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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.50 São Paulo  2019  Epub 27-Jan-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n50.14825 

Dossiê 50 - Educação Infantil e suas Infâncias

EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS INFÂNCIAS: CULTURA, POLÍTICAS E FORMAÇÃO HUMANA

Vania Carvalho de Araújo, Doutorado, Professora Titular1 
http://orcid.org/0000-0002-7678-1689

Monique Aparecida Voltarelli, Doutora em Educação, Professora Adjunta2 
http://orcid.org/0000-0003-2605-0930

1Doutorado e Pós-doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Educação, Política e Sociedade e do Programa de Pós-Graduação em Educação - Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória, ES - Brasil

2Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF - Brasil


Apresentação

Encontrar novos espaços de interlocução sobre alguns temas que atravessam a Educação Infantil é o objetivo deste Dossiê. O esforço de reunir colaboradores que há anos vem dedicando grande parte de suas vidas a favor das diferentes infâncias e da educação infantil parece ser o maior mérito deste trabalho, pois é por meio de experiências profissionais tão diversas que é possível tornar público temas e problematizações que emergem do cotidiano da educação infantil e de suas infâncias. Os textos aqui apresentados reacendem lampejos de possibilidades em um contexto tão avesso ao enraizamento da cidadania nas práticas sociais, pois se trata de insistir na produção acadêmica como um bem público e por onde as prerrogativas do direito, da afirmação da diferença, da democracia se articulam com a produção de um conhecimento ético, responsável e emancipador.

A escolha do título não surgiu de forma despretensiosa. Não obstante a pujante publicação de artigos e livros, reafirmar as infâncias da/ na educação infantil é continuar a contrapor-se a certos reducionismos pedagógicos e pragmatismos ainda reinantes e que insistem em despotencializar as diferentes formas de expressão e fala das crianças. Ao valorizar temas com diferentes espectros de análise e discussão, criamos espaços de diálogo não apenas entre os autores, mas com um campo de estudos que tem alargado suas fronteiras disciplinares ao compartilhar preocupações e perspectivas em torno da educação infantil.

Contra todas as práticas escolarizantes e didatização do lúdico, contra a ocultação da complexidade dos mundos de vida das crianças (SARMENTO, 2007), nossa aposta é por uma educação infantil de qualidade para todas as crianças, um espaço no qual possam expressar suas múltiplas linguagens, ampliar seu repertório cultural, suas curiosidades e imaginação. Atentos à reflexão sobre uma institucionalidade, cuja pluralidade de vozes das crianças deixa entrever fenômenos sociais, culturais e políticos nem sempre reconhecidos na experiência educativa, este dossiê é um convite à reflexão sobre questões em torno da educação infantil como um campo onde as diferentes infâncias possam mais revelar do que ocultar as possibilidades e os desafios que temos ao fazermos parte de sua educação.

Os temas e as discussões deste Dossiê estão organizados a partir da perspectiva de diferentes campos disciplinares que tem se dedicado aos estudos da infância. Os autores que contribuíram para essa edição debruçaram esforços em torno da educação da infância nas instituições, dialogando com as políticas públicas, práticas pedagógicas, possibilidades metodológicas, relações geracionais e intergeracionais, processos de socialização e ações educativas que favoreçam e promovam as crianças e suas infâncias. Em diálogo com a cultura, política e formação humana, os artigos que compõem o dossiê foram agrupados a partir de três eixos:

Formação humana, implicações das políticas públicas e direitos das crianças na educação infantil

Tomando por referência algumas implicações das políticas públicas, o artigo Educação infantil em tempo integral: “mérito da necessidade” ou direito? de autoria de Vania Carvalho Araújo, Franceila Auer e Kalinca Costa Pinto Neves problematiza a condição de vulnerabilidade e risco social das crianças e de suas famílias utilizada como critério predominante de matrícula e acesso à educação infantil em tempo integral. As autoras chamam a atenção para a necessária problematização sobre o modo como as disputas entre o “mérito da necessidade” e os critérios tradicionais do direito se colocam como arautos de uma dada institucionalidade, atravessadas que estão por lógicas precárias de democracia e das prerrogativas do direito.

As contribuições sobre a formação humana, as relações afetivas e a primeira infância foram foco das discussões do artigo de Eric Plaisance intitulado “Petite enfance et reconnaissance. Analyses à partir de l’œuvre d’Axel Honneth”. O autor pauta-se nas obras de Axel Honneth para aprofundar o entendimento do conceito de reconhecimento em algumas vertentes, a saber: o reconhecimento da primeira infância no curso da história; o reconhecimento da criança pequena nas instituições educativas; os processos de reconhecimento mútuo entre essas mesmas crianças; e o reconhecimento interativo dessas crianças com deficiências, nos convidando a refletir sobre a problemática e suas dificuldades em âmbito internacional, bem como pensar a educação inclusiva.

O terceiro artigo que compõe este eixo é de autoria das portuguesas Catarina Tomás e Manuela Ferreira onde expõem as controvérsias existentes na educação da infância por meio de análises das políticas publicas e relatórios de prática de ensino supervisionada dos mestrados profissionalizantes para a docência com crianças até 6 anos em instituições de ensino superior públicas e privadas em Portugal. As autoras ressaltam a defesa de uma pedagogia da infância, na qual o brincar, enquanto direito das crianças e expressão das culturas infantis, deve ser considerado como essencial para as aprendizagens e formação pessoal, social e cultural dos pequenos. Essa intencionalidade da discussão constituem o título do artigo: “O brincar nas políticas educativas e na formação de profissionais para a educação de infância - Portugal (1997-2017)”.

Infâncias e cultura no contexto da educação infantil

Nesse eixo se inclui o artigo de Monique Aparecida Voltarelli intitulado “Educação, contextos culturais e infância: diálogos com as produções sul-americanas”, no qual a autora recupera dados de uma pesquisa exploratória sobre o campo dos estudos sociais da infância nos países hispano-falantes da América do Sul, analisando as temáticas educacionais e culturais identificadas nas produções, frutos de pesquisas realizadas com e sobre as crianças. A partir dos contextos socioculturais e dos aspectos educativos identificados nas publicações científicas dos países sul-americanos, a autora aponta a necessidade de considerar a diversidade e a multiplicidade das infâncias que compõe o continente para se pensar os processos educativos com as crianças.

Também nesse eixo se encontra o artigo “Teatro com bebês: narrando vivências na Educação Infantil” proposto por Jader Janer Moreira Lopes e Luiz Miguel Pereira. Nele os autores propõem a reflexão sobre os estudos contemporâneos no campo da infância, focalizando na pesquisa os bebês, a brincadeira e o teatro. O texto perpassa a vivencia dos bebês, seus protagonismos, suas enunciações promovidas pelas atividades cênicas realizadas em uma instituição de educação infantil em Niterói-RJ, na qual se pode observar a potencialidade criativa dos bebês e compreender a brincadeira como um dos aspectos mais importantes no teatro para as crianças pequenas.

O artigo “O uso de filmes para obter compreensões sobre a prática pedagógica em educação infantil: duas abordagens metodológicas” de autoria de Lenira Haddad apresenta duas abordagens metodológicas de pesquisa qualitativa que utilizam filmes para obter compreensões sobre a prática pedagógica em educação infantil, sendo uma delas a etnografia visual e multivocal e a outra trata-se do SOPHOS (Esquema de Observação Fenomenológica de Segunda Ordem). O texto além de discorrer sobre as duas abordagens, apresenta reflexões sobre as questões éticas, processo de exibição e discussão de filmes, a realização de exibições para os pais e para as crianças, demarcando o potencial da utilização de filmes para discussão de perspectivas dos participantes.

Processos de socialização e relações intergeracionais nas creches e pré-escolas

No artigo de Lisandra Ogg Gomes e Ligia Maria Leão de Aquino, “Crianças e infância na interface da socialização. Questões para a Educação Infantil”, encontram-se elementos sobre as dinâmicas e articulações entre as crianças e seus processos de socialização. As autoras recuperam teorias e documentos legais acerca das crianças enquanto sujeitos de direitos e agentes sociais, além de discorrer sobre as instituições de educação infantil e as relações, encontros, participações e atuações que possibilitam as crianças viverem nestes espaços. Discussões sobre a participação das crianças na esfera pública e nos movimentos sociais também são aspectos presentes no texto, juntamente com reflexões sobre os processos de socialização, contextos de disputas e efetivação dos direitos das crianças.

Também contribuindo com as discussões deste eixo, o artigo “Relações entre famílias e instituições de educação infantil: o compartilhamento do cuidado e educação das crianças” de autoria de Isabel Oliveira e Silva e Iza Rodrigues da Luz se propõe a compreender os significados que os familiares constroem sobre a frequência de suas crianças à instituição de educação infantil (IEI). A partir de uma análise compreensiva do fenômeno das relações entre família e IEI, a autora aborda elementos sobre as possibilidades de compartilhamento do cuidado e educação das crianças de 0 a 5 anos.

Apresentando os resultados de uma pesquisa realizada no berçário de uma instituição da rede municipal de São Paulo, o artigo “Um olhar sobre o período de adaptação de crianças pequenas a um Centro de Educação Infantil e o uso de objetos transicionais”, proposto por Ligia de Carvalho Abões Vercelli e Tatiane Peres Alves Negrão, tem como foco o período de adaptação de bebês e crianças bem pequenas e o uso dos objetos transicionais durante a fase de inserção na educação infantil. Pautando nas obras de autores da Pedagogia Crítica e da Psicanálise o estudo direciona-se aos momentos que os bebês e crianças bem pequenas recorrem a objetos de apego, bem como as formas como estes objetos contribuem para o distanciamento da figura materna e adaptação na instituição.

O conjunto de textos aqui apresentados marca possibilidades para o trabalho com a pequena infância, de forma que possamos compreender as instituições de educação infantil como “uma arena para crianças” (HALLDÉN, 2005, p. 2). Arena na qual elas estabelecem, por meio de suas práticas sociais, significados e compartilham com os pares saberes que compõe as culturas infantis. Conhecer os pequenos e seguir as crianças e não os planos, conforme indicava Malaguzzi (1999), pode ser ponto de partida para a construção da pedagogia da infância, voltada para a formação humana.

Muitas vezes a infância é considerada como uma preparação para a vida adulta, o que nos faz esquecer que ela tem importância por si mesma, para o momento em que as crianças ainda são crianças. Reconhecer as infâncias que estão presentes nas instituições de educação infantil a fim de que sejam visibilizadas, respeitadas e compreendidas em suas singularidades e potencialidades, nos parece um desafio constante.

Por fim, inspiradas pelas contribuições de Korczak (1997) deixamos o convite para leitura dos artigos que compõe o Dossiê “Educação Infantil e suas infâncias: cultura, políticas e formação humana”. Que suas palavras não nos deixem esquecer que assim como o nascimento de uma criança representa para o mundo a possibilidade do novo, as ações criativas, lúdicas e brincantes estejam sempre nas possibilidades de construção de uma pedagogia que tenha como centro as crianças e as infâncias:

“que nenhuma opinião seja uma convicção absoluta, imutável. Que o dia de hoje seja sempre uma passagem feita de somas das experiências de ontem, enriquecidas das experiências de amanhã… Somente com esta condição nosso trabalho nunca será monótono e sem esperança” (p. 21)

Das organizadoras

Vania Carvalho de Araújo

Doutorado e Pós-doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Educação, Política e Sociedade e do Programa de Pós-Graduação em Educação - Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória, ES - Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7678-1689 vcaraujoufes@gmail.com

Monique Aparecida Voltarelli

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF - Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2605-0930 moniquevoltarelli@yahoo.com.br

Referências

HALLDÉN, G. The Metaphors of Childhood in a Preschool Context. AARE Conference. Sydney, 27 Nov.-1 Dec., 2005. [ Links ]

KORCZAK, J. Como amar uma criança. RJ: Paz e Terra, 1997. [ Links ]

MALAGUZZI, L. Histórias, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 59-104. [ Links ]

SARMENTO, Manuel Jacinto. Visibilidade social e estudo da infância. In: VASCONCELOS, Vera M.; SARMENTO, Manuel Jacinto (Org.). Infância (in)visível. Araraquara: Junqueira e Marin, 2007. [ Links ]

Recebido: 20 de Agosto de 2019; Aceito: 10 de Setembro de 2019

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