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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.48 São Paulo jan./mar 2019  Epub 30-Jun-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n48.11617 

Dossiê temático

A atuação do educador social em organizações do terceiro setor

The role of social educator in organizations of the third sector

Wania Regina Coutinho Gonzalez1 
http://orcid.org/0000-0002-4803-909X

Elaine Rodrigues de Ávila2 
http://orcid.org/0000-0001-6616-6095

1Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora na Universidade Estácio de Sá e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ - Brasil. waniagonzalez@gmail.com

2Doutoranda em Educação na Universidade Estácio de Sá. Professora de História na rede de ensino pública municipal da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ - Brasil. elainerjadvogada73@gmail.com


Resumo:

O texto propõe uma reflexão sobre a atuação dos educadores sociais em contextos educativos não escolares, em áreas periféricas da cidade do Rio de Janeiro. O quadro teórico adotado privilegiou autores que abordam as relações entre os diferentes espaços educativos: Maria da Glória Gohn, Jaume Trilla e José Libâneo; autores que tratam da temática da formação de educadores: Maurice Tardif, e, no âmbito da pedagogia social, Merci Romans. A pesquisa de campo, realizada em quatro organizações do Terceiro Setor, entre os anos de 2016 e 2018, possibilitou o recorte das questões norteadoras do presente texto: Quais as formas de participação dos educadores sociais nas atividades realizadas pelas organizações do Terceiro Setor pesquisadas? Qual a formação e o modo de seleção dos educadores para as ações educativas das organizações pesquisadas? O corpus da pesquisa foi elaborado a partir da análise das entrevistas semiestruturadas com responsáveis pela parte educacional das organizações do Terceiro Setor participantes da investigação. As conclusões advindas dessa análise contribuíram para uma melhor compreensão das relações entre organizações do Terceiro Setor e escolas públicas do seu entorno mediadas pelo educador social, indicando aspectos que podem dinamizar a sua atuação. Ao mesmo tempo que o seu papel estratégico é reconhecido, faz-se necessária a discussão sobre as políticas educacionais que possibilitem um olhar conjunto, entre os diferentes espaços formativos, com o intuito de reverter a exclusão social de grande parcela de nossas crianças e jovens.

Palavra-chave: Educação Não Formal; Educador Social; Organizações Sociais

Abstract:

The text proposes the performance reflexion of the social educators in out-of -school located in outskirts of Rio de Janeiro, based on research conducted in four organizations of the Third Sector between 2016 and 2018. The theoretical framework adopted privileged authors that approach the relations between the different educational spaces: Maria da Glória Gohn, Jaume Trilla and José Libâneo; authors dealing with the training of educators: Maurice Tardif and in the category of social pedagogy: Merci Romans. The research executed in four Third Sector organizations, made it possible to cut the guiding questions of the present text: what forms of participation of social educators in the activities carried out by the organizations of the Third Sector? What is the training and the way of selecting the educators for the educational actions of the organizations researched? The corpus of the research was elaborated from the analysis of the semistructured interviews with those responsible for the educational part of the Third Sector organizations participating in the research. The conclusions of this analysis contributed to a better understanding of the relationships between organizations of the Third Sector and the public schools in their surroundings, mediated by the social educator, indicating aspects that could stimulate their performance. At the same time that its strategic role is recognized, it is necessary to discuss educational policies that make it possible to look together among the different educational spaces in order to reverse the social exclusion of a large portion of our children and young people.

Keywords: Non-Formal Education; Social Educator; Social Organizations

Introdução

A pedagogia social abrange as ações educativas que visem o bem comum e a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, privilegiando aqueles em situação de vulnerabilidade social. O ideal de uma sociedade melhor está presente nesse campo de atuação/ investigação, sem perder de vista que as realidades locais e globais se articulam. Podemos afirmar que a pedagogia social se desenvolve no âmbito das desigualdades geradas pela sociedade capitalista. Assim, a potencialidade desse campo reside na tensão com essas desigualdades, priorizando os ideais de justiça social, solidariedade e democracia e almejando que o desenvolvimento dos homens seja norteado por esses valores (MENDIZÁBAL, 2017). Nesse sentido, a reflexão sobre o papel do educador social como agente de mudanças de valores é central na atualidade.

Além da dimensão pedagógica das suas ações, esses indivíduos assumem posições políticas e ideológicas e devem evitar tanto a idealização dos educandos quanto a sua discriminação quando se reconhecem como sujeitos estratégicos nesses contextos de vulnerabilidade social (TRILLA, 2003). Diferentemente do que acontece em outros países, na Espanha, por exemplo, onde a formação do educador social ocorre na esfera acadêmica, na nossa realidade acontece na prática.

Assim sendo, o presente texto propõe a reflexão sobre a atuação desses educadores em contextos educativos não escolares de áreas periféricas da cidade do Rio de Janeiro, a partir de pesquisa realizada em quatro organizações do Terceiro Setor, entre os anos de 2016 e 2018. As análises consideram os estudos de Gohn (2010, 2011, 2013), Libâneo (2010, 2011), Romans (2003), Tardif (2003) e Trilla (2008), e se baseiam nas seguintes questões: Quais as formas de participação dos educadores sociais nas atividades realizadas pelas organizações do Terceiro Setor pesquisadas? Qual a formação e o modo de seleção dos educadores para as ações educativas das organizações pesquisadas?

O artigo está divido em três seções: a primeira, “As relações entre os diferentes espaços formativos no campo da Educação”, busca dialogar com autores que refletem sobre o conceito amplo de educação, para além das instituições escolares, e pontua as relações entre as modalidades educativas; a seguir, em “As especificidades da atuação do educador social”, tratamos das formas de atuação desses educadores”; em “Organizações sociais, educadores e atividades educativas”, apresentamos alguns dados da pesquisa realizada em organizações do Terceiro Setor da cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de refletir as potencialidades e os limites do trabalho dos educadores cariocas.

1 As relações entre os diferentes espaços formativos no campo da Educação

Os indivíduos têm contato com diversas ações educativas ao longo de sua vida, as quais podem contribuir na sua formação profissional, pessoal e cidadã. Esses processos formativos acontecem não só em escolas ou universidades, mas também são vivenciados no âmbito familiar, no círculo de amizades, na realização de cursos extracurriculares em organizações do Terceiro Setor, entre outras situações.

Desse modo, entendemos a Educação no sentido amplo, ou seja, que as ações educativas ocorrem em diversos contextos, por meio de vários atores sociais. Nessa direção, dialogamos com os estudos de Gohn (2010, 2011, 2014), Libâneo (2010, 2011) e Trilla (2008), autores que consideram três modalidades educacionais: educação formal, educação não formal e educação informal. A seguir, apresentamos considerações relevantes para esse artigo quanto a essa tripartição do campo educacional conforme teorização dos autores citados.

Em seus estudos sobre a Educação Formal, Gohn (2010, 2011) procurou diferenciar as três modalidades a partir de aspectos como objetivos, atuação dos educadores e metodologia. A educação formal é aquela que acontece nas escolas e universidades públicas e privadas, apresentando como características conteúdos ou currículos fixados em lei; professores que possuem habilitação específica para a disciplina/matéria que lecionam; certificação ao estudante quando finalizado determinado período de estudos; divisão em níveis e modalidades previstos em lei.

Enquanto a educação formal apresenta uma intencionalidade nas ações e é descrita em lei, entre outras características, a educação informal representa uma modalidade que acontece de forma espontânea, no dia a dia de uma pessoa. No convívio entre amigos ou familiares, no seu ambiente de trabalho, no templo religioso que frequenta esse indivíduo passa por processos que auxiliam na sua socialização, sem necessariamente, segundo a autora, realizar-se um procedimento educacional, constituindo um processo formativo que perpassará toda a vida dessa pessoa.

Em relação à educação não formal, a autora menciona sua ocorrência em espaços fora do ambiente escolar como ONGs, centros religiosos e museus. As ações educativas são conduzidas por educadores, os quais nem sempre obtiveram uma qualificação formal para o desempenho de sua atividade. Na perspectiva da formação integral do indivíduo, Gohn (2010) apresenta a educação não formal como educação para a cidadania e que envolve, entre outros pontos, educação para a justiça social, educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais etc.) e educação para o exercício da cultura. Todos esses processos educativos em contextos não escolares podem contribuir para a formação de uma nova cultura política em que os indivíduos de uma sociedade percebam a importância da participação ativa nas atividades desenvolvidas no meio no qual está inserido.

Do mesmo modo que Gohn (2010, 2011, 2014), Libâneo (2010, 2011) também dialoga com os estudos sobre as modalidades que formam o universo educacional. Contudo, o autor analisa essa divisão a partir da intencionalidade, indicando que, inicialmente, é preciso pensar em dois campos: educação intencional, da qual fazem parte a educação formal e a não formal; educação não intencional, na qual estaria a educação informal. Nesse último caso, o autor vai ao encontro das considerações de Gohn (2010, 2011), ao entender a educação informal como uma educação sem intencionalidade específica, que ajuda o indivíduo diante da coletividade e que pode acontecer na família, entre amigos da escola e do trabalho.

Para Libâneo (2010), o grau de intencionalidade será um fator de diferenciação entre a educação formal e a não formal. Na primeira, as atividades educativas são intencionalmente planejadas e sistematizadas, com objetivos bem específicos, com pouca abertura para mudanças; na segunda, a intencionalidade existe, no entanto, há uma flexibilidade maior que permite modificações por necessidade ou pedido das pessoas envolvidas, levando a direcionamentos nem sempre almejados no começo do percurso. Novas temáticas ou assuntos podem surgir no decorrer da ação educativa para atender aos anseios de todos os envolvidos nessa ação. O autor cita como espaços em que ocorre a educação não formal museus, centros culturais, feiras de livros, e atividades como visitas e passeios culturais.

É relevante mencionar que os dois autores não consideram a educação não formal como uma sorte de educação alternativa ou substitutiva à educação formal; com isso, reconhecem a concomitância entre educação formal e informal, pois cada modalidade auxilia os indivíduos envolvidos, dentro de seus limites conceituais.

Contribuindo para essa discussão, Trilla (2008) destaca que a tripartição do universo educacional não significa olhar para cada modalidade de modo isolado ou único ou conferindo maior importância a uma em detrimento da outra. Para o autor, essas três modalidades devem ter conexões e interações, possibilitando uma formação ampla do indivíduo. Esse autor analisa as inter-relações entre educação formal, educação não formal e educação informal por meio de dois casos: as interações funcionais, a partir dos efeitos provocados pela relação entre as modalidades, que podem ser, por exemplo, de reforço e colaboração, de interferência ou contradição; as intromissões mútuas, em que o foco são os métodos, levando à percepção de que uma ação educativa não é exclusividade de uma modalidade, podendo ocorrer compartilhamento.

Por fim, em artigo sobre a perspectiva não escolar no estudo sociológico da escola e as ações realizadas em espaços não formais, Spósito (2003, p.221) afirma que as atividades não escolares de algum modo interferem na rotina escolar: “[…] um conjunto de nexos estabelecidos deve, ao menos, ser submetido à pesquisa e à interrogação, sobretudo quando se considera a importância da socialização no grupo de pares.”

Na verdade, não se pode perder de vista que essas duas modalidades educativas - educação formal e educação não formal - não devem seguir em duas vias paralelas, sem cruzamento, cada uma delas desenvolvendo dinâmicas sem qualquer relação com a outra. Também pode acontecer de a educação não formal ser uma repetição de todas as regras e caminhos trilhados pela educação formal, às vezes por lei. Esse paralelismo, embora acabe sendo comum, não é o melhor caminho para ajudar jovens mais carentes e em situações de risco nas sociedades (SPÓSITO, 2008). A autora ressalta ainda questões relacionadas à estrutura, aos recursos financeiros e à metodologia pertinentes às organizações do terceiro setor como “pequenos”, “mal equipados” e com atividades “semelhantes” às realizadas nas escolas, com poucos “mecanismos avaliadores”, mas com flexibilidade curricular.

Partindo dessas considerações sobre o sentido amplo de educação e da defesa de que a relação entre os diferentes espaços formativos é de grande relevância para a formação dos indivíduos inseridos em contextos de vulnerabilidade social, reconhecemos a importância de analisar o papel desempenhando por educadores nos contextos não escolares. Eles atuam em organizações do Terceiro Setor, trabalhando com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social ou situação de risco. Entender os objetivos, metodologias e formação dos educadores sociais nesses espaços auxilia na compreensão de como as ações educativas da educação não formal acontecem e de que forma elas podem contribuir para a formação de uma nova cultura política dos indivíduos envolvidos (GOHN, 2011).

O enfoque dado neste texto reconhece que as práticas de educação não formal integram a pedagogia social e são, muitas vezes, a única oportunidade de crianças e jovens terem acesso ao conhecimento que os instrumentalize ao exercício de sua cidadania. Assim, consideramos estratégico refletir sobre a atuação dos educadores sociais, o que faremos a seguir.

2 As especificidades da atuação do educador social

Partimos da tipologia que Romans (2003) que identifica quatro tipos de educadores sociais: o resignado, o tecnizado, o conformista e o criativo/transformador. O educador social resignado é aquele que tem uma postura passiva frente à profissão, não vendo possiblidade de mudar a realidade na qual está envolvido. O tecnizado é aquele que se fixa nas prescrições dos documentos legais e recomendações em geral. O educador social reformista se coloca na posição de prestador de serviços e cumpre à risca o que lhe foi pedido. O educador criativo é aquele que canaliza sua proatividade para resolver os problemas, tendo sempre uma atitude positiva frente às dificuldades. Estes últimos se aproximam do perfil de educadores transformadores descritos por Henry Giroux

Essa dimensão política também é valorizada por Gohn (2010) quando afirma que esses educadores são mais que animadores culturais, pois além de dinamizar as ações educativas nos espaços não formais, eles auxiliam a construir ‘espaços de cidadania’ com o seu trabalho, incentivando o senso participativo dos envolvidos, em uma relação de ‘mão dupla’ na qual ensinar e aprender fazem parte de sua atuação. Gohn (2010, p.52) ressalta “a necessidade de o educador deter conteúdos prévios - sobre o local onde atua - mas também sobre saberes historicamente acumulados pela humanidade.” Ainda segundo a autora, a busca por ‘cenários futuros’ e o incentivo aos envolvidos para mudanças em suas realidades são questões que potencializam a atuação dos educadores. A possibilidade da educação não formal, segundo Gohn (2010), de criar novos conhecimentos torna esses espaços lugares que vão exigir das ações educativas direções e soluções nem sempre previamente estabelecidos. Ela adverte que metodologias fechadas ou sistematizadas não são direcionamentos adequados a essas atividades.

Essas reflexões da autora nos reportam ao entendimento de que a formação e a atuação dos educadores sociais vão além de uma qualificação formal e de que eles precisam estar prontos para o dinamismo das mudanças que podem ocorrer nos processos formativos com os que deles participam. Os educadores sociais de organizações do Terceiro Setor podem contribuir com seus conhecimentos para a formação de indivíduos participativos e mais preparados para os desafios da sociedade contemporânea, na direção que Gohn (2011) chama de uma nova cultura política.

Embora não tenha discutido, especificamente, a questão da formação e da atuação dos educadores sociais, Tardif (2003) faz considerações sobre os saberes docentes pautadas na busca da profissionalidade, o que pode contribuir para o entendimento desses aspectos no trabalho realizado por eles na educação não formal. De acordo com Tardif (2003, p.61), os saberes de um professor “[…] não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependam de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma grande diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão todos relacionados com seu trabalho.”

Essa dimensão prática ressaltada pelo autor nos faz pensar que, apesar de atuarem em modalidades educativas diferentes, professores na educação formal e educadores na educação não formal, ambos devem possuir saberes profissionais formais e também experienciais (TARDIF, 2003) obtidos nas situações cotidianas, que se modificam à medida que mudam os envolvidos nas ações educativas. Um perfil com múltiplas habilidades, para resolver e dinamizar atividades, muitas vezes com crianças e jovens em situação de risco social. Essa dimensão experiencial é ressaltada por Manica e Caliman (2010) ao afirmarem que a boa atuação do educador social extrapola o conhecimento acadêmico e que sua formação é feita no decorrer das suas atividades, em contato com a população excluída socialmente.

Frente ao exposto, no próximo item nos deteremos na atuação dos educadores sociais nas organizações do Terceiro Setor, articulando os dados da pesquisa de campo com o quadro teórico exposto na parte inicial do texto.

3 Organizações Sociais, Educadores e Atividades Educativas

A partir dos anos de 1990, o contexto político-administrativo brasileiro propiciou o crescimento de ações educativas desempenhadas por organizações do Terceiro Setor na área social, algumas delas em parceria com os entes públicos. No campo educacional, essas atividades fora do ambiente escolar vêm atendendo, muitas vezes, crianças e jovens em bairros mais populares, em que o risco social é elevado.

A atuação do Terceiro Setor na área social gera controvérsias, pois nem sempre é percebida como positiva. Partindo de um sentido amplo para o conceito de Terceiro Setor, Montaño (2005) destaca que existem debilidades ao conceituar esse setor e não existe consenso sobre sua origem, podendo comportar diversas organizações, desde fundações e ONGs até outras ligadas ao empresariado. Para o autor, passa a existir um novo trato da questão social na medida em que o Estado diminui suas funções, repassando para a própria sociedade atribuições que originalmente eram estatais. Nesse aspecto, as críticas ao crescimento da atuação do Terceiro Setor, concomitantemente à diminuição da atuação do Estado no atendimento aos direitos sociais, são recorrentes. Em posição na qual ressalta as positividades, partindo de seus estudos sobre educação não formal, Gohn (2010, 2011) percebe que o aparecimento desses novos atores que formam o Terceiro Setor caracteriza novas formas de associativismo civil que podem contribuir para a formação, nos indivíduos, de uma nova cultura política, participativa e dinâmica.

Essas breves considerações sobre Terceiro Setor mostram-se relevantes, pois muitos educadores sociais atuam em organizações que fazem parte dele e, independentemente das controvérsias em relação a seus aspectos positivos ou não, suas ações têm gerado efeitos na formação de crianças e jovens pelo país afora. Entretanto, o aporte teórico citado nos ajuda a ter um olhar menos romantizado sobre a sua atuação.

Para fins deste texto, a principal fonte de dados vem de entrevistas semiestruturadas com representantes da parte educacional dessas organizações. Nelas, procuramos conhecer suas atividades educativas e objetivos, os espaços disponíveis para as ações e os educadores envolvidos no processo formativo em espaços não formais. Apresentamos a análise de quatro entrevistas que ocorreram entre 2016 e 2018. As organizações sociais visitadas foram selecionadas a partir de uma amostra intencional: Obra Social Antonio de Aquino, Instituto Bola Pra Frente, Rede de Desenvolvimento Humano e Associação Meninas e Mulheres do Morro.

Duas questões nortearam as análises do material levantado nas entrevistas: 1) Quais as formas de participação dos educadores sociais nas atividades realizadas pelas organizações pesquisadas? 2) Qual a formação e o modo de seleção dos educadores para atuarem nas ações educativas das organizações pesquisadas? Para realizar a análise, optamos pela análise de conteúdo temática, a partir das orientações de Turato (2003). Desse modo, após a transcrição do material, numa primeira apreciação dos dados das entrevistas realizamos uma leitura flutuante (pré-analise); depois, objetivando refletir sobre as atividades educativas e seus educadores em contextos não escolares, foram separadas essas informações em unidades de registro, por meio de parágrafos; por fim, houve um processo de categorização, pelo qual dividimos essas unidades em duas categorias, à luz das questões propostas neste artigo. Foram elas: “atividades educativas e sua relação com educação formal” e “formação e seleção dos educadores sociais”. É relevante destacar que toda a análise esteve relacionada aos conceitos e reflexões teóricas apresentadas nas seções iniciais deste texto.

Feitas essas considerações metodológicas e analíticas, no Quadro 1 apresentamos dados identificadores das quatro organizações visitadas a partir do seu histórico/ valores/ missão, público atendido e atividades educativas. Logo após, são expostas as conclusões das análises do material das entrevistas realizadas.

Quadro 1: Organizações Sociais Pesquisadas 

Organização Histórico / Valores/ Missão Público Atendido / Atividades Educativas(principais)
Obra Social Antonio de Aquino

  • Origem durante a década de 1960, a partir de um ideal cristão de um pequeno grupo de amigos do Centro Espírita León Denis (CELD), instituição religiosa localizada no subúrbio carioca.

  • A missão consiste em:

  • Amor ao próximo; respeito à diversidade; trabalho em equipe; ensino cristão; ética e transparência em todas as ações.

  • Público: Crianças e jovens matriculados no ensino fundamental; jovens terminando o ensino médio; gestantes; familiares de crianças e jovens fora da educação formal.

  • Ações: Prevesti (pré-vestibular comunitário); Águas do Amanhã (atividades com crianças e jovens do ensino fundamental no contra turno escolar); Creche; Projeto Espaço Oportunidade (cursos de costura, crochê, culinária, artesanato, entre outros, para geração de renda); ações educativas na área de saúde.

Instituto Bola Pra Frente

  • Criada no ano de 2000, pelo ex-jogador da seleção brasileira de futebol, Jorginho, usando o “esporte como ferramenta de desenvolvimento social” de comunidades em vulnerabilidade social de bairros do subúrbio carioca. A missão consiste em:

  • “Educar crianças, adolescentes, jovens e suas famílias para o protagonismo social” a partir de atividades esportivas como forma de promoção social (“esporte educacional”) (IBF, 2019)

  • Público: Crianças e jovens matriculados na rede pública de ensino.

  • Ações: Programa Cruzamento Perfeito, organizado, para uma “formação integral dos educandos” a partir do eixo esporte e cultura. O Programa visa “uma prática cidadã, em uma perspectiva de promoção social”. Os atendidos precisam estar matriculados em escolas públicas.

Rede de Desenvolvimento Humano

  • Fundada na década de 1990, em razão da RIO 92. “Desde então, em parceria com organização de mulheres e outros grupos, vem trabalhando no sentindo de colaborar com a implementação das recomendações através de campanhas e ações para promover a igualdade gênero, raça e etnia junto aos outros atores do desenvolvimento social” (REDEH, 2019).

  • Público: Professores e Gestores de redes públicas de ensino; crianças e adolescentes;

  • Ações: Parcerias com Redes Municipais de Ensino, Instituto Avon, Ministério da Justiça, ONU Mulher, Petrobrás, entre outros. Atividades relacionadas a militância e ativismo do movimento feminista; Inclusão digital em Naves do Conhecimento da cidade do Rio de Janeiro.

Associação Meninas e Mulheres do Morro Fundada em 1995 e registrada em 2004, sua missão é criar oportunidades de desenvolvimento pessoal, transmitindo valores relacionados ao exercício da cidadania e incentivar que a comunidade crie um sentimento de pertencimento com o espaço.

  • Público: Crianças, adolescentes e adultos.

  • Ações: Oficina da palavra / Reforço escolar, Oficina de informática, Artes integradas (Teatro, Musicalização e Dança), Oficina de Cidadania e Sócio Educativa e Mediação de Leitura.

Fonte: Sites das instituições pesquisadas. Cf. Relatório das Entrevistas (ÁVILA, 2016; SOLANGE, 2017; EICHLER, 2017; RODRIGUES, 2018).

Inicialmente, apresentamos as análises do material da Obra Social Antonio de Aquino (OSAA), que chamaremos de ORG 1. A primeira visita a essa instituição aconteceu no ano de 2015, na qual tivemos contato com as atividades educativas desenvolvidas na OSAA. Na ocasião, observamos o trabalho desempenhado principalmente por voluntários formados na própria instituição que atuavam como educadores sociais.

No projeto intitulado Prevest, um pré-vestibular comunitário, os educadores dão aulas preparando alunos para prestar o Enem e demais vestibulares. Todos os voluntários atuantes no projeto são professores da rede de ensino estadual. Assim, no caso desse projeto, os educadores sociais são docentes, o que não é necessariamente uma obrigatoriedade para essa atuação.

Segundo Gohn (2011), o educador social, nos espaços não formais de ensino, é o responsável por dinamizar e construir o processo de aprendizagem, sendo mais que um animador cultural. Essa pessoa deve se empenhar não só em propiciar o acesso aos conhecimentos como também em aprender na convivência com os indivíduos participantes da ação educativa que conduz mediante a construção de uma prática pedagógica dialógica, de acordo com a autora, em uma via de mão dupla. E eles nem sempre precisam ter formação docente para realizar tais ações.

No projeto mencionado a atuação do educador não difere da educação formal. Destacamos um trecho da entrevista com os educadores do Prevest na qual é enfatizado o empenho dos voluntários:

Todos os professores são voluntários, inclusive a coordenadora e eu tenho uma admiração muito grande por esse grupo, porque eles são muito, muito, muito dedicados. Eu sei que eu acompanho o movimento deles, pelo whatsapp, pelo grupo e é assim um envolvimento… porque são todos voluntários, são professores da rede estadual. Quer dizer, dão aulas fora daqui, tem seus compromissos, mas as vezes, assim, agora mesmo que estava no finalzinho, reta final, de Enem e tal, eles vinham feriado… tem professor que chega mais cedo para dar uma aula particular para quem está com mais dificuldade. Então, eu tenho assim uma grande admiração por esse grupo pela dedicação e com a seriedade que eles levam o trabalho, porque são todos voluntários. (AVILA, 2016)

Outra questão que percebemos nas análises foi a preocupação na ORG 1 com o desempenho escolar das crianças e jovens atendidos por eles nas aulas de reforço escolar e do incentivo para que retornassem aos estudos aqueles que abandonaram a escola. Em um dos projetos, o Águias do Amanhã, destinado a alunos matriculados no ensino fundamental, a entrevistada mencionou a parceria com escolas públicas da 8ª CRE do município do Rio de Janeiro, localizada na Zona Norte, que atende no contraturno a essas crianças e jovens da ORG 1, sendo tal fato de conhecimento da gestão da escola e referendado pelos responsáveis. Vejamos esse trecho da entrevista:

A gente está sempre mandando zap para saber como estão os alunos e eles passam para gente também. Por exemplo, falamos, estou com uma vaga de manhã, tem alguém que você pode me mandar? Eu já fui a escola, falei com as mães, expliquei como era … é uma parceria. A gente tem que buscar as redes. A gente foi no posto aqui, aí a gente já se estrutura. Temos um conhecimento com a assistente social de lá. Então, a gente está sempre fazendo esse movimento […]

Então, há uma parceria, não só da [Escola X], como de outras escolas que a gente já visitou. A gente já conversou com as diretoras, coordenadoras. Ofereceu o nosso espaço para que eles pudessem usar. Saber se tem alguma criança para encaminhar. (AVILA, 2016)

Dessa forma, observamos o que Gohn (2010, 2011) e Trilla (2008) abordam quanto às interações entre educação formal e não formal. Há uma ligação no trabalho, dado que as atividades não são isoladas, e isso é visto como o aspecto positivo da formação dos jovens envolvidos no projeto. Outro ponto também apresentado pela entrevistada sobre o projeto Águias do Amanhã - que pareceu ser um dos mais relevantes dentro da divisão educacional da ORG 1 - foi explicar o caráter diferenciado da ação educativa realizada pela organização. De como eles almejam ajudar a escola, não com repetição de atividades desenvolvidas lá, e sim com atividades mais lúdicas, conversas e incentivo à leitura. Esse fato nos reporta às interações funcionais elencadas por Trilla (2008) no tocante ao movimento de complementaridade entre os diferentes espaços formativos. Vejamos mais um trecho da entrevista:

Tanto que uma das exigências para eles estarem aqui no projeto, é que estejam matriculados na escola. Eles têm que trazer dentro dos documentos a declaração que estão estudando, porque se eles não tiverem, a gente encaminha para o conselho tutelar, ou alguma coisa assim… a assistente social entra em contato, porque é importante que eles estejam matriculados na escola. E esse projeto visa assim… não é escola, a gente não tem perfil escola. A gente tem o perfil de complemento de atividades. Então, a gente preza muito pela questão do lúdico, da brincadeira e da conversa. A gente passa atividades, assim, muito voltadas para filmes, para debates […] Mas, assim, a gente tem sempre a preocupação de estar envolvendo eles em atividades diferenciadas. (AVILA, 2016)

Por fim, não foi percebido nas respostas da entrevistada uma possível relação de paralelismo entre a educação formal e a educação não formal, mencionada por Spósito (2008). Ao contrário, nessa organização do Terceiro Setor fica evidente a interligação desses dois espaços formativos na busca de auxiliar a criança e o jovem em sua formação cidadã.

A segunda entrevista analisada foi a do Instituto Bola Pra Frente, que chamaremos de ORG 2, situado em áreas de risco, pois expostas à violência e à marginalidade. Nesse caso, as organizações sociais vêm assumindo um espaço importante na formação dos jovens oriundos das classes menos favorecidas. Segundo Spósito (2008, p.90.), há um paradigma emergente sobre ações educativas com jovens pobres que as entende como experiências locais diversificadas, algumas bastante desastrosas outras positivas, mas, de qualquer modo, sempre sinalizadoras de questões importantes. Na nossa avaliação, as ações educativas realizadas no Instituto são de grande relevância para os seus participantes

Em relação à seleção dos educadores sociais, a entrevistada fez as seguintes observações:

Hoje os nossos educadores sociais eles são recrutados através de indicações, né, até porque se trabalhar numa organização social , dependendo da organização social, no caso do Bola pra frente , nós precisamos de um profissional, praticamente um multi docente , ele consiga perpassar é claro com as ressalvas e particulares , que ele consiga de certa forma ministrar o máximo de conteúdos possíveis , que ele consiga entender o papel dele nesse contexto numa determinada atividade, por exemplo, para isso a gente passa de uma série de treinamentos . No caso do cruzamento perfeito nós fizemos um treinamento de 3 dias em fevereiro para que a gente conseguisse implementar o programa com eficácia, agora nesse período e aí outras fontes de recrutamento, é em sites especializados, grupos, por exemplo, nas redes sociais especializados em educadores, principalmente, de organizações sociais. (POSE, 2017)

Ao mencionar a forma de separação dos participantes dos projetos por faixa etária, a entrevistada disse que, na ORG 2,

Cada um desses projetos nós agrupávamos 4 faixas etárias e cada um dos projetos tinha o esporte como eixo central. Mas no caso do craque de bola nós fornecíamos era a educação, no artilheiro era cultura e no campeão de cidadania era qualificação profissional. Era bem segmentado, para cada grupo etário. Hoje no Cruzamento Perfeito, todos os inscritos, eles têm todas essas atividades, eu não segrego o que um precisa mais do o outro. Eu ofereço tudo para todo mundo. O que diferencia é a minha intencionalidade a minha intensidade mediante e a habilidade cognitiva, motor, psicomotor daquela criança, ou do adolescente. (POSE, 2017)

Destacamos dois aspectos importantes da atuação do educador social nas ações educativas da ORG 2, ilustrados pelas transcrições das entrevistas: a) o educador social deve ter habilidades distintas para trabalhar com a diversidade dos atendidos, b) há várias formas de seleção dos educadores, que são utilizados a partir das necessidades, sem obrigatoriamente ter uma formação específica.

Essas falas nos reportam a outros dois pontos teóricos. Referimo-nos às teorizações de Romans (2003) sobre um tipo de educador social: o criativo/ transformador, e às considerações de Gohn (2010, 2011) sobre o dinamismo da atuação deste, tal como acontece com a atuação do educador social da ORG 1 no Projeto Águia do Amanhã, quando ressalta a sua preocupação de não repetir as atividades feitas pelas crianças nas escolas.

Por fim, destacamos que para participar do Projeto Cruzamento Perfeito, os alunos precisam frequentar a escola. No entanto, a entrevistada relata o desinteresse de alguns pela educação formal, não sendo perceptível o conceito ‘interações funcionais’ apresentado por Trilla (2008), a saber:

Eles precisam estar na escola, e quando não estão a assistente social e a psicóloga entram no circuito, para entender o porquê a criança ou adolescente estão fora da escola, quais foram as implicações e o que fazer para ajudá-lo a conseguir uma vaga na escola. Em relação à escola é complicado para ele, é difícil para eles, porque muitos querem mas não sabem o que fazer e, às vezes, a escola não dá esses subsídios e ele acaba achando que a vida dele se encerra no Ensino Médio. Quando na verdade ele consegue e deve ter todo estímulo para prosseguir. Quando a gente fala da faculdade […] A escola ainda assim é um processo educacional que precisa de melhoria para que ele entenda a escola também não só no sentido de obrigação e sim com uma forma de oportunidade. (POSE, 2017)

A terceira entrevista que analisamos foi a da Rede de Desenvolvimento Humano, que chamaremos de ORG 3. De acordo com informações passadas pela entrevistada, essa organização do Terceiro Setor possui ações educativas realizadas em parceria com entes governamentais - por exemplo, secretarias municipais de ensino - e outras organizações privadas. Desse modo, a ORG 3 atende a um público amplo, de professores, gestores, mulheres e ativistas do movimento feminista a crianças e jovens em projetos de inclusão digital nos espaços conhecidos como Nave do Conhecimento da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Na ORG 3, a escolha dos educadores sociais depende da necessidade das ações desenvolvidas por ela em determinado momento.

Isso vai de acordo com a demanda de cada curso, como esses cursos de inclusão digital eles estão dentro de comunidades populares, os coordenadores acabam priorizando aquelas pessoas que vivem nas comunidades não só para dar uma oportunidade, mas são pessoas que conhecem todo contexto local, estão familiarizados com aquela cultura, então eles dão preferência a monitores, supervisores da comunidade local, mas, por exemplo, depende, eu sou educadora, então eu tenho algumas pessoas aqui no escritório central que também acabam atuando como educadores sociais caso precise. (EICHER, 2017)

Há uma preferência por pessoas que trabalham na comunidade ao redor dos espaços onde o curso ou a atividade acontece, o que se relaciona com a necessidade de ter conhecimento prévio do seu lugar de atuação (GOHN, 2010). Além disso, esclarecemos a relação com a dimensão experiencial trazida por Tardif (2003) sobre a profissionalidade docente. No contexto de saberes relacionados a essa profissão, como os profissionais e os curriculares, há também os saberes experienciais advindos das vivências e condicionantes que envolvem a realidade de determinada ação educativa - trata-se de saberes relevantes na composição da profissionalidade docente. Como já citado anteriormente, embora esse autor não aborde diretamente a questão do educador social, suas considerações reforçam a importância de o educador social deter conhecimento sobre sua realidade, pois partindo dos seus saberes de experiência as dinâmicas e atividades terão mais correlação com os indivíduos participantes. Ao escolher pessoas da própria comunidade para participarem como educadores sociais da ORG 3, esse direcionamento seletivo vai ao encontro das considerações de Tardif (2003), dado que eles já estão inseridos naquele grupo e que percebem, por meio de suas experiências pessoais, as necessidades e anseios dos participantes dos cursos, mostrando a relevância desse saber e de outros advindos da educação formal.

Quando há necessidade, ocorre uma capacitação para melhor atender o público dos cursos. A ORG 4 também trabalha com voluntariado e com contratados no escritório central e em projetos sociais, respectivamente:

Dependendo da especificidade do curso, por exemplo, esses cursos da Casa Futuro, ele tem capacitações frequentes, porque são… como a demanda é muito grande nessas comunidades, então termina um curso e já inicia outro, então os monitores, eles são todos capacitados por profissionais especializados naquele tema, são muitos cursos de inclusão digital, então desde cursos de iniciação, como cursos mais complexos, como CCNA. (EICHER, 2017)

Por fim, a quarta entrevista que analisamos foi a da Associação Meninas e Mulheres do Morro, que chamaremos ORG 4, que teve como motivação principal para sua criação “A compreensão plena da realidade local e o consequente interesse na busca de alternativas capazes de transformar o contexto social da comunidade”, segundo a entrevistada Rodrigues (2018). A Associação está localizada na comunidade da Mangueira, conhecida como Parque da Candelária, uma região considerada de risco social.

Em relação à seleção dos educadores sociais, a maioria deles participou, como aluno, de um dos projetos e depois passaram para essa função O fator mais relevante para a seleção do educador social é residir na comunidade. Esse aspecto também dialoga com as considerações de Gohn (2010) e Tardif (2003), mencionadas na análise da ORG 3, de que o conhecimento da área em que se vai atuar deve ser uma condição prévia, a fim de atender as reais necessidades dos envolvidos nas ações educativas.

Uma segunda questão que chamou a atenção foi a relação entre as ações educativas da ORG 4 e as escolas do entorno. Ao ser perguntada sobre parcerias com escolas públicas estaduais e municipais a entrevistada assim respondeu:

Quem buscou a parceria fomos nós, com as escolas ao nosso redor. No começo foi bem complicado, porque tínhamos um método de trabalhar diferente da escola. Porém, com muita insistência, os dois lados chegaram a um acordo, e hoje trabalhamos somente com leitura literária dentro das escolas ou com organização das salas de Leitura, o que já mostra um diálogo importante, que não havia antes. Nossa principal parceira hoje é a Escola Municipal Marechal Trompowisky. (RODRIGUES, 2018)

Recorremos a Trilla (2008) para analisar o trecho transcrito, no ponto em que esse autor valoriza as interações funcionais entre a educação formal das escolas e a educação não formal, o que ocorre na ORG 4, onde, inicialmente, mostrou-se uma relação de interferência quando alguns membros da comunidade escolar se sentiram incomodados com os aprendizados de seus alunos. Posteriormente, a relação torna-se de complementariedade, pois uma das ações da ORG 4 envolve leituras como forma de construção das identidades por meio de narrativas de crianças e jovens, atividade que também passou a ser desenvolvida na escola.

Esse mesmo trecho nos reporta também às reflexões de Gohn (2010, 2011) sobre as metodologias usadas na educação formal e na não formal. De acordo com a autora, os espaços não formais devem ter uma flexibilidade maior, até pelo dinamismo que envolve a atuação do educador social com, por exemplo, indivíduos em vulnerabilidade social, em movimentos de construção e reconstrução da prática pedagógica. Na análise desse trecho da entrevista, na perspectiva da autora, nos parece um movimento contrário a essa ideia, visto que a inserção de educadores sociais da ORG 4 em escolas da região só foi mais aceita quando metodologicamente as atividades se enquadravam nos moldes formais dessas organizações.

Em posicionamento diferente, Trilla (2008) fala sobre intromissões mútuas, considerando que não há uma metodologia própria da educação formal e outra da educação não formal. Um método escolar pode ser usado em espaços não formais e vice-versa, até porque essas modalidades não são isoladas e essas intromissões fazem parte desse processo de interrelação dos espaços formativos. Assim, partindo desse conceito do autor, mesmo os educadores sociais da ORG 4 atuando nas unidades escolares parceiras com um tipo de metodologia também usada por elas, é possível perceber um diálogo entre os espaços formativos. De acordo com a tipologia de Romans (2003), o educador social é criativo quando sabe adaptar suas práticas às necessidades do grupo e ao diálogo com a educação formal que é o observado na ORG4.

Considerações finais

Frente ao exposto, consideramos que as discussões sobre a pedagogia social (MENDIZÁBAL, 2017; MANICA, CALIMAN, (2010) e a educação não formal (GOHN, 2010, 2011) se alinham quando assumem a dimensão crítico emancipatória das suas ações, o que é de grande relevância nesse contexto de avanço das forças conservadoras no mundo. Com isso, nos opomos àqueles que defendem que a educação social serve de substituta à educação formal e reiteramos nossa defesa da educação como direito público subjetivo essencial ao processo de socialização das nossas crianças e jovens. Mas reconhecemos que muitas vezes, em contextos não escolares, desperta o interesse pela educação formal nos seus participantes.

Nesse sentido, concordamos com Manica e Caliman (2010) quando afirmam que o educador social precisa ser flexível e usar novas metodologias se está comprometido com a inserção social. No entanto, sozinho ele não será capaz de realizar essa transformação. Assim, faz-se necessária a discussão sobre políticas educacionais que possibilitem um olhar conjunto entre os diferentes espaços formativos, com o intuito de reverter a exclusão social de grande parcela das nossas crianças e jovens

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Notas

1As entrevistas obedeceram aos procedimentos éticos estabelecidos para a pesquisa científica em ciências humanas

2Efetuamos uma pesquisa exploratória, na internet, a partir da qual selecionamos as organizações a serem pesquisadas posteriormente. Realizamos o contato telefônico com as selecionadas para sondar o interesse em participar do estudo e conceder a entrevista. Estabelecemos como critério para a seleção: a) realização de ações educativas destinadas a crianças e aos jovens; b) ter educadores sociais em seus quadros; c) atuarem em áreas de risco social

Para referenciar este texto: GONZALEZ, W. R. C.; ÁVILA, E. R. A atuação do educador social em organizações do terceiro setor. EccoS - Revista Científica, São Paulo, n. 48, p. 133-153. jan./mar. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.5585/EccoS.n48.11617>

Recebido: 13 de Fevereiro de 2019; Aceito: 15 de Março de 2019

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