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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.49 São Paulo  2019  Epub 17-Jan-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n49.8192 

Artigos

POLÍTICAS EDUCACIONAIS, RECONHECIMENTO E CONCEPÇÕES PLURAIS DE JUSTIÇA SOCIAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

EDUCATIONAL POLICIES, RECOGNITION AND PLURAL CONCEPTIONS OF SOCIAL JUSTICE: A LITERATURE REVIEW

Rodrigo Manoel Dias da Silva, Doutor em Ciências Sociais, Professor da Escola de Humanidades1 
http://orcid.org/0000-0001-8501-5903

Bruna Ponçoni2 
http://orcid.org/0000-0002-4040-3256

1Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil

2Graduanda em Ciências Biológicas-Licenciatura pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista de Iniciação Científica na mesma instituição, Rio Grande do Sul, Brasil


RESUMO

O artigo objetiva interpretar as relações entre escolarização e desigualdades, a partir da análise sistemática de estudos publicados em periódicos brasileiros da área de Educação. Trata-se de um estudo teórico realizado em artigos publicados entre 2011 e 2015, no qual, além de um levantamento das recorrências quantitativas, realizou-se um mapeamento das referências qualitativas, dentre as quais verificou-se dois grandes traços interpretativos. No que tange à esfera de produção e atuação do Estado, os estudos demonstraram uma transformação nos princípios políticos que compuseram, ao longo da história, a pauta pública dos Estados Nacionais. Quanto às políticas, os autores identificaram a existência de uma convergência no que se refere ao reconhecimento da diversidade sociocultural no contexto das políticas educacionais, mesmo em formações sociais marcadas por injustiças, em detrimento a posições discriminatórias ou excludentes.

Palavras-chave: Desigualdades; Justiça Social; Políticas Educacionais.

ABSTRACT

The article aims to produce an interpretation of the relationships between schooling and inequalities, based on the systematized analysis of studies published in Brazilian periodicals in the area of Education. This is a theoretical study carried out in articles published between 2011 and 2015. In addition to a survey of quantitative recurrences, a mapping of qualitative references was carried out, among which two major interpretative traits were identified. First, as regards the sphere of state production and performance, studies have shown a transformation in the political principles that made up, throughout the history of the nineteenth and twentieth centuries, the public agenda of the National States in the West. Second, as regards policies, the authors identified and analyzed the existence of a contemporary convergence to the recognition of socio-cultural diversities in the context of educational policies, even in social formations marked by injustice, to the detriment of discriminatory or excluding positions.

Keywords: Inequalities; Social Justice; Educational Policies.

1 Introdução

Nas últimas décadas, os estudos em Políticas Educacionais têm evidenciado a emergência de concepções plurais de justiça social (GEWIRTZ; CRIBB, 2011). A definição dos critérios e das situações que definem o que é justo ou injusto em educação explicitam dimensões políticas e sociológicas muito diversificadas, bem como exigem que compreendamos as (re)combinações entre educação escolar e cidadania. Com quais termos definimos um programa político como justo? Quais iniciativas buscam enfrentar as desigualdades sociais e culturais no âmbito de tais políticas? Quais dilemas perfazem as relações entre educação e justiça? Como essa problemática tem sido tratada em publicações recentes no campo da Sociologia da Educação?

Em perspectiva internacional, verifica-se a existência de duas tendências presentes na análise sociológica da questão, principalmente no que tange ao esclarecimento das noções plurais de justiça. Em primeiro lugar, identificam a dificuldade em “tratar adequadamente as tensões que podem surgir entre as diversas facetas da justiça social ou afirmações a ela relacionadas.” (GEWIRTZ; CRIBB, 2011, p. 124) Observam que quando diferentes estratégias políticas são colocadas em ação, mesmo que manifestem interesse democrático, algumas dessas facetas podem ser ignoradas ou encobertas. Por exemplo, a mútua implantação de uma gestão educacional participativa e de políticas curriculares promotoras de respeito a alguma identidade cultural pode encobrir dimensões de desrespeito ou de desprestígio a determinado grupo ou coletividade social. Em segundo lugar, mencionam a tendência definida como “crítica vinda de cima”, a qual define o trabalho da análise sociológica acima ou a distância da prática social, de tal modo que a avaliação crítica das políticas educacionais ocorreria de fora do sistema educacional.

Na medida em que tais analistas veem seu trabalho como fonte de informações para a prática, essa tarefa é limitada a apontar aos profissionais que estão na prática os contextos sociais, econômicos e políticos que moldam ou restringem seu trabalho, ou os mecanismos de reprodução social dos quais tomam parte. Os comprometidos com a crítica vinda de cima não acreditam que seja parte de seu trabalho considerar como resolver, principalmente num contexto hostil, dificuldades práticas que os professores enfrentam ao tentar implementar práticas socialmente justas. (GEWIRTZ; CRIBB, 2011, p.124)

Nos termos dos autores, a primeira tendência deixa de perceber diversas dimensões que emergem da conflitualidade entre noções plurais de justiça, enquanto a segunda assume contornos fatalistas e deixa de visualizar possibilidades de mudança social, política ou econômica em educação. Ambas as tendências, em diversos contextos, tornam-se obstáculos para pesquisa sociológica sobre políticas educacionais.

No Brasil, a partir da Constituição de 1988, as agendas políticas pluralizaram-se, acelerando demandas e processos sociais de reivindicações oriundos de indivíduos e coletividades historicamente ausentes das preocupações estatais. Essa dinâmica, não obstante a incapacidade do Estado de processar as demandas e convertê-las em políticas públicas, intensificou questionamentos em torno do enfrentamento das desigualdades e de uma ampliação nos sentidos do que se entende por justiça social ou por justiça em educação. As pautas dos movimentos sociais e culturais levaram adiante bandeiras de educação para mulheres, negros, comunidades LGBTT e populações empobrecidas, muitas vezes em contextos históricos em que o Estado brasileiro afirmava o ajuste fiscal e a sua própria redução como alternativas aos cenários contemporâneos da economia. Simultaneamente, assistimos à progressiva judicialização do Estado a partir de situações que vulnerabilizavam sujeitos ou direitos garantidos constitucionalmente ou por lei específica. Para descrevermos ainda a complexidade das últimas três décadas, é importante mencionar a constante denúncia de organizações sindicais e civis de esvaziamento dos recursos financeiros destinados à educação pública no Brasil, tanto quanto da desvalorização de professores, professoras e profissionais da educação, bem como a descontinuidade de diversas políticas educacionais.

Essa conjuntura, associada a fatores intraescolares, acentua desigualdades ou, nos termos de François Dubet (2003), multiplica desigualdades. De outra parte, houve também iniciativas de enfrentamento dessas condições nas políticas e processos de escolarização. No Brasil, a ampliação do tempo de permanência do estudante na escola, a vinculação entre programas de redistribuição de renda e frequência regular a uma instituição de ensino e a progressiva implantação da diversidade cultural no repertório das políticas para o setor evidenciam a dinâmica alusiva aos encontros e desencontros entre escolarização e desigualdades.

Assim sendo, o presente artigo objetiva produzir uma interpretação das relações entre escolarização e desigualdades, a partir da análise sistemática de estudos publicados em alguns periódicos brasileiros na área de Educação. Além de um levantamento das recorrências quantitativas, realizou-se um mapeamento das referências qualitativas, dentre as quais foram identificados dois grandes traços interpretativos. Em primeiro lugar, no que tange à esfera de produção e atuação do Estado, os estudos demonstram uma transição de posições essencialistas e homogeneizadoras para posições pluralistas. Em segundo lugar, quanto às políticas, interpretam a existência de uma convergência contemporânea ao reconhecimento das diversidades socioculturais no contexto das políticas educacionais, mesmo em formações sociais marcadas por injustiças, em detrimento a posições discriminatórias ou desiguais.

2 Revisão de literatura: condições metodológicas e marcações iniciais

Considerando a atualidade da problemática, optamos pela realização de uma revisão da literatura publicada nos últimos cinco anos (20112015) em três periódicos científicos de representatividade nacional. A seleção dos periódicos acompanhou os seguintes critérios: publicação atualizada durante o recorte temporal selecionado; representatividade científica reconhecida pelo sistema Qualis (de avaliação A1 ou A2, segundo a área de Educação); escopo da revista direcionado para estudos sobre políticas educacionais ou sobre as múltiplas dimensões do fenômeno da escolarização; abrangência regional (evitando a concentração regional, ainda que se tratem de revistas nacionais).

Diante desses critérios, selecionamos três periódicos: Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Educação & Sociedade e Revista de Educação Pública. A primeira é uma publicação quadrimestral da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), volta-se a estudos, pesquisas e experiências educacionais no campo da gestão e das políticas educacionais em diferentes âmbitos formativos. Publicada desde 1983, é uma das mais importantes na área de políticas educacionais. A segunda, Educação & Sociedade, é uma publicação trimestral do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), constituindo uma das mais tradicionais revistas em Ciências da Educação, no Brasil. Publicada desde 1978, a revista direciona-se à veiculação de estudos internacionais na área, sobretudo da América do Sul e da Europa. A terceira, criada em 1992, é vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e à Editora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Quadrimestral, volta-se aos estudos educacionais sob diversas perspectivas teórico-metodológicas.

A fim de perscrutarmos como têm sido estudadas as relações entre políticas educacionais e desigualdades sociais, considerando as noções plurais de justiça que organizam as configurações dessa discussão, selecionamos cinco descritores: escolarização, políticas educacionais, justiça social, reconhecimento e desigualdades sociais. Contudo, diante da polissemia conceitual e do pluralismo teórico-metodológico presentes na pesquisa educacional, constatamos a variação de significações e de terminologias pelas quais os pesquisadores nomeiam os fenômenos investigados. Ainda que a pesquisa assumisse contornos artesanais (MILLS, 2009), a cada caso fez-se necessário analisarmos os títulos, resumos, palavras-chave e artigos completos a fim de verificar similaridades ou homologias entre os descritores a priori indicados e as terminologias efetivamente utilizadas.

Assim, fez-se necessário organizarmos um quadro-síntese com os sinônimos que foram considerados no decurso do estudo (Quadro 1).

Quadro 1 Descritores 

Descritor Sinônimos
Escolarização Escola; Escola de Ciclos; Educação Escolar; Educação Básica; Processos Escolares.
Políticas Educacionais Estado; Políticas Públicas de Educação; Implementação de Políticas; Políticas de Escolarização.
Justiça Social Justiça; Justiça Escolar; Equidade; Igualdade; Justiça Educacional; Direito à Educação
Reconhecimento Reconhecimento cultural; Diferença; Diversidade; Direitos Culturais; Gênero; Questões Étnicoraciais
Desigualdades sociais Desigualdade; Exclusão; Vulnerabilidade; Inclusão social (menção econômica)

Fonte: ANPAE, Ed. UFMT, CEDES, 2016. Sistematização dos autores.

Subjaz a essa tipificação o entendimento de justiça como construção plural, que excede as dimensões materiais ou econômicas de sua constituição. Tais noções plurais de justiça (GEWIRTZ; CRIBB, 2011), ainda que díspares, aproximam-se da discussão de Nancy Fraser sobre o dilema redistribuição-reconhecimento. A filósofa distingue duas compreensões de injustiça, a socioeconômica e a cultural ou simbólica. A primeira enraízase na estrutura material da sociedade e se expressa na exploração, na marginalização econômica e na privação (enquanto negação de um padrão adequado de vida material), enquanto a segunda está arraigada a “padrões sociais de representação, interpretação e comunicação” (FRASER, 2001, p. 249-250) e inclui padrões de dominação cultural, de não reconhecimento e de desrespeito. Há, porém, uma terceira situação derivada da coexistência das anteriores, uma vez que, na prática social, injustiça econômica e cultural se interligam, se sobrepõem, se reforçam, em um jogo de poder cujo “resultado é frequentemente um ciclo vicioso de subordinação cultural e econômica.” (op.cit., p. 251) Em semelhantes contextos, as políticas são desafiadas a oferecer respostas que conjuguem reconhecimento e redistribuição, engendrando sentidos plurais de justiça.

Analiticamente, a seleção dos artigos foi realizada em dois movimentos de ‘triagem’. Em uma primeira investida aos periódicos, selecionamos artigos nos quais ocorresse a presença de, pelos menos, dois descritores daqueles acima citados, sendo que um deles deveria estar associado à dimensão culturalista da discussão, contemplado pelo descritor “Reconhecimento” ou expressões correlatas. Em seguida, em uma segunda triagem, procuramos selecionar, agora em um universo mais restrito de artigos, aqueles que oferecessem elementos mais consistentes à questão que organizou o presente estudo. Cumpre observar que selecionamos apenas artigos, não inserindo, no cômputo geral da análise, resenhas, entrevistas ou outros documentos publicados.

Dessa forma, quantitativamente, produzimos algumas informações a fim de visualizar a regularidade pela qual a temática tem sido considerada nos periódicos em tela, no período selecionado.

Tabela 1 Revista Brasileira de Política e Administração da Educação 

Ano Total de publicações por ano Artigos selecionados por ano
2011 29 4
2012 28 0
2013 28 1
2014 23 2
2015 33 2
Total: 141 Total: 9

Fonte: ANPAE, 2016. Sistematização dos autores.

Como apresentado na Tabela 1, a Revista Brasileira de Política e Administração da Educação publicou, durante o período de 2011 a 2015, 141 artigos, excluindo dossiês ou outros documentos. Desse total, foram escolhidos 4 artigos publicados em 2011 que apresentaram uma correspondência de maior relevância comparando com os descritores pré-selecionados e pela leitura de seus respectivos resumos. O mesmo foi realizado com relação aos demais anos, sendo que em 2012 não foi encontrado nenhum artigo correspondente ao assunto da pesquisa. Em 2014, foram selecionados 2 artigos em que constava a relação com os descritores políticas educacionais e reconhecimento. No ano de 2015, o número repete o do ano anterior: apenas 2 artigos que estavam correlacionados com os descritores, no caso escolarização, reconhecimento, políticas educacionais e desigualdades sociais. Ao observarmos esses dados iniciais, foi perceptível uma maior incidência de artigos selecionados para continuação da pesquisa no primeiro ano.

A revista Educação & Sociedade (Tabela 2) publicou 173 artigos, dos quais apenas 7 foram selecionados pela sua compatibilidade com os descritores e o tema abordado. Em 2011, dos 36 artigos publicados no ano, consideramos relevante apenas um, por abordar como tema a relação da educação e das políticas públicas em meio a uma sociedade com uma demanda maior de capital. No ano de 2012, foram escolhidos 6 artigos, dentre 26 publicados. De certa forma, os 6 artigos abordavam questões relacionadas à diversidade, às desigualdades e às políticas públicas envolvidas no processo escolar. Nos demais anos, de 2013 a 2015, não foi possível encontrar nenhum artigo que fosse correspondente aos descritores, tampouco seus resumos abordavam questões relacionadas à pesquisa.

Tabela 2 Educação & Sociedade 

Ano Total de publicações por ano Artigos selecionados por ano
2011 36 1
2012 26 6
2013 47 0
2014 37 0
2015 27 0
Total: 173 Total: 7

Fonte: CEDES, 2016. Sistematização dos autores.

No recorte temporal referente à Revista de Educação Pública, foram publicados 172 artigos científicos. Sob a análise que havíamos adotado, desse total foi possível encontrar 4 trabalhos que apresentassem relação com os descritores, não apenas em suas palavras-chave, mas em seus resumos também. Desses artigos, 1 foi publicado em 2011, 2 em 2014 e 1 em 2015. A Tabela 3 evidencia os dados coletados e descritos.

Tabela 3 Revista de Educação Pública 

Ano Total de publicações por ano Artigos selecionados por ano
2011 27 1
2012 29 0
2013 45 0
2014 40 2
2015 31 1
Total: 172 Total: 4

Fonte: Ed. UFMT, 2016. Sistematização dos autores.

Diante da análise e sistematização de 486 artigos científicos, selecionamos 20 que, minimamente, detinham similaridades ou indicações de aproximação às relações hodiernas entre políticas educacionais e desigualdades sociais. Na sequência, iniciamos uma segunda triagem a fim de mapear tais relações à luz do conceito de justiça plural (GEWIRTZ; CRIBB, 2011) ou do dilema reconhecimento-redistribuição (FRASER, 2001). Nesse momento, realizamos a leitura integral dos artigos e, dentre estes, elencamos 12 que efetivamente foram produzidos por problematizações que enfrentassem dimensões dos temas estudados.

Tabela 4 Segunda triagem 

Revista Artigos analisados Artigos selecionados
(1ª triagem)
Artigos selecionados
(2ª triagem)
RBPAE 141 9 4
Educação & Sociedade 173 7 4
Revista de Educação Pública 172 4 4
TOTAL 486 20 12

Fonte: ANPAE, Ed. UFMT, CEDES, 2016. Sistematização dos autores.

A leitura e sistematização do referido material permitiu-nos identificar duas recorrências analíticas, as quais, matizadas pela literatura contemporânea em Ciências Sociais, podem ser interpretadas como dilemas políticos que perfazem a relação entre escolarização e justiça social. Investigar e analisar as políticas educacionais, na atualidade, exige que examinemos tais dilemas.

3 Estado, políticas educacionais, reconhecimento e pluralismo

Já nos ensinava Milton Santos (1997) que a escala de percepção dos problemas não pode ser confundida com a escala de sua resolutividade. A sábia lição do principal geógrafo brasileiro provoca-nos a uma vigilância intelectual para não confundirmos as tendências analíticas identificadas nos estudos que temos examinado com o contexto e a implementação das próprias políticas educacionais, em nosso caso, no Brasil.

Entendemos que, em seu conjunto, os doze artigos cotejados e qualitativamente interpretados permitiram-nos constatar a presença de duas principais linhas interpretativas. Primeiramente, certos trabalhos caracterizam uma transformação nos princípios políticos que compuseram, ao longo da história dos séculos XIX e XX, a pauta pública dos Estados Nacionais no Ocidente, qual seja: de posições essencialistas e padronizadoras para posições pluralistas.

Ao mesmo tempo, quanto às políticas analisadas, os autores examinam outro processo em deslocamento. Como exporemos a seguir, interpretam a existência de uma convergência contemporânea ao reconhecimento da diversidade sociocultural no contexto das políticas educacionais, mesmo em formações sociais marcadas pelas injustiças, em detrimento a posições discriminatórias ou que acentuassem desigualdades.

3.1 Estado: da homogeneização à pluralidade

A noção de Estado é muito antiga na história da humanidade (ORTIZ, 1999), sobretudo pelo entendimento de que relações de poder são inerentes a todas relações humanas conhecidas (BALANDIER, 1980). Contudo, a forma como essa organização foi se estruturando a partir do século XIX foi redefinida, na mesma situação histórica da emergência e da consolidação de uma formação social capitalista, industrial e caracterizada pela racionalização. Dessa conjunção contraditória de eventos sociais, econômicos e políticos surge o binômio Estado-Nação, cujos contornos têm sido amplamente examinados e criticados nas últimas décadas.

Esse Estado torna-se indispensável ao funcionamento do capitalismo e pode ser definido como “a organização política que, a partir de um determinado momento histórico, conquista, afirma e mantém a soberania sobre um determinado território, aí exercendo, entre outras, as funções de regulação, coerção e controlo social.” (AFONSO, 2001, p. 17) Sob a perspectiva de garantir sua soberania e de construir condições para ideologicamente produzir uma ‘nação’, suas estratégias cristalizaram a busca por integração e unidade nacional. A escola pública projetada no contexto comprometia-se com o projeto ocidental de modernização.

Foi, aliás, como contributo para a construção (idealizada) do Estado-nação e como instrumento de reprodução de uma visão essencialista de identidade nacional que o papel da escola pública (enquanto escola do Estado) foi decisivo, sobretudo nos dois últimos séculos. Neste sentido, a centralidade da Escola decorreu até agora, em grande medida, da sua contribuição para a socialização (ou mesmo fusão) de identidades dispersas, fragmentadas e plurais, que se esperava pudessem ser reconstituídas em torno de um ideário político e cultural comum, genericamente designado de nação ou identidade nacional. A intervenção do Estado teve, assim, um papel importante e decisivo na gênese e desenvolvimento da escola de massas (enquanto escola pública, obrigatória e laica), e esta não deixou de ter também reflexos importantes na própria consolidação do Estado. Pode mesmo dizer-se que a construção dos modernos Estados-nação não prescindiu da educação escolar na medida em que esta se assumiu como lugar privilegiado de transmissão (e legitimação) de um projeto societal integrador e homogeneizador, isto é, um projeto que pretendeu, mesmo coercitivamente, sobrepor-se (e substituir-se) às múltiplas subjetividades e identidades cultu rais, raciais, linguísticas e religiosas originárias. (AFONSO, 2001, p. 18)

O diagnóstico de Almerindo Janela Afonso sintetiza os modos de produção e de reprodução do projeto homogeneizador do Estado-Nação e a condição que a escolarização e as políticas educacionais experimentaram no decurso de sua consolidação institucional, no Ocidente. De acordo com Dubet (2011), esse modelo correspondeu à escola republicana francesa, a qual engendrou uma intensa associação entre a escola e a cidadania. A nacionalização representou o primeiro empenho da escolarização no Brasil, “produzindo uma agenda pedagógica contraditória, uma vez que enfrentou parcialmente as mazelas e os dilemas educacionais do país, mas fora eficiente no sentido de fabricar os sentidos de uma nação.” (SILVA, 2016, p. 474) Por diversos fatores e nomeada por designações conceituais ou políticas diferenciadas, a hegemonia desse modelo encontraria sua crise (AFONSO, 2001), sua desestabilização e, mesmo, seu ocaso (DUBET, 2011). A literatura referente aos estudos produzidos em políticas educacionais no Brasil, a qual temos examinado, nos permite compreender justamente os limites das proposições homogeneizadoras e considerarmos, analiticamente, as diferentes interpretações dadas a tais situações.

Miguel Arroyo, no artigo Políticas educacionais, igualdade e diferenças (2011), observa que a história das políticas públicas e das políticas educacionais no Brasil - incluindo-se espaços, instituições, escolas e universidades - configura uma “história do não reconhecimento e de lutas pelo reconhecimento” (op.cit., p. 91), de variável densidade política. Produzimos, ao longo do tempo, políticas que invisibilizaram e negaram a existência de diferentes coletividades e atores sociais. Estes, “nem pensáveis como desiguais, ou excluídos, não possíveis de ser incluíveis ou igualizáveis, porque pensados e tratados como inexistentes, irreconhecíveis até como humanos.” (id.ib.). De acordo com esse estudo, o modo como pensamos os desiguais marcam as formas como são conduzidas nossas políticas, bem como os princípios que organizam os sistemas escolares e as próprias análises acerca das políticas e do fenômeno político. Há a necessidade de repensarmos esses pressupostos, pois, arraigados em nosso imaginário social, levam à naturalização da “incapacidade” de alguns grupos sociais e a sua respectiva responsabilização por suas carências e fracassos.

Os debates públicos, as discussões organizacionais e, consequentemente, nossas políticas orientadas a partir das definições de uma sociedade em democratização, mediante a afirmação do direito à educação para todos, bem como de respeitáveis posições acerca da inclusão escolar, negligenciaram, durante muito tempo, a existência de diversas outras coletividades ausentes das políticas oficiais. Quanto à escolarização formal, os primados da identidade nacional e da unidade cultural foram reproduzidos institucionalmente, desconsiderando ‘retratos plurais’, configurando-se como emblemática a condição das coletividades indígenas. Em Sujeitos indígenas Bakairi: como se apresentam e como são vistos nos ambientes escolares”, Edinéia Lopes (2014, p. 824) apresentou-nos esse horizonte interrogativo:

Conforme a nossa percepção, parece haver presença/silenciamento em sala de aula desses alunos indígenas, bem como de todo o legado dos diversos povos indígenas (bem como africanos) na constituição do povo brasileiro. Isso nos leva a indagar: como ocorre, em sala de aula, a relação entre educação e cultura? Como ocorre a presença/ausência/silenciamento desses alunos indígenas e suas vivências na sala de aula? (LOPES, 2014, p. 824)

A constatação das inexistências e dos silenciamentos, paulatinamente, foi informando sobre os reincidentes desencontros entre direito à educação e a suposta universalização da cidadania no Brasil. Outro trabalho que evidencia tal raciocínio é o artigo Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios, políticas e práticas, de Nilma Lino Gomes (2011, p. 15):

Ao colocar a diversidade étnico-racial e o direito à educação no campo da equidade, o Movimento Negro indaga a implementação das políticas públicas de caráter universalista e traz o debate sobre a dimensão ética da aplicação dessas políticas, a urgência de programas voltados para a efetivação da justiça social e a necessidade de políticas de ações afirmativas que possibilitem a efetiva superação das desigualdades étnico-raciais, de gênero, geracio nais, educacionais, de saúde, moradia e emprego aos coletivos historicamente marcados pela exclusão e pela discriminação.

O contraditório processo social e político de reconhecimento da diversidade étnico-racial no Brasil é marcado pela presença de movimentos sociais e organizações civis. O Estado é tensionado pela garantia de direitos a todos, uma vez que a comunidade política é ampliada. Na estrutura estatal, conseguimos identificar uma passagem ao ‘plural’, ainda que suas instituições evidenciem incapacidade política e jurídica de produzir garantias. Em perspectiva complementar, Luís Felipe Miguel evidencia o quanto, desde a década de 1960, observamos a emergência de novas representações face às novas identidades coletivas e, consequentemente, de novos movimentos e ações sociais. Porém, a dinâmica das novas identidades não acompanha tais processos, “o que gera impasses quando se busca, por exemplo, a ampliação da presença de grupos subalternos nas arenas de representação política.” (MIGUEL, 2009, p. 163)

No contexto da escola, as lutas sociais expressaram demandas por garantias de acesso e permanência, mas também de ‘visibilidade’. Os principais adversários desses propósitos são as formas de pensar e tratar os desiguais, os quais “se defrontam com formas históricas inferiorizantes persistentes não superadas que têm limitado as políticas igualitárias.” (ARROYO, 2011, p. 87) Diante da persistência histórica das desigualdades, os processos de mudança são lentos.

A presença negra na configuração escolar vai se afirmando aos poucos, certamente pela confluência da luta e persistência do movimento negro com as lutas pelo exercício do direito à educação. Quando isso passou a acontecer outro problema se revelou: começou a se perceber a necessidade de lutar por sua permanência e visibilidade, eliminando o preconceito e racismo tão presentes nas escolas. (REIS; SOUZA; MENEZES, 2014, p. 621)

De outra parte, esse deslocamento ecoa também nas prerrogativas jurídico-normativas que constituem a legislação educacional no país, tanto quanto sua influência sobre as práticas desenvolvidas nos cotidianos escolares. Eugênia Marques (2014) evidencia algumas transformações no ordenamento do Estado em alguma medida capazes de provocar políticas e práticas pedagógicas.

A implementação das Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 possibilitou a ressignificação dos currículos monoculturais por meio dos componentes curriculares História e Cultura AfroBrasileira, Africana e Indígena. Isso favoreceu a problematização dos conteúdos hegemônicos e o combate ao racismo e à discriminação étnico-racial em função de um projeto de sociedade outro, uma vez que as relações raciais do Brasil se constituem no âmbito da colonialidade, de forma hierarquizadora das raças que são forjadas no contexto do colonialismo pelo mito da democracia racial. (MARQUES, 2014, p. 557)

Ainda que certas transformações na legislação demonstrem questionamentos às lógicas homogeneizadoras (ocidentais e eurocêntricas) que configuraram a educação escolar no país, ainda são significativas as dificuldades existentes para a implementação das leis. Falta de formação inicial e continuada dos docentes e resistência às temáticas da diferença ainda são obstáculos para a construção de uma escola democraticamente construída. (MARQUES, 2014)

Por último, faz-se necessário contextualizarmos essa transição no bojo das transformações do capitalismo contemporâneo, acompanhando a elaboração de Geraldes e Roggero (2011, p. 477):

Nesse sentido, parece que um dos grandes desafios da educação é lidar com a profusão de culturas. Discriminação ou pluralismo cultural? Respeitar e conhecer os valores de outras culturas não implica necessariamente adotá-los. As políticas educacionais, particularmente as políticas explícitas de interculturalidade, propõem enfoques curriculares, interferindo nos conteúdos programáticos, na formação contínua dos docentes e na gestão institucional das escolas. Evidentemente, existe uma distância entre o discurso da interculturalidade e as práticas que a realizam, o que coloca as também contraditórias relações entre discursos e práticas educacionais em questão, uma vez que, tra dicionalmente, a educação tem se voltado ao estabelecimento de um padrão cultural hegemônico.

3.2 Políticas educacionais: da percepção das desigualdades e discriminações ao reconhecimento

A leitura dos artigos, nesse exercício de estudo sistematizado, permitiu-nos identificar um segundo traço interpretativo referente às políticas públicas promovidas nas últimas duas décadas, principalmente. Outros atores e outras coletividades são incorporados aos processos políticos e, com efeito, às políticas públicas, condição essa não isenta de disputas, conflitualidades e mediações socioculturais.

Novamente com Nilma Lino Gomes, no artigo Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça (2012), conseguimos identificar alguns limites e algumas possibilidades postas à educação escolar e a suas políticas nesse contexto de transição ao pluralismo. Segundo a estudiosa, quando a questão do racismo é outra vez trazida à cena pública, agora com o intuito de interpelar as políticas públicas e seus compromissos com o enfrentamento das desigualdades sociais, o Movimento Negro ressignifica e politiza a raça. Põe em evidência uma dimensão política emancipatória e ‘não-inferiorizante’.

A educação tem merecido atenção especial das entidades negras ao longo da sua trajetória. Ela é compreendida pelo movimento negro como um direito paulatinamente conquistado por aqueles que lutam pela democracia, como uma possibilidade a mais de ascensão social, como aposta na produção de conhecimentos que valorizem o diálogo entre os diferentes sujeitos sociais e suas culturas e como espaço de formação de cidadãos que se posicionem contra toda e qualquer forma de discriminação. (GOMES, 2012, p.735)

O entendimento acima exposto revela outra dimensão das relações entre educação e desigualdades, qual seja: a influência ativa que movimentos sociais e outros coletivos organizados exerceram sobre as relações de cidadania no Brasil, após a Constituição de 1988. No limite dessas relações, negros, mulheres, comunidades LGBTT, populações empobrecidas e outros coletivos étnicos começam a ocupar a esfera pública com suas demandas e reivindicações.

Claro que com suas particularidades históricas e sociais, essa também parece ser a condição das populações indígenas no que tange às convergências entre suas representações públicas como cidadãos e o direito à educação. Segundo Oliveira e Nascimento (2012, p. 766), as relações entre o Estado e as comunidades indígenas “têm passado por fases que vão da integração, como meta, ao reconhecimento do direito à diferença étnica e cultural dos índios, como princípio de ação política.” Os autores esclarecem abaixo sua afirmação:

Sendo assim, o principal objetivo das políticas educativas voltadas para os povos indígenas, das ações catequéticas dos jesuítas no período colonial às práticas indigenistas do século XX, era trazê-los à civilização ou nacionalizá-los. É sob tal imperativo que será instituído o campo indigenista dentro dos aparelhos institucionais do Estado, tendo como pressuposto a inferioridade dos indígenas em relação à raça branca civilizada, estando situados, desta feita, numa fase evolutiva primeva ou selvática. Fora do tempo da nação, os índios eram vistos como estando fadados ao desaparecimento, como sobreviventes de um passado que se queria distante. (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2012, p.768)

Entretanto,

Não devemos esquecer que, mesmo subordinado ao objetivo de assimilação, o uso das línguas nativas, fazendo surgir a figura do professor indígena (ainda que auxiliar), favoreceria, a posteriori, o desenvolvimento dos projetos de educação escolar dos índios pautados na ideia de autonomia e na construção do protagonismo indígena num modelo educativo diferenciado, mais adequado aos interesses societários de suas comunidades. Neste caso, as políticas educacionais passariam a ser influenciadas por outros atores e agências de mobilização política, com o advento, a partir dos anos de 1970, de novos sujeitos políticos na arena pública nacional, tendo rebatimentos na forma de organização política e administrativa da relação entre indigenismo e políticas educacionais. (op.cit., p.772)

Muitas pautas dos movimentos sociais converteram-se, pois, em políticas públicas ou em princípios afirmativos que alteraram pressupostos ou princípios legais, mediante ações afirmativas. No artigo Território, políticas públicas e educação do campo na Amazônia Paraense: o protagonismo dos movimentos sociais em debate, de 2011, Salomão Hage e Lorena Oliveira destacam a evidência contemporânea da abordagem territorial, face à constatação da importância da diversidade sociocultural e territorial na configuração de programas, projetos e políticas públicas dirigidas para o desenvolvimento social brasileiro, cuja origem possa ser referida às reivindicações de movimentos sociais. Acrescentam na elaboração, ainda, exemplos recentes de tal correlação, tais como: a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial no Ministério do Desenvolvimento Agrário, a criação do programa “Territórios da Cidadania” e a consolidação de programas para a educação do campo. (HAGE; OLIVEIRA, 2011)

Além da consistente referência aos movimentos sociais e sua influência sobre as políticas educacionais1, os autores acentuam que muitas políticas foram desenvolvidas na Amazônia Paraense mediante aproximações entre órgãos estaduais, federais, municipais, autarquias, universidades e organizações sociais. Muitas ações qualificaram a demanda por escolas do campo, as quais, a partir de uma abordagem territorial, fundamentaramse “no reconhecimento de que a educação do campo deve ser pensada e colocada em prática possuindo um vínculo estreito com as singularidades próprias dos territórios aos quais se destina, mas sem fragmentação” (op. cit., p. 105), isto é, contextualizando o território amazônico em diversas escalas geográficas e analisando-o de maneira relacional.

Contudo, o desafio que se apresenta às populações do campo da Amazônia paraense e seus movimentos sociais continua sendo o alcance da função da Educação do Campo enquanto colaboradora da sustentabilidade ecológica em associação com o fortalecimento da cultura e das relações sociais próprias dos territórios e territorialidade do campo. (id.ib.)

Por fim, a leitura de Vera Candau, em Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos, texto de 2012, atribui centralidade à interculturalidade como princípio de ação política para a construção de sociedades democráticas. Ao aproximar a discussão de interculturalidade aos debates mais amplos sobre multiculturalismo, no contexto de políticas públicas, a estudiosa reconhece a polissemia que constitui o referido termo e sintetiza-o em três grandes perspectivas. Em relação ao multiculturalismo assimilacionista, Candau explica que essa concepção “parte do reconhecimento de que nas sociedades em que vivemos todos os cidadãos e cidadãs não têm as mesmas oportunidades, não existe igualdade de oportunidades.” (CANDAU, 2012, p. 243) O multiculturalismo diferencialista (monocultura plural, segundo Amartya Sen) afirma que quando se enaltece a assimilação nega-se a diferença ou a silencia: “Propõe então colocar a ênfase no reconhecimento da diferença e, para garantir a expressão das diferentes identidades culturais presentes num determinado contexto, garantir espaços em que estas se possam expressar.” (id.ib.) E esclarece:

No entanto, situo-me na terceira perspectiva, que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades democráticas que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade e reconhecimento dos diferentes grupos culturais. (id.ib.)

Ainda que sob matizes diferentes, tanto políticas quanto conceituais, alguns estudos nos demonstram (CANDAU, 2012; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2012; GOMES, 2011; 2012; MARQUES, 2014) uma aproximação a concepções plurais de justiça social (GEWIRTZ; CRIBB, 2011). Sinalizam que as políticas educacionais, nas condições objetivas e intelectuais dos estudos que desenvolveram, precisam responder a demandas de ordem econômica ou material e, de modo simultâneo, a demandas políticas por reconhecimento identitário, cultural ou territorial. O modo como tais discussões têm ocupado a esfera pública e a pauta social indicam a urgência de sua resolutividade, tendo em vista que configuram dilemas incontornáveis para sociedades democráticas ou em democratização.

4 Considerações finais

Neste artigo, almejamos produzir uma interpretação das relações entre escolarização e desigualdades, a partir da análise sistemática de estudos publicados em alguns periódicos brasileiros na área de Educação. Tais estudos acompanham, a partir de itinerários investigativos e teóricometodológicos diversos, uma tendência presente na literatura internacional - as chamadas concepções plurais de justiça.

Poderíamos ainda perguntar sobre o motivo de tal acompanhamento. Seria por dinâmicas da própria democracia ou dos processos democráticos no Brasil? Corresponderia a alterações nos marcos jurídico-normativos que organizam as políticas públicas e, dentre estas, as políticas educacionais? Pela intensificação da ação pública dos movimentos sociais e suas crescentes e diversificadas demandas ao Estado? Pela influência exercida por essa literatura sobre os estudos que desenvolvemos no Brasil, em tempos de internacionalização da produção científica? Muito provavelmente, nos limites deste trabalho, não teremos condições de respondê-las.

No entanto, outro fator precisa ser considerado nesse balanço da literatura estudada, a saber: mesmo que a amostra seja pequena, mas considerando a expressividade dos três periódicos, cumpre registrar que (ainda) são poucos os trabalhos sobre a temática publicados em periódicos. Muitas das questões que levantamos serão convertidas em estudos e pesquisas no futuro.

Para além do quadro interpretativo que provisoriamente elaboramos, é importante ressaltar que, no campo efetivo das Políticas Educacionais, há muito por fazer. Mesmo que os estudos apontem para uma preocupação mais significativa com o reconhecimento do pluralismo cultural, ainda carecemos de políticas públicas educacionais que enfrentem injustiças, discriminações e preconceitos, sobretudo nos ambientes escolares. Mesmo que os estudos procurem definir nossas realidades com o qualificativo ‘democráticas’, o que é democrático ou não-democrático segue em litígio na sociedade brasileira.

Por fim, ressaltamos que o principal dilema político que emerge do debate escolarização-desigualdades define-se pela impossibilidade de eleger um padrão unitário de justiça, a partir de uma sociedade igualitária ideal, o qual não é capaz de consolidar direitos, obrigações e garantias sociais e culturais efetivas para toda a população. Para compreendê-lo, “requer que a sociologia das políticas combine perspectivas orientadas para a ação e para a crítica.” (GEWIRTZ; CRIBB, 2011, p. 141)

Nota

1 Obviamente, os movimentos sociais não são os únicos demandantes de políticas educacionais, bem como ocupam posições variadas na composição das mesmas. Enfatizamos essa influência tendo em vista sua representatividade na literatura revisada.

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Recebido: 20 de Dezembro de 2017; Aceito: 10 de Janeiro de 2019

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