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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.48 São Paulo ene./mar 2019  Epub 03-Jul-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n48.12395 

Resenhas

Educação Física cultural: inspiração e prática pedagógica

1Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Minas Gerais - MG - Brasil. ngpagu@gmail.com

Educação Física cultural: inspiração e prática pedagógica. , de, Neira, Marcos Garcia. ., Jundiaí: :, Paco Editorial, ,, 2018. ., 116p.p.


O livro do professor Marcos G. Neira, que aqui resenhamos, apresenta uma análise de relatos de práticas de professores que colocam o Currículo Cultural de Educação Física em ação. A fundamentação teórica da análise se baseia nas teorias pós-críticas, mais especificamente nos Estudos Culturais e no Multiculturalismo Crítico, e discorre sobre os princípios que norteiam tais práticas como justiça curricular, descolonização do currículo e ancoragem social. Também são explicitados os procedimentos didáticos que se traduzem por mapeamento, ressignificação, aprofundamento, ampliação, registro e da avaliação. Na análise empreendida na obra Educação Física cultural: inspiração e prática pedagógica, o autor propõe como objeto de estudo a Cultura Corporal, conceito que abrange inúmeras possibilidades de tematização de manifestações corporais nas aulas dessa disciplina. Já na Introdução, Neira apresenta brevemente o percurso que o Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar (GPEF) percorreu desde sua formação em 2004, contando com reuniões quinzenais que ocorrem na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, e explica sua importância na fundamentação e na teorização do Currículo Cultural. De acordo com ele, foi a partir das trocas, das escritas de relatos, de debates sobre as práticas dos professores que o currículo de Educação Física tornou-se um campo fértil para novas produções. Entrelaçando as teorias pós-críticas ao fazer pedagógico dos professores que frequentam as reuniões do GPEF, nas discussões sobre experiências pedagógicas dos participantes e nas leituras realizadas foram e ainda são firmados conceitos que permeiam as ações, projetos e situações didáticas do currículo de Educação Física. É assim que o primeiro capítulo é dedicado ao estado da arte dos relatos de práticas e de pesquisas produzidos pelos membros do GPEF, com a apresentação crítica das produções ancoradas na perspectiva cultural da Educação Física. No segundo capítulo, discorre sobre a influência dos Estudos Culturais e do Multiculturalismo Crítico nos processos de construção do currículo cultural, ou currículo culturalmente orientado. As problematizações sobre gênero, sexualidade e etnia somam-se ao marcador de classe social e ganham espaço nas tematizações das manifestações culturais que acontecem nas aulas de Educação Física que se inspiram nessa perspectiva. O Multiculturalismo Crítico é um campo teórico que tem como proposição ações pedagógicas nas quais os estudantes possam analisar as relações de poder existentes na sociedade. Inspirados por esse campo teórico, os autores e atores do currículo cultural defendem que os marcadores sociais de gênero, sexualidade, etnia, deficiência, religião, classe social e outros são resultados diretos das lutas por significação travadas nos diversos cenários da sociedade. Nesse processo, o currículo da Educação Física se transforma em um campo que abrange, além do movimento humano, toda a gestualidade e os signos e significados produzidos na e pela cultura. O autor declara que é perceptível a ruptura com a perspectiva das teorias críticas que prometiam uma mudança social com base em conceitos como autonomia e emancipação para o entendimento de que práticas - brincadeiras, lutas, danças, exercícios ginásticos e esportes - são textos a serem lidos por produzirem significados de acordo com seus contextos. No terceiro capítulo, o autor se dedica a observar como os professores definiram os temas e como os colocaram em prática. Ao realizar o mapeamento das manifestações corporais que fazem parte dos discursos e práticas da comunidade escolar, os professores garantem o reconhecimento do patrimônio cultural corporal da comunidade. A escolha de um tema que faça a articulação com o projeto pedagógico da escola garante uma ação política e pedagógica, pois ao validar a cultura de chegada dos estudantes, em consonância com o projeto pedagógico da instituição, atua na construção de significados e na desestabilização das estruturas de poder, legitimando e fortalecendo outras representações. Nesse capítulo, o princípio da justiça curricular se define pela valorização dos saberes que usualmente não circulam nos ambientes escolares e pelo rompimento com a lógica de utilização somente daquelas práticas validadas e valorizadas pela sociedade capitalista. Atenta-se para a escolha de manifestações que fazem parte do cotidiano dos estudantes e da comunidade. O debate sobre as ações de descolonização do currículo vão além de incluir os saberes produzidos e produtores das culturas dos estudantes. Ele diz respeito às provocações e decorrentes desestabilizações que ocorrem no interior das estruturas de poder produzidas pelas representações de hegemonia das práticas culturais. Ao propor práticas que colocam seus autores no lugar de protagonistas, o currículo cultural pode potencializar a voz daqueles que foram calados historicamente e tiveram suas narrativas relegadas ao lugar de exóticas ou de menos importantes. Na proposta do currículo culturalmente orientado, procura-se romper com o daltonismo cultural oferecendo outras possibilidades de leitura das manifestações corporais, no sentido de favorecer um olhar mais amplo e crítico sobre os esportes, as lutas, as brincadeiras, as danças e as ginásticas. No currículo culturalmente orientado a preocupação não é de encontrar a verdadeira forma de se praticar essa ou aquela manifestação, tampouco validar os saberes por meio da descoberta das origens de determinada prática. Busca-se conceber a ancoragem social dos conhecimentos com base nas relações de poder, tensões, lutas por significação de desconstrução dos saberes construídos com base no pensamento hegemônico e identificando os significados que lhe foram atribuídos com relação aos marcadores sociais. Resumidamente, o esforço culminaria na ressignificação das práticas, imprimindo-lhe novos significados. No capítulo 4 são abordados os procedimentos didáticos que permeiam a prática do currículo culturalmente orientado. É por meio do mapeamento, da leitura, da vivência, da ressignificação, do aprofundamento, da ampliação, do registro e da avaliação das manifestações corporais escolhidas para serem tematizadas que, tanto os professores quanto os estudantes, assumem a autoria do processo. É pelo mapeamento que os professores escolhem a manifestação a ser tematizada. Mapear significa investigar as práticas que fazem parte do patrimônio cultural dos estudantes, que inclui suas vivências e acesso às práticas corporais dentro e fora da escola. A leitura das práticas corporais se traduz na compreensão dos códigos presentes na manifestação. A inclusão da Educação Física na área da linguagem possibilita o entendimento de que as manifestações da cultura são permeadas por códigos que imprimem e produzem significados. A vivência da prática corporal tematizada possibilita aos estudantes a oportunidade de observar as representações a respeito dos marcadores sociais, configurando possibilidades de problematização e de criação de outras narrativas que desestabilizem as relações e os discursos. Para desestabilizar os discursos e as relações de poder imbricadas nas manifestações culturais corporais, o professor ou a professora poderão propor a ressignificação das práticas. É por meio da ressignificação que os alunos têm a possibilidade de imprimir seus saberes e suas marcas nas atividades garantindo que sejam agentes ativos e autores da cultura, e não apenas reprodutores. Tanto o aprofundamento quanto a ampliação possibilitam aos estudantes uma leitura das práticas por meio de diversos pontos de vista, identificando os fatores sociais, políticos, temporais que ajudaram a construir significados e formas de vivenciar a manifestação tematizada. Na ampliação é possível verificar, por exemplo, qual é a opinião do praticante de determinado esporte a respeito de sua experiência. Pela ancoragem social, o professor tem a oportunidade de desmistificar possíveis equívocos, preconceitos ou mesmo visões distorcidas e pejorativas presentes nos discursos que envolvem a prática. O registro pode ser realizado de diversas maneiras: anotações sobre as falas dos alunos, utilização de diário de bordo, filmagens ou gravação de vozes, registros fotográficos, desenhos e outros. O registro auxiliará o professor na avaliação, que nessa perspectiva se traduz em um processo de idas e vindas, de mudança e definição de rotas, de reflexão tanto para o professor quanto para o discente. Esses procedimentos não se configuram em uma sequência didática, tampouco uma ordem a ser seguida. O currículo cultural é como um tecido que vai se constituindo e se construindo com o entrecruzamento de linhas que produzem uma trama e seu compromisso é com a solidariedade e com a justiça social. Ao tecer as Considerações Transitórias, o autor se mostra confiante em uma pedagogia que desestruture o pensamento hegemônico e que desestabilize as relações de poder presentes nas manifestações culturais corporais. Mostra-se, contudo, lúcido ao enfatizar que, em alguns momentos, silenciarão aqueles que ousam desestruturar verdades ou questionar privilégios.

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