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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.46 São Paulo maio/ago 2018  Epub 10-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n46.8309 

Artigos

A história da escola estadual comunitária rural de Colatina: relatos de protagonistas

The history of the rural comunity state school of Colatina: reports of protagonists

Rosângela Pereira de Oliveira1 

Ozerina Victor de Oliveira2 

1Doutoranda em educação da Universidade Federal do Mato-Grosso. Cuiabá - MT- Brasil ro.oliveira.clio@gmail.com

2Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - MT - Brasil ozerina@ufmt.br


Resumo

O texto relata pesquisa sobre a história da Escola Estadual Comunitária Rural Colatina (EECOR). A problematização centra-se no debate sobre a possibilidade de uma escola vinculada ao Estado constituir-se em perspectiva decolonial e na compreensão das estratégias de construção de um processo investigativo com esse sentido. O suporte epistemológico da pesquisa está relacionado à análise histórico-crítica, a história como movimento no qual os processos sociais se relacionam e se transformam intrinsecamente, numa abordagem teórica que se alinha às concepções das epistemologias do Sul e da pedagogia freiriana. A metodologia do estudo compreendeu uma abordagem qualitativa com uso de pesquisa participante, numa perspectiva teórica e prática que assume a investigação como produção coletiva de conhecimento. Os instrumentos escolhidos foram a análise de documentos e as entrevistas narrativas com os principais protagonistas do processo de constituição da escola, a partir das quais foram constituídas as categorias de análise. Os resultados apontam que a Pedagogia da Alternância pode fornecer práticas de resistência que contribuem com a construção de uma perspectiva decolonial para a Educação do Campo.

Palavras-chave: Decolonial; Educação do Campo; Escola Estadual Comunitária Rural Colatina; Pedagogia da Alternância

Abstract

The text reports the research on the history of the Colatina Rural Community School (EECOR). The problematization is centered in the debate about the possibility of a school linked to the State constituting itself in a decolonial perspective and in the understanding of the strategies of construction of an investigative process with that sense. The epistemological support of research is related to historical-critical analysis, history as a movement in which social processes relate and transform intrinsically, and in a theoretical approach aligned to the conceptions of the epistemologies of the South and Freirian pedagogy. The methodology of the study comprised a qualitative approach using participant research, in a theoretical and practical perspective that assumes research as a collective production of knowledge. The instruments chosen were the analysis of documents and the narrative interviews with the main protagonists of the process of constitution of the school, from which the categories of analysis were constituted. The results indicate that the Alternation Pedagogy1 can provide resistance practices that contribute to the construction of a decolonial perspective for Field Education.

Keywords: Decolonial; Field Education; Colatina Rural Community School; Pedagogy of Alternation

1 Introdução

Conforme Nosella (2012, p. 45), é possível compreender que a história de uma ideia é também a história de um homem (ou de muitos, ou de uma comunidade) e, de certa forma, é também a história da época, dos problemas vividos. Nesse contexto, os movimentos sociais, especialmente os campesinos, vêm tensionar as relações sociais, propondo outras formas de organização política e econômica, estabelecendo espaços educativos como estratégicos para alicerçar uma sociedade para além do capital (MÉSZÁROS, 2009; MARX, 2008). O Estado é compreendido como espaço social de disputa e a educação, mecanismo de luta e emancipação humana. A partir do entendimento de que a escola pública é instituição do Estado, problematizamos: Pode uma escola estadual constituir-se em uma perspectiva decolonial? Quais são as estratégias de construção de um processo com tal direção e sentido?

Propusemo-nos a ouvir os relatos de sujeitos que participaram da constituição da Escola Estadual Comunitária Rural de Colatina (EECOR), a fim de analisar sua historicidade à luz do problema posto. Acrescenta-se à tessitura da pesquisa a constatação de que as práticas da Pedagogia da Alternância (PA)1 no Espírito Santo ocorrem, prioritariamente, por meio da filantropia presente nas Escolas Famílias Agrícolas do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES)2. Esse fato limita o campo de ação dessas escolas, uma vez que atendem a um público restrito que, na maioria, adere à escola por opção3. O caráter público da EECOR permite o questionamento a respeito da possibilidade de acesso e universalização de propostas educativas contra-hegemônicas4 no seio do Estado hegemônico.

O suporte epistemológico da pesquisa está relacionado à análise histórico-crítica, a história como movimento no qual os processos sociais se relacionam e se transformam intrinsecamente. A abordagem decolonial, aqui entendida como ontologicamente crítica, e a correspondente decolonialidade do conhecimento e do saber e, por conseguinte, dos mecanismos constitutivos de poder, aliam perspectivas que contribuem para ampliar a visibilidade de questões referentes a etnia, gênero, identidade, territorialidade.

O desafio de trazer o pensamento decolonial como tarefa de desconstrução (seguida da reconstrução e/ou surgimento) do poder e do conhecimento anima politicamente este artigo.

2 Pedagogia da Alternância - um pouquinho da história…

O conceito de alternância, enquanto estratégia pedagógica, não inicia com os Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFAs)5. Segundo Telau (2015, p. 17):

A origem da Alternância enquanto estratégia educativa não é contemporânea à fundação dos CEFFAs (GIMONET 2007). As experiências anteriores, que remontam à Idade Média, alternavam tempos e espaços formativos procurando articular o mundo do trabalho com o da formação. Na fase da industrialização estas experiências entram em contraversão. Se as escolas industriais aproximam o ensino do trabalho fabril com a intencionalidade de preparar a mão-de-obra para o trabalho, a “escola socialista do trabalho” sugere o trabalho como princípio pedagógico da escola, superando a visão dualista de teoria e prática e inaugurando a práxis educativa. Nessas trajetórias divergentes na relação do mundo do trabalho com o mundo da escola estão guardadas as bases que serviram de inspiração para os franceses sistematizarem o que seria mais tarde chamado Pedagogia da Alternância. (TELAU, 2015, p. 17)

Com relação ao processo francês, registra-se a origem da primeira Maison Familiale Rurale (MRF) em 1935, em Lot-et-Garone, região Sudoeste da França. Os jovens permaneciam três semanas trabalhando em suas propriedades sob a orientação dos pais e ficavam reunidos durante uma semana por mês estudando na casa paroquial. Nesse tempo/lugar faziam um curso de agricultura por correspondência e, junto a este, recebiam uma formação geral, humana e cristã orientada por um padre. Na transição do modelo para a Itália, em 1959, o movimento se torna mais ligado à Igreja Católica e ao Estado, o que corresponde à menor autonomia das famílias.

É com essa perspectiva que chega ao Brasil em 1969, no sul do Espírito Santo, para atender imigrantes italianos e suas famílias. Mesmo com adaptações, alguns princípios têm sido marca identitária da PA: são elementos que visam a participação e o protagonismo das famílias, com fundamento na ideia de gestão compartilhada da escola e de parceria na formação do jovem. Outros fundamentos também criaram uma identidade para a PA, como é o caso do instrumental pedagógico, que conta com visitas, cursos, palestras, experiências, projetos, entre outros.

Trata-se de uma pedagogia que considera o processo de formação humana não a partir de saberes prontos, ou verdades absolutas, nem inferioridade e tampouco superioridade na construção do conhecimento. O campo, sob os olhares da prática problematizadora da PA, é território de produção de vida, de produção de relações sociais - relações biófilas entre os homens e a natureza; nele também se problematiza a relação campo e cidade para além de uma percepção dicotômica, dado que é território de produção de história e cultura, de luta e resistência dos sujeitos que ali vivem e lutam para terem acesso e permanecerem na terra. É espaço de produção material e simbólica das condições de existência e de valorização dos saberes dos povos do campo.

3 Escola Estadual Comunitária Rural de Colatina (EECOR)

A Escola Estadual Comunitária Rural de Colatina é uma entidade pública ligada à Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo que oferta Educação Profissional Técnica (Técnico em Agropecuária) integrada ao Ensino Médio, com a metodologia da PA. O prédio para o curso possui duas salas e as turmas também podem ocupar duas salas na Escola Municipal Comunitária Rural Padre Fulgêncio do Menino Jesus, com a qual a EECOR divide outros espaços como laboratório de informática, quadra de esportes, banheiros, refeitório, biblioteca, secretaria e sala de professores.

A implementação do curso ocorreu gradativamente: primeiro, uma turma de 1º ano em 2012; a partir daí, sucessivamente, até que, em 2015, tinham sido implementadas quatro turmas de 1º ao 4º ano. Em 2014, houve uma modificação no curso, reduzindo para três anos a formação. Até 2016, a escola funcionou com duas organizações curriculares, uma com duração de três anos e outra, de quatro anos. A escola, em 2016, contava com setenta e dois estudantes originários de 17 comunidades campesinas (trinta no primeiro ano, dezoito no segundo, vinte no terceiro e quatro estudantes na turma de quarto ano do curso de quatro anos), atendidos por sete educadores que trabalham o currículo organizado por áreas do conhecimento.

A organização curricular da escola, segundo sua proposta pedagógica de 2011, opta pelas tecnologias agroecológicas e adota aulas presencias e não presenciais distribuídas de acordo com a carga horária de cada área do conhecimento, nas quais se trabalha a partir de temas geradores. Nas terças e quintas-feiras os jovens permanecem na escola em tempo integral; já nos demais dias, no período da tarde (estadia), os estudantes executam atividades vivenciais, como pesquisa e estágio curricular, relacionadas às diferentes áreas do conhecimento e às especificidades do curso técnico.

Ao final de 2016, a superintendente regional comunicou aos pais, em reunião, que em 2017 não abriria matrículas para o primeiro ano do curso técnico em agropecuária, alegando que o Conselho Estadual de Educação não deu parecer favorável, pois o curso não se enquadrava na estrutura das outras escolas públicas estaduais. Os pais ali presentes questionaram a função do Estado que, como mantenedor da escola, deveria resolver essa questão. A Associação das Famílias da Escola, então, procurou o Comitê, que de forma verbal alegou não ter recebido o pedido de renovação do curso por parte da Superintendência Regional de Educação.

Assim, somos levados a pensar que haja um movimento, por parte da Superintendência Regional, no sentido de encerrar o curso. As famílias, reunidas com a advogada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, entraram com ação no Ministério Público a fim de impedir o gradual fechamento da escola, que parece estar em curso. As estratégias do Estado têm sido a burocracia, a desinformação, o não cumprimento de prazos e ações pela mantenedora; da parte das famílias tem sido a procura de parceria no poder municipal, na procuradoria e na legislação que ampara e salienta o direito à educação e suas especificidades. O controle do conhecimento que preserva e produz setores de uma sociedade é um fator decisivo no aumento da dominação ideológica de um grupo de pessoas ou de uma classe sobre grupos menos poderosos. Sob esse aspecto, não é de pequena importância o papel da escola na seleção, preservação e transmissão de concepções de competência, normas ideológicas e valores.

Ao discorrer sobre as questões campesinas é preciso considerar todos os aspectos supracitados, compreendendo o campo em toda sua singularidade, pluralidade, materialidade, suas contradições, lutas e relações que produzem e reproduzem cultura. Portanto, é território em disputa: de um lado está uma colonização do saber que aponta para uma homogeneização da cultura que fortaleça e, de outro, a identidade da escola, a prática docente, a comunidade, que podem disputar a perspectiva da cultura campesina, manifestação de uma rede de pessoas que tem seu próprio jeito de representar o seu modo de viver, trabalhar, conhecer e entender o mundo.

4 Fundamentação Teórica e Metodológica

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a história da construção da EECOR, a partir do relato dos sujeitos que protagonizaram sua constituição, e quais problemáticas implicam na implementação de uma educação emancipatória diante de um Estado hegemonicamente capitalista, sob uma fundamentação neoliberal tecnicista. Para tanto, foi necessário selecionar um repertório teórico e metodológico que nos possibilitasse entender e analisar o problema com toda a contradição que ele traz em sua historicidade, conquanto optamos por um referencial epistemológico que permitisse discutir assuntos dessa natureza.

É assim que a pesquisa se pautou numa abordagem qualitativa, tendo as epistemologias surgidas no Sul (SANTOS, 2009), com suas experiências, métodos e pedagogias de resistência, como referências do compromisso com e da valorização de ‘outro conhecimento’, representando contraponto necessário à colonialidade que sustenta a imposição racial/étnica e cultural enquanto padrão de poder e que, imposta pelo Norte, opera nos planos materiais e subjetivos da existência social cotidiana e da escala societal (QUIJANO, 2005). É nesse ambiente que buscamos compreender a educação do campo como um território preferencial de disputa epistemológica, social e política, sobretudo em seu significado, em suas intencionalidades e em contextos em que estejam sendo construídos processos educativos que remetam a uma proposta de transformação social. Trata-se de compreender a dinâmica desse processo como possibilidade de desenvolver práticas educativas que podem constituir fendas a serem ampliadas na perspectiva da superação do pensamento colonizado.

Para a análise da história de constituição da EECOR, sob o olhar de protagonistas dessa ação, alinhamo-nos à percepção de que os indivíduos, em sua complexidade, constituem a sociedade. Entender e conceber o mundo, o todo ‘e’ as partes é responsabilidade do sujeito coletivo e “[…] implica indagar como se formam as vontades coletivas permanentes, e como tais vontades se propõem objetivos imediatos e mediatos concretos, isto é, uma linha de ação coletiva.” (GRAMSCI, 1984, p. 90)

Aparece, nesse aspecto, um ponto crucial: a questão do protagonismo aliado à participação. A ideia de mutirão, de coletividade surge com insistência, aqui associada à questão de comunidade. A própria constituição da escola é processo de formação, os sujeitos e o processo se constroem concomitantemente. Pensar o trabalho cultural da educação, sua diversidade, as matrizes geradoras de aprendizado e a necessária elaboração da equidade social aporta em desafios históricos: significa pensar a conjuntura dinâmica e dialética do modo com que as interações sociais adquirem forma, significado e modificam-se à medida que percorrem a práxis social. Torna-se necessário pensar a formação do conhecimento como uma posição ideológica, um ato de inteligibilidade, projetando o sujeito político que renova valores a fim de se posicionar e se instrumentalizar para a cidadania frente às agressões e à passividade do Estado. O conhecimento-emancipação (SANTOS, 2009), ao integrar o ideal da democracia participativa, propõe a ‘repolitização’ da vida coletiva cidadã e da justiça social.

A construção de uma escola, ou ainda, de forma mais abrangente, uma educação que aponte em uma direção emancipatória, não se dará, portanto, por concessão das classes dominantes. É necessária a militância, a resistência, ação consciente e convergente de pessoas em diferentes esferas de atuação. Ampliar as perspectivas das práticas que precisam ser atendidas, além das necessidades prementes da vida cotidiana, vem reafirmar a importância da participação.

Para Paulo Freire (1992), há manhas que a classe trabalhadora desenvolve a fim de transpor as tramas da classe hegemônica e, ao mesmo tempo, há tramas que os trabalhadores tecem para realizar suas lutas, neste caso, os parceiros que sustentam o projeto. Há, ainda, dramas que constituem os desafios do processo no cotidiano. Nisso fundamenta-se a construção de um saber, também em intervenções diretas da sociedade civil. Essa mudança radical traz uma reinvenção do público, ou melhor, de uma apropriação do poder político por meio da ampliação dos processos participativos.

Nesses termos, a opção de pesquisa sobre a historicidade do processo constitutivo da EECOR, registrado a partir do olhar dos referidos sujeitos, está alicerçada em um entendimento de que o arcabouço no qual pessoas, grupos e sociedades se organizam para representar o seu jeito de viver, de entender e conceber o mundo, sua cultura (por meio da linguagem e das práticas), costumes, tradições e comportamentos são espaços fecundos também de análise epistemológica.

No que tange ao processo de narrar a história de vida e/ou de grupos sociais, tem uma perspectiva ampla de compreensão do fenômeno, contribuindo para dar cientificidade às vozes desses protagonistas. Nosso intuito é de desenvolver uma proposta na qual as ferramentas científicas favoreçam a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação do grupo, em que o pesquisador adota uma dupla (e difícil) postura de observador crítico e participante ativo (BRANDÃO, 1991), para que a própria pesquisa possa ser um instrumento de fortalecimento e emancipação das pessoas como sujeitos históricos. Para Brandão e Streck (2006), a pesquisa é participante porque, como uma alternativa solidária de criação do conhecimento social, se inscreve e participa de processos relevantes de uma ação social transformadora de vocação popular e emancipatória. Nos termos consignados por Brandão (2006, p. 40):

[…] a pesquisa participante tende a ser concebida como um instrumento, um método de ação científica, ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política quase sempre mais amplo e de maior continuidade do que a própria pesquisa.

As entrevistas foram sistematizadas e posteriormente agrupadas de modo a que falas semelhantes compusessem uma classe, para a seguir apresentar a análise dessas falas, procurando abordar, também, as contradições que aparecem nesse processo. Partimos do movimento do concreto-empírico ao abstrato (FREITAS, 1995, p. 75). A EECOR representou, portanto, nesta pesquisa, a concretização de possibilidades, no entendimento de que “[…] o concreto só é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso.” (MARX, 1987, p. 16) Cada uma das pessoas entrevistadas narra a história da EECOR imbricada com a sua história de vida e expõe o modo como, nessa trajetória, histórias, pessoas e lutas se entrelaçam.

5 Trajetória de pesquisa: manhas, tramas e dramas

Este texto surge como reflexo do trabalho de conclusão da Especialização em Pedagogia da Alternância do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Campus Barra de São Francisco, Turma 2015/2016, realizada em parceria com a Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo (RACEFFAES). A partir desse curso, educadores de diferentes CEFFA’s, com suas comunidades, construíram pesquisas que contribuíssem na análise de sua própria realidade, desvelando desafios e estabelecendo estratégias para vencê-los. O caráter participante da pesquisa, portanto, se entrelaça permanentemente como metodologia e como concepção para que essa história seja contada.

Para Nivaldo, presidente da Associação de Pais da Escola de São João Pequeno, por exemplo, o início do processo é antigo, antes de sua participação como liderança da comunidade. Ele salienta: “[…] eu não tive uma participação assim, na época não tinha filhos estudando, era muito jovem […]” Ivone, presidenta da Associação de Pais da Escola Estadual Comunitária Rural de Colatina (APEECOR), assim como Nivaldo, relata que a luta começou ainda no século passado6:

Este desejo, eu acho, assim que iniciou, na época, eu não participava deste grupo […] a gente sabe que no final dos anos 90 que os jovens estavam ligados ao sindicato, a estes grupos né? Que eles tinham este desejo, de uma escola voltada à realidade, no caso, do campo, era um desejo desses jovens daquela época. (18/09/2016)

Nivaldo acrescenta que a construção da escola de nível fundamental na Comunidade de São João Pequeno foi parte fundamental do alicerce da EECOR:

[…] o grande desejo de São João Pequeno já era ter uma escola de ensino fundamental aqui em São João Pequeno. Os alunos […] saiam daqui e iam para Itapina estudar. Tinha aluno que andava cento e vinte quilômetros, ida e volta […]. Muito difícil era naquela época, os pais muito preocupados com os jovens […] às vezes o ônibus ficava garrado na estrada, tinha que ir buscar, a comunicação difícil na época, a gente fazia aqueles mutirões: - Ah! Vai buscar seu filho? Busca o meu também que está na estrada. […] E aí em 2011 realizamos este sonho, ensino fundamental, aqui, em São João Pequeno. Fizemos toda uma movimentação nas comunidades, reuniões […] A SEMED7 junto com as famílias, orientando […] para a vontade se tornar realidade […] (18/09/2016)

No relato apresentado percebemos o registro de três pontos fundamentais: a distância para ter acesso à escola; o descaso com as estradas; a ideia do mutirão, do esforço coletivo, da solidariedade. Esses camponeses unidos passam a questionar o Estado e as suas representações, sejam parlamentares ou institucionais, suas ações, mediações, políticas públicas. Como ressalta Nivaldo:

Da mesma forma que lutamos pelo Fundamental, começamos também a lutar pelo Médio em Alternância, e um local que ficasse mais próximo de nós, […] feito um diagnóstico onde as famílias já diziam que neste Vale deveria ter uma escola própria e apropriada, de acordo com a realidade do campo. O povo estava perdendo a identidade […] por ser obrigado a sair de seu ambiente, seu lugar e se adequar ao urbano, não tinha outra opção. Então, como já tinha este diagnóstico, tinha famílias envolvidas, se tornou mais fácil a gente organizar. Começamos então assim a fazer reuniões: São João Pequeno, Reta, as associações, os conselhos […] E começar a discutir o assunto, avaliar e começar a convidar aqueles parceiros que a gente achava era importante. (18/09/2016)

Identificamos, nessa fala, a compreensão de que a escola serve também como espaço de fortalecimento da identidade. Já Edvaldo Noventa, Vice-Presidente da Associação Promocional Escola Municipal Comunitária Rural Padre Fulgêncio do Menino Jesus, expõe que tal história se anuncia ainda em sua juventude:

Na realidade, o meu envolvimento na questão da Pedagogia da Alternância vem desde quando eu tinha de 22 a 30 anos de idade […] A gente tinha uma organização da juventude rural no estado. O MEPES já funcionava e a gente, baseado naquela educação que a gente via no MEPES […] queria trazer também para o nosso município […] E na ocasião nós tínhamos contato com deputados, com o governador do Estado […] e nós negociamos com este povo todinho esta transformação da educação. Que na realidade, o que a gente queria, desde aquela época, era que as escolas do campo tivessem uma educação voltada para a realidade na qual os alunos viviam, e que não tivesse aquela educação que tinha na cidade, que aquilo não provocava interesse nos alunos a permanecerem no campo e, então, esta etapa ela foi uma etapa frustrada. (18/09/2016)

Assim, podemos analisar que, mesmo com a solidariedade entre os jovens e a compreensão de suas especificidades, a conjuntura política daquele período não possibilitou a consolidação de suas propostas. É significativo referendar que houve um tempo de luta e construção, de ocupação de outros espaços, de unificação de lutas campesinas. Fica salientada a relevância do sindicato, como espaço fundamental de representação desses camponeses e de conquista de direitos, como Edvaldo exemplifica:

E quando então em 2001 nós tivemos um programa, uma proposta de trabalho liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, chamado PDLS8, e que novamente voltou a vigorar esta ideia de a gente ter a transformação da Educação, que a gente queria uma educação voltada para a realidade em que cada aluno vivia, que era chamada educação na Pedagogia da Alternância e esta proposta foi construída. (18/09/2016)

Podemos exemplificar esse aspecto, igualmente, na entrevista de Ivone, temos que:

[…] no final dos anos 90 que os jovens estavam ligados ao Sindicato […] eles tinham este desejo de uma escola voltada à realidade, no caso, do campo, era um desejo desses jovens daquela época. E aí, a partir disso, anos mais na frente, no caso, acho que em 2001 que já começou um movimento aonde a prefeitura, a secretaria ouvia através do plano de educação, então eles ouviam muito as comunidades e principalmente estes jovens, agora já eram bem adultos. Sobre a Pedagogia da Alternância, que estes jovens ligados ao sindicato, eles já tinham o conhecimento, no caso um conhecimento mais profundo deste trabalho. (18/09/2016).

Ivone expõe em sua fala que as pessoas que estavam no sindicato já tinham conhecimento da PA - muitos eram egressos de Escolas Famílias do MEPES - e que, reconhecendo as possibilidades e a aderência dessa pedagogia às necessidades da região, advogavam por sua implementação. Na fala de Edvaldo é possível entrever tal análise quando ele narra sua militância na juventude para implementar uma escola do MEPES na região, e agora milita para que a escola, além de ser do campo, seja mantida pelo poder público e orientada pela PA.

Foi a partir de 2009, quando um novo planejamento foi realizado pelo poder público municipal, que aqueles jovens que sonharam com essa escola - agora na condição de pais - puderam ver seu sonho saindo do papel. Nesse contexto, contaram com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colatina, que realizou um estudo nas comunidades rurais do Vale de Santa Joana e sugeriu a criação de uma escola do campo. Ao perceber as reivindicações, a Secretaria Municipal de Educação inicia, em 2010, o processo de implantação de dois Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFAs), as Escolas Municipais Comunitárias Rurais (EMCOR)9. O processo vai crescendo em direção à formação em nível médio, como relata Nivaldo:

Teve um pai, na verdade, que chegou um dia e disse assim: “- Poxa vida! Conseguimos o que queríamos: Ensino Fundamental […] Em São João Pequeno, do 6º ao 9º ano, em Alternância. E agora, de que vai valer esta Alternância para nós, sabendo que agora eles vão sair daqui, e eles vão voltar novamente para o ensino regular? Ensino convencional lá em Colatina de novo ou Itapina. ” Aí, diante desta fala do agricultor, este sentimento começou a ganhar força […] que terminando o 9º ano precisaríamos também de um ensino médio em alternância. […] E aí, como fazer? Da mesma forma que lutamos pelo Fundamental, começamos também a lutar pelo Médio em Alternância, e um local que ficasse mais próximo de nós, como a relação entre São João Pequeno e a Reta era muito próxima […] de convivência, de luta, de movimento sindical, então assim começamos a somar força. (18/09/2016)

Enfatizamos que tais pessoas são protagonistas da construção de uma perspectiva de educação emancipatória com vistas à formação humana, pois não apenas reivindicam escola, mas, sobretudo, que ela adote um modelo educacional próprio e apropriado às suas especificidades, visualizando a PA como um instrumento significativo para a educação dos cidadãos que permanecem no campo, espaço que é tanto geográfico quanto de vivência, como analisam Molina e Freitas (2011, p. 11):

A luta dos trabalhadores para garantir o direito à escolarização e ao conhecimento faz parte das suas estratégias de resistência, construídas na perspectiva de manter seus territórios de vida, trabalho e identidade, surgiu como reação ao histórico conjunto de ações educacionais que, sob a denominação de Educação Rural, não só mantiveram o quadro precário de escolarização no campo, como também contribuíram para perpetuar as desigualdades sociais naquele território.

Compartilhar espaços resulta em vários desafios (os dramas cotidianos), mas também apresenta manhas pela compreensão da importância em materializar a escola de ensino médio como enfatizado por Ivone, Presidenta da Associação de Pais da EECOR:

Como se diz, foi por causa de muita persistência mesmo, das famílias, e de outras pessoas que, na época, lá nos anos 90 eram jovens, agora nesta época, já eram pais de estudantes, pais e mães […] que se abriu esta escola porque se fosse pelos órgãos competentes não teriam aberto assim a escola com tanta rapidez […] Eles até justificavam […] que leva todo um processo […] Desde a estrutura da escola e funcionamento […] Foi aonde também a EMCOR abriu as portas […] Que isso foi também um desafio muito grande […] - Não, se o problema é o prédio… Vai funcionar aqui… Aí vieram as dificuldades, uma escola que atendia de educação infantil ao 9º ano agora vai atender também estudante de ensino médio. No mesmo ambiente, no mesmo local, com idades tão diferentes. (18/09/2016)

O anúncio do novo ainda está repleto de desafios, como esclarece Edvaldo:

[…] se passaram quatro anos e este prédio não foi construído e até hoje a escola continua funcionando num prédio de acordo, num acordo entre Estado e do Município na escola de ensino fundamental. Haja vista que esta verba teria tempo para ser gasta, nós calculamos que ela nem existe mais para este fim, ou foi devolvida ou foi gasta em outras espécies. (18/09/2016)

Vemos nessa fala a compreensão de que o acordo entre município e estado foi necessário para a construção da escola e que há uma percepção da importância dessa etapa. Porém, a certeza de que ainda é preciso avançar para promover e garantir, não só a qualidade da educação ofertada aos jovens, mas também as especificidades, como vemos nas falas de todos os entrevistados quando se referem aos desafios:

Eu penso assim, a maior dificuldade nossa foi e continua sendo no momento, foi a questão espaço, espaço físico, nós estamos no gargalo, assim, mesmo que o Estado acenasse assim, não, eu vou fazer o que a comunidade quer, o Município quer, o movimento sindical quer, então nós vamos colocar recurso para fazer, para construir, mas, e o local? O local, o espaço não é competência do estado e sim a construção, aí ficou muito apegado nesta questão do espaço. Espaço para construção, espaço-propriedade para a construção do espaço físico da alternância ensino médio, porque na verdade a gente, nós não queríamos ali onde está não, nunca quisemos que fosse ali, mas foi a alternativa. […] temos a escola de alternância, criamos o espaço físico, mas não estamos de forma adequada ainda, no meu ponto de vista. Teríamos, talvez, mais qualidade e mais alunos, mais matrículas se tivéssemos este espaço de preferência nestas intermediações, ainda entre São João Pequeno e Reta. (18/09/2016)

Há certeza de que muito foi feito, mas há ainda muito por fazer, segundo esclarece Edvaldo:

E a batalha não parou até aí […] Ela continuou, por que não sabia como fazer, não existia prédio, nós arrumamos prédio, não existia monitores, foi arrumado monitores, não existia material, nós arrumamos material, e….Agora… É… o primeiro lugar era espaço, o segundo número de aluno, terceiro, profissionais, por que a maior dificuldade encontrada até hoje no meu ponto de vista, desta escola e que continua até hoje, é que a superintendência não consegue tratar a escola, a EECOR Colatina, como uma escola diferenciada, ela não tem este tratamento. O tratamento dado pela superintendência é o mesmo tratamento de escola convencional. Daí então é uma luta constante, continua até hoje, na questão dos profissionais, na questão da alimentação, na questão de horário, na questão da organização interna da escola, de visitas de estudo, enfim, na aplicação da pedagogia da alternância, que na realidade a SEDU não tem profissionais adequados para atender a escola neste sentido. Quando eu falo nos profissionais não me dirijo nem tanto aos monitores, mas sim àquelas pessoas que poderiam fazer as consultas, as assessorias, enfim, aquela assessoria continuada que é necessário para que a escola tenha sucesso. Mas nós continuamos dispostos, com as mangas arregaçadas para lutar para que esta escola tenha e garanta o sucesso para qual ela foi criada. (18/09/2016)

À exposição de Edvaldo cabe uma série de observações, pois nela se tem a percepção clara de que há um espaço de disputa e de que não há concessão; ao contrário, mesmo com a existência do espaço, com o prédio e a escola funcionando, há entraves e desrespeito à identidade campesina. Há aspectos antagônicos em disputa e faz-se necessária uma análise que contribua para a uma ação reflexiva e sistematizadora, como se pode entender em Jara (1991, p. 268):

Parece que lo má característico y próprio de la reflexión sistematizadora sería el que ella busca penetrar em el interior de la dinâmica de lãs experiências, algo así como meter-se “por dentro” de esos procesos sociales vivos y complejos, circulando por entre sus elementos, palpando lãs relaciones entre ellos, recorriendo, tensiones, marchas y contramarchas, llegando así a entender estos procesos desde su própria lógica, extrayendo de allí ensenãzas que puedan aportar al enriquecimento tanto de la prática como de teoria.

Nessa direção, a mantenedora, representada pela superintendência, no acompanhamento feito pelos técnicos, espera colocar a EECOR Colatina nos mesmos moldes das demais escolas da rede, e Edvaldo percebe tal movimento. As observações feitas por ele indicam que, sendo a EECOR a única escola pública de Ensino Médio Integrado do curso técnico em Agropecuária, deveria receber suporte como tal. Entretanto, não há uma biblioteca apropriada ao curso ou espaços para aulas práticas nem cursinhos previstos na proposta pedagógica e no plano de curso, mesmo que seja uma reivindicação constante dos educadores, das famílias e dos jovens - é a materialização da contradição.

Outra questão a ser ressaltada está no fato de que a cada ano as famílias pleiteiam que o edital de contratação dos educadores pontue de forma diferenciada a experiência com a PA, algo que não é atendido. A Associação das Famílias solicita a ampliação da carga horária docente para que os educadores possam implementar a proposta pedagógica da escola e a metodologia da PA, o que também não tem sido feito. A incoerência expressa no processo de construção da escola e o fato de não se promoverem as condições para que ela desenvolva totalmente sua pedagogia própria é outra questão a ser evidenciada.

Entendemos como resistência o fato de a comunidade ter conseguido a construção da escola pautada em suas especificidades. Compreendemos que são nas suas lutas cotidianas que se constrói emancipação e, sob tal aspecto, construir a escola com uma pedagogia própria é desafiar a colonialidade do saber. (QUIJANO, 2005)

As entrevistas apontam, por exemplo, que a escola ainda não possui o espaço físico adequado que contribua para a formação técnica e científica dos jovens. Revela uma compreensão de que é papel do Estado respeitar a especificidade, inclusive quanto à estrutura adequada para a formação desses estudantes. Entretanto, a Superintendência Regional de Educação justificou a não abertura de matrículas para 2017, enfatizando que a escola não está em conformidade com as outras escolas estaduais, nem na estrutura nem na formação. Podemos inferir que o Estado, por meio da mantenedora, entrava a construção das potencialidades emancipatórias apresentadas pela EECOR.

Emancipação é parte da construção pedagógica de outro marco societário, este alicerçado em práticas educacionais e intencionalidades expressas na forma, na metodologia e nos efeitos esperados. Os protagonistas estão construindo um processo no qual se tornam também sujeitos dessa emancipação, contribuindo para a formação de outro paradigma de conhecimento e saber. Portanto, um conceito amplo de emancipação. Reiteram a compreensão de que a PA representa tal possibilidade emancipatória, como enfatiza Ivone:

E assim, quando a gente fala desta luta, é uma luta que continua, mas foram muitas vitórias, os desafios já foram … sanados, mas a gente, talvez, cada dia a gente descobre outros desafios … que não imaginava que teriam … E a gente vê que o que faz a gente continuar com isto, com este trabalho, é que a gente vê a importância quando a gente vê os nossos estudantes, os nossos filhos… Quando eu vejo a minha filha ela tem uma disponibilidade, ela tem uma autonomia de direcionar um trabalho como a gente… Às vezes não… Levava anos, talvez eu nesta idade, não tenha aquela autonomia, não teria disponibilidade… Seria aquela facilidade de desenvolver um trabalho dentro da escola, fora da escola.

Nessa fala, ressalta-se a percepção de que na EECOR os jovens têm um processo formativo para além dos conhecimentos científicos, uma educação na qual não basta a instrução e que se põe contra a prática educativa ‘bancária’ (FREIRE, 1979). Percebemos a valorização dos espaços nos quais os processos de mutirão são imprescindíveis, porque pedagógicos, e porque valorizam o coletivo também como agente educador, contrapondo-se à cultura da dependência e da submissão.

A estratégia do Estado de impedir matrículas busca o estrangulamento paulatino da escola e dessa educação transformadora, ação que corrobora para que esses jovens saiam de seu lugar e abandonem sua cultura a fim de continuarem subjugados, colonizados em seu saber. Significa impedir o acesso à escola a esses jovens, já que a distância geográfica até outra unidade não permitirá a continuidade de seus estudos; implica manter o controle ideológico por meio de uma formação excludente, ou ainda negar acesso ao conhecimento, de forma que a classe trabalhadora estabeleça uma identificação ideológica com a classe dominante.

Registrar a história da constituição da EECOR e a expansão da PA pela via pública pode representar uma estratégia de desconstrução da colonialidade do poder estatizado. São as pessoas organizadas em associações ou sindicatos que evidenciam um poder coletivo que disputa espaços sob uma perspectiva decolonial e, nesse sentido, emancipatória. Um processo de mutirão constitui ponto crucial para que os sujeitos construam resistências e aceitações, lutas e negociações, deixando de ser apenas espectadores dos acontecimentos. Os sujeitos se transformam nas próprias ações e, em um processo dialético, igualmente, transformam a sociedade ao seu redor. Passam a construir outras formas de democracia.

6 Palavras finais

O ineditismo da construção de uma escola pública de nível médio com um curso profissionalizante que atende a comunidade campesina e com uma metodologia própria e apropriada a sua realidade pode contribuir para alicerçar uma matriz de desenvolvimento biófila10, em direção a uma perspectiva decolonial.

Observa-se - nas ações das pessoas, na articulação com os movimentos sociais, o sindicato e a comunidade - a possibilidade de construções emancipatórias. Um processo em que todas as partes que compõem o todo precisam ser consideradas. Emancipação que se forja na construção de interações possíveis, constituição processual que precisa ser pensada na transformação de todo o tecido social para embasar tal objetivo. No caso da EECOR, trata-se de construir uma proposta educativa em perspectiva emancipatória que fortaleça espaços de discussão e aprendizado, conjugando resistência e contra-hegemonia.

Com essa direção e sentido buscamos construir nossa perspectiva de análise e registrar que a Educação do Campo e a PA estão constituindo práticas sociais decolonialistas. Enfocar o tema da educação do campo na perspectiva da decolonialidade do saber (e, por consequência, do poder) descortina possibilidades e desafios, em contextos que remetem a uma proposta de transformação social que é também uma estratégia epistemológica.

A história de constituição da EECOR evidencia a possibilidade de criar espaços de discussão e aprendizado. As tramas, as manhas e os dramas de estudantes, agricultores, lideranças e educadores que estão constituindo, sobretudo, uma relação social de solidariedade é a retomada do poder da coletividade. Outro projeto educacional, social e político, mas também econômico, sustentável, ético, solidário e essencialmente humano.

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Notas

1A Pedagogia da Alternância (PA) que se instala no Brasil tem como princípios originais: formação em alternância; o método ver-julgar-agir; fenômenos da vida concreta como base da reflexão e da ação; formação integral e participação ativa da família. Tais princípios encontraram eco na concepção freiriana de educação popular. Sob esse viés, percebemos que a PA no Brasil adquire uma peculiaridade: a introdução dos temas geradores, sob os quais se organizam as propostas pedagógicas.

2Para maiores detalhes sobre o MEPES, vide Nosella, 2012, conforme referências.

3Tendo acesso a escolas públicas e privadas, as famílias optam por matricular seus filhos nas Escolas Famílias Agrícolas do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), instituição filantrópica privada, a fim de que os jovens recebam, por meio da Pedagogia da Alternância, formação como técnico em agropecuária, mesmo que isso signifique, em alguns casos, enviá-los para outras cidades. Para isso, contribuem com um valor a cada sessão do jovem na escola.

4Compreendendo a perspectiva decolonial como essencialmente crítica, à qual se alinha uma perspectiva contra hegemônica.

5Em 1935 inicia o primeiro CEFFA, denominado Maison Familiale Rurale (MFR) - Casa Familiar Rural -, em Lot-et-Garone. (NOSELA, 2012, p. 29)

6Registre-se que preservamos nas transcrições a integralidade da fala dos sujeitos, algumas vezes podendo não estar de acordo com as normas de ortografia e gramática.

7SEMED - Secretaria Municipal de Educação de Colatina, Espírito Santo.

8Plano de Desenvolvimento Local Sustentável.

9Escolas Municipais Comunitárias Rurais que também são Centros Familiares de Formação em Alternância diferem das Escolas Famílias Agrícolas e das Casas Familiares Rurais por atenderem a famílias da comunidade e vizinhas, e por não funcionar em internato, tendo o funcionamento da alternância diária em matutino e vespertino

10O conceito de biofilia é pensado aqui a partir de Fromm, em sua obra O coração do homem, de 1981. Biofilia significa amor à vida. Para Fromm, biofilia é a essência humana, tema recorrente em seus livros. O conceito também está presente em Freire, na Pedagogia do Oprimido (1980).

Recebido: 31 de Janeiro de 2018; Aceito: 21 de Março de 2018

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