Introdução
Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.
(Eduardo Galeano, 2002)
Refletir sobre a infância na América do Sul remete a considerar as diferenças e desigualdades que estão presentes nesse continente, as quais se conectam e se entrecruzam com os elementos sociais, culturais, econômicos da região e são atravessados por aspectos como classes sociais, gênero e etnia. Na obra A escola do mundo às avessas, do escritor uruguaio Eduardo Galeano (2018, p. 11), destaca-se que “dia a dia nega-se às crianças o direito de ser crianças”, aspecto facilmente observado no continente sul-americano no qual a questão social da infância constitui um núcleo de problemáticas sociais - sejam elas relacionadas diretamente ou indiretamente à infância - que afeta as crianças e adolescentes e são cada vez mais visíveis.
Atentos a esse cenário, pesquisadores latino-americanos e de demais países do mundo têm se dedicado aos Estudos Sociais da Infância, campo científico que vem se expandindo nos últimos anos e que, por meio do diálogo interdisciplinar, reúne abordagens sociológicas, antropológicas, históricas, geográficas, entre outros, para abordar os diferentes aspectos das experiências e vivências das crianças, bem como compreender as construções teóricas sobre a infância. De acordo com Alanen (1994), a Sociologia da Infância trouxe uma contribuição fundamental para o campo por levar a sério a perspectiva das crianças na investigação científica, de forma a compreender a participação social, as atividades que lhes são próprias, tal como os saberes e conhecimentos que as crianças tem de si mesmas e da sociedade em que estão imersas.
Assim, a investigação da infância “aparece como um terreno rico em perfis cujos limites, todavia, não foram explorados e muito menos destacados.” (SÜNKER; MORAN-ELLIS, 2018, p. 174) Além disso, os Estudos Sociais da Infância permitem rever o discurso construído historicamente acerca das crianças e da infância; ressaltam o papel social e a participação ativa das crianças enquanto atores competentes e protagonistas de suas vidas; ampliam as possibilidades de pesquisa com as crianças e retomam a discussão das crianças no terreno político.
A essa leitura da infância pode-se acrescentar que: (1) a infância pode ser considerada como uma forma estrutural particular em qualquer sociedade; (2) ela não se esgota, mas continua a existir, independentemente de quantas crianças entram e quantas saem dela; (3) é considerada parte integrante da sociedade e de sua divisão de trabalho; (4) as crianças são suas co-construtoras, como pontua Qvortrup (2011) em suas Nove teses. O sociólogo Manuel Sarmento (2005, p. 365) complementa que a infância é historicamente construída, tendo se desenvolvido em um “processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade.” O autor ressalta que esse processo ainda continua com base nas interações sociais que as crianças estabelecem com outras crianças e com os adultos.
Cada vez mais esse campo científico tem demarcado a necessidade de prestar mais atenção nas construções da infância e localizar os estudos e as análises das sociedades em que as crianças estão inseridas, para compreender o que significa viver a infância em cada uma delas. Em outras palavras, é importante “explorar o relacionamento entre infância e o espaço histórico e contextual em que cada criança vive.” (MOSS, 2011, p. 4) Boyden (1990) pontua que as infâncias nos países da periferia do capitalismo são vistas como desviantes em comparação ao modelo globalizado para a infância, o qual é baseado na perspectiva de que as crianças devem brincar e estudar, mas não trabalhar. Assim, diante da perspectiva das “crianças sem infância” ou que as crianças estão tendo “infâncias anormais” (PUNCH, 2003, p. 277) em países subdesenvolvidos, como os da América do Sul, Liebel (2016) destaca que compreender as crianças apenas pelo viés da situação de margem em que se encontram, vitimizadas pela pobreza, pelo desemprego, pela discriminação e pelas demais situações que demarcam a infância no Hemisfério Sul, acaba por desconsiderar a compreensão da infância enquanto fenômeno social em constante mudança. Além disso, reduz as crianças a “objetos de medidas de ajuda daqueles que supostamente sabem o que meninas e meninos precisam, o que fazem bem para eles e o que pode salvá-los.” (LIEBEL, 2016, p. 246)
Aspectos relacionados às condições de vida das crianças surgem nas pesquisas, colocando em pauta a garantia da proteção a elas e do atendimento de suas necessidades, assim como pontuam sua exclusão das diversas esferas sociais. Bardy (1994, p. 304) afirma que as discussões sobre a infância se concentram em estabelecer os espaços adequados e os cuidados necessários para seu bem-estar, ou seja, “das ruas e do trabalho para escolas e ambiente familiar.” Esses debates, segundo a autora, implicam definir “o que é melhor para a criança” (id.ib.), abordando desde políticas da família até aspectos que deem suporte para a vida das crianças. Ao lado dessas resoluções estão as políticas educacionais voltadas para seu cuidado e educação.
Cabe mencionar que essa compreensão de proteção e desconsideração dos demais aspectos da infância em países do Hemisfério Sul também se faz presente no âmbito científico. De acordo com Santos (2008), considerar o pensamento global e as formas de pensar o conhecimento a partir de parâmetros eurocêntricos acaba por desvalorizar e invisibilizar os saberes do Sul, resultando em violência epistemológica, violência que também ocorre ao teorizar as infâncias do Sul apenas com aportes teóricos do Norte.
Entretanto, pesquisa realizada por Voltarelli (2017, p. 249) aponta que a literatura europeia contribui para a configuração do campo dos Estudos Sociais da Infância na América do Sul, mas não a determina, uma vez que
As trajetórias e problemáticas sociais específicas da infância sulamericana demandam a necessidade de teorização da infância pelos agentes deste continente, os quais possuem uma compreensão muito maior sobre o contexto do hemisfério Sul, sobre as especificidades de cada país e as problemáticas comuns, desigualdade social, pobreza, vulnerabilidade social, por exemplo.
Reconhecer, portanto, a potencialidade que os pesquisadores do Hemisfério Sul possuem para compreender os contextos em que estão inseridos, de maneira a teorizar e aprender a partir do Sul e com o Sul, conforme propõem Santos e Meneses (2010), tem se constituído enquanto indicativos que demarcam a consolidação e o desenvolvimento do campo na América do Sul, assim como na América Latina.
Considerando os limites da discussão deste artigo, apresenta-se a seguir uma parte dos resultados de uma pesquisa exploratória sobre os estudos e produções da Sociologia da Infância na América do Sul em países hispano-falantes, a fim de dialogar sobre as temáticas educacionais identificadas nas pesquisas com as crianças, considerando os contextos culturais, bem como apontar aspectos da educação nas produções dos países nos quais a presença do campo foi identificada com maior densidade.
Educação e contextos culturais nas produções sulamericanas
“[…] o estudo das crianças a partir de si mesmas permite descortinar uma outra realidade social, que é aquela que emerge das interpretações infantis dos respectivos mundos de vida. O olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece totalmente.”
No final da década de 1980, questões sobre a infância e sobre as crianças começaram a ser formuladas em diferentes países. As investigações realizadas trouxeram informações sobre a infância e revelaram a marginalização das crianças no âmbito científico. Esses debates iniciam-se com mais densidade, nos países da América do Sul, no início dos anos 90, a partir de campos disciplinares distintos, retratando a militância em relação aos direitos consagrados na Convenção Internacional dos Direitos das Crianças (CDC), de 1989, os quais foram fatores marcantes para a estruturação do campo dos Estudos Sociais da Infância nos países sul-americanos.
O estudo desse campo científico foi realizado por meio de uma investigação de doutorado, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), intitulada Estudos da Infância na América do Sul: pesquisa e produção na perspectiva da Sociologia da Infância (VOLTARELLI, 2017). A pesquisa investigou países hispano-falantes da América do Sul e localizou pesquisadores e textos em oito países, a saber: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, com 1165 publicações, sendo que, destas, 501 estavam relacionadas ao campo da Sociologia da Infância.
Os dados da pesquisa foram coletados entre 2013 e 2014, a partir de um levantamento da produção sobre a infância nos países hispano faltantes da América do Sul, realizado nas seguintes etapas: 1) procura em diferentes websites pelos estudos sociais da infância em países falantes da língua espanhola; 2) identificação das referências bibliográficas nessas produções; 3) procura pelos principais pesquisadores da infância; 4) contato com os pesquisadores por e-mail; 5) definição de dois países para realizar a pesquisa de campo; 6) visita aos países (a) para entrevistar os pesquisadores e procurar por suas produções acadêmicas, (b) buscas nas bibliotecas das universidades visitadas. Foram incluídas todas as produções que apresentavam relação com o paradigma da infância. (JAMES; PROUT, 1990)
As buscas foram realizadas por meio de um levantamento de dados de cada país, levando em consideração universidades - departamentos, docentes, investigações científicas, publicações; principais periódicos; produções acadêmicas na plataforma Scientific Electronic Library Online (SciELO) de cada país; nos diretórios de pesquisa; na base de dados Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE); na bibliografia latino-americana em revistas de investigação científica e social; em centros e institutos de investigação por meio do portal de sociologia latino-americana; em eventos científicos, além de buscas sistemáticas no Google Acadêmico usando alguns descritores pré-estabelecidos.
A busca por pesquisadores foi realizada por meio dos elementos que definem o campo (BOURDIEU, 1983, 2004): a institucionalização, a existência das universidades, a exigência de formação específica, o trabalho com conhecimentos específicos, a organização do trabalho/categoria, a produção de periódicos para publicar o conhecimento produzido, a organização de eventos científicos, dentre outros que configuram algumas das formas de se legitimar um campo e de construí-lo, uma vez que a dinâmica dos agentes e as lutas internas no campo contribuem para sua expansão e desenvolvimento.
Foram selecionados, inicialmente, quatro países para compor o corpus da pesquisa: Argentina, Chile, Colômbia e Peru. Com a finalidade de identificar o uso do referencial teórico da Sociologia da Infância nas publicações, foram considerados os itens: temática dos artigos, mínimo de três produções sobre a infância e conceitos utilizados; títulos das produções, resumo, palavras-chave e referenciais teóricos. Delimitou-se o corpus da pesquisa os documentos produzidos na Argentina e no Chile por apresentarem maior aproximação com o campo da Sociologia da Infância e pelo pronto retorno por correio eletrônico. A Argentina foi o país que apresentou maior quantidade de pesquisadores e a segunda maior quantidade de publicações; e o Chile se destacou por conter produções da infância a partir de diversas áreas e grupos de pesquisa que estão envolvidos com as temáticas e conceitos do campo.
O balanço das produções dos países investigados ressalta que a infância é reconstruída pelos processos investigativos como objeto sociológico, por meio de estudos socioantropológicos, pela revisão de políticas públicas, pela conceitualização das crianças na sociedade e pela consideração das crianças como atores sociais de pleno direito.
A abordagem educacional presente nas publicações foi observada em distintos aspectos, tais como: institucionalização das crianças em situação de rua, socialização em contextos educativos formais e informais, crianças migrantes no contexto educacional de outro país e aprendizagens das crianças nas relações intergeracionais. Esses aspectos relacionam-se a contextos culturais distintos em que as crianças estão inseridas, abrangendo perspectivas de crianças peruanas que vivem no Chile; da participação das crianças nas escolas; das crianças indígenas na Argentina; das crianças em contexto escolar; das trajetórias socioeducativas de crianças trabalhadoras no Peru; da proteção e dos processos educativos das crianças no conflito armado na Colômbia; e da educação e cidadania infantil.
Serão apresentadas, a seguir, as discussões sobre as produções localizadas na Argentina e no Chile.
As aprendizagens das crianças indígenas
As produções sobre essa temática relacionam-se às crianças em seus processos educativos no que tange à transmissão intergeracional de conhecimentos, dentro e fora do ambiente escolar, com apoio de metodologias da antropologia para realização de pesquisas.
As publicações afirmam que as crianças são importantes informantes de investigação, dado que, além de interlocutoras competentes, articulam de diversas maneiras a apresentação sobre si mesmas, sobre suas relações e frente aos diversos aspectos com os quais convivem diariamente. Destaca-se, entretanto, a necessidade de repensar as condições estruturais em que estão inseridas essas crianças, e que favorecem ou limitam sua agência. (SZULC; COHN, 2012)
Em relação às aprendizagens educativas em contextos não formais, as obras destacam que as crianças indígenas Mbyá-guaraní e Mapuche, na Argentina, nos momentos de trabalho nas comunidades, vivenciam experiências formativas (GARCIA PALACIOS et al., 2015) por meio da participação nas atividades da aldeia, aprendendo não apenas os elementos culturais, mas também ganhando autonomia e assumindo responsabilidades. Esses momentos também são considerados ricos para as transmissões geracionais (PADAWER 2010; SZULC, 2013), nos quais as crianças vão aprendendo o funcionamento da comunidade, apropriando-se da tradição indígena, sendo inseridas nas atividades laborais que possibilitam a participação gradual na sociedade (de acordo com idade e gênero), por meio das atribuições de tarefas que vão valorizando seu papel social.
Importante destacar que a variedade de comunidades indígenas demanda considerar a pluralidade da infância, pois as crianças têm diferentes experiências interculturais e diversos pertencimentos étnicos, de identidade e de espaço, havendo a necessidade de analisar o contexto geográfico e cultural em que estão inseridas para pensar as relações estabelecidas com a escola, o trabalho e a comunidade. Sobre esse aspecto, as produções argentinas indicam que as aprendizagens das crianças Mbyáguaraní nas aldeias envolvem a frequência na escola e a participação em atividades laborais no âmbito rural, as quais não estão vinculadas à extração do valor e à exploração pelos adultos, mas se referem ao direito de participação das crianças na cultura em que estão inseridas. Considerar os trabalhos feitos por elas - que não implicam riscos e configuram um caráter participativo - permite compreender as diversas possibilidades e situações de aprendizagem situadas, as habilidades, as apropriações de atividades coletivas, as contribuições e a atuação direta na divisão de tarefas domésticas. São experiências formativas que também compõem o conjunto de saberes das crianças indígenas. (HECHT, 2007)
Um aspecto a ser destacado refere-se ao confronto cultural na frequência às escolas. De acordo com investigações etnográficas com as crianças indígenas Mapuches, elas são constantemente desafiadas à definição de uma identidade hegemônica que articula anseios provinciais, nacionais e católicos, os quais estão presentes nas escolas e submetem a identidade das crianças indígenas a um modelo de escola e de aluno. Segundo Szulc (2013, p. 39), as escolas apontam que
a concepção hegemônica ocidental da infância continua em grande medida vigente. Pois […] as crianças mapuches costumam ser tratadas cotidianamente como tábula rasa, na qual se imprime conteúdos padronizados, colocando-os em um papel passivo e subordinado à autoridade e autoridade adulta e ao modelo cultural hegemônico, que também rejeita o conhecimento que essas crianças adquiriram em seu ambiente específico mapuche.
As pesquisas com as crianças mapuches pontuam a resistência às imposições de determinadas normas e conteúdos educacionais da escola por desconsiderarem a origem cultural delas e desrespeitarem suas identidades nas instituições. Sobre esse aspecto, Batallán e Díaz (1990, p. 43) ressaltam que quando a escola desvaloriza a vida das crianças no contexto extraescolar acaba por privá-las de suas “capacidades de elaborar criticamente experiências e conhecimentos.”
Outro aspecto abordado pelas produções refere-se à aprendizagem entre os pares de forma a ressaltar a maneira como as crianças vivem e pensam a experiência da infância nas diversas comunidades indígenas, construindo distintas culturas da infância. Szulc e Cohn (2012) pontuam que as crianças indígenas não interiorizam apenas as informações obtidas nas diversas instâncias educativas e formativas, tais como a familiar, a religiosa, a escolar e a da própria comunidade; elas também definem, elaboram e articulam a cultura desde suas perspectivas.
Perspectivas das crianças sobre o contexto escolar
As produções analisadas apontaram a necessidade de considerar o ponto de vista das crianças no contexto escolar para compreender como seus conhecimentos são construídos, e para isso foram utilizados variados instrumentos metodológicos de pesquisa com crianças. Entre eles destacase o uso de entrevistas, conversas grupais, grupos de colaboração, notas de campo, narrativas, desenhos, diagramas, jogos, materiais audiovisuais, registros fotográficos e textos escritos.
Salienta-se a importância de se recuperar a voz das crianças no processo de conhecer a dinâmica escolar, afirmando-se que, para realizar pesquisa com elas, deve-se abandonar a visão ‘adultocêntrica’ e compreender as experiências infantis a partir de seus pontos de vista. As produções reforçam ainda a compreensão sobre a capacidade de as crianças interpretarem, à sua maneira, a vida social e escolar; e de se posicionarem de maneira crítica, reforçando sua interpretação como agentes sociais.
Na Argentina, notou-se grande contribuição da abordagem etnográfica e da antropologia da educação nas investigações com as crianças nos contextos educativos, visando retratar a perspectiva delas como atores sociais para que pudessem descrever suas trajetórias institucionais e experiências formativas para examinar as práticas escolares e compreender a vida das crianças.
Outro aspecto observado nas produções desse país refere-se às práticas e às relações intergeracionais estabelecidas nas instituições, por meio de pesquisas que concentram esforços de compreensão da perspectiva das crianças e dos demais atores envolvidos nessas instituições, a fim de conhecer o ponto de vista das crianças sobre os processos vivenciados, bem como as experiências escolarizantes. No caso das crianças em situação de extrema vulnerabilidade, as falas indicam que as crianças buscam nas instituições educativas a resolução de suas necessidades imediatas como alimentação, higienização e segurança; também as compreendem como espaço para socialização, construção de vínculos, participação e aprendizagens. (GENTILE, 2012)
As publicações chilenas apontam a perspectiva das crianças em relação aos benefícios do bom desempenho na escola e afirmam que, quanto mais avançam na idade escolar, mais autonomia e responsabilidades assumem sobre suas próprias vidas e ampliam as possibilidades de negociação no âmbito familiar. A fala das crianças indica que a concessão de liberdade, confiança e autonomia dada pelos adultos está relacionada à idade e aos critérios escolares, ou seja, quanto mais responsável na realização de atividades domésticas e melhores forem seus rendimentos escolares, mais se permitem autorizações solicitadas por elas.
Outro fator refere-se à idade: quanto menor idade as crianças tiverem, mais tempo livre elas terão para brincar. É importante considerar que o início da escolarização diminui esse tempo, fato apontado como nostálgico pelas crianças, época em que não tinham excesso de tarefas e atividades extraescolares. Elas também pontuam as abundantes demandas voltadas a seu crescimento, para que deixem de ser irresponsáveis e imaturas, sendo sempre comparadas às características atribuídas à vida adulta. (VERGARA et al., 2015)
No que se refere às crianças migrantes no Chile, as produções demonstram dificuldades enfrentadas por elas no ambiente escolar. Os pequenos apontam que além de sofrerem com a desigualdade intergeracional, lidam com a discriminação entre os grupos de pares no contexto escolar, situação relatada a partir da desvalorização pela cor da pele e pela nacionalidade, o que dificulta o desempenho e a integração das crianças peruanas na sociedade chilena. Essa dupla posição social, idade/hierarquia geracional e imigrante/ordem étnico-nacional, restringe ainda mais a participação das crianças imigrantes nas relações geracionais e intergeracionais no Chile. (PAVEZ SOTO, 2010; 2012)
A ótica das crianças também aponta para a discriminação e desigualdade de gênero, pela forma como identificam, constroem e reconstroem o mundo social em que estão inseridas, muitas vezes reproduzindo a representação universal da subordinação feminina e o empoderamento masculino em suas produções textuais. Segundo investigações realizadas por Pavelic e Salinas (2012), as crianças são socializadas no âmbito escolar de forma a reproduzir o sistema patriarcal e aprender normas socialmente definidas para os sexos. A representação de gênero identificada nos discursos das crianças destaca as relações de poder entre os sexos, com maior controle sobre as meninas, reservando-as ao espaço privado, à fragilidade, à docilidade, e o acréscimo de múltiplas tarefas sociais: mãe, trabalhadora assalariada, responsável pelas tarefas domésticas e esposa.
Em entrevista, a pesquisadora chilena Peña Ochoa avalia que compreender a perspectiva das crianças durante os processos investigativos permite identificar os elementos do cotidiano educativo, as formas como elas crianças vivenciam esses processos, além de identifica-las como “agentes políticos e críticos […] me interessa muito trabalhar com as crianças, no que elas reconhecem, o que aprendem, mas que não aprendem necessariamente o que a escola espera. Eu acredito que isso é um trabalho político em respeito às crianças.” (PEÑA OCHOA, 2015)
Assim, percebe-se que as pesquisas com as crianças têm possibilitado conhecer, por suas vozes, as práticas sociais e discursos, pontuando indicativos para compreender as representações, as percepções de educação e as problemáticas relacionadas a esses contextos. Nessa direção, Lionetti (2011) destaca que as representações sociais se constroem e são transmitidas a partir de conteúdos não neutros, mas que integram a história, as crenças e as explicações compartilhadas por um coletivo. Pesquisar as crianças e entender o lugar em que elas estão inseridas permite não apenas entender as práticas escolares, a dimensão política e pedagógica, como também a forma como elas vivenciam esses processos e os significados que atribuem a essas vivências, contribuindo para o complexo desafio de compreender a infância.
Participação das crianças
Sobre a participação das crianças no contexto educativo, cabe considerar alguns aspectos sobre esse conceito. As produções destacam que a perspectiva das sociedades ‘adultocêntricas’, nas quais as crianças são comparadas a partir de um padrão adulto, acaba por impor competências que são espelhadas no modelo ensejado por esse padrão. Sob o argumento da proteção, as crianças estão cada vez mais excluídas da sociedade, sendo que a institucionalização da infância as tem ocupado com uma cultura curricular que visa prepará-las e capacitá-las para a vida adulta.
O poder dos adultos, nesse sentido, não é questionado, sendo exercido naturalmente sobre as crianças, com base em uma lógica que revela que os adultos sabem decidir o que é o melhor para elas. Observa-se que as crianças não têm seu direito de participação legitimado mesmo após a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), que explicita a dualidade entre proteção e participação, mas não expõe claramente as formas de efetivação desse direito. Se, por um lado, os adultos são vistos como ponto final do desenvolvimento humano, por outro as crianças não são tidas como integrantes da sociedade, sendo associadas às características de incompetência e incapacidade e privadas de exercerem suas agências, demandando proteção e preparação para o futuro. Essas ações reforçam as relações de poder entre adultos e crianças, marginalizandoas na sociedade.
Ao questionar as relações de poder entre crianças e adultos, as publicações científicas indicam a emergência da superação do ‘adultocentrismo’ e da invisibilidade das crianças no aspecto relacional, observando também a necessidade de compreender os discursos colonizados e a perspectiva das crianças, a fim de modificar as relações intergeracionais. As pesquisas indicam a insatisfação das crianças quanto aos espaços de participação nas escolas, indicando que as relações geracionais são pautadas por conflitos, relações de poder, dependência e passividade das crianças em relação às decisões adultas.
Os discursos das crianças indicam que o controle e o poder de decisão sobre as coisas que as afetam são os principais pontos de convergência institucional e afirmam que costumam ser perdoadas pelas coisas que fazem de errado pelo fato de ainda serem crianças e pela inocência atribuída à infância (VERGARA et al., 2015). Dizem, ainda, que as sanções, nesses casos, são constituídas pela redução e/ou proibição do brincar e pelo aumento de tarefas escolares. Reclamam por não poderem realizar atividades sozinhas, porém, reconhecem que a demanda por independência se torna maior conforme aumenta a idade escolar, o que ocasiona um sentimento de solidão e pouca liberdade.
A participação nas escolas foi identificada como ponto forte nas discussões intergeracionais, ressaltando a necessidade de se recuperar a voz das crianças nas instituições. A partir de críticas ao modelo tradicional escolar e à visão das crianças como sujeitos dominados e que devem obediência, as produções destacam a escuta como dispositivo inicial para repensar as relações entre adultos e crianças no ambiente educativo, de modo a poder reexaminar o lugar por elas ocupado nesse ambiente e contexto social, de forma que o discurso da proteção não seja mais um impeditivo para sua participação e protagonismo.
As produções chilenas ressaltam que, embora o sistema educativo no país tenha passado por processos demarcados pela privatização e pela descentralização, a participação das crianças não foi desestimulada; ao contrário, a história desse país é marcada por movimentos de protestos estudantis para a revisão dessas ações, o que assinalou a agência social das crianças (VERGARA; BARROS, 2008). As produções confirmam que as novas gerações, no Chile, têm expressado sua resistência frente às segmentações do mundo adulto, sendo críticas a respeito de seus modos de vida e queixando-se de sua escassa participação. Mesmo diante da autoridade imposta pelos professores, as crianças rompem as normas e participam de um universo distinto e distante daquele imposto pelos adultos, exercendo capacidade de tomada de decisões e delineando relações entre os estudantes que extrapolam a dominação adulta. (VERGARA, 2004)
De acordo com as publicações, a participação das crianças é construída nos ambientes educativos, sendo que as escolas, assim como as famílias, configuram-se como instâncias de participação. Associada à compreensão de cidadania, as autoras sustentam que a relação das crianças com os adultos deve fortalecer conhecimentos, habilidades, valores e atitudes para o exercício da cidadania responsável, ao lado da formação ética, moral e da autoafirmação pessoal. O papel dos adultos, nesse sentido, pode facilitar e favorecer a participação por meio da recriação e da reconstrução das relações estabelecidas com as crianças, de forma a compartilhar responsabilidades e compromissos com elas.
Chávez e Fuentes (2010) indicam as narrativas das crianças como possibilidade de participação e de integração não apenas no âmbito escolar, mas nos demais contextos sociais. A partir da experiência de atuação em projeto avaliativo escolar, as crianças atribuíram ao conceito de participação o sentido de pertencimento, apropriação, associação, autonomia e expressão de suas perspectivas nas trocas realizadas com os adultos. Os espaços criados possibilitaram a realização de intercâmbio e a mobilização entre os grupos de crianças, de forma que elas pudessem ser reconhecidas pelos compromissos assumidos, pela negociação com os adultos e pela distribuição de responsabilidades. Esse estudo exemplificou a possibilidade de as crianças saírem do anonimato institucional para participar de espaços coletivos, nos quais puderam usar suas diversas linguagens para expressar e reconfigurar o sentimento de pertencimento ao contexto escolar.
As produções realçaram que a perspectiva relacional é fundamental para que adultos e crianças estejam lado a lado, de modo a construir sentidos de pertencimento e de espaço coletivo. Além de oportunizar que elas exerçam controle sobre os assuntos que as afetam, principalmente no que se refere ao âmbito familiar e escolar, condição que favorece não apenas o seu protagonismo mas também o posicionamento sociopolítico e a reflexão ativa sobre o mundo que as rodeia e sobre as relações que estabelecem com os diversos grupos sociais.
As produções argentinas demarcam as possibilidades participativas na pesquisa, tendo nas crianças a coautoria das produções científicas, de forma que sejam pesquisadoras e coautoras das investigações realizadas com e sobre elas. As narrativas das crianças nos estudos etnográficos permitem a participação delas nas discussões ditas de ‘domínio adulto’, como política, por exemplo. Apoiam-se, tais pesquisas, no referencial teórico da Sociologia da Infância para pensar as questões metodológicas, para dialogar sobre a participação infantil e considerar as crianças como interlocutores para compreender problemas sociais. (VOLTARELLI, 2017)
As produções de Milstein (2008, 2010) destacam a forma como as crianças organizam a participação social e política dentro dos espaços escolares por meio de narrativas orais com imagens e escritas. Dentre os resultados destacam-se as demandas por maiores espaços de participação e escuta; as possibilidades de negociação às imposições escolares, bem como colaboração em aspectos vividos em torno da escola, tais como problemas com drogas e violência. As crianças se assumiram como pesquisadoras dos temas e participaram na escrita dos artigos; pontuaram a dificuldade de, na escola, expressarem seus desejos, serem respeitadas, entre outros elementos que demonstram que as possibilidades de participação ainda estão circunscritas a situações complexas e contraditórias. (LIONETTI, 2011)
Cabe ressaltar que a participação das crianças nas investigações relacionadas à pesquisa em educação também apontou a pluralidade de infâncias presentes nas escolas, a qual advém de diversos grupos culturais, de diversas regiões da cidade, de distintos grupos religiosos e de diferentes condições econômicas. Esses fatores afetam os relacionamentos dentro e fora das instituições escolares e produz conjuntos de experiências que resultam em distintas interpretações sobre o que vivem no contexto educativo.
Institucionalização das crianças
Outro tema de pesquisa identificado nas produções refere-se à institucionalização das crianças. A influência exercida pelas forças socioeconômicas no modo de vida delas as tem institucionalizado cada vez mais cedo, de modo a terem todo o seu tempo preenchido por atividades que contribuam para a formação de capital humano. As mudanças na relação Estado, família e criança afetam a infância - observada face à construção histórico social - e são exploradas a partir da dependência e do controle exercido pelos adultos (LLOBET, 2009). As crianças são economicamente dependentes dos adultos, o que reforça as relações de poder e se apresenta como uma das características que as definem na sociedade (VERGARA; 2004). Desde um ponto de vista sociológico, elas também contribuem na divisão social do trabalho (QVORTRUP, 1994), pois a atividade escolar, vista como necessária e obrigatória para as crianças, contribui para o desenvolvimento econômico.
As produções indicam a maneira como as crianças têm seu tempo organizado pelos adultos, com os horários ocupados, ‘curricularizados’, supervisionados, sem permissões para esbanjar o tempo com o ócio ou com brincadeiras, dado estarem realizando atividades diversas o dia inteiro. As atividades educativas ocupam o seu tempo e, ao mesmo tempo em que frequentam as instituições, elas estão sendo escolarizadas ou protegidas do mundo adulto. (LLOBET, 2011; VERGARA, 2004)
As publicações argentinas discutem principalmente como as instituições produzem as crianças, pensando na relação dessas instituições com as políticas para a infância. Ou seja, as investigações revelam as formas pelas quais as crianças aparecem no discurso institucional, levando em consideração representações, significações, imagens - os modos, enfim, pelos quais as instituições fabricam as crianças. (LLOBET, 2009)
Dentre as informações obtidas no momento das entrevistas com as pesquisadoras, a abordagem educacional das pesquisas no país preocupava-se com a escolarização, a aprendizagem das crianças e a imposição de padrões normativos para suas vidas. Juntamente com a psicologia, produzia-se conhecimento sobre os problemas de aprendizagem das crianças e os tratamentos para déficit de aprendizagem. Esse enfoque normativo, também presente nas produções chilenas, destacando as etapas do desenvolvimento de acordo com as capacidades adquiridas pelas crianças, conceituou a infância como tempo para preparação e acumulação de experiências e conhecimentos para a vida social e produtiva adulta. Para Souza (1996), a infância, nessa perspectiva, remete a um estado de passagem, é precária, é efêmera; a concepção desqualifica a criança e define padrões de normalidade e deficiência, o que se associa ao processo linear de socialização e compreensão das crianças pela menoridade, incompletude e imperfeição.
Dessa forma, reconhece-se que esse discurso foi predominante na elaboração de políticas públicas que pensavam as crianças no futuro, como modelo idealizado do adulto, focalizando seu potencial enquanto capital humano, numa educação direcionada para o progresso da sociedade (PEÑA OCHOA, 2010). Assim, as crianças foram confinadas aos espaços domésticos e privados, numa associação entre infância e lar, de responsabilidade das mulheres e dos processos de escolarização (PAVELIC; SALINAS, 2012). A infância no Chile continua sendo considerada um assunto privado, regida por uma lógica ‘adultocentrada’ e paternalista, na qual prevalece a preocupação com a proteção (VERGARA, 2004). Nessa mesma linha, as produções argentinas ressaltam que a escolarização das crianças foi vista como importante para a socialização, proteção e preparação para o mercado de trabalho, necessitando de atenção e controle, o que configura o papel da escola como espaço normativo, moralizador e unificador. Essa racionalidade, que sustentou a visão moderna de infância, pautou as ações do Estado, que foi promovendo regulamentação política, principalmente para as crianças que fogem à norma da infância, consideradas à margem. (CARLI, 2006)
Os debates sobre a institucionalização da infância destacaram a “participação infantil como elemento fundamental no exercício dos direitos das crianças, obrigando o Estado a buscar meios para que estes participem, sua voz se escute e seja levada em consideração” (IMHOFF et al., 2012, p. 18), além de enfatizarem o desafio de estabelecer relações assimétricas entre adultos e crianças nos espaços institucionais. Nota-se também que as investigações começam a se preocupar com a trajetória institucional das crianças, de forma a ressaltar o ponto de vista daquelas em situação de rua que frequentam as instituições. Nessa perspectiva, as investigações apontam a participação das crianças, o estado de bem-estar social, os seus direitos e as políticas de inclusão social (LLOBET, 2011). Também é possível identificar estudos sobre os motivos pelos quais as crianças buscam pelas instituições e os motivos para deixá-las, suas relações com a polícia e demais situações de violência. (GENTILE, 2012)
As análises sobre as perspectivas e as experiências das crianças nas instituições estiveram mais presentes a partir da separação do campo dos Estudos da Infância dos Estudos da Juventude, o que veio a reforçar as investigações com as crianças para compreensão de problemas sociais presentes na Argentina na ótica da sociologia e da antropologia. O reconhecimento das crianças como atores sociais proporcionou entendê-las como informantes científicos competentes na investigação de questões sociais que envolvem a infância, de maneira que analisar as trajetórias de vida de crianças em situação de rua se tornou um modo de investigar os processos sociais inscritos nesse fenômeno.
A participação das crianças nas instituições se dá por interpretação e negociação das regras impostas pelos adultos. Sua socialização, nessas instituições, configura e modifica as ações e as práticas naquele espaço, o que influencia sua frequência, ou não, nesses locais (GENTILE, 2012). Sobre a agência das crianças, Llobet (2006, p. 154) ressalta que esta pode ser identificada em situação de fugas, recusas nas instituições, em “resistências passivas (como as que se costumam verificar nas escolas e nas famílias) ou ativas, que forçam as possibilidades de prosseguimento institucional.”
No Chile, nota-se preocupação com o contexto neoliberal atravessando as experiências institucionais das crianças e a maneira como as transições políticas acenaram para a compreensão do papel das crianças no âmbito social e escolar, as quais foram afetadas pelo enfoque estatal jurídico tutelar de ‘situação irregular’ e pela proteção integral, o que levou a serem compreendidas como sujeito de direitos. Mieles e Acosta (2012) afirmam que as orientações políticas estão sempre em transformação, juntamente com alterações na legislação, o que redunda em uma série de reformas educacionais que interfere na vida das crianças, seja no espaço público ou privado.
Observa-se nas produções chilenas que a visão de incompletude e vulnerabilidade reforça comportamentos paternalistas e protecionistas por parte dos adultos, o que dificulta mudanças no âmbito institucional, limitando espaços de participação das crianças. Ibarra e Vergara (2017, p. 23) destacam que a escolarização da infância tem tido uma forte tônica no Chile, no qual se presencia um cenário de aumento das jornadas escolares e de deveres enviados; além disso, estão acompanhadas pela “crescente privatização da vida cotidiana, que reduzem os tempos de ócio e transformado substancialmente os espaços de socialização e brincadeiras, principalmente nas grandes cidades.” Segundo as investigações das autoras, a escola tem se colocado como trabalho em oposição a brincadeira, o que vem demarcando cada vez mais a perda da condição infantil para iniciar precocemente a preparação de capital humano, sem considerar os direitos das crianças.
Considerações finais
Recorre-se à fala de Wintersberger (1994) quando sugere que a infância deve ser estudada tomando-se por base uma perspectiva histórica, dialogando sobre o lugar das crianças na sociedade e nos modelos econômicos. Apreender os contextos culturais e educativos em que as crianças estão imersas implica analisar as políticas sociais e educacionais direcionadas à infância, considerando a diversidade e as múltiplas infâncias presentes nas instituições educativas.
Compreende-se que a infância não constitui uma categoria universal, uma vez que considerar fatores sociais tais como classe, gênero, etnia e cultura permite conceber a infância enquanto construção social que a distingue dos outros grupos e categorias sociais, caracterizando-se como grupo minoritário e historicamente invisibilizado no âmbito científico e social. O esforço de pesquisadores de elaborar metodologias de pesquisa que possibilitem ampliar o entendimento da infância em sua complexidade, bem como engrandecer a produção de conhecimentos a respeito das crianças enquanto atores sociais e produtores de cultura, tem sido elemento presente na composição do campo dos Estudos Sociais da Infância.
Pensar a infância latino-americana significa refletir não apenas sobre as construções histórico-sociais, mas também problematizar as condições de profunda desigualdade social e seus efeitos impactantes na vida das crianças. Cabe considerar, por um lado, a observação de Arendt (2007) de que o nascimento de uma criança representa, para a humanidade, a possibilidade do novo, da continuidade e da descontinuidade, e, por outro, a compreensão de que na América Latina crianças nascem já condenadas à condição de miséria enfrentada por milhões de pessoas no continente, elemento que deve ser considerado e assumido como compromisso com as crianças na efetivação de seus direitos. Olhar para a América Latina e a pluralidade de infâncias nela presentes requer pensar em elementos associados à educação das crianças que as respeite em suas identidades, etnias, opções religiosas e contextos culturais. Considerar as crianças como capazes e competentes, como atores sociais implica o reconhecimento de sua capacidade de produção simbólica e enfatiza a importância da constituição de espaços de participação em que suas vozes sejam consideradas, seus desejos respeitados e suas necessidades atendidas.
Finaliza-se este texto com a poesia Seu nome é hoje, escrita por Gabriela Mistral, que reitera a importância de olhar hoje para as crianças latino-americanas, para que não contem com a sorte de serem crianças, como apontou Galeano, e para que os ensinamentos da vida cotidiana não deixem de garantir os seus direitos.
Somos culpados de muitos erros e faltas porém nosso pior crime é o abandono das crianças negando-lhes a fonte da vida
Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar. A criança não pode Agora é o momento em que seus ossos estão se formando seu sangue também o está e seus sentidos estão se desenvolvendo
A ela não podemos responder “amanhã” Seu nome é hoje.