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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.49 São Paulo  2019  Epub 17-Ene-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n49.13848 

Apresentação

UNIVERSIDADE, CIÊNCIA E TECNOLOGIA E MOBILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

Ivanise Monfredini, Coordenadora1 

Judith Naidorf, Doctora, Investigadora Adjunta de Conicet con sede, Coordinadora2 

1Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS); Líder do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Políticas Públicas em Educação: trabalho e formação; Coordenadora da Cátedra Dom Paulo Evaristo Arns; Coordenação do Grupo de Trabalho CLACSO: Ciência Social Politizada

2Doctora de la Universidad de Buenos Aires, Area Ciencias de la Educación; Investigadora Adjunta de Conicet con sede en el Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación y Docente regular de la Facultad de Filosofía y Letras (UBA); Coordinadora del Grupo de Trabajo de CLACSO: Ciencia Social Politizada


Apresentação

Universidade, instituição secular sobre a qual já se atribuíram diversos significados sociais, modelos de organização e atuação, abriga práticas diversas, base de sua renovação. Em que pesem a diversidade de significados e propostas para a universidade, prevalece um determinado consenso quanto à ideia de que cabe a essa instituição produzir conhecimento relevante, que contribua com o desenvolvimento do país e que beneficie a população.

Na América Latina, a universidade tem se dedicado, especialmente, à formação profissional, constituindo-se ao longo dos séculos em espaço de ensino, mas também se tornou o principal locus de produção científica e tecnológica. Apesar disso, a partir das contrarreformas, a universidade latino-americana se converteu em alvo das críticas ‘neoliberais’ de que a ela caberia aprofundar ainda mais o compromisso com a produção científica, com base no que se institucionalizaram políticas de financiamento e avaliação que impuseram novos tempos e espaços para a pesquisa, a docência e a extensão. Diante do profundo processo de remodelação porque passaram (e passam) as universidades, a docência, por exemplo, parecia perder crescentemente espaço para o produtivismo científico vazio.

No atual momento histórico, que é de aprofundamento das contrarreformas e de brutal desmonte do financiamento público, outras questões são suscitadas sobre a significação social dessa instituição. Em que pesem as críticas feitas no passado, a universidade latino-americana é responsável pela maior parte da produção científica e tecnológica dos países da região. Esse conjunto de conquistas históricas - universidade de ensino e de pesquisa - passa por sério processo de desmonte.

Os autores que participam deste Dossiê se propõem a discutir a universidade trazendo elementos que contribuam não apenas com o diagnóstico, mas também com a constituição de alternativas na região a partir da ideia de mobilização do conhecimento.

Judith Naidorf e Mauro Alonso (2018, p. 81) concebem a mobilização do conhecimento como:

[…] aquel campo de investigaciones que se esfuerza por promover el uso del conocimiento científico. En efecto, la movilización del conocimiento supone una doble concepción de la producción de conocimiento: por un lado asume como indispensable el uso del conocimiento producido y por tanto imbrica el uso como parte del proceso de producción de conocimiento a la vez que lo reconoce como tarea del investigador y de la investigadora.

As atuais condições nas quais os acadêmicos das universidades latino-americanas fazem pesquisa, associadas às políticas universitárias e científicas, orientam o conhecimento para uma relevância traduzida principalmente em termos de divulgação cientifica. Esse horizonte para o ‘que fazer’ da pesquisa está posto de norte a sul nas universidades de Nuestra América. Impulsionadas pelas políticas orientadas desde o mercado, as tendências privatistas dão o tom das práticas de pesquisa, inclusive nas ciências sociais, associando critérios produtivistas de avaliação à competitividade, à incessante busca de financiamento e à prestação de contas. Nesse processo, mudam desde o porquê, o para quê e o para quem até o julgamento da relevância da pesquisa em ciências sociais.

Neste momento, a capacidade de manter o olhar crítico abre a possibilidade de desenhar novos cenários, sujeitos, políticas e práticas. Esse é o exercício que têm feito os investigadores do GT “Ciências Sociais Politizadas” (2016-2019) ao redor do tema da mobilização do conhecimento, em confronto com a simples difusão do conhecimento, e no desenvolvimento de estudos e debates, de 2013 a 2016, na temática “Ciência Social politizada y móvil en y para una agenda latinoamericana de investigaciones orientada a prioridades desde la universidad”.

O tema das políticas de ensino superior, ciência e tecnologia tem sido um dos mais privilegiados, tendo em vista a diversidade entre os países participantes do GT - México, Cuba, Honduras, Bolívia, Equador, Colômbia, Argentina, Brasil e Paraguai -, o que exigiu um esforço de compreensão das particularidades e semelhanças em cada país. Este dossiê também conta com o debate das políticas públicas, a partir da ideia de mobilização do conhecimento, o que contribui para as análises nos termos indicados por Alonso e Naidorf (2018, p.92):

Esperamos que la ciencia, como diría Polanyi (1968), tenga (cumpla) una “función social” y una “utilidad evidente”. Siendo que la utilidad es una categoría siempre en suspenso (Vaccarezza, 2009) y solamente podemos hablar de ella mediante una estrategia de seguir al conocimiento producido en su trayectoria por la práctica social, en los sentidos atribuidos, discutidos, de los distintos actores involucrados en su producción, transmisión y uso (Vaccarezza, 2009). De esta manera, una política de ciencia que se proponga establecer una “utilidad de la ciencia” más evidente debería consistir en generar los procesos de interacción y construcción social de significados que se dan entre estos actores: no bastaría abrir una línea de financiamiento para proyectos “aplicados” o “estratégicos”, sino acompañar la interacción entre los actores y ayudar a hacer explícito el proceso de construcción de significados posibles de utilidad.

Afirmamos, entonces, que promover (o incluso reclamar) desde la política científica, un mayor compromiso con la utilidad implica, también, dar vuelta el eje de la apelación: supone permitir y facilitar a los grupos sociales el interés y la apropiación consiente de los recursos y prácticas científicas y de la producción científica que gira en torno de ellos. (Vaccarezza, 2009)

As atividades desenvolvidas pelo GT desde 2013 têm permitido aprofundar a ideia de mobilização do conhecimento como um aspecto teórico-prático. Ao longo desses anos, a produção do grupo foi discutida com autoridades universitárias, comunidades acadêmicas (alunos, professores e população) e classes populares das universidades latino-americanas. A discussão da mobilização do conhecimento nas agendas de políticas universitárias, científicas e tecnológicas, que implica a participação de acadêmicos e não acadêmicos na sua produção e implantação, foi um dos principais problemas aprofundados nessa trajetória. Quais as possibilidades histórico-institucionais de as universidades e pesquisadores abrirem-se às demandas de conhecimento e pesquisa trazidas do exterior para o interior dos muros universitários? De que forma a dinâmica da divulgação e difusão de conhecimentos produzidos nas universidades pode impactar políticas públicas? Como pode se realizar a imbricação entre universidade e sociedade, considerando a mobilização do conhecimento?

Neste dossiê, intitulado “Universidade, Ciência e Tecnologia e Mobilização do Conhecimento”, a ideia de mobilização do conhecimento orienta as reflexões em torno das questões levantadas acima e pressupõe a relação entre universidade e sociedade. A ponte com o ‘outro’ é um dos problemas que se apresenta tragicamente neste momento em que se aprofunda a histórica desigualdade existente nos países da região sob governos autoritários (MONFREDINI, 2018). A consideração dessa relação supõe também a discussão da democratização da universidade nas decisões, na gestão e na produção do conhecimento. Trata-se de um tema original considerando que a profissionalização dos pesquisadores e docentes institucionalizada pelo produtivismo acadêmico produziu o distanciamento destes com as classes populares (salvo algumas exceções). Esse tema tem sido pouco considerado nas análises sobre políticas de ensino superior, ciência e tecnologia.

No Brasil, a abordagem das classes populares no ensino superior tem se dado especialmente pela análise dos efeitos das políticas de inclusão (cotas, PROUNI e outros programas), em especial se considerarmos os temas apresentados no GT 11 (Políticas de Ensino Superior) nas últimas cinco reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-graduação em Educação (ANPED).

Tanto no âmbito da política de ciência e tecnologia, no qual os pesquisadores podem atuar agrupados em associações e instituições de pesquisadores, quanto no plano individual de realização da pesquisa nas universidades e institutos de pesquisa, eles podem atuar de forma ‘produtiva’ sem articulação qualquer com a população externa à universidade. Esse corporativismo parece ter levado os acadêmicos a um trágico isolamento, que fica mais evidente no cenário atual de ataque às conquistas civilizatórias obtidas no breve período que se estende do pós-segunda guerra mundial à década de 1960, incluindo ciência e tecnologia e educação superior constituídas no país e na América Latina. (MONFREDINI, 2018)

Considerar historicamente essa relação universidade-classes populares contribui para a análise de alternativas para essa instituição. Dessa forma, torna-se importante revisitar temas como a produção de conhecimento na universidade e em plataformas abertas, transferência de tecnologia, avaliação de projetos de desenvolvimento social e relação da universidade com a sociedade, por meio da divulgação e difusão do conhecimento, inclusive da perspectiva da criação de agendas de políticas públicas. Também são considerados os temas das políticas universitárias e do ensino superior, na perspectiva da inclusão social.

De um modo geral, o núcleo dos temas e das discussões deste Dossiê está organizado a partir da ideia de que, na universidade latino-americana, se criam conhecimentos científicos e tecnológicos, narrativa que se pretende apagar pela morte à míngua da ciência na região, impingida no atual momento histórico. Esse núcleo é tomado criticamente, nos vários artigos que compõem o dossiê, a partir das particularidades históricas que caracterizam países, instituições e pesquisas dos autores do GT: Honduras, Colômbia, México, Argentina e Brasil. Os artigos apresentados têm como foco das análises a universidade, as políticas científicas e a mobilização do conhecimento e podem ser agrupados nos seguintes três eixos:

1. As políticas universitárias de ciência, tecnologia e inovação, que privilegiam o olhar para dentro das universidades, considerando as práticas de ensino e pesquisa.

Essa é a vertente no artigo La universidad en la movilización del conocimiento para la inclusión social, de Jose Alberto Castellanos Gutiérrez, Jose Alberto Becerra Santiago e Ricardo Pérez Mora, no qual os autores discutem a universidade por dentro, a partir das desigualdades sociais, mostrando de forma muito interessante como não só as questões econômicas e sociais determinam a inclusão/exclusão das populações vulneráveis, mas também outros componentes culturais e subjetivos que se convertem em fatores determinantes para a transformação ou reprodução da situação.

2. A universidade e o conhecimento: produção, difusão e divulgação

Nesse eixo se inclui o artigo de Daniela Perrotta e Isidora González Ríos: Investigadores sociales, divulgación y la construcción de una agenda política en problemáticas de género en Argentina: el caso de la Campaña Nacional por el Derecho al Aborto Legal Seguro y Gratuito, no qual as autoras realizam uma interessante análise do papel dos pesquisadores como divulgadores de ciência e interlocutores em problemas que são levados à agenda pública, analisando o caso dessa campanha pelo direito abortivo.

Também nesse eixo se encontra o artigo proposto pela intelectual argentina Sandra Carli intitulado Las fronteras de la universidad pública, la circulación de saberes académicos y la intervención intelectual. Una incursión en la producción periodística de la socióloga rural Norma Giarracca. Nele a autora se propõe a problematizar as fronteiras da universidade pública, a circulação dos saberes acadêmicos e a intervenção nos meios de comunicação a partir da revisão da noção de intelectual público. Sandra Carli recupera resultados de pesquisa sobre biografias acadêmicas de figuras do campo das humanidades da Universidad de Buenos Aires, detendo-se na produção periodística da socióloga rural Norma Giarracca.

O artigo O espaço maker em universidades: possibilidades e limites, de autoria de Ivanise Monfredini e Renato Frosch, discute a produção do conhecimento em laboratórios de fabricação digital instalados em universidades, compreendidos a partir dos pressupostos da cultura maker, da mobilização do conhecimento e do neoliberalismo. Os autores analisam criticamente os espaços maker considerando-os no seu aspecto político, tensionado pelo acirramento das contradições do neoliberalismo que restringe os espaços públicos. Na perspectiva da mobilização do conhecimento as análises apontam para possibilidades que vão além dos aspectos curriculares do ensino superior, indicando uma via de aplicação da cultura maker na produção de conhecimentos que remete à relação da universidade com a sociedade. Porém, tais possibilidades enfrentam os limites impostos pelo neoliberalismo que restringe a esfera pública, a democracia e a política, perspectivas presentes na proposta maker.

Finalmente, nesse eixo, Omar García Ponce de León, María Isabel Campos e Miriam de la Cruz trazem uma provocação no artigo intitulado El prestigio científico de investigadores en la movilización del conocimiento, desenvolvido a partir da pergunta se a evolução do prestígio e do conhecimento do pesquisador, no México, podem estar relacionados com a mobilização do conhecimento, considerada a partir da construção de redes de colaboração que permitem constituir formas de prestígio científico.

3. As políticas científicas e de ensino superior

No artigo de Judith Naidorf, Federico Vasen e Mauro Alonso, Aunar criterios en un sistema fragmentado. Tensiones en torno a evaluación de la investigación aplicada y el desarrollo tecnológico en el origen de los Proyectos de Desarrollo Tecnológico y Social, encontra-se um debate sobre política científica. Os autores afirmam que a os Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Social (PDTS) surgiram na Argentina como uma resposta ao problema da avaliação acadêmica. Analisando uma ampla base de dados primários constituídos principalmente por cinquenta entrevistas com sujeitos envolvidos na criação e implantação da referida política, afirmam que havia consciência dos funcionários envolvidos quanto “à importância de trabalhar sobre critérios de avaliação para abordar o problema da falta de pesquisa aplicada e tecnológica, além da criação de instâncias de diálogo e articulação em um sistema científico altamente fragmentado.”

Também discutindo políticas científicas, Claudia Iriarte, Blanca Inguanzo e Mariângela Nápoli, pesquisadoras de Honduras, México e Argentina, discutem o papel que é outorgado ao conhecimento, com um olhar dos países de origem, que correspondem, respectivamente, ao centro, norte e sul da América. O artigo intitulado Valor del conocimiento y modelos de ciencia nacional: el caso de México, Honduras y Argentina apresenta um esboço sobre o valor do conhecimento como princípio organizador e eixo de mudança social, e do valor da universidade como espaço público. Também tece discussões sobre uma ciência nacional em função de um modelo de Estado.

Dois artigos discutem políticas de ensino superior em perspectiva histórica. O primeiro sobre as políticas desenvolvidas na Argentina, no artigo Acceso, permanencia y egreso universitario durante la administración kirchnerista (2003-2015) y macrista (Argentina) - Viejos y nuevos desafíos para las agendas de investigación, de Sebastián Gómez, que analisa os efeitos do acesso das classes populares na educação superior argentina. O segundo artigo, de Carolina Maria Horta Gaviria, intitulado La colonialidad del poder y la alteridad en la política de educación superior en Colombia para el período 1992-2018, trata de políticas de ensino superior nesse país. No texto a autora conclui, tendo como base um marco teórico e conceitual sobre a colonialidade do saber, a alteridade e a mobilização social do conhecimento e sua criminalização, e conclui que a referida política está se convertendo em um quartel da nobreza, pois reproduz campos de lutas entre classes sociais.

Finalmente, diante da afirmação de Michel Löwy (2016) de que a democracia atrapalha o capital e da constatação de que ela de fato tem se restringido a momentos excepcionais, justifica-se a publicação de parte da produção do GT “Ciência Social politizada” neste Dossiê, como forma de expor tais posições e questionamentos ao debate público nesta prestigiosa revista acadêmica. Nessas circunstâncias, a universidade vem passando, no mundo inteiro, por mudanças institucionais que também restringem os espaços democráticos. Entre outros mecanismos que contribuem para isso, o crescente controle externo sobre o trabalho de pesquisa, de ensino e de extensão. O fazer ciência e tecnologia dentro da universidade também tem sofrido as consequências da restrição à democracia.

É assim que este Dossiê, a partir da ideia de mobilização do conhecimento, permite uma abordagem crítica sobre a universidade e suas reais e potenciais possibilidades. Apesar das tendências antidemocráticas e restritivas em curso, o desafio que se apresenta é pensar alternativas, que certamente se apresentam nas práticas efetivas de professores e pesquisadores comprometidos com a emancipação, a democracia e a construção de uma sociedade que respeite as diversidades e reconhece o Outro.

Esperamos que a publicação dos artigos contribua para esse debate.

Das organizadoras

Referências

LÖWY, Michel. (2016). O Estado de exceção predomina. A democracia é que foi excepcional. Em: Blog da Boitempo. Publicado em 30/05/2016. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/30/michael-lowy-o-estado-de-excecao-predomina-ademocracia-e-que-foi-excepcional/. Acesso em: 27 de dez 2018. [ Links ]

MONFREDINI, Ivanise. (2018). A Relação Universidade e Classes Populares. In: Revista Lusófona de Educação, 39, 5-9 5doi: 10.24140/issn.1645-7250.rle39, p131-145. [ Links ]

NAIDORF, Judith e ALONSO, Mauro. (2018). La movilización del conocimiento en tres tiempos. In: Revista Lusófona de Educação, 39, 81-95 81doi: 10.24140/issn.16457250.rle39.06.2018. [ Links ]

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