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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.48 São Paulo ene./mar 2019  Epub 02-Jul-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n48.7876 

Artigos

O termo qualidade na revista Ensino Superior: uma pesquisa que buscou a concepção de qualidade no ensino superior privado

The term quality in the periodical Ensino Superior: a research that sought

1Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professora na E.M.E.I.E.F “Centro de Ipeúna” e E.M.E.F. “Dr. Ulysses Guimarães”. Ipeúna, SP - Brasil. leticia_bortolin@hotmail.com

2Doutor em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Professor no Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP - Brasil. josecarlos@rothen.pro.br


Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo explicitar a concepção de qualidade construída (e utilizada) pelas instituições de ensino superior privadas. Toma como objeto de investigação a Revista Ensino Superior, do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), no período de 2000 a 2010, e evidencia, por meio de análise, qualitativa, das matérias publicadas, e as concepções de qualidade e os modelos que a revista utiliza na construção de seus discursos. Conclui-se que, para a revista em questão, qualidade é obter uma boa nota nas avaliações e ter bom posicionamento em rankings; o caminho para tal seria ter bons professores, gestão, metodologia de ensino, seleção dos alunos e cursos atualizados com o mercado. Para a revista, a falta de qualidade das instituições privadas se explica pela limitação cultural dos seus estudantes.

Palavras-chave: Ensino Superior Privado; Qualidade; SEMESP

Abstract:

The aim of this paper is to explain the conception of quality concept built (and used) of private Higher Education Institutions. The object of this research is the periodical Revista Ensino Superior of the Union of Maintainers of Higher Education Institutions in São Paulo State (SEMESP), specifically the publications dated between 2000 and 2010, and it demonstrates, by analyzing qualitative the published articles, the quality oncept the models that the periodical uses in the construction of its discourses. It was concluded that, according to the perspective of the periodical, quality means achieving good scores in tests and a good position in rankings; the path to quality would be having good professors, management, teaching methodology, student selection, and updated courses in line with the market. As reported by the Periodical, the poor quality of private Institutions is explained by the cultural limitation of their students.

Keywords: Private Higher Education; Quality; SEMESP

Introdução

O ensino superior brasileiro teve o seu desenvolvimento no século XX por meio de instituições públicas e privadas. Até os anos de 1960 o ensino privado era majoritariamente confessional (DURHAM, 2003); nos anos de 1970, sob inspiração das teorias do capital humano, o ensino superior tomou como foco principal a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Com o aumento da procura e a falta de vagas disponíveis no ensino superior público brasileiro, os governos militares optaram por atender parte significativa da demanda por meio do setor privado.

A partir da Reforma do Estado, promovida nos governos Fernando Henrique Cardoso, o ensino superior passou a ter características de mercadoria, principalmente com a flexibilização de abertura de cursos e a criação do Exame Nacional de Cursos (ENC). A implantação dessas políticas trouxe como resultado um vertiginoso crescimento na oferta de cursos de graduação pelo setor privado, como aponta José Vieira de Sousa (2013, p. 36):

Com efeito, a expansão privativa das vagas e a mercantilização do sistema de ensino foram alguns dos traços mais marcantes da educação superior brasileira, na década de 1990. Essas características fundamentais ajudaram a delinear o perfil destas atividades no meio social e contribuíram para determinar um caminho mais voltado, provavelmente, para o atendimento a demandas do mercado de trabalho e aos interesses econômicos. (SOUSA, 2013, p. 36)

Com o início dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) tinha-se a expectativa de uma mudança na forma da expansão do ensino superior, principalmente com maior investimento nas instituições federais. Contudo, nos dois mandatos do governo Lula continuou a crescente oferta de cursos superiores privados, sendo que em alguns anos ela desacelerava e em outros aumentava. Apesar de o ritmo de crescimento não ter se mantido estável,

[…] de forma geral, esse aumento pode ser reflexo de dois fatores combinados: o crescimento pelo qual passava a economia brasileira no período, e a própria força de mercantilização do sistema de educação superior incentivado pelas políticas públicas nele vigentes. (SOUSA, 2013, p. 41)

A política de expansão do ensino superior dos governos Lula, conjugada a uma política social de inclusão, desencadeou como resultado a criação do Programa Universidade para Todos, também conhecido como Prouni, por meio do qual disponibilizam-se vagas nas instituições privadas com 100% ou 50% de bolsa, dependendo da condição social do candidato. Assim, ao invés de se investir no fortalecimento do ensino público, o Programa ajudou o setor do ensino privado, contribuindo, portanto, para manter a “dinâmica privatista” (MANCEBO, 2010) e dar sequência às políticas do governo anterior.

A política de flexibilização e privatização da expansão do ensino superior foi acompanhada da criação de mecanismos de avaliação visando a regulação da qualidade da oferta de cursos (TAVARES et al., 2011). Diante desse cenário, é recorrente a pergunta sobre a qualidade do ensino superior. Contudo, o termo não é unívoco, tendo, do contrário, uma polissemia de significados, os quais são referenciados em valores e concepções de mundo. (ROTHEN; TAVARES; SANTANA, 2015)

Neste artigo, evidenciaremos a concepção de qualidade expressa pelo setor privado, tomando como base as análises de uma pesquisa de mestrado que investigou a concepção de qualidade nas matérias da Revista Ensino Superior, publicação periódica mensal do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, editada pela editora Segmento. O período em análise percorreu 131 edições entre os anos de 2000 e 2010.

Considerando que a revista é um meio de difundir ideias e conceitos, buscamos evidenciar os modelos que a revista utiliza na construção de seus discursos. Esses discursos são fundamentados em princípios que possibilitam a interpretação da realidade; são eles que permitem à revista ‘falar’ sobre a realidade. (ROTHEN, 2004). É importante destacar que as regras e modelos são usados para a definição de qual qualidade é boa e razoável segundo o contexto em que a revista está inserida, no caso, o setor do ensino superior privado.

Desse modo, indagamos como a qualidade no ensino superior é concebida pelos mantenedores privados, tendo em vista a significante expansão que houve e que ainda vem ocorrendo nesse setor, além da grande propagação que se faz por meio das mídias mediante a oferta de cursos e instituições que seriam de/teriam a melhor qualidade.

O SEMESP

Fundado em 15 de fevereiro de 1979, o Sindicado das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) reúne atualmente 251 mantenedoras que representam 470 estabelecimentos de ensino superior, abrangendo centros de educação tecnológica, centros universitários, faculdades e universidades. As entidades-membro são de iniciativa privada, mas não são todas as instituições do setor que participam do Sindicato.

De acordo com o site do SEMESP (2017, s/p), sua missão, realizada por “meio de uma eficaz presença regional e nacional, [é] representar e dar respaldo às instituições de ensino superior privado associadas e seus mantenedores, oferecendo assessoria especializada em diversas instituições inovadoras.” Tal assessoria é voltada às áreas com competência, com conhecimento e soluções inovadoras, possibilitando “promover com profissionalismo, qualidade e excelência a coexistência” das diversas instituições associadas, tudo isso visando respeitar as particularidades e dimensões, assim como as diferenças de cada instituição associada ao SEMESP. Dessa forma, o Sindicato busca a ampliação do setor privado e a excelência na qualidade do ensino ofertado pelas associadas.

A Revista Ensino Superior tem periodicidade mensal, editando 12 (doze) exemplares impressos por ano, produzidos pela Editora Segmento; porém, o conteúdo é de responsabilidade do Sindicato das Entidade Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP).

Na maior parte das matérias publicadas são apresentadas ideias de especialistas nas temáticas abordadas, como professores, gestores e o próprio presidente do SEMESP, que em geral são associados de maneira direta às Instituições de Ensino Superior (IES) privadas. Tais especialistas argumentam sobre problemas relacionados ao futuro dos cursos/instituições, expondo opiniões para melhorá-los, tanto na questão da qualidade quanto em relação à expansão dos mesmos.

Em algumas matérias identificamos a participação de atores ligados ao governo - ministro ou secretário de educação -, além de profissionais que atuam nas IES públicas. Quando os argumentos são de representantes políticos, as discussões, de modo geral, são referentes às políticas educacionais.

A identificação do posicionamento da revista ocorre na leitura das matérias como um todo, mediante a qual é possível identificar as posições mais recorrentes. Apenas com a leitura de reportagens isoladas podemos ter a impressão equivocada de que a revista não se posiciona, pois ela frequentemente traz falas com posicionamentos diferentes e não se identifica posicionamento explicito sobre a temática na conclusão da matéria.

O que é qualidade na Revista Ensino Superior

A partir das análises realizadas foi possível apreender que a compreensão da revista sobre o que seja qualidade no ensino superior está vinculada aos instrumentos avaliativos. Em geral, não há um conceito que explique a qualidade, mas sim discursos apresentando caminhos para alcançá-la. Tal perspectiva pode ser compreendida pela explicação de Rothen, Tavares e Santana (2015, p. 268), ao afirmarem “que o termo qualidade é polissêmico”, tendo suas variações decorrentes “do contexto sociopolítico e cultural”, constituindo um “termo mutável no tempo e espaço” e modificando-se conforme o contexto em que é empregado; dessa forma, possibilita distintos significados e usos em cada instituição, curso ou contexto educacional.

Belloni (2000, p. 41) define o termo de forma semelhante, argumentando que sendo um

[…] conceito complexo e controverso, qualidade é aqui considerada simplesmente como o nível de aceitabilidade ou adequação de uma atividade ou produto definido por vários setores internos ou externos, tendo como parâmetros eficiência, eficácia e efetividade social.

Apesar de a revista não explicitar o que considera como qualidade do ensino superior privado, identificamos os vínculos estabelecidos entre qualidade e avaliação, e que a posição que determinado curso ou IES alcança no ranking é um indicativo de sua qualidade, ou seja, a nota nas avaliações representa a qualidade. Em muitas matérias notamos a preocupação de elencar critérios que auxiliem as IES a alcançar a qualidade, tanto nas avaliações de cursos quanto nas das próprias instituições, tal como veremos adiante.

É representativa, por exemplo, a ênfase dada em uma das matérias quanto à importância de avaliar os cursos para medir sua qualidade. Na matéria é discutido o papel da avaliação, afirmando-se que quando uma IES permanece com nota alta alcança benefícios como ter “mais liberdade para alterar disciplinas livremente, sem pedir autorização prévia ao Ministério.” (DORNELES; NAPPI, 2001, p. 23) Já os cursos que não mantêm uma nota ‘aceitável’ na avaliação ou caem para nota inferior ficam mais restringidas as autorizações do MEC, o que significa menos autonomia. Essa visão não impede que haja algumas situações que apontam que os resultados da avaliação não representam a qualidade no curso. Por exemplo, ao discutirem o Exame Nacional de Cursos, os mesmos articulistas discutem o fato de os conceitos dados aos cursos serem percentuais, o que aparecem na nota final como conceito geral. Como exemplo, o conceito A não quer dizer que o curso está perfeito: ele pode apresentar alguns problemas enquanto outro curso A está completamente de acordo com as exigências do MEC, dessa formar os percentuais não são explícitos para os alunos, entre outros.

Para complementar essa importância da avaliação oficial como medidor de qualidade, a revista destaca os resultados avaliativos na forma de ranqueamento como indicativo de qualidade, considerando que uma boa posição ajuda a atrair mais alunos e mais investimentos para as IES e seus cursos. É assim que Dorneles e Nappi (op. cit., p. 24) afirmam:

Quem tem “A”, por exemplo, está “desesperadamente querendo manter o conceito máximo”, porque ele é mercadologicamente importante, principalmente para as instituições privadas. Nas públicas o conceito máximo representa mais verbas, mais contatos, mais apoio, acordos de cooperação, de serviços - e também são trabalhadas mercadologicamente.

De acordo com as matérias publicadas na Revista Ensino Superior no período investigado, não há apenas um meio para se obter êxito na qualidade do ensino. A revista apresenta vários autores que nos mostram alguns dos caminhos para se chegar a ela. Nesse sentido, durante o processo de coleta de dados identificamos os seguintes elementos: a) bons professores; b) metodologia de ensino: tecnologias da informação e comunicação; c) gestão d) seleção de alunos; e e) cursos atualizados com mercado. A seguir, abordaremos cada um deles.

a) Bons professores

Para caminhar em direção à qualidade dos cursos/instituições, docentes deveriam possuir didática para estimular e ensinar os alunos, além de haver a capacitação constante dos docentes. Com as matérias selecionadas, compreendemos que é preciso estar investindo continuamente em aperfeiçoamento e capacitações dos professores, assim como afirma a matéria de Gabriel Mário Rodrigues (2002, p. 42): “Evidentemente, a qualidade e a capacitação do corpo docente e administrativo constituem a razão fundamental de qualquer iniciativa que almeje o sucesso e a diretriz para ações concretas e condução realista.” Nessa direção, na revista afirma-se que

[…] as instituições privadas de ensino superior brasileiras dão sinais de que a busca pela qualidade começa pela preparação do seu corpo docente. A maioria das universidades investem ou incentivam seus professores a participarem de algum tipo de capacitação. (ENSINO SUPERIOR, 2008, p. 20)

Essa capacitação visaria a atualização dos docentes, com a formação continuada, preparando-os e atualizando-os para melhor exercerem a profissão docente. Eric José Migani (2015, p. 68) defende a capacitação de professores, afirmando que a mesma “deverá ocorrer tanto nas instituições públicas como nas privadas.” Conforme o autor, nas IES há planos para qualificação: “como meio de progressão na carreira, as universidades públicas exigem do professor um contínuo aperfeiçoamento e oferecem a opção pela dedicação exclusiva, com acréscimo salarial” (op.cit.), o que incentiva o constante aprimoramento do docente, visando melhorar a qualidade do ensino.

Apesar da preocupação com a formação continuada/capacitação dos professores, encontramos na própria revista, a partir dos dados apresentados pelo Inep em 2011, que a maior parte dos professores que atuavam nas IES privadas do estado de São Paulo trabalhavam em regime de horista, o que corresponde a 43% do total; enquanto isso, o número de professores em regime de trabalho integral correspondia a 30% e os demais 27% em regime parcial de trabalho (SEMESP, 2013). Nas situações em que os docentes não trabalham em regime integral, por sua vez, há a possibilidade de acúmulo de cargos em instituições diferentes, o que pode comprometer aspectos da eficiência do trabalho realizado; há, ainda, a possibilidade de obstrução ou criação/presença de barreiras que dificultem o desenvolvimento da própria formação continuada, já que não há disponibilidade para sua realização.

b) Metodologia de ensino: tecnologias da informação e comunicação

As discussões sobre metodologia de ensino se dirigem principalmente ao uso de materiais produzidos para os cursos a distância. A revista mostrou aumento da abertura desses cursos, tanto nas IES privadas quanto nas públicas, assim como a adesão de alunos e empresas a essa modalidade educacional. Reportagem publicada pela revista em fevereiro de 2000, por exemplo, conta o caso de uma estudante de moda formada na Universidade Candido Mendes e moradora da cidade do Rio de Janeiro que desejava cursar uma pós-graduação oferecida na cidade de São Paulo (Anhembi Morumbi). Para ter essa oportunidade, a estudante matriculou-se no curso a distância. A revista frisa que quando formada, após dois anos, a mesma terá o diploma equivalente de um aluno que cursou no sistema presencial.

Outras IES também vinham aderindo aos cursos a distância, inclusive instituições públicas, a partir de 1995, mesmo antes de o MEC ter sancionado a lei que regulamenta esses cursos, o que ocorreu apenas em 1996. O número de matriculados vem crescendo a cada ano e as empresas também passaram a aderir essa modalidade de ensino para treinamento e capacitação dos trabalhadores. Segundo a matéria, a vantagem é que o aluno inscrito no curso não tem gastos com deslocamento, mas o valor da mensalidade seria o mesmo do curso presencial. (ENSINO SUPERIOR, 2000)

O ponto indicado como necessário para esses cursos é terem um material bem elaborado, participação em chats, trabalhos em grupos e contato com os educadores. A pretensão é fornecer essas mesmas tecnologias no curso presencial, devido ao baixo custo. Os cursos a distância se originaram da parceria entre IES e empresas para capacitação dos funcionários, visando a possibilidade de crescimento desses trabalhadores dentro da empresa. Foi possível identificar uma confusão na Revista entre modalidade a distância e metodologia de ensino, tecnologias da informação e comunicação, contudo, em linhas gerais, o que se propõe é fornecer esses mesmos recursos para o ensino presencial, devido ao baixo custo.

c) Gestão

Outro ponto discutido foi a forma de gestão, a qual influencia diretamente o ensino. O professor Victor Meyer Junior (2000) explica seu posicionamento à revista, defendendo a ideia de que é preciso uma reforma gerencial nas universidades, assim como ocorre nas empresas. Segundo ele, é preciso uma “visão clara de natureza qualitativa do trabalho acadêmico, tendo como sua essência o conhecimento, de forma a poder adaptar metodologias empresarias a esta realidade.” (MEYER JUNIOR., 2000, p. 44) O autor ainda afirma que a qualidade na gestão universitária é

[…] um conjunto de fatores e condições que somados às técnicas, às abordagens e metodologias gerenciais, à liderança, às estruturas, ao comportamento, aos valores e à cultura presentes na organização, contribuem para a melhoria da qualidade dos serviços educacionais.

Desse modo, percebemos a importância expressa na revista no que tange à questão da gestão e sua relação com a formação de bons profissionais e com os meios que as IES podem utilizar para atrair alunos, buscando a melhoria do ensino desenvolvido na instituição/curso. A revista retrata/apresenta uma qualidade baseada nos modos de gestão de empresas. De acordo com Bertolin (2009, p. 128), as concepções de gestão das indústrias “enfatizam aspectos de eficiência, produtividade e redução de custos, ou seja, que visam a lucratividade”, vale dizer, um ensino que gere resultados econômicos positivos, gastando pouco e promovendo lucros.

d) Seleção de alunos

A seleção de alunos é vista como forma positiva para se alcançar a qualidade. De acordo com as matérias, nos casos em que as instituições possuem um elevado número de candidatos disputando as vagas isso contribui para a seleção dos melhores candidatos. Consequentemente, haverá turmas com alunos mais ‘esforçados’, os quais, nas reportagens, são considerados bons alunos. Com isso, conforme a matéria de Marta Avancini e Patricia Pereira (2009, p. 24), “a tendência é que a prova gere ranqueamento entre as próprias universidades, que disputarão os melhores alunos”, tal como se esperava na ocasião da substituição do Enade pelo Enem.

e) Cursos sintoniizados com o mercado

De acordo com a revista, é necessário que os cursos/instituições se adaptem ao que o mercado está procurando e promovam uma capacitação para atuar adequadamente no trabalho e especializar a mão de obra, conforme a demanda do momento. Na matéria de Gabriel Mario Rodrigues (2002, p. 42), por exemplo, destaca-se que

[…] às novas diretrizes impostas pela educação, somam-se o momento difícil pelo qual passa a economia, a necessidade de se melhorar o desempenho dos cursos e a dificuldade de se equacionar qualidades aos preços de serviços.

A matéria fala dos desafios que as instituições precisam enfrentar para se manter. Com todas as transformações que acontecem na economia, elas precisam se preparar para oferecer o melhor, para promover um diferencial. “Evidentemente, a qualidade e a capacitação do corpo docente e administrativo constituem a razão fundamental de qualquer iniciativa que almeje o sucesso e a diretriz para ações concretas e condução realista.” (RODRIGUES, 2002, p. 42)

Em contrapartida, na matéria publicada por Carlos Costa (2002, p. 20) afirma-se que o “ensino de qualidade não é preparar para o mercado de trabalho, mas para a vida. Como educadores, estamos esquecendo o principal, que é formar pessoas numa visão integral.” Isso nos indicou uma preocupação com a formação humana e não uma mera formação de mão de obra, ou exclusivamente técnico-mercadológica.

Os alunos e a “não” qualidade do ensino

No discurso presente na revista é comum encontrar justificavas para o fato de as instituições privadas não terem bom desempenho se comparadas com as públicas. Em algumas matérias, a revista apresentou críticas ao Prouni, já que, por esse programa, os alunos selecionados são justamente os que não conseguiram ingressar nas IES públicas, entendendo que tais alunos são mais fracos. Contudo, reconhecem a importância do Prouni, pois essa política traz benefícios como isenções e descontos em impostos nas IES privadas. Como foi publicado em uma das matérias, “as instituições vão usufruir isenção de tributos fiscais, que é a contrapartida pela concessão de bolsas.” (ENSINO SUPERIOR, 2006, p. 5)

A revista considera que o maior percentual de alunos que ingressa nas IES privadas está em um nível mais baixo de conhecimento do que os que ingressaram nas IES públicas, o que já é um fator que influencia na qualidade das privadas. Há afirmações de que a maioria dos alunos destas últimas instituições é oriunda de escolas mais fracas, o que gera a necessidade de, além de forma-los em nível superior, cumprir o papel de corrigir as deficiências educacionais e completar o desenvolvimento de conhecimentos próprios da educação básica, o que compromete a qualidade dos cursos.

A crítica de Gabriel Mario Rodrigues consiste no fato de que os alunos que estudaram em escolas públicas e são oriundos de uma classe social mais baixa, em sua maioria, ingressam no ensino superior com problemas de aprendizagem e insuficiência de conhecimentos. De acordo com ele, esses alunos são os que possuem problemas sociais, econômicos e familiares, o que delega às instituições a missão de transformar tais dificuldades/. O autor afirma que:

Por isso não concordamos com a política atemorizadora e incrivelmente crítica às nossas faculdades e universidades. O governo não nos vê como parceiros e responsáveis pela condução de 65% do sistema universitário, que deve ser apoiado e incentivado na busca de sua melhoria contínua mas, sim, como massa de manobra que deve ser intimidade e ameaçada. (RODRGUES, 2001, p. 42)

Considerações finais

A revista expressa um foco voltado para o setor privado e a expansão do mesmo, o que passa pela importância dada ao marketing como modo de propagar os cursos ou as IES que conseguiram notas/conceitos altos nas avaliações. Os resultados da avaliação que indicariam a qualidade das IES são valorizados enquanto material de publicidade e não como um retorno da avaliação externa para a melhoria na oferta de seus cursos. Tais estratégias são construídas em busca de atrair novos alunos, isto é, a ‘clientela’, tal como denominada pela revista.

Podemos compreender que, no período investigado, a concepção de qualidade está diretamente ligada aos instrumentos de avaliação e à colocação em rankings; que para se alcançar tal qualidade é preciso passar pelos processos avaliativos e, então, aprimorar os aspectos que apresentaram resultados insatisfatórios. A qualidade, então, é definida pela nota e classificação obtidas. A partir da classificação tem-se, então, uma base para definir qual instituição possui ou não qualidade, sendo que, para a revista, é preciso atuar sobre os pontos a serem melhorados, bem como acompanhar o mercado de trabalho para atualizar os cursos em atendimento a suas demandas.

Tais resultados indicam uma concepção de educação mercadológica - isto é, um modelo de educação mais voltado ao comércio e à lucratividade - e um sentido para os processos avaliativos de ferramenta importante para divulgação das notas dos cursos e das próprias instituições, possibilitando qualificação nos rankings. Resulta que cursos que acompanham a evolução do mercado atrairão os melhores alunos, o que, por sua vez, contribui para a própria qualidade dos cursos. Oliveira (2009, p. 753) afirma que,

Entretanto, não estamos frente a uma situação em que seja possível frear o avanço do mercado educacional por formulações compartilhadas por parte da sociedade. O fato é que, mesmo se afirmando, inclusive no texto constitucional brasileiro, que educação é um direito social e um dever do Estado, o mercado avança vorazmente.

Neste trabalho foi possível identificar o quanto a revista considera importante que cursos e instituições do setor privado sigam as direções e demandas oferecidas pelo mercado. Busca estratégias para alcançar padrões avaliativos, preocupando-se com a formação docente e com as metodologias de ensino, mas não há tanta preocupação com a infraestrutura física. Outra preocupação presente na revista é a empregabilidade dos alunos e a expansão dos cursos mediante as necessidades do mercado. A ‘não qualidade’ da educação privada é atribuída pela revista ao seu ‘cliente’: o aluno; o déficit de aprendizagem dos estudantes, oriundos de escolas mais fracas, contribui para as baixas avaliações de cursos e IES, segundo o mesmo periódico.

O que podemos concluir é o fato de muitas IES visarem o ensino como algo comprável, equiparado a um comércio no qual o que mais importa é ter bons alunos para aumentar os índices avaliativos das IES e, assim, a concorrência, fazendo crescer, então, a lucratividade, ou seja, transformando a instituição em uma empresa que gere lucros. Para alcançar o sucesso da instituição e seu progresso, se faz necessário que a mesma tenha qualidade. Qualidade esta que, de acordo com os dados coletados, é alcançada quando há investimentos em: metodologias de ensino com auxílio de tecnologias de comunicação e informação; professores qualificados; uma gestão que saiba gerenciar com perfil empreendedor; alunos preparados para o ingresso no ensino superior e cursos atualizados com mercado

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Para referenciar este texto: BORTOLIN, L.; ROTHEN, J. C. O termo qualidade na revista Ensino Superior: uma pesquisa que buscou a concepção de qualidade no ensino superior privado. EccoS - Revista Científica, São Paulo, n. 48, p. 239-254. jan./mar. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.5585/EccoS.n48.7876>

Recebido: 28 de Setembro de 2017; Aceito: 07 de Dezembro de 2018

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