SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número47A fábrica da educação: da especialização taylorista à flexibilização toyotista, de Ricardo Antunes e Geraldo Augusto Pinto São Paulo: Cortez, 2017. 115 ps. (Coleção Questões da Nossa Época). v. 58.Formação para a docência na educação infantil: pedagogias, políticas e contexto, de Débora Teixeira de Mello, Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina (Orgs). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2017, 503 p. índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.47 São Paulo set./dic 2018  Epub 10-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n47.8917 

Resenhas

O CAQi e o novo papel da União no financiamento da Educação Básica, de Luiz Araújo Jundiaí: Paco Editorial, 2016, 300 p.

Adriana Zanini da Silva1 

1Doutoranda na Universidade Nove de Julho. Professora da Prefeitura de Santo André São Paulo - SP - Brasil azaninidasilva@yahoo.com.br

O CAQi e o novo papel da União no financiamento da Educação Básica. Araújo, Luiz. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. 300p.


Luiz Araújo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, tem dedicado seus estudos ao tema do financiamento da educação, no âmbito de suas pesquisas em políticas públicas educacionais. No livro O CAQi e o novo papel da União no financiamento da Educação Básica, o autor traz uma contribuição decisiva para a implantação de um novo ordenamento jurídico de financiamento da Educação Básica no Brasil.

O livro está organizado em quatro capítulos que versam sobre os fundamentos do federalismo e a desigualdade brasileira, o histórico do financiamento da Educação Básica, a construção do padrão mínimo de qualidade e as novas alternativas de políticas de financiamento para esse nível de ensino.

No primeiro capítulo, o autor apresenta as diferentes concepções de federalismo e elucida os principais desafios enfrentados pelos países federalistas situados na periferia do capitalismo. Destaca que a Constituição Federal (CF) de 1988 inaugurou um novo federalismo, no qual a descentralização significou a passagem de recursos e poder aos governos municipais com o correspondente incentivo à municipalização dos primeiros níveis da Educação Básica, um sistema claro de transferências constitucionais. Infelizmente, a descentralização na CF de 1988 não foi acompanhada de reforma tributária, o que implicou não redefinir os critérios de distribuição de recursos entre os entes federados, de modo que se manteve a desigualdade regional. As análises do autor permitem inferir que as políticas reguladas e de caráter redistributivo do governo federal, pós Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, possibilitaram ganhos parciais na redução das desigualdades territoriais, inclusive por meio do Fundef e, posteriormente, do Fundeb.

No segundo capítulo, Araújo relembra que o arcabouço legal e jurídico do financiamento da educação brasileira expressa um conjunto de interesses: de um lado, os interesses privatistas e, de outro, a luta dos educadores e da sociedade brasileira por uma educação pública, gratuita, laica e obrigatória como direito universal e obrigação do Estado. Analisa, de 1834 até a atualidade, a alternância entre períodos autoritários e democráticos concomitantemente ao movimento de vinculação de recursos à educação, presentes nas constituições democráticas e suprimidas nas autoritárias. O novo cenário educacional pós CF de 1988 retoma a vinculação constitucional dos recursos em 18% para a União e 25% para estados, Distrito Federal e municípios, e incluiu a contribuição social do salário educação como fonte adicional de financiamento para o ensino fundamental público. Além de estabelecer as responsabilidades dos entes federados, introduziu o princípio de regime de colaboração como pressuposto para a organização dos respectivos regimes de ensino. Araújo também analisa as mudanças no financiamento da Educação Básica a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 14, em 1996, que cria o Fundef e, posteriormente, por meio da Emenda Constitucional nº 53, de 2006, o Fundeb. Destaca que os fundos inauguram uma nova regulamentação legal e jurídica para o financiamento da educação pública, com avanços e entraves.

No terceiro capítulo, apresenta as nuances do conceito de qualidade na educação brasileira e revela o dinamismo do conceito nos diferentes momentos históricos, fundamental para o entendimento das políticas de fundos: qualidade associada à universalização do acesso (décadas de 1930 e 1940); qualidade associada à regularização do fluxo escolar (décadas de 1970 e 1980) e qualidade da escola e dos sistemas de ensino associada à verificação da capacidade cognitiva dos alunos, mediante os testes padronizados em larga escala (década de 1990), associando qualidade a produtividade, uma marca da hegemonia do Estado Mínimo.

Ainda para compreender as políticas de fundos, o autor destaca o conceito de padrão mínimo de qualidade nas legislações nacionais pós CF de 1988. Infelizmente, a União, em diferentes governos, não elaborou os parâmetros do padrão mínimo de qualidade, pois atrairia para si uma pressão de aumento das transferências de recursos federais para os entes federados. Em lugar disso, de maneira progressiva, foi se descomprometendo com o financiamento da educação. Essa postura ensejou a formulação de uma proposta participativa e alternativa de regulamentação do padrão mínimo de qualidade pela sociedade civil organizada, por meio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação2, padrão que ficou conhecido pela fórmula Custo-Aluno-Qualidade (CAQ), pela qual se “[…] desenvolveu uma matriz que buscou relacionar a qualidade oferecida em cada etapa e modalidades de ensino com insumos necessários.” (p.161) Para o cálculo, foram definidas quatro categorias: insumos relacionados à estrutura e funcionamento, relacionados aos trabalhadores e trabalhadoras da educação, relacionados à gestão democrática e os relacionados ao acesso e à permanência dos estudantes. Esclarece de forma minuciosa como o CAQi foi debatido na Conferência Nacional de Educação de 2010 e o consenso que se firmou sobre a importância de se tornar uma política pública efetiva com alocação de mais recursos para a educação, bem como a redefinição do papel dos entes federados, principalmente da União no financiamento da educação. Com o mesmo nível de detalhamento, apresenta o reconhecimento do CAQi pelo Conselho Nacional de Educação que o indica no Parecer CNE/CEB nº 08, de 2010 e, posteriormente, a incorporação do conceito de CAQi e CAQ no texto do novo Plano Nacional de Educação 2014-2024, assumido como parte importante do financiamento da Educação Básica.

Destaca que os fatores de ponderação3 utilizados nos fundos, até então, demonstram a dificuldade de redistribuir os recursos e a diminuição das desigualdades regionais não parece ser um consenso. Os fatores de ponderação não foram fundamentados em estudos técnicos sobre os reais custos de cada etapa e modalidade e, sim, em um formato que não rompesse o status quo de migração de recursos entre estados e municípios. Mesmo a regulamentação do Fundeb, que determinou dezessete fatores de ponderação e representou avanços, ficou muito aquém do valor real efetivo de manutenção das etapas de ensino, especialmente para as creches. O autor conclui que os mesmos não têm referência no custo realmente efetivado pelos entes federados; sua definição esteve atrelada à manutenção do equilíbrio financeiro dos entes sem grandes complementações federativas.

Para completar a análise da política de fundos, o autor simula e discute novas perspectivas para sua implementação, o que faz no capítulo quatro, apresentando quatro simulações para uma nova regulação do financiamento da Educação Básica, com base no CAQi e nos fatores de ponderação construídos a partir do Parecer do Conselho Nacional de Educação: Fundeb CAQi Pleno, Fundeb CAQ - 1% do PIB, Fundo Único CAQ Pleno, Fundo Único CAQ - 1% do PIB. Apresentados e analisados os dados de cada uma das simulações, Araújo problematiza a necessidade da complementação financeira da União, os avanços e as limitações das simulações, o peso da participação dos entes federados e a importância dos fatores de ponderação apoiados no CAQi. Por fim, a análise dos dados indica que as políticas redistributivas reguladas nacionalmente contribuem para a diminuição das desigualdades territoriais, comprovadas na pesquisa pelo Coeficiente de Gini4. No entanto, tal melhoria está condicionada ao volume de complementação financeira da União nos fundos.

Após a publicação desse livro, é relevante ressaltar que os meandros da nova ordem de caráter autoritário no país impôs a Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Instituiu-se o novo regime fiscal no Brasil que congela por 20 anos os recursos da Educação e da Saúde, um retrocesso inadmissível frente às demandas sociais e as análises de Araújo, posto que inviabilizará novas possibilidades de financiamento da educação e colocará em risco os avanços educacionais brasileiros alcançados até então. O livro é uma fonte relevante de análises e projeções para uma nova regulação financeira da educação brasileira com foco na qualidade educacional e na diminuição das desigualdades territoriais. Hoje, mais do que nunca, esse tema se apresenta como uma fonte de resistência e luta.

Recomendamos o a leitura do livro a todos os que, preocupados com os rumos da educação nacional, se dispõem a lutar por um financiamento que, de fato, atenda ao CAQi e encontre caminhos para revogar a Emenda Constitucional 95.

REFERÊNCIAS

O CAQi e o novo papel da União no financiamento da Educação Básica, de Luiz Araújo Jundiaí: Paco Editorial, 2016, 300 p. [ Links ]

Notas

1O Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) é o valor que o Brasil precisa investir, por aluno, ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir um padrão mínimo de qualidade do ensino.

2A Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi lançada em 1999 por um grupo de organizações da sociedade civil. Atua pela efetivação e ampliação das políticas educacionais para que todas as pessoas tenham garantido seu direito a uma educação pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade no Brasil.

3Os fatores de ponderação norteiam os limites proporcionais de aplicação de recursos utilizados como parâmetros de operacionalização do Fundeb e são representados pela diferenciação de custos por aluno, segundo os níveis e os tipos de estabelecimento de ensino.

4O coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini em 1912. Consiste em um número ente 0 e 1 pelo qual 0 corresponde à completa igualdade de renda e 1 corresponde à completa desigualdade.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons