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Eccos Revista Científica

Print version ISSN 1517-1949On-line version ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.49 São Paulo  2019  Epub Jan 17, 2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n49.8238 

Artigos

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO DOCENTE: UM ESTUDO SOBRE COMUNIDADES DE PRÁTICA

PROFESSIONAL EDUCATION AND TEACHER TRAINING: A STUDY ON COMMUNITIES OF PRACTICE

Senira Ane Ferraz Fernandez, Doutora em Educação, Professora1 
http://orcid.org/0000-0001-5353-651X

Carlos Vital Giordano, Doutor em Ciências Sociais, Professor2 
http://orcid.org/0000-0002-5557-9529

Isabel Domingues, Professora3 
http://orcid.org/0000-0002-7443-3699

1Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo Professora do programa de pós-graduação do Centro Paula Souza. São Paulo, SP, Brasil

2Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Professor do programa de pós-graduação do Centro Paula Souza. São Paulo, SP, Brasil

3Mestra em Gestão e Desenvolvimento da Educação Profissional pelo Centro Paula Souza Professora do SENAC. São Paulo, SP, Brasil


RESUMO

O presente artigo discute as relações entre educação profissional, formação docente e comunidades de prática. Justifica-se pela indagação recorrente sobre uma aparente dicotomia entre especialidade e formação pedagógica. Ancora-se, teoricamente, em Tardif, Nóvoa e Pimenta para a formação docente e em Lave e Wenger para a conceituação de comunidades de prática. Objetiva estudar comunidades de prática formais e informais, nesse passo evidenciando suas contribuições para a formação docente. O lócus empírico é uma instituição de ensino profissional integrante do Sistema S e a abordagem metodológica é qualitativa, de natureza aplicada e exploratória. Os resultados evidenciaram uma informalidade no compartilhamento realizado de forma espontânea e livre podendo ser traduzido como fonte de atualização e formação contínua deste docente.

Palavras-chave: Comunidades de Prática; Educação Profissional; Formação Docente.

ABSTRACT

This article presents the relationships between professional education, teacher training and communities of practice. It is justified by the recurrent inquiry about an apparent dichotomy between specialty and pedagogical training. It is anchored theoretically in Tardif, Nóvoa and Pimenta for teacher training and in Lave and Wenger for the conceptualization of communities of practice. It aims to study formal and informal communities of practice seeking to evidence contributions in teacher training.

The empirical locus is a professional education institution that is part of the S system and the methodological approach is qualitative of an applied and exploratory nature. The results evidenced an informality in the sharing carried out spontaneously and freely, being able to be translated as a source of updating and continuous formation of this teacher.

Keywords: Communities of Practice; Professional Education; Teacher Training.

1 Introdução

Atualmente, as demandas relacionadas à formação docente ganham expressiva repercussão, inclusive em função da implantação de políticas públicas como a nova Base Nacional Comum Curricular. Não por acaso, o assunto é pauta em grupos de estudo nas maiores universidades do Brasil e elemento de análise em pesquisas acadêmicas e artigos científicos na área de educação, preocupados em compreender quais são os saberes dos docentes necessários ao desenvolvimento de suas funções, bem como entender como são adquiridos.

A história da educação no Brasil mostra poucas mudanças no processo da formação inicial do professor, que é conduzido à profissão docente por meio de cursos de licenciatura e, até o final do século passado, pelos cursos de formação em nível médio (Magistério). Tratando-se de uma sorte de educação profissional, a questão que está posta é como transformar um profissional com formação específica em determinada área do saber diferente da educacional, de modo geral sem conhecimento pedagógico e sem licenciatura, em um professor. Ocorre que, agregado à formação inicial, há um grande aliado nesse processo de formação docente que está relacionado à própria rotina de trabalho do professor, o que se costuma chamar de formação em serviço, ou seja, a formação reflexiva da prática com os alunos, com a instituição, com a sociedade e, especialmente com seus pares.

Indaga-se, então, como a participação de professores em grupos que agregam outros professores com conhecimentos diversos - neste trabalho denominados ‘comunidades de prática’ - auxilia na formação docente para a educação profissional e, assim, colabora para a melhoria das práticas desses profissionais.

Consideradas as peculiaridades da instituição escolhida, com grande tradição histórica e abrangência nacional, torna-se necessária uma investigação que verifique se o docente participa de comunidades de prática dentro da instituição e/ou fora dela; se há a percepção do efeito formativo dessas comunidades em suas práticas e, por fim, se é possível constatar alguma contribuição de tais comunidades para a formação desse profissional. Para isso, neste trabalho, qualificamos o conceito de comunidade de prática, o processo formativo dos docentes de educação profissional e, finalmente, as contribuições dessas comunidades em sua formação.

2 Educação profissional e formação docente: fundamentação teórica

De forma geral, é de se esperar que os professores que atuam na educação profissional apresentem vasta experiência profissional na área prática de sua profissão de formação. Porém, segundo Tardif (2009), na medida em que se inserem numa instituição de ensino carregam consigo modelos pedagógicos desenvolvidos e trabalhados durante sua formação acadêmica por seus próprios professores e experiências, não tendo, muitas vezes, repertório que ampare sua atuação como mediador do processo de ensino e aprendizagem. Os saberes dos docentes são provenientes de fontes como formação, currículo, socialização escolar, conhecimento das disciplinas a ensinar, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional, aprendizagem com pares, entre outros.

Nota-se que fatores como seu histórico acadêmico, o aprendizado com os professores que colaboraram na sua formação, as relações com os colegas de profissão e as experiências trocadas durante o período de trabalho, até mesmo a ligação desenvolvida com seus alunos, são aspectos que se referem ao próprio docente em sua relação com o outro e, consequentemente, com os saberes gerados nesse processo - daí a importância de se compreender a relevância das comunidades de prática em sua formação. Para Tardif (2009), os conhecimentos relacionados aos conteúdos não podem ser desprezados, pois profissionais da educação têm seus saberes gerados também no próprio processo de ensinar, cabendo incluir nesses saberes aqueles que englobem conhecimentos, competências e habilidades inerentes à função docente. Neste quesito, em particular, as relações com grupos mais experientes podem colaborar.

Segundo Nóvoa (2002), não é fácil definir o conhecimento do profissional da educação, pois embora dotado de uma dimensão teórica ele não é teórico; tem uma dimensão prática, mas não é prático; possui uma dimensão experiencial, no entanto não é unicamente produto da experiência. Há certo consenso quanto à importância desse conhecimento, mas há também uma enorme dificuldade na sua formalização. Partindo desse princípio, Alarcão (2003) recomenda pensar no ambiente educacional ‘escola’ como espaço de construção do saber, não somente do aluno, mas também do docente, considerando-a como local que desenvolve competências, pelo ato de refletir, e proporciona abertura a questionamentos e ao envolvimento social dos diversos atores, para que, dessa forma, o docente possa estruturar seus conhecimentos de modo a realizar suas funções com excelência. A formação docente, desta forma, envolve também autoformação dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas experiências nos contextos escolares em que atuam. Por isso, torna-se importante produzir a escola como espaço de trabalho e formação, o que implica gestão democrática e práticas curriculares participativas que propiciem a constituição de redes de formação contínua, cujo primeiro nível é a formação inicial. (PIMENTA, 2005)

No caso da educação profissional, o aluno aprendia em seu local de trabalho com um mestre de ofício, sob o entendimento de que apenas a experiência era necessária para se lecionar nessa modalidade (PETEROSSI, 2014); gradativamente, a preocupação com a seleção e a formação dos docentes foi se tornando presente na legislação. Hoje em dia, alunos de cursos de formação profissional e tecnológica desejam, além de um título, uma formação que lhes permita participar da prática da profissão escolhida e se integrar ao mundo do trabalho, e o elo para que isso fique mais próximo pode ser a relação com um profissional estabelecido na área por eles escolhida: o docente. A interação (integração e relação) entre pessoas com interesses convergentes - professores, coordenadores, diretores, alunos - pode significar uma série de comunidades de prática, formais e informais, representativas desse processo de despertar o aluno, ou mesmo ao longo da carreira de um professor da educação profissional, esses atores acabam por impactar diretamente em sua formação. É impossível não se relacionar com algumas delas, ou não influenciar ou ser influenciado (WENGER, 2013). As comunidades de prática são agrupamentos que relacionam indivíduos que têm os mesmos interesses, que apresentam conhecimentos prévios e desejo de realizar compartilhamento e que, além da socialização de conhecimento, apontam para uma perspectiva psicológica e social de propiciar a sensação de pertencimento aos grupos que realizam essas práticas situadas que “os insere dentro de um grupo (profissional, no caso) e os identifica como pertencentes a ele” (BARATO, 2011, p. 26).

Segundo Hall (2014), a identificação com certas ideias, grupos, nações ou crenças dá a noção de pertencimento ao indivíduo, pois insere o indivíduo em comunidades simbólicas repletas de significados e representações. Garrido, Pimenta e Moura (2000) relatam que essa perspectiva reorienta os cursos de formação inicial no que diz respeito, sobretudo, às relações entre teoria e prática e à aprendizagem de procedimentos investigativos e de interpretação qualitativa dos dados. Nesse processo, fica explícita a importância da atuação coletiva dos professores no espaço escolar como elemento propiciador de trocas reflexivas sobre as práticas, o que qualifica a profissão do professor, definindo-o como intelectual em processo contínuo de formação, identificando-o como pertencente a um grupo e mobilizando-o a um processo de formação coletiva de seus conhecimentos. Esse saber coletivo, essa construção profissional contínua realizada graças a essa atuação no trabalho relaciona toda prática docente, não somente à sua formação individual, mas especialmente aos saberes que são construídos socialmente com seus alunos, a instituição e os pares. Esses saberes só podem ser desenvolvidos em ambiente social partilhado e vêm da legitimidade dos conhecimentos de cada docente, colaborando com o seu processo de aprendizagem. (TARDIF, 2009)

Aprendizagem tem íntima relação com conhecimento e memória e com o fato de que ela pode ocorrer seja quando se estuda algo seja em observações e experiências. Nessa perspectiva, muitas abordagens teóricas explicam esse processo. São elas: as teorias neurofisiológicas, centradas nos mecanismos biológicos de aprendizagem e da memória; as teorias behavioristas, centradas na modificação de conduta por meio do par estímuloresposta; as teorias cognitivistas, focadas nas estruturas cognitivas e na aprendizagem que representa a transformação dessas estruturas; as teorias construtivistas, orientadas pela ação do sujeito no processo de construção de suas estruturas mentais ao interagir com outros; e as teorias da aprendizagem social, voltadas à interação social. Do ponto de vista psicológico, há também as teorias da atividade, centradas na atividade como entidade historicamente constituída; as teorias da socialização, que focalizam a aquisição de afiliação por parte de principiantes em um grupo social; e as teorias da organização, que visam a aprendizagem dos indivíduos dentro das organizações onde atuam ou daquelas que representam o mercado em que atuam.

Neste trabalho, o conceito de comunidade de prática, tão importante para a formação docente, pressupõe entender a interação ente comunidade e prática dentro da teoria social da aprendizagem e, então, associá-la à formação docente. A comunidade de prática não é apenas um encontro entre amigos ou uma conexão entre as pessoas que têm uma identidade definida por um interesse compartilhado. Nas ações voltadas a seus interesses, e em seu domínio, os membros se envolvem em atividades e discussões e se ajudam mutuamente, compartilhando informações. Para se ser uma comunidade de prática deve-se desenvolver um repertório compartilhado de recursos, experiências, histórias, ferramentas e formas de abordar problemas recorrentes em espaço de prática compartilhada. (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002)

Além das características fundamentais que fazem um agrupamento ser uma comunidade de prática, explica Barato (2004), as comunidades também possuem algumas outras funções bem relevantes e importantes para uma instituição e seus integrantes, a saber: elas funcionam como legitimadoras da participação de um indivíduo em dado contexto profissional, trazendo-lhes a noção de pertencimento; dessa forma, é determinante para que o indivíduo se sinta participante daquela comunidade e/ou atividade, isto é, se identifique com ela e com a profissão escolhida. Essa participação não é apenas operacional, do ponto de vista da realização de seu trabalho, ela é social.

3 Metodologia

O trabalho foi realizado partindo-se de uma abordagem metodológica qualitativa, de natureza aplicada e exploratória, para amparar as discussões e análises que darão resposta à questão de pesquisa: A partici pação em comunidades de prática auxilia na formação de professores da educação profissional e na melhoria das práticas desses docentes?

A pesquisa foi conduzida com os profissionais que atuam como docentes na unidade educacional de ensino profissional do Sistema S estuda neste trabalho. A amostra utilizada teve caráter voluntário e atendeu à conveniência de que as análises e considerações finais se restringissem a esse tipo de amostra e a essa quantidade de casos (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013). Para a primeira fase da pesquisa de campo foi escolhida a entrevista como ferramenta de coleta de dados. Foram entrevistados 22 docentes com formações variadas, mas que em comum lecionavam em formação profissional, nas várias áreas do saber e modalidades de curso: técnicos, livres e pós-graduação.

As entrevistas pretendiam aferir as particularidades do grupo que os identificasse como pertencentes a uma grande comunidade de prática de docentes da unidade ou em várias outras pequenas comunidades informais dentro dessa grande comunidade de professores da unidade educacional estudada. Esperava-se também compreender e identificar as aprendizagens desenvolvidas ou geradas pelos pequenos grupos - ou na simbiose entre esses grupos - ao se relacionarem em algum ambiente compartilhado e se isso poderia ser gerador de uma identidade do grupo. E, por fim, buscavase aferir se as comunidades de prática têm a capacidade de influenciar o desenvolvimento profissional dos sujeitos que as compõe.

As perguntas foram realizadas partindo-se de formulações globais relacionadas ao tema, para se extrair dali as correlações desejadas no formato de “opinião”, isto é, “o entrevistado faz seus relatos de acordo com seus pontos de vista e vivências” (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013, p. 427).

Aplicou-se as seguintes questões:

  1. Tendo em vista sua experiência como docente, relate-me qual a relevância de grupos de compartilhamento ou troca entre docentes. Esses grupos podem ser considerados empreendimentos conjuntos?

  2. Há engajamento dos docentes? Indique, por favor, como, onde e por que ocorrem essas práticas? Aponte sua opinião sobre a sistematização dessa prática.

  3. Você faz parte de algum grupo de troca e compartilhamento em que as pessoas se engajam em conjunto para um objetivo, seja esse grupo formal ou informal, físico ou virtual, dentro ou fora da instituição onde trabalha?

  4. Em que isso melhora o professor que você é?

  5. Sendo você formado em áreas diferentes do magistério, o que te formou/forma docente?

Buscava-se identificar a existência, nas relações entre os docentes, das configurações básicas de uma comunidade de prática, ou de várias; compreender o locus da prática e a percepção dos envolvidos sobre serem as comunidades de prática algo que deva ser incentivado e/ou sistematizado pela instituição. Ao final, e depois do entrevistado ter falado sobre alguns aspectos das comunidades de prática, compreender se ela é sistematizada ou não e, nesse processo, por já estar mais à vontade, ele poderia apontar se participa de grupos com as características abordadas e como isso agrega no crescimento do docente que ele é.

Finalmente, uma pergunta mais generalista (O que te formou docente?), pretendia-se capturar a percepção do docente sobre o que exatamente o tinha formado, o que poderia trazer descritivos ou relações com algum tipo de agrupamento análogo às comunidades de prática, fortalecendo assim a identificação e análise do que se objetiva constatar.

4 Análise e interpretação dos resultados

Realizadas as entrevistas, decidiu-se pela utilização da Análise de Conteúdo para a interpretação dos dados, escolha que se deve ao fato de as entrevistas terem privilegiado a comunicação entre entrevistador e entrevistado, cabendo assim uma técnica analítica das comunicações, verbais ou não verbais. A Análise de Conteúdo pressupõe realizar classificações e agrupamentos em temas ou categorias que facilitarão a análise do material abarcado, iniciando pela pré-análise, passando pela exploração do material e se encerrando com o tratamento dos resultados, com as devidas inferências e interpretações (BARDIN, 1977). Os passos relatados foram seguidos com a utilização de ferramentas tecnológicas como o Mendeley® e Atlas.TI®.

Partindo do pressuposto de que comunidades de prática são gru pos de pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão por algo e desejam aprender da melhor maneira possível, e que por isso interagem regularmente, e levando-se em consideração que em uma comunidade de prática deve haver engajamento mútuo em um empreendimento conjunto e com repertório compartilhado, pode-se afirmar que os docentes da unidade formam uma grande comunidade de prática e que o engajamento se dá no exercício da profissão.

Tendo em vista o problema de pesquisa relatado na introdução deste artigo, que é compreender se o professor da educação profissional participa de comunidades de prática, e como essas podem auxiliar em sua formação, colaborando para a melhoria das práticas destes docentes, e levando-se em consideração a metodologia usada - Análise de Conteúdo - foram detectados nas entrevistas termos e expressões que se correlacionam aos seguintes temas: participação do docente em comunidades de práticas dentro e fora da instituição pesquisada; modos pelos quais o professor aprende a ser professor de educação profissional; aquisição e significação do conhecimento; importância de grupos de compartilhamento; as instituições e suas relações com os saberes docentes e sistematização da formação de grupos pela instituição.

Os 22 professores entrevistados (50% mulheres e 50% homens; 54,5% do eixo de Humanas, 27,3% do eixo de Médicas e 18,2% do eixo de exatas) identificam que participam de algum grupo e se engajam nele pelo desejo de se relacionar e compartilhar com pessoas que tenham os mesmos interesses, mesmo sendo eles de áreas diferentes (como por exemplo grupos de Whatsapp para troca de metodologias de aulas). É importante frisar que não é difícil encontrar agrupamentos socais característicos de comunidades de prática, pois estão em toda parte, afinal os indivíduos sempre pertencem a um certo número delas; algumas têm nome, outras não; algumas são reconhecidas, outras são invisíveis. Em algumas há assiduidade, em outras, a participação é ocasional.

Na Tabela 1, chama a atenção a diferença numérica das declarações de participação em comunidades de prática dentro da instituição S (convencionou-se chamar de ‘S”, em função da instituição pesquisada fazer parte do Sistema S), em termos formais e informais: 6 (33,0%) e 12 (66,0%), respectivamente, isto é, a ação em comunidades de prática informais representa o dobro da participação nas formais, que são propostas pela própria instituição. Na análise das participações totais, observa-se: informais, 27, representando 58,7%; e, formais, 19, representando 41,3% das declarações.

Tabela 1 Participação em comunidades de práticas (declaradas) 

Local Formal Informal
Dentro da Instituição S 6 12
Fora da Instituição S 13 15
Totais 19 27

Fonte: Autores.

Na pesquisa foram revelados grupos externos à instituição que, para os docentes entrevistados, colaboraram com sua formação:

[…] eu tenho um grupo chamado “Mensagem S/A”, que a gente compartilha mensagem sobre networking, tendências de negócios e, neste grupo também saiu um outro grupo que é “Professores de Sucesso”. Pelo Whatsapp (me mostrou o celular). Tem também Facebook eu tenho um canal que se chama “Aprendendo a Empreender”, onde eu entrevisto empresários, consultores, gente que conseguiu abrir um negócio e se dá bem, né? […] primeiro que quando se passa isso “pro” aluno ele confia mais no trabalho da gente, ele olha “pra” você e vê que você tem um trabalho a parte… que a confiança que eles querem no professor, que eles buscam no professor, uma coisa que às vezes o professor nem imagina, é que às vezes o aluno quer buscar confiança nele. (VOZ 2).

Os professores relatam a importância desses grupos e demonstram que aprendem e reavaliam o significado do seu trabalho por meio de novos conceitos, ações, atividades, entre outros, criados e compartilhados nos grupos. Melhorar a prática em sala, aprender assuntos novos ou mesmo se atualizar são apenas alguns dos pontos relatados num grupo de expressões que evidencia a importância da interação entre pessoas na melhoria da for mação humana dos sujeitos, no destaque desse profissional em um grupo, na formação dos professores menos experientes, no desenvolvimento da paciência e na gestão do conhecimento existente nas instituições.

Quanto a esses agrupamentos formados dentro da própria instituição pesquisada os participantes enxergam seus grupos de trabalho ou, ainda mais, seu grupo de afinidade como unidade de compartilhamento e engajamento conjunto.

Na equipe que atuo, a troca de materiais é algo bem comum. Sempre compartilhamos arquivos de aulas já elaboradas para que o próximo professor possa utilizá-lo fazendo os ajustes e inserindo novidades no tema da aula. Sempre conversamos também sobre atividades que deram certo e outras que não foram tão legais, para que a equipe possa adaptar a metodologia. Isso tudo, sem deixar de lado características individuais de cada docente. Tem professor que tem mais facilidade para trabalhar com atividades diversificadas, dinâmicas, jogos etc. Desde que haja uma coerência na temática e nos objetivos, acho muito produtivo e enriquecedor este compartilhamento. É uma forma de, a partir de duas ou três ideias, surgir uma nova ainda melhor. (VOZ 24)

Os grupos por afinidade ou por área do saber se formam quase que automaticamente, pois congregam professores das mesmas disciplinas em torno da relação que terão com o conteúdo e, consequentemente, com a sala de aula, e isso é uma constante dentro dos programas de cursos, isto é, dentro da programação de recursos (inclusive humanos) que se faz ao lançar um título de novo curso - a interação para a melhoria do desempenho dos alunos:

[…] muitas vezes, você é pego de surpresa por algum comportamento, algum problema com aluno e aí, de repente, você conversando com teus colegas, sabendo da particularidade de cada aluno, você consegue, de repente, até tratar melhor essas surpresas, né? (VOZ 12)

O valor desses agrupamentos dentro das instituições (ou das corporações) não é meramente instrumental para o seu trabalho, reflete também na satisfação pessoal dos colegas. Ao longo do tempo, eles desenvolvem uma perspectiva única sobre o seu tema, bem como, um corpo de conhecimentos, práticas e abordagens comuns; relacionamentos pessoais e maneiras estabelecidas de interagir e um senso comum de identidade, tornando-se comunidades de prática. (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002).

Observa-se que o tema “o professor aprende com a prática do outro” foi relatado em 39 citações, sendo essa a fonte maior de aprendizagem do docente da educação profissional, seguido de “o professor aprende na prática diária da profissão”, “o professor aprende com a troca com os alunos”, “o professor aprende em instituições de ensino”, “o professor não sabe tudo”, “o professor aprende na sua vivência como aluno”, “o professor aprende com sua vontade de ensinar”, “o professor aprende quando busca atualização”.

Esse emaranhado de fontes de saber se ‘costuram’ em todos os aspectos de uma participação legítima em comunidades de prática, de modo que a relação com os saberes do outro e suas experiências são a força que impulsiona o desenvolvimento de outros saberes dos integrantes daquele grupo (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002). Dessa maneira, aprender com a prática do outro, docente ou aluno, no exercício de sua profissão, estudando formalmente, e nesse estudar, vivenciando a prática de outros professores, fomentando sua identidade docente, ampliando sua vontade de ensinar, de se atualizar e de aprender com o outro, como relatado no primeiro ponto, são situações que culminam no ensinar quando existem comunidades de prática, dando a esses docentes mais conhecimento ainda, melhorando seu trabalho:

Pois, amarrando com o começo, isso agrega conhecimento, que as pessoas têm, e muito… as pessoas sabem muitas coisas e compartilhando é prazeroso e automaticamente quem compartilha ganha, aprende com isso. (VOZ 1)

O Gráfico 1 apresenta as principais menções citadas pelos respondentes (1,7 por docente), ligadas aos retornos alcançados pela participação nas comunidades de práticas.

Fonte: Autores.

Gráfico 1 Menções - Vozes 

Nota-se que o fator de maior menção é “Atualiza o professor”, seguido de “Aumenta o repertório do professor” e “Traz inovação para aula”. Sobre o primeiro fator, o mais citado, detalhando-se as menções por eixos, somam-se sete docentes do eixo humanas, três do eixo exatas e dois docentes do eixo médica. É neste último fator que se encontram as maiores diferenças entre as menções feitas, em todos os fatores pesquisados (ver Gráfico 2).

Entre sexos, desponta como único fator significativo de diferenciação nas menções “Traz inovações para sala”, mencionado por quatro docentes mulheres e apenas um docente homem. Nos outros fatores, entre os sexos, houve acentuada correlação nas respostas.

Esse processo retoma a proposição anteriormente relatada que traduz a ideia de que os caminhos desses grupos não se esgotam no compartilhamento e engajamento per se, mas somente existe no ideário de se buscar o aperfeiçoamento para uma ação em sala e tendo como foco o aluno. Professores relatam que o sentido destas relações nesses grupos está na transformação do aluno, em atualizá-lo, em mediar seus conflitos, em trazer atividades novas que os envolvam, em mostrar a beleza do conhecimento, ou até mesmo ser um espelho para ele.

Fonte: autores.

Gráfico 2 Menções por eixo 

Da mesma forma que eu trouxe isso para os docentes, eles também trouxeram a experiência deles “pra” mim e aí acabou havendo, realmente, uma troca muito bacana. E nós percebemos como nós somos diferentes dentro da sala de aula, como alguns são mu… são muito conservadores, outros são menos conservadores, mas, ao mesmo tempo, existe uma coerência na hora de trazer informação para o aluno. Então, eu acho que essa troca é muito rica sim, eu acho que deveria ser feito muito mais vezes. (VOZ 5)

Uma ação direta entre colegas, alunos e experiências relacionam os saberes desse profissional, numa simbiose que só pode ocorrer no compartilhamento contínuo, num esforço conjunto na direção desse ‘empreendi mento’ chamado aluno.

E por quê? Por que a gente precisa (desses grupos de troca e de engajamento)? Falta tempo, falta criatividade e quanto mais anos a gente “tá” trabalhando na docência, na educação, mais a gente aprende da área, mas mais a gente vai perdendo de criatividade de ensino. A gente vai começando a ficar fechado no nosso mundo e vira uma caixa que você só consegue sair se você se deixa ser ajudado pelos alunos e pelos seus colegas. (VOZ 21)

Tendo em vista os benefícios para o desenvolvimento docente, para o progresso das turmas e na gestão do conhecimento, os docentes também advogam que as instituições deveriam incentivar a prática do compartilhamento e engajamento mútuo entre grupos de docentes na instituição, mas esclarecem que isso não ocorre pois o que as instituições propõem não está de acordo com os interesses nem com as necessidades desses docentes:

Sim, mas tem que ser cauteloso. […] E uma das coisas que mais ficam nítidas é que, se a alta gerência, se a supervisão, elas não dão liberdade de expressão, não dá. Grupos de troca, eles têm que ser livres e as pessoas têm que partir daquele princípio que conflito, se bem mediado, ele é saudável. (VOZ 21)

Sintetizando, pode-se afirmar que os professores da instituição formam uma grande comunidade de prática, pois mesmo ocorrendo microcomunidades com aspectos variados, o que caracteriza esse ajuntamento de docentes dentro desta unidade educacional é uma grande presença de repertório compartilhado, o engajamento mútuo e criação de novas referências, características essas análogas as das comunidades de práticas (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2015). Percebe-se, nesses docentes, o engajamento mútuo nas ações voltadas aos seus interesses e em seu domínio, o envolvimento em atividades e discussões e a ajuda mutua com compartilhando informações. Eles constroem relações que lhes permite aprender uns com os outros; eles se preocupam com o desenvolvimento uns dos outros. (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002)

Percebe-se um titubear nas falas que parecem indicar um desconhe cimento sobre os próprios benefícios do compartilhamento, engajamento e empreendimento conjunto, e certa incredulidade de que isso seja possível de forma a agregar, de fato, conhecimentos profundos para todos. Segundo Nóvoa (2002), professores desenvolvem competências durante sua formação que são fundamentais para a realização de suas práticas, quais sejam: saber relacionar e saber relacionar-se; saber organizar saber organizar-se e, por fim, saber analisar e saber analisar-se. Algumas competências são relativas à formação docente: saberes da experiência, saberes do conhecimento e saberes pedagógicos, o que define que um professor é composto de saberes múltiplos que formatam sua identidade e que seus conhecimentos de conteúdo, suas experiências de vida em ambientes educacionais diversos e suas práticas de ensino convergem num projeto formativo único que o coloca na posição de professor com a capacidade de realizar sua própria formação. (PIMENTA, 2005)

Nesse arcabouço de possibilidades, os saberes precisam ser desenvolvidos e ressignificados a todo o tempo e as comunidades de prática nas quais o empreendimento conjunto, o repertório compartilhado e o engajamento mútuo são elementos formativos desse profissional podem representar um elo que une saberes, conhecimento e experiências pedagógicas, relacionando-os tanto para a formação desse indivíduo, professor, quanto para uma corrente de indivíduos-professores de uma instituição com um objetivo único.

5 Considerações finais

As dificuldades relacionadas à interpretação das subjetividades encontrada nos discursos e relatos levantados nas entrevistas são inegáveis. Mesmo com as dificuldades de execução foi verificado que o contingente entrevistado tem em si, o interesse do compartilhamento e engajamento mútuo. Transpareceram nas entrevistas a informalidade do compartilhamento sem nem mesmo a instituição ter controle ou consciência, produzindo resultados relacionados à atualização e formação (em trabalho) de seu corpo docente. Os professores querem se envolver em agrupamentos nos quais tenham fala autônoma e possam desenvolver aquilo que vão ver dadeiramente utilizar de alguma forma.

Expressiva parte dos entrevistados não possui formação pedagógica, resolvendo essa carência com um companheiro de trabalho e com o aluno. Esses professores não descartam a importância da formação pedagógica, mas entendem que a prática com aqueles que têm mais experiência que eles lhes outorgam saberes que colaboram na falta desse conhecimento formal. Por isso, a ideia de que as comunidades de prática podem, pela diversidade de saberes existentes em cada um de seus integrantes, ser um caminho de atualização e desenvolvimento de competências, faz com que elas se desenvolvam espontaneamente dentro das instituições e formem seus integrantes de maneira informal. Elas aparecem em todos os lugares, a qualquer tempo, mas sempre tendo como início um grupo com necessidades de conhecimentos específicos e vontade de compartilhar. Esse processo dentro das instituições, na maioria das vezes, é realizado informalmente, o que possibilita a participação voluntária de atores que se relacionam pela afinidade e que trocam, no caso da pesquisa realizada, no contato direto, em sala de docentes, na hora do café, ou nas redes sociais, em especial nos grupos do Whatsapp e Facebook, garantindo a rapidez e fluidez da informação que circula entre os docentes e, muitas vezes, entre alunos. Isso também aponta que o uso da tecnologia já é um fato a ser encarado e utilizado pelas instituições, o que denota aspectos da educação para o futuro: redes infinitas de compartilhamentos.

Essa realidade que espelha o que se vê no perfil do jovem na atualidade e que se encontra nas salas de aula demonstra que o docente, além de encontrar informação e formação em comunidades de prática, aprende com elas a ser um docente mais atualizado e seguro em sua atuação e concorre para a eficácia na sala de aula, com alunos cada vez mais conectados. Grupos formais ou sistematização dos compartilhamentos não são coisas impossíveis de realizar nas instituições, mas há muito que se avaliar sobre mediação, coordenação e desenvolvimento dos grupos para que eles abordem temas de total interesse de seus integrantes, bem como para colocá-los como protagonistas do processo de modo que se sintam à vontade para participar, sem medo de julgamentos.

Aponta-se também a necessidade de se mobilizar junto ao agrupamento de professores, comunidades de práticas diversas, para mobilizar trocas constantes e fomentar o pensamento reflexivo sobre suas próprias práticas, à luz de especialistas, teóricos, fontes diversas, mas com objetivos claros de interesse comum, o que, uma vez sistematizado, poderia formar um contingente de docentes mais esclarecidos de suas funções, bem como mais apto a desenvolvê-las de forma autônoma e responsável.

De forma geral, as comunidades de prática são esforços para a construção de redes de relacionamento, como qualquer outra rede social, em função da sua capacidade de abarcar um número significativo de pessoas em torno de um interesse, disseminando ideias e partilhando informações e recursos. E que essas redes formem outras redes, de forma semelhante ao realizado no mundo virtual. Quando se trabalha em redes de relacionamento, elas mesmas se suportam, se gerenciam, facilitando disseminação ou aplicação de um conhecimento, ou mesmo desenvolvendo um grupo mais coeso em torno de um objetivo. Dessa forma, é importante evidenciar algumas revelações dos entrevistados, iniciando pelo seu desejo de autonomia para tomar decisões, compartilhar, problematizar situações, desenvolver técnicas de ensino e se envolver em projetos de seu interesse.

As comunidades de prática podem auxiliar, pois a fina articulação entre liberdade e autonomia é fundamental para o exercício da docência, sua privação pode se manifestar como resistência à normas ou preceitos que a cerceiam, o que não é positivo. As comunidades de prática podem ser usadas como um movimento de reflexo dessa resistência e serem usadas pelas instituições como espaços de fala, nos quais seus participantes encontrem um ‘porto seguro’ para conviver e se expressar.

Referências

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Recebido: 10 de Janeiro de 2018; Aceito: 04 de Fevereiro de 2019

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