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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.46 São Paulo maio/ago 2018  Epub 10-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n46.8839 

Resenhas

Educação: cidadania, projetos e valores, de Nílson José Machado São Paulo: Escrituras Editora, 2016.

Ângela de Carvalho Bernardes1 

1Mestranda em Educação (PPGE- Uninove), São Paulo, Brasil. angeladecbernardes@gmail.com

Educação: cidadania, projetos e valores. Machado, Nílson José. São Paulo: Escrituras Editora, 2016.


Nílson José Machado é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Leciona na USP desde 1972, inicialmente no Instituto de Matemática e Estatística e, a partir de 1984, na Faculdade de Educação. Sua atuação é voltada para a formação de professores e é responsável pelas disciplinas Epistemologia e Didática e Ética e Educação no Programa de Pós-Graduação da FEUSP.

No biênio 1993/94, foi professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP, no Programa Educação para a Cidadania. Foi membro do grupo de trabalho que formulou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) entre 1998 e 2002 e coordenou a equipe que elaborou o atual currículo de Matemática do Estado de São Paulo (2008 a 2010).

Autor de diversos livros, entre os mais recentes: Educação - autoridade, competência e qualidade (Escrituras Editora, 2016); Livro de bolso da formação do professor (Editora Livraria da Física, 2016); O conhecimento como um valor (Editora Livraria da Física, 2015), ainda publicou dois livros de poemas: Plantares (Escrituras Editora, 1997); Mattemas (Scortecci, 2015), além de mais de uma dezena de livros para crianças a partir de 5 anos, todos escritos em linguagem poética.

Ao longo de todo o livro que aqui resenhamos, Machado desenvolve ideias referentes às relações entre educação e cidadania, perpassadas pelas noções de projetos e valores, elementos fundamentais, do seu ponto de vista, para a construção e a compreensão do significado das ações docentes em todos os níveis de ensino. Mesmo parecendo conceitos já amplamente discutidos, o autor os aborda de maneira singular por trazer a ideia de cidadania em suas naturais interações com as ações educacionais, sobretudo em sua relação direta com a construção das possibilidades da vida social na cidade.

Para ele, as noções de projeto e valor compõem um par indissociável, tal como o são os elementos dos pares conservação/transformação e cultura/educação. É interessante verificar como Machado relaciona os três termos do título da obra a outras noções igualmente fecundas: jogo, pessoa e avaliação, além de mapas (de relevância), tolerância e trabalho, que falam do risco, da abertura e do espaço para a criação.

Dividido em 10 conjuntos de pensamentos, equivalentes a capítulos, o livro começa pela ideia de cidadania, diferenciando o significado político/filosófico dessa noção da relação característica que se faz com a ideia de se ter direitos, o que, para o autor, significa uma limitação e um empobrecimento do termo. As primeiras páginas (13 a 23) nos levam a associar as noções de cidadania e de projeto em sentido amplo, sendo que, para Machado, nada parece mais característico da ideia de cidadania do que a construção de instrumentos legítimos de articulação entre projetos individuais e coletivos. Para ele, “educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo.” (p. 22)

Do segundo ao quarto capítulo (p. 25-94), Machado tratará, de forma detalhada, da noção de projeto em uma perspectiva abrangente, que inclui tanto sua dimensão metodológica quanto biológica, psicológica ou política, sem separá-la da outra que a complementa, qual seja, a noção de valor. Dentre as características fundamentais da noção de projeto está a abertura para o novo, que de modo instigante coloca a abertura para o desconhecido, para o não-determinado, para o universo das possibilidades e do risco do insucesso, dentre outras, como ingredientes necessários. Particularmente, chama-nos a atenção quando Machado discorre sobre ilusões e utopias relacionadas aos projetos, sugerindo que tão importante quanto a capacidade de ter projetos é a possibilidade de projetar, condicionando-as ainda às diferentes visões de mundo, religiões ou sistemas filosóficos.

Diferenciando projetos de planos de ação, o autor sugere que, para a educação brasileira, muito melhor seria termos uma “Carta de Princípios Gerais […] amplamente acordados com as entidades mais representativas da sociedade, sublinhando os valores maiores que deveriam orientar os projetos e as ações educacionais […]” (p. 40-41) Ao relacionar as noções de projeto, ilusão e jogo, Machado chama a atenção para a dimensão positiva da ilusão quando, simplesmente, apresenta seu oposto, a ideia de desilusão e o quanto, sem ilusões, um professor, por exemplo, não acredita na possibilidade de transformação das pessoas. Nesse contexto, “a ideia de ilusão sintetiza, pois, aquilo que constitui a montante dos projetos: ter vontade de jogar o jogo da vida é a condição primordial para pretender, para lançar-se em frente, para projetar.” (p. 61)

Partindo de algumas definições da palavra avaliar, Machado dedica o capítulo 5 a discussões sobre avaliação educacional, de maneira envolvente e desafiadora, ao incluir ideias ausentes ou timidamente presentes nos processos avaliativos como indícios, pessoalidade (subjetividade), projetos, tolerância, integridade, rede, espectro, enfatizando o quanto é preciso levá-las a sério e criar…a partir delas.

Nos capítulos 6 e 7 o autor fará uma curiosa análise da ideia de pessoa, de maioria e de razão:

Todos são iguais perante as leis […] iguais como cidadãos, diferentes como pessoas. Em terrenos como os da ética, da estética, da religiosidade, que não são regulados por regras de maioria, como são o dos valores, o do gosto, o das crenças, nossas escolhas são verdadeiramente pessoais, e caracterizam nossa pessoalidade. (p. 129)

Em seguida, Machado gera inúmeras reflexões ao tratar de ideias como democracia, liberdade e igualdade, pois coadunar as necessidades de obediência às normas socialmente acordadas, fundamentais para a viabilização das ações comuns, com a exigência de liberdade que caracteriza a manifestação da vontade livre e consciente de um ser humano não parece de fácil resolução. Em poucas páginas (161-173), compreendendo o capítulo 8, Machado discorre sobre a ideia de tolerância, mas de um modo denso e abrangente, muito bem ilustrado com duas citações iniciais escolhidas por ele: “Não faças ao outro aquilo que não gostarias que fizessem a ti” (Confúcio); e, “Não faças aos outros aquilo que gostarias que fizessem a ti: eles podem não gostar.” (Bernard Shaw) Destacando noções de diferença e desigualdade, relativismo e direitos humanos, autoridade e arrogância, o autor finaliza suas reflexões sobre o tema valorizando a importância do ambiente escolar e do professor: “[…] o cultivo da tolerância desenvolve-se por meio do crescimento individual, do respeito pelo outro, do reconhecimento da diversidade humana como uma grande riqueza, um imenso repertório de projetos e perspectivas.” (p. 173)

A escolha do autor de trazer ao livro a ideia de mapas, no capítulo 9, mostra o quanto essas representações planas da realidade, ou de parte dela, facilitam sua visualização e compreensão, orientando as ações humanas. Ao concluir esse capítulo, Machado destaca “um elemento comum na caracterização tanto na ideia de mapa quanto na de narrativa: a interconexão, a organização de informações, tendo em vista construir significados e fixar mensagens, escapando da efemeridade.” (p. 185)

O último capítulo é dedicado a ponderações sobre o futuro do trabalho e a educação. Nele o autor resgata abordagens significativas, desde a Bíblia, nas quais o trabalho surge como punição, passando por todas as tentativas de legitimação dos diversos tipos de escravidão ao longo da história. Ao salientar a relação desemprego e educação, Machado inicia por um olhar mais amplo quanto à utilização crescente de novas tecnologias nos setores produtivos, o que acarreta uma diminuição da oferta global de empregos, compreendidos enquanto ‘pacotes’ de atividades remuneradas no cenário das sociedades industriais. Para o autor, a falta de sintonia entre as transformações paradigmáticas em curso no mundo do trabalho e a forma de organização das escolas de formação profissional, no caso do ensino superior, é ainda mais notável. E como possíveis saídas para esses impasses, lembra justamente o que alguns pensadores estão chamando de decommodification (‘desmercadorização’) do conhecimento e da inteligência. Referindo-se a Elinor Ostrom, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia em 2009, o autor apresenta a ideia de commons, bens ou ativos que devem ser partilhados por todos, não podendo ser tratados por mercadorias, reforçando a visão de Ostrom de que o conhecimento deve situar-se nessa categoria. Diante das questões citadas, o autor enfatiza que a escola deve manter em primeiro plano seus objetivos permanentes e fundamentais relacionados com a construção da plena cidadania, e não uma ingênua transposição do modus operandi empresarial para a organização do trabalho escolar.

Concluindo, Machado apresenta uma síntese sumária de um programa abrangente, filosoficamente fundamentado e com articulações práticas correspondentes: o programa de Shaff. O autor cita Adam Shaff (1992) pelo fato de esse pensador ter realizado análises sobre a sociedade informacional, dando especial importância aos efeitos da crise entre os jovens. Considerado ambicioso e de natureza utópica por Machado, o programa apresenta seis pontos que visam a construção de um novo tipo de homem, configurando um peculiar desafio para os educadores. Ilustrando o quão perspicaz parece ser o programa, destacamos o ponto 4, sugerindo que todo estudante deveria desenvolver, segundo sua capacidade e competência, as funções de professor, combinando atividade de estudo com atividade de ensino, desde o momento de saída da escola média. Finalizando, na contramão do senso comum, Machado destaca o recado fundamental do programa de Shaff: o futuro do trabalho é a educação.

As reflexões do professor Nilson José Machado constantes deste livro que resenhamos iluminam o debate teórico em educação, apontando questões candentes tanto do ponto de vista das políticas educacionais quanto do prisma da epistemologia. E, assim, constituem leitura de significativa importância para professores e pesquisadores da educação.

REFERÊNCIAS

Educação: cidadania, projetos e valores, de Nílson José Machado São Paulo: Escrituras Editora, 2016. [ Links ]

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