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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.48 São Paulo ene./mar 2019  Epub 03-Jul-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n48.8224 

Artigos

Representações sociais do componente curricular educação física: uma análise sobre os níveis de ensino fundamental e médio

Social representations of physical education curriculum component: an analysis on the level of elementary and second high school

Guilherme Rocha Savarezzi1 
http://orcid.org/0000-0003-2816-7884

Adelina de Oliveira Novaes2 
http://orcid.org/0000-0003-2028-2837

Roberto Gimenez3 
http://orcid.org/0000-0002-4953-5941

1Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo. Professor do Curso de Educação Física da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil. gsavarezzi@unicid.edu.br

2Doutora em Educação pela PUC de São Paulo. Professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil. anovaes@fcc.com.br

3Doutor em Educação Física pela USP. Professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil. roberto.gimenez@unicid.edu.br


Resumo:

O estudo ora relatado teve por objetivo compreender as representações sociais associadas ao componente curricular Educação Física nos anos finais do Ensino Fundamental (EF) e do Ensino Médio (EM), além de identificar elementos que permitam explicar o fenômeno do desinteresse dos alunos nas aulas dessa disciplina. O pano de fundo teórico adotado correspondeu à abordagem estrutural das Representações Sociais. Participaram do estudo dois grupos: GEF, com 314 crianças do Ensino Fundamental, e GEM, com 202 jovens do Ensino Médio. As informações foram coletadas por meio de evocações livres em associação com o mise in cause. Os resultados sugerem que o núcleo da representação referente à Educação Física circulante entre os alunos do EF e do EM está atrelado à concepção tradicional de esporte e aos exercícios. Além disso, entre os estudantes do Ensino Médio, essas representações vão progressivamente sendo agregadas ao campo da saúde.

Palavras-chave: Educação Física; Ensino Fundamental; Ensino Médio; Representações Sociais

Abstract:

The purpose of this study was to understand the social representations associated with the Physical Education curricular component in the final years of Elementary School (ES) and Second High School (SHS), in addition to identifying elements that explain the phenomenon of students’ lack of interest in classes. The theoretical background adopted corresponded to the structural approach of the Social Representations. Two groups participated: GEF, with 314 elementary school children, and GEM, with 202 second high school students. The information was collected through free recall in association with mise in cause. The results suggest that the core of the Physical Education representation circulating between EF and SHS students is linked to the traditional conception of sports and exercises. In addition, among second high school students, these representations are progressively being added to the health field.

Keywords: Physical Education; Elementary School; High School; Social Representations; Education

Introdução

É perceptível, nas aulas de Educação Física da Educação Infantil (EI) e dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), o alto grau de participação e envolvimento dos alunos nas práticas propostas pelos docentes. No entanto, conforme nos indica Darido (2004), tal fenômeno vai aos poucos se modificando conforme os alunos vão chegando à adolescência e alcançando ciclos mais avançados da Educação Básica. Nota-se, nesse sentido, que nos anos finais do EF e, principalmente, no Ensino Médio (EM), o nível de participação e comprometimento dos alunos dentro das aulas do componente curricular Educação Física sofre diminuição, no mesmo ritmo em que aumentam o número de pedidos de dispensa de participação. (CHICATI, 2000; DARIDO, 2004)

Ao confrontar tal constatação com as discussões de Betti e Zuliani (2003) acerca do significado da Educação Física para os alunos de séries mais avançadas do EF e, sobretudo, do EM, foram elaboradas perguntas norteadoras, as quais impulsionaram o estudo retratado no presente artigo, a saber: Qual a representação que os alunos fazem da Educação Física escolar? Como as significações dos estudantes sobre a Educação Física orientam a participação deles nas aulas desse componente curricular? Como os processos de desenvolvimento biopsicossocial dos alunos influem na perda de interesse notada de um segmento para o outro? De que maneira a forma como a sociedade representa o papel da escola e da Educação Física nos processos educacionais influenciam as significações dos alunos sobre essa área de conhecimento?

Na busca por respostas para tais indagações, iniciou-se uma revisão bibliográfica que tocasse as temáticas abarcadas pelas questões. Da literatura consultada, destacam-se estudos que dão conta da Educação Física como matéria favorita entre os alunos de Ensino Fundamental e Médio, porém, tida como menos importante para eles. Identifica-se ainda certa diminuição de importância do componente para os estudantes, algo que parece ocorrer de forma gradual durante os anos de escola formal. Por fim, constata-se também falta de interesse dos discentes do Ensino Médio pelas aulas de Educação Física em face da falta de diversificação nos seus conteúdos. (CHICATI, 2000; DARIDO, 2004)

Outras investigações analisaram as significações atribuídas pelos alunos à Educação Física escolar sob o pano de fundo da Teoria das Representações Sociais (TRS). De modo geral, o conjunto desses trabalhos sugere que os alunos associam a Educação Física a uma forma de lazer desinteressado, a momentos de diversão e relaxamento. Outra forte representação relacionada às aulas desse componente indica uma estreita relação com a iniciação esportiva ou com o treinamento esportivo. (BARBOSA, 2001; DEVIDE; RIZZUTTI, 2001; PEREIRA, 2008).

Ao levar em consideração que os conhecimentos relacionados à Educação Física escolar deveriam ser mais abrangentes, destacando as mais diversas nuances da cultura corporal de movimento ao invés de somente o esporte (BRASIL, 1997), os estudos levantados na revisão bibliográfica apontavam para um sistema representacional preocupante para a referida área de conhecimento. Em face dos questionamentos levantados, bem como ao se levar em consideração o quadro de crescente desinteresse associado ao componente curricular Educação Física ao longo dos anos da Educação Básica, definiram-se os objetivos do estudo, a saber: (I) compreender as representações sociais (RS) de discentes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio sobre as aulas de Educação Física, com vistas a (II) identificar elementos que permitam explicar o fenômeno do desinteresse por parte dos alunos.

Para o alcance de tais objetivos, o presente estudo buscou responder às seguintes questões: Quais são as RS de alunos sobre a Educação Física Escolar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio? Quais características (semelhanças e diferenças) apresentam as RS sobre a Educação Física Escolar dos alunos em cada um desses segmentos?

Teoria das Representações Sociais como instrumento teórico-metodológico

Com vistas a atingir os objetivos perseguidos, propôs-se um estudo quali-quantitativo, sustentado pelos contributos teórico-metodológicos da Teoria das Representações Sociais (TRS) proposta por Moscovici (1978), sob o viés da abordagem estrutural idealizada por Abric (2000). A referida perspectiva defende que as RS são conjuntos sociocognitivos que apresentam organização e estrutura, sendo esta formada por dois subsistemas, um central e outro periférico. Sendo assim, para conhecer uma RS é necessário identificar toda essa estrutura, ou seja, o núcleo central que dá significado à representação e os elementos periféricos responsáveis por sua evolução e transformação, não bastando conhecer apenas sua definição (ABRIC, 1994). Os procedimentos metodológicos propostos e realizados neste estudo tiveram a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), conforme parecer número: 1.510.638.

Sujeitos do estudo

Participaram do estudo 516 crianças e adolescentes, das quais 314 foram selecionadas dentre alunos do 4º, 5º, 6º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal de São Paulo e as outras 202 entre alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de São Paulo, formando, respectivamente, o Grupo de alunos do Ensino Fundamental (GEF) e o Grupo de alunos do Ensino Médio (GEM). Essa divisão tornou possível, além de identificar as RS referentes a cada grupo, identificar elementos que permitiriam explicar o fenômeno do desinteresse por parte dos alunos. As duas instituições pesquisadas localizam-se na mesma rua e os alunos que terminam o Ensino Fundamental em uma escola, em sua maioria, passam a frequentar o Ensino Médio na outra. Esse trânsito dos estudantes foi entendido como oportunizador de diferentes influências de distintas práticas sociais as quais esses sujeitos são submetidos nos diversos ambientes em que vivem. (FLAMENT, 1994; ABRIC, 2000)

Técnica das evocações livres

No intuito de possibilitar uma análise satisfatória da realidade investigada, foram utilizados dois instrumentos de pesquisa, sendo o primeiro deles a técnica das evocações livres. A utilização da referida técnica teve como finalidade verificar a estrutura das RS que a Educação Física escolar tem para os alunos pesquisados, ou seja, a representação com o seu núcleo central e elementos periféricos. Dessa fase participaram todos os alunos do GEF e do GEM.

A técnica das evocações livres consiste em solicitar aos pesquisados que mencionem certa quantidade de palavras que lhes venha imediatamente à mente, de forma livre e rápida, mediante um termo indutor (OLIVEIRA et al., 2005). No caso do estudo aqui relatado, o termo adotado foi ‘Educação Física’. No contexto da pesquisa, optou-se por solicitar cinco evocações. Sobre essa forma de coleta de dados, Sá (1996) acrescenta que, diante de um termo ou pergunta indutora, as palavras que são evocadas com maior frequência e mais prontamente pelos pesquisados devem, provavelmente, constituir o núcleo central de uma RS.

Optou-se por formar os dois grupos (GEF e GEM) com mais de 200 sujeitos, pois esse número diminui a possibilidade de a pesquisa sofrer influência da presença de casos extremos, retornando, dessa forma, resultados significativos (WACHELKE; WOLTER, 2011).

Foi solicitado aos alunos que escrevessem as primeiras palavras que lhes viesse à mente quando confrontados com o termo indutor ‘Educação Física’, as quais podiam ser até cinco (alguns conseguiam apontar apenas três ou quatro). Quando terminavam de escrever as palavras, solicitava-se a eles que as classificassem da mais importante para a menos importante, atribuindo-lhes números de 1 (um) a 5 (cinco). Por fim, ao término do preenchimento dos formulários, estes eram recolhidos para análise posterior. (OLIVEIRA et al., 2005)

Sistematização dos dados

Para o processamento dos dados colhidos, lançou-se mão do software desenvolvido por Pierre Vergès, o EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L´Analyse dês Évocations), versão 2005. Esse programa realiza o cálculo das estatísticas relacionadas às evocações produzidas pelos sujeitos levando em consideração a frequência das palavras citadas (Frequência Média) e a ordem em que são evocadas (Ordem Média de Evocações - OME). Ao cruzar os dados o referido programa constrói um quadro de quatro casas que permite identificar a estrutura da representação social de um dado objeto com o seu possível núcleo central e elementos periféricos. (OLIVEIRA et al., 2005)

Nesse sentido, os termos citados que atenderem de forma conjunta os critérios de frequência e ordem prioritária de evocação, isto é, foram citados mais vezes e de forma mais breve, indicaram maior relevância no esquema cognitivo do indivíduo. Tal fato indica que esses termos provavelmente pertencem ao NÚCLEO CENTRAL da representação, sendo posicionados pelo EVOC no quadrante superior esquerdo. Já no quadrante superior direito localizam-se as palavras com alta frequência de evocação, mas que não foram citadas tão brevemente, formando a 1ª PERIFERIA (elementos periféricos de maior importância). No quadrante inferior esquerdo, localizam-se as palavras evocadas mais prontamente, mas sem tanta frequência. Essa é a ZONA DE CONTRASTE, na qual se localizam elementos que reforçam cognições da 1ª Periferia ou que revelem a existência de subgrupos com RS diferentes daquelas expressas pelo grupo principal. Por fim, no quadrante inferior direito, encontram-se os elementos da 2ª PERIFERIA, evocados com menos frequência e mais tardiamente, sendo então conteúdos com relevância menor na caracterização de uma RS, uma vez que destacam aspectos mais particularizados. (OLIVEIRA et al., 2005)

Além disso, aproveitou-se o elemento escolhido como ‘número 1’, aquele indicado como mais importante na reorganização solicitada aos alunos, para outro cálculo realizado pelo EVOC, mais precisamente pela função Rangmotp. Essa função é capaz de calcular as palavras marcadas como as mais importantes dentre as cinco evocações solicitadas a cada sujeito e apontar quantas vezes o termo foi escolhido como tal, dando margem ao enriquecimento das discussões.

Quanto ao GEF, foram coletadas evocações de 314 sujeitos, gerando ao todo 1502 evocações, por sua vez divididas em 125 termos diferentes após padronização das palavras.

Seguindo esses dados, chegou-se a um quadro, para o Ensino Fundamental, com sete elementos na área do NÚCLEO: Brincar, Correr, Esporte, Exercícios, Futebol, Legal e Vôlei; uma ZONA DE CONTRASTE composta por três elementos: Bola, Divertir e Movimento; uma ZONA DE 1ª PERIFERIA com o elemento Queimada e uma ZONA DE 2ª PERIFERIA com treze elementos, conforme exposto no Quadro 1.

Fonte: EVOC. Elaboração dos autores

Quadro 1: Quadro de quatro casas do GEF 

Dos sete elementos que constam do NÚCLEO CENTRAL, é digno de destaque o termo ESPORTE. Isso aconteceria por conta de sua Ordem Média de Evocação (OME) bastante baixa em relação aos outros e por conta de ter sido citado por 42 sujeitos como o termo mais importante. Os termos FUTEBOL e VÔLEI foram bastante evocados, porém, por serem elementos citados mais tardiamente, parecem estar no núcleo muito mais por seu apoio ao termo ESPORTE. O termo CORRER também foi altamente evocado, contudo, por referir-se a uma ação presente em várias atividades da Educação Física, e por sua alta OME, infere-se que ele esteja na ZONA DO NÚCLEO muito mais em apoio a termos como BRINCAR e EXERCÍCIOS. Aliás, o termo BRINCAR aparece na ZONA DO NÚCLEO com índices bastante fracos, o que permite trabalhar com a hipótese de que ele esteja ali muito por conta do fato de essa fase da pesquisa contar com a participação de alunos do 4º e 5º anos do Ensino Fundamental. O termo LEGAL aparece como único elemento na ZONA DO NÚCLEO ligado à dimensão normativa, aquela que dentro do núcleo central determina o sistema de valores, os julgamentos e a tomada de posição (ABRIC, 1994), indicando uma relação positiva dos alunos com o componente curricular. Por fim, a palavra EXERCÍCIOS aparece forte na ZONA DO NÚCLEO, com índices semelhantes aos de ESPORTE.

Na 1ª PERIFERIA, consta o termo QUEIMADA, numa fronteira tênue de apoio aos elementos BRINCAR e ESPORTE, presentes no núcleo, pois ao mesmo tempo que se refere a uma brincadeira bastante popular também é o primeiro jogo pré-desportivo coletivo que a maioria das crianças pratica na escola. Já na ZONA DE CONTRASTE, é possível destacar termos como BOLA, que deve estar ligado em apoio aos elementos ESPORTE, FUTEBOL e VÔLEI do núcleo; a palavra MOVIMENTO, possivelmente em auxílio da centralidade da cognição EXERCÍCIOS; e o termo DIVERTIR, provavelmente relacionado ao BRINCAR e ao LEGAL.

O quadro de quatro casas referente aos alunos do Ensino Médio (GEM) foi baseado na coleta das evocações de 202 sujeitos, gerando ao todo 1006 evocações, sendo divididas em 114 termos diferentes após a padronização das palavras (cf. Quadro 2).

Fonte: EVOC. Elaboração dos autores

Quadro 2: Quadro de quatro casas do GEM 

Para esse segmento, o número de elementos na ZONA DO NÚCLEO CENTRAL diminuiu de sete para cinco termos. Saíram palavras como Brincar, Legal (estas, totalmente) e Correr (foi para a 1ª PERIFERIA), e entrou o termo Saúde (ascendeu à 2ª PERIFERIA), o que deixou o quadrante com os seguintes elementos: Esporte, Exercícios, Futebol, Saúde e Vôlei. Na ZONA DE CONTRASTE, em relação ao quadro do GEF, permaneceu a evocação Bola, com os termos Divertir e Movimento indo à 2ª PERIFERIA. Já a palavra Alongamento, veio da 2ª PERIFERIA e do referido quadrante, assim como as palavras Ginástica e Corpo, ficando assim composta a ZONA DE CONTRASTE: Alongamento, Bola, Corpo e Ginástica. Quanto à 1ª PERIFERIA, que para o GEF contava apenas com a palavra Queimada, ficou formada pelos termos Correr (possível NÚCLEO no quadro do GEF) e Quadra (era da 2ª PERIFERIA e ganhou maior importância indo para a 1ª PERIFERIA). Por fim, formou-se uma 2ª PERIFERIA com sete elementos, ao invés dos treze no quadro do GEF. O destaque, nesse caso, é a presença entre eles da cognição Treinamento, um termo novo, como pode ser observado no Quadro 2.

Novamente o termo ESPORTE aparece com bastante importância, ainda contando, dentro da ZONA DO NÚCLEO, com o apoio dos elementos FUTEBOL e VÔLEI. O termo EXERCÍCIOS ganha força, sendo citado 27 vezes como o mais importante, algo que coincidentemente ocorre com a ascenção do elemento SAÚDE à ZONA DO NÚCLEO. Na 1ª PERIFERIA aparecem o CORRER que, sem o apoio do BRINCAR, fica reduzido ao seu caráter instrumental, talvez por isso perdendo força; e o elemento QUADRA, por fazer referência ao local onde a Educação Física ocorre na maioria das aulas. Na ZONA DE CONTRASTE, é interessante a ascensão de termos como ALONGAMENTO, CORPO e GINÁSTICA, que podem oferecer apoio a elementos nucleares como EXERCÍCIOS e SAÚDE. O termo BOLA continua exercendo sua função de apoio ao ESPORTE nesse conjunto de evocações.

Mise en Cause (MEC)

Num segundo momento foi aplicada a técnica do Mise en Cause (MEC). A aplicação dessa técnica complementar se faz necessária porque, apesar de sua ampla utilização por parte dos adeptos da abordagem estrutural da TRS, o estudo com as evocações livres é capaz apenas de identificar elementos que seriam possíveis candidatos ao núcleo de uma RS (OLIVEIRA et al., 2005). Nesse caso, essa técnica serviria ao propósito de conferir maior legitimidade aos resultados encontrados nas evocações livres.

O MEC baseia-se no pressuposto destacado por Abric (2000) de que os elementos centrais de uma RS são inquestionáveis, inegociáveis. Portanto, questionam-se elementos trazidos à tona pela técnica das evocações livres utilizando o critério da dupla negação para reconhecer ou não sua centralidade. Assim, são construídas questões que refutam certo termo em relação ao objeto representado, ou seja, pergunta-se aos sujeitos da pesquisa se a identidade do objeto pesquisado é mantida mesmo na ausência de uma determinada cognição. No caso do objeto do presente estudo (Educação Física), por exemplo, poderia ser perguntado: “Uma aula de Educação Física em que não há esportes, ainda pode ser uma aula de Educação Física?” Os dados são então analisados em suas porcentagens gerais em busca da caracterização ou não da dupla negação. No caso exemplificado na pergunta acima, nega-se o esporte como sendo o elemento central na RS da Educação Física. A resposta ‘Sim’ indicaria que a representação sobre a Educação Física ainda permaneceria igual, mesmo sem esse elemento para lhe dar significado. Já a resposta ‘Não’ caracterizaria a dupla negação, pois, nesse caso, seria negada a possibilidade de a representação de Educação Física ainda ser a mesma sem o esporte. Se dentro de um grupo 75% ou mais dos sujeitos confirmarem a dupla negação referente a uma cognição, ela é confirmada como núcleo da representação. (COSTA, 2007)

Nessa segunda fase, aplicada cerca de um mês após a coleta das evocações livres, participaram pouco mais de 20% do total de alunos dos grupos GEF e GEM que responderam à pesquisa anterior, percentual necessário para o alcance de uma representatividade estatística de sujeitos (COSTA, 2007). No caso do GEF, as técnicas complementares foram aplicadas sobre 76 alunos, já no GEM, ela foi realizada com 42 sujeitos.

Para aplicação da técnica foi confeccionado um questionário com 13 (treze) perguntas baseadas em termos presentes nos quadrantes do NÚCLEO CENTRAL, da 1ª PERIFERIA e os mais importantes da ZONA DE CONTRASTE, conforme quadros formados na primeira parte da pesquisa com todos os alunos dos dois grupos. As perguntas do questionário seguiram o modelo apresentado no parágrafo anterior, refutando os termos anteriormente evocados em relação ao objeto de pesquisa, com as possibilidades de resposta sendo Sim ou Não.

Resultados do Mise en Cause

A partir das respostas dos alunos ao questionário, chegou-se a um resultado que confirmou o elemento ESPORTE como nuclear para o GEF, com 78,9% de refutação (dupla negação) e do termo EXERCÍCIOS para o GEM, com 76,2% de refutação (Quadro 3). Os resultados apontam, então, para uma diferença de RS entre os grupos.

Fonte: Autores. Elaboração dos autores

Quadro 3: Quadro de resultados - MEC 

Discussão

Corroborando Abric (2000), para quem os contextos histórico, social e ideológico acabam por definir as normas e valores dos grupos e, por consequência, origina o núcleo das RS, um balanço geral do que foi evidenciado após a análise das técnicas aplicadas permite identificar a prevalência de termos que remetem à história da Educação Física, tanto no GEF quanto no GEM.

O elemento que caracteriza o núcleo central do GEF, ESPORTE, está presente nas significações de educação corporal desde a Grécia antiga. Conforme discute Rubio (2002), o ESPORTE foi, ao lado da ginástica, um dos três pilares da educação grega. Outro momento histórico no qual o ESPORTE teve um papel bastante destacado foi no mundo pós Revolução Industrial, mais precisamente na Inglaterra, onde o elemento teve forte entrada na cena educacional das classes dominantes pelo fato de os alunos precisarem aprender a ser os futuros dirigentes sociais, sabendo como ter iniciativa dentro das regras do livre mercado, características que, na visão dos ingleses, eram perfeitamente ensinadas com práticas esportivas. Os ingleses também foram responsáveis pela criação de vários esportes e por sua inserção em todo o mundo, por conta de suas inúmeras colônias. No fim, o ESPORTE se popularizou e chegou ao nível de influência representacional que tem hoje.

Outro fator que pode indicar a importância do ESPORTE na RS dos alunos sobre a Educação Física é a maneira como o fenômeno foi tratado pela própria Educação Física Escolar brasileira ao longo dos anos. O ESPORTE foi introduzido nas aulas de Educação Física no Brasil em 1940, porém, ganhou força durante o período de governos militares, tornando-se carro-chefe do ensino relacionado a esse componente curricular por servir aos preceitos educacionais de propagar a ordem, a disciplina e o espírito de liderança. Esperava-se também que o ensino desse elemento auxiliaria a massificação da prática esportiva e esta viria a angariar frutos com o surgimento de talentos para as seleções nacionais que, por fim, elevariam o nome do Brasil no exterior, enaltecendo o governo militar. Toda essa influência enviesou a formação dos professores de Educação Física, que se preparavam muito mais para serem técnicos do que para trabalharem em escolas. (BETTI, 1991)

A marcante presença do ESPORTE na representação de Educação Física dos alunos do GEF pode também se dar pela manutenção de resquícios de uma tradição que começou ainda durante o governo militar, pela qual o ensino da Educação Física que acontecia a partir da 5ª serie (hoje 6º ano) era baseado, quase exclusivamente, na prática de modalidades como futebol, basquete, vôlei e handebol. Corresponde a uma realidade que, segundo Correia (2014), está aos poucos mudando, mas ainda persiste em muitos lugares, não sendo tão difícil de encontrar. Como boa parte dos sujeitos da pesquisa estão no período pós 5º ano, práticas esportivas sistematizadas podem tê-los levado a criar ou reforçar esse elemento em sua RS de Educação Física.

Levando em consideração as funções do núcleo central destacadas por Abric (2000), quais sejam: FUNÇÃO GERADORA, que dá o significado básico da representação e determina sua organização; FUNÇÃO ORGANIZADORA: define a natureza das ligações entre os elementos da representação; FUNÇÃO ESTABILIZADORA: proporciona estabilidade à representação, frente a determinado objeto, o ESPORTE parece atendê-las ao assumir esse papel de NÚCLEO na RS do GEF. Percebemos, por exemplo, a função GERADORA do ESPORTE na RS estudada conforme demonstrada pela própria saliência do termo, indicando sua forte significação, além da ORGANIZAÇÃO e ESTABILIDADE que ele impõe, quando notamos, por exemplo, sua conexão com outros elementos da estrutura representacional, como o FUTEBOL e o VÔLEI, componentes desta representação dentro da própria ZONA DO NÚCLEO, além da ligação já citada com elementos presentes em outros quadrantes da representação do GEF.

Por outro lado, o principal elemento nuclear do GEM, ou seja, EXERCÍCIOS, pode remeter à relação que o mesmo guarda com a ideia de ginástica. Não da ginástica conforme expressa por suas práticas ligadas ao ESPORTE, como são os casos das Ginásticas Rítmica ou Artística, mas a ginástica no seu sentido histórico original, conforme destacado por Ramos (1982, p.15), ou seja, “a prática de exercícios físicos” que “vem da Pré-história, afirma-se na Antiguidade, estaciona na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios da Idade Contemporânea.” Por esse prisma, é interessante notar que, assim como foi apontado nas questões históricas ligadas ao ESPORTE, os EXERCÍCIOS relacionados à ginástica têm uma fase importante na Grécia Antiga, sendo primordial para a educação corporal de seu povo. Tratava-se de uma educação corporal que tinha bastante relevância para sua educação no sentido geral, pois era a responsável pela construção de um corpo belo, algo essencial para a formação plena do cidadão grego ateniense (RUBIO, 2002).

Os EXERCÍCIOS ligados à ginástica assumem papel relevante no período pós-revoluções europeias, principalmente em países como França, Alemanha, Dinamarca e Suécia. Esses países, preocupados com a defesa de seus territórios e com a força de trabalho de seus países, viam nos EXERCÍCIOS ginásticos uma forma de preparação dos soldados para guerra e uma maneira de manter os trabalhadores com relativa saúde e capazes de suportar as longas jornadas de trabalho nas indústrias (SOARES, 2001). Nessa linha, a ginástica seguia o viés utilitarista iniciado no capitalismo nascente, sendo os EXERCÍCIOS, nesse caso, descritos por Soares (2001) como adestradores.

Na Educação Física escolar brasileira, os EXERCÍCIOS ginásticos vindos da Europa por volta do fim do século XIX e início do XX passaram a influenciar o ensino nas escolas, primeiro pelo método alemão e, posteriormente, pelo método francês, atendendo a ideais militaristas, eugenistas e, principalmente, higienistas, de modo a fortalecer uma ideia muito clara de uma educação física ligada à promoção e manutenção da saúde dos sujeitos (BRASIL, 1997).

Ao que parece, as influências históricas que ligam os EXERCÍCIOS ginásticos à Educação Física expõem sua força até nossos dias, como indicam as expressões de RS destacadas na presente pesquisa. Um prestígio que realmente deveria ter, por ser um dos elementos da cultura corporal. Porém, o fato de a ginástica encontrar espaço por meio de EXERCÍCIOS traduz a ideia do caráter predominantemente instrumental com que ela vem chegando aos discentes. Ainda mais quando se leva em consideração os termos que podem ter servido de apoio a essa cognição dentro da organização estrutural da representação, como provavelmente é o caso do elemento SAÚDE na ZONA DO NÚCLEO do GEM, dos termos ALONGAMENTO, CORPO e GINÁSTICA, presentes na ZONA DE CONTRASTE, além de outros termos na 1ª e 2ª PERIFERIAS.

Por considerar que os estudantes do GEF e do GEM compartilham de mesmo perfil socioeconomico, residem na mesma região e que há uma tradição de que os que cursam o Ensino Fundamental em uma escola cursarão o Médio na escola vizinha, infere-se que se trata de um mesmo grupo de escolares, diferindo apenas por suas características etárias e pelo ano em que estão matriculados. Nesse tocante, o presente estudo busca apoio na noção de mudança de Abric (2000), que afirma que uma transformação no Núcleo muda a própria RS do objeto. Significa dizer que, apresentadas as estruturas representacionais nutridas pelos alunos do GEF e do GEM, cabe identificar como elas se modificaram com o passar dos anos de escola, visto que, de acordo com o teste MEC, esta mudança de fato ocorreu. O Núcleo Central do GEF era o elemento ESPORTE e o do GEM, EXERCÍCIOS. À luz da abordagem estrutural, a transformação de uma RS acontece quando os sujeitos são levados a realizar práticas sociais em desacordo com o sistema representacional deles, ocasião em que os mesmos não vêem mais a possibilidade de retorno às práticas anteriores. A partir disso, três transformações podem ocorrer: TRANSFORMAÇÃO RESISTENTE, quando as práticas contraditórias começam a atacar o núcleo, que ao tentar se defender provoca o surgimento de “esquemas estranhos”1, sendo que o acúmulo desses esquemas acaba por induzir uma mudança na RS; TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA, quando as práticas contraditórias não divergem totalmente do núcleo central, decorrendo disso uma transformação gradual, integrando novos esquemas ao núcleo existente e dando origem a um novo núcleo; e TRANSFORMAÇÃO BRUTAL, quando as novas práticas vão contra o âmago do núcleo, não permitindo possibilidade do uso de mecanismos de defesa, provocando uma transformação direta do núcleo e da RS.

Tendo em vista o contexto do presente trabalho, as características pelas quais a mudança ocorreu apontam para uma TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA (ABRIC, 2000). Chega-se a essa consideração por conta de: 1º) O elemento EXERCÍCIOS que se transformou no núcleo para o GEM já constava como importante elemento para o GEF; 2º) O elemento ESPORTE continuou com grande força dentro da RS do GEM, mesmo não sendo mais o núcleo do objeto para esse grupo; 3º) Ocorreram mudanças na estrutura da RS com a saída de termos importantes para a representação do GEF e a entrada de outros na RS do GEM, algo que pode ter feito toda a diferença para a mudança representacional. Neste sentido, conforme aponta o terceiro fator, houve a saída do elemento BRINCAR, juntamente com a perda de força representacional de termos que podem ser relacionados a ele como LEGAL, QUEIMADA e DIVERTIR. Nesse caso, o gradual controle social exercido na escola sobre a ideia do BRINCAR, conforme apontado por Passeggi e colaboradores (2014), assim como certa rejeição dos alunos mais velhos à cognição, talvez por relacioná-la a uma característica mais infantil, pode ter aos poucos enfraquecido tanto a cognição em si quanto os elementos ligados a ela.

Em contrapartida, eis que ascendem outros elementos, como são os casos de SAÚDE e ALONGAMENTO. Passaram a figurar também, na estrutura representacional, comparados os quadros do GEF e do GEM, os elementos CORPO, GINÁSTICA e TREINAMENTO. Tais cognições parecem guardar semelhanças por seus aspectos relacionados à própria SAÚDE e à qualidade de vida. No caso, enquanto os termos ligados ao BRINCAR foram gradualmente abandonando espaços estruturais, conforme demonstrado nos quadros de quatro casas, também foi gradual o aumento de importância dos termos que remetem à noção de SAÚDE. Além disso, é digna de nota a relação histórica que as questões relacionadas à SAÚDE têm com os EXERCÍCIOS (associadas à ideia de ginástica), lembrando que esses EXERCÍCIOS ginásticos já atenderam ideais positivistas e utilitaristas, sendo utilizados para manter os trabalhadores ‘funcionando’ com relativa SAÚDE em suas longas jornadas nas fábricas do mundo pós Revolução Industrial (SOARES, 2001). Ou quando se apontam as ideias higienistas do início do século XX, que entendiam a Educação Física como forma de promover a SAÚDE do povo brasileiro, fazendo uso dos EXERCÍCIOS ginásticos alemães e franceses (BETTI, 1991).

Dada essa relação tão forte entre as cognições SAÚDE e EXERCÍCIOS, pode-se apontar o aumento de relevância estatística do termo SAÚDE e de todas as cognições relacionadas a ela como responsáveis pela ascensão do elemento EXERCÍCIOS como núcleo único da RS do GEM, dada toda estrutura organizacional montada como base para esse núcleo dentro do universo representacional do objeto. É assim que o próprio termo ESPORTE mantém sua força na representação, porém, no fim, também parece agregar-se à cognição EXERCÍCIOS por meio dos laços gerados pela significação dada à SAÚDE. É o que parece acontecer, visto o MEC demonstrar que o aumento de importância do termo SAÚDE (não consta do MEC do GEF, mas aparece com 69% de refutação no GEM, cf. Quadro 3) coincidindo com a relativa queda do termo ESPORTE (aparece com refutação de 78,9% no GEF e cai para 66,7% no GEM, cf. Quadro 3).

Desse modo, acredita-se que, com a saída gradual dos termos ligados ao BRINCAR, com a ascensão gradativa dos termos ligados à SAÚDE e, por fim, com o elemento EXERCÍCIOS agregando-se progressivamente à cognição ESPORTE, tendo o apoio da ideia de SAÚDE nessa junção, configurou-se uma TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA da RS de Educação Física dentro dos contextos pesquisados. Quanto aos motivos que levaram a essa transformação, é preciso lembrar que, como afirmou Abric (1994, p. 230), “as representações e as práticas se engendram mutuamente.” Além do que, Flament (1994) explica que as mudanças nas RS começam pelas circunstâncias externas e pelas práticas sociais, transformando, apenas após isso, os elementos periféricos e, por fim, o núcleo. Sendo assim, a prática pedagógica aplicada pelos professores tem muito a ver com eventuais mudanças de representação que os alunos venham a apresentar.

Aceitando uma limitação deste estudo, não foi possível observar os aspectos práticos das aulas, porém, analisando as OCN (Orientações Curriculares Nacionais), observa-se certa preocupação com as questões relacionadas à SAÚDE como conteúdo da Educação Física no Ensino Médio (BRASIL, 2006). Pode-se inferir, então, que as práticas pedagógicas do professor de Educação Física que leciona aulas para os alunos do GEM estejam permeadas por esses conteúdos e tenham influenciado a RS dos discentes em relação a essas questões.

Tendo em vista a hipótese de que os aspectos relacionados às mudanças nas práticas pedagógicas levaram a mudanças nas RS dos estudantes no transcurso do Ensino Fundamental para o Médio - hipótese esta apoiada por Abric (1994) e Flament (1994) - no caso estudado, outras questões podem ter interferido para o câmbio representacional. Uma delas diz respeito a um aspecto trazido por Correia (2010, p. 169) quando comentou a “porosidade” dos muros da escola, tendo esse ambiente relações “claramente intercambiantes com a sociedade como um todo.” Nesse contexto, a propagação a parte da sociedade da ideia de atividade física ligada à SAÚDE deve ter invadido o ambiente escolar e auxiliado nesse processo de mudança de representação.

Por fim, outro processo que pode influir na mudança de representação é de ordem ontogenética e reside no próprio desenvolvimento do aluno enquanto ser humano. Significa dizer que o aumento de complexidade no modo de pensar do aluno nesse período da vida e de sua experiência escolar (PIAGET, 1971), ao passo que é instigado pela prática pedagógica do professor, contribui para que o estudante projete-se no docente e veja a si mesmo à frente do seu tempo (capacidade de abstrair) e de pensar em questões relacionadas a seu futuro, como o seu CORPO e sua SAÚDE, fazendo com que ele mesmo se interesse pelo envolvimento em práticas que possam auxiliá-lo nessas questões como o TREINAMENTO, a prática de algum ESPORTE ou a prática dos EXERCÍCIOS.

Considerações finais

Dada a importância da Educação Física no contexto educacional, sendo o componente que traz a Cultura Corporal que o ser humano criou e desenvolveu durante todo o período em que existiu, pensar nas RS que os alunos do Ensino Fundamental e Médio têm sobre a Educação Física torna-se imperativo para o professor que quer preparar uma aula significativa ao seu aluno.

O presente estudo buscou analisar as representações produzidas em contextos escolares, para, desse modo, oferecer subsídios para que outros professores do componente curricular possam conhecer e levar em consideração essas significações ao prepararem suas aulas. Lembrando que essas representações têm bastante influência no comportamento dos alunos nessas aulas, na maneira como aprendem ou deixam de aprender e na maior ou menor atenção aos seus conteúdos (ALVES-MAZZOTTI, 2008). Com relação a isso, um dos fatores aventados no presente trabalho reside na noção de TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA (ABRIC, 2000), que pode ocorrer nas representações dos alunos conforme crescem, se desenvolvem e avançam nos anos de escola. A TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA guarda semelhanças com muito do que se prega nos contextos educacionais, por exemplo, de que se deve levar em conta os saberes do educando e usá-los na construção de novos saberes (FREIRE, 1996). No caso do contexto deste estudo, saberes relacionados ao ESPORTE e aos EXERCÍCIOS parecem ter sido, aos poucos, agregados à ideia de SAÚDE, o que parece ter contribuído para a elaboração uma RS que poderá ser importante para o futuro dos educandos, orientando ações futuras que os leve a nutrir hábitos decisivos para sua qualidade de vida. Um exemplo de como seria possível usar questões ligadas às RS dentro das práticas pedagógicas em prol do processo do ensino e aprendizagem.

Infelizmente, ligado a essa questão, notam-se também oportunidades perdidas. Por exemplo, se levarmos em conta que a cultura corporal abrange práticas qua vão além da SAÚDE, dos ESPORTES e dos EXERCÍCIOS (analisando o que os quadros nos revelam sobre os contextos pesquisados), tem-se uma RS que poderia ter sido composta por muitos outros conteúdos: as LUTAS sequer aparecem nos quadrantes, por serem pouquíssimo evocadas, ou mesmo as DANÇAS, estas relegadas ao limbo das RS sobre a Educação Física. Em relação aos ESPORTES, percebeu-se que esse conteúdo é nuclear na representação. Contudo, cumpre refletir sobre quais esportes estamos falando. Seriam eles os que aparecem no quadro como os famosos e famigerados FUTEBOL, VÔLEI e BASQUETE e um, já bastante enfraquecido, HANDEBOL? É muito pouco frente ao universo de práticas esportivas a serem exploradas.

É possível que as carências na maior exploração dos elementos da cultura corporal se dêem por falta de materiais específicos ou mesmo pelo fato de a Educação Física careça de um longo processo de mudança que deixe para trás uma educação esportivista, sem variação quanto aos esportes e sem contextualização crítica de seus conteúdos. Essa transformação parece até já estar ocorrendo, porém, é um percurso trilhado de forma lenta e, como nos informa Correia (2014), ocorre de forma não linear e tampouco consensual.

Se algo foi tratado sobre as semelhanças que a TRANSFORMAÇÃO PROGRESSIVA de uma representação pode ter com o que se espera de um processo educacional, pode-se pensar também no possível uso pedagógico existente na promoção de TRANSFORMAÇÕES RESISTENTES das representações (ocorrem quando o sujeito começa a ser exposto a práticas que contradizem sua representação sobre certo objeto). Lembrando que, nesse caso, as RS seriam mudadas pelo excesso de ‘esquemas estranhos’ que o sistema periférico não seria mais capaz de racionalizar (ABRIC, 2000).

Ao aplicar tal noção aos conteúdos educacionais, considera-se que aquilo que é ‘novo’ para o aprendiz gera uma perturbação em seu sistema representacional, algo que o leva a rever a própria organização desta representação (SAVAREZZI; GIMENEZ, 2016).

Em se tratando de conceitos típicos da abordagem estrutural das representações, este ‘novo’ pode gerar os tais ‘esquemas estranhos’ no sistema periférico. Assim, as danças podem virar um esquema estranho e do mesmo modo as diferentes ginásticas e modalidades esportivas não tradicionais. Esses esquemas estranhos podem acumular-se ao longo do tempo até que o núcleo atual da RS de Educação Física não mais possa escapar de uma mudança significativa, a qual contribuiria para uma concepção de uma Educação Física Escolar qualitativamente diferente e com maior significado para os estudantes

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Nota

1“Esquemas estranhos” são mecanismos de racionalização das ideias que se apresentaram contrárias ao núcleo central e que permitem a defesa do núcleo por algum tempo. (FLAMENT, 1994)

Para referenciar este texto: SAVAREZZI, G. R.; NOVAES, A, O.; GIMENEZ, R. Representações sociais do componente curricular educação física: uma análise sobre os níveis de ensino fundamental e médio. EccoS - Revista Científica, São Paulo, n. 48, p. 409-430. jan./mar. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.5585/EccoS.n48.8224>

Recebido: 05 de Janeiro de 2018; Aceito: 11 de Fevereiro de 2019

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