da juventude” (1933), “Por uma educação internacionalista” (1934) e “Os ensinamentos de Marx para o educador soviético” (1938).

3 A URSS como laboratório da pedagogia socialista

A proposta pedagógica formulada pelos bolcheviques estabelecia, como metas a alcançar, a educação em tempo integral para as crianças, no prazo o mais breve possível, e a erradicação do analfabetismo. A oferta do ensino estaria baseada num sistema educacional público, estatal e gratuito; laico e único para todos os cidadãos; abolindo-se, por completo, o ensino privado e a divisão escolar imperante no país, por classes sociais. A concepção mais geral de gestão escolar baseava-se num sistema auto-organizado em conselhos comunitários, que contariam com a participação dos educadores, pais e estudantes, um sistema radicalmente descentralizado com participação ampla da população e autonomia local, inclusive para a seleção pública e destituição dos professores.

A distribuição racional e planejada do trabalho, como instrumento fundante da nova sociedade, teria na educação para o trabalho proposta por Krupskaya, uma das bases da pedagogia socialista. Em contraposição à escola tradicional de ensino, isolada da complexidade da vida em sociedade, divorciada da realidade social, a autora propugnava a construção de uma escola livre, em que o pleno desenvolvimento das crianças se daria pela integração ao trabalho produtivo, com a participação e vinculação das instituições proletárias, como os sindicatos e as cooperativas, preparando e formando lutadores sociais. Essas eram as bases das Escolas-Comuna, também chamadas de Escolas Únicas do Trabalho.

Já a politecnia ou politecnicismo consistiria num sistema global cuja base é o ensino da técnica nas suas diferentes formas, impregnando todos os conteúdos e articulando as disciplinas escolares com as atividades práticas e o ensino do trabalho, possibilitando a estreita ligação do trabalho social produtivo com o ensino das crianças. A escola politécnica se diferenciaria da escola profissionalizante por ter a sua centralidade na compreensão generalista e interdisciplinar dos processos do trabalho, na fusão de teoria e prática, e não na formação especializada para determinada habilidade de trabalho, como ocorre na escola profissional monotécnica.

4 As transformações no pensamento de Krupskaya

As posições de Krupskaya evoluíram do enfrentamento às direções bolcheviques resistentes às reformas educacionais ao acatamento das diretrizes políticas e econômicas governamentais. Seus trabalhos, em particular após a morte de Lenin e a consolidação do poder de Stalin (1924) vão gradativamente se adaptando e Krupskaya abandona suas críticas iniciais ao visível crescimento da burocracia no aparelho do Estado e no Partido.

A evolução desse posicionamento político acaba desaguando na defesa de medidas impopulares e autoritárias, como a coletivização forçada da terra e o apoio aos camponeses ricos - kulaks -, que implicaram na eliminação e expurgo de milhões de camponeses pobres do interior da União Soviética.

Ao final da década de 1920, o fechamento do regime político levou a que vários dos principais aliados de Krupskaya na elaboração da política educacional, dentre eles Pistrack e Pankevich, fossem assassinados pela polícia política soviética. Lunacharsky, o primeiro a ser nomeado Ministro da Educação, afastou-se das atividades educacionais e, fora do país, cumpriu tarefas de representação diplomática. Ainda assim, Krupskaya viria a assumir a redação de artigos que foram utilizados como instrumentos de propaganda e exaltação das conquistas soviéticas para as novas gerações. Ademais, encampa a defesa do estackanovismo (movimento de estimulo à produtividade no trabalho, cujo aumento seria resultado da vontade individual do operário), tudo isso já em meio aos processos de Moscou (1936-1938) que resultaram na condenação e morte do restante da velha guarda bolchevique.

A leitura da obra de Krupskaya é obrigatória para todos que pretendem compreender a experiência teórica, programática, histórica e concreta da pensadora e seu papel dirigente, dentre outros, na implantação da pedagogia socialista na nascente república soviética. Possibilita entender os avanços, os limites e percalços dessa pioneira iniciativa pedagógica, que se deu em meio à luta pela consolidação de um governo nascido de uma revolução popular vitoriosa, experiência que possibilitou, naquele país continental, num curto espaço de tempo, avançar e superar o legado reacionário de séculos de opressão, erradicar o analfabetismo e ainda possibilitar o acesso de amplas parcelas da população à educação, à cultura, às artes, aos esportes e às ciências.

REFERÊNCIAS

A construção da Pedagogia Socialista, de Nadezhda Konstantinovna Krupskaya São Paulo: Expressão Popular, 2017, 344 páginas. [ Links ]

Nota

1 Expressão que, em russo, equivaleria aos nobres (ossos brancos) e plebeus (ossos pretos), mas que também designava a divisão da sociedade entre os que executam o trabalho intelectual (ossos brancos) e o trabalho físico (ossos pretos) e, ainda, a escola média (para os ossos brancos) e a escola profissional (para os ossos pretos).

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